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Considerações perioperatórias para o novo coronavírus
2019 (COVID-19)
Liana Zucco1, 2, Nadav Levy1, 2, Desire Ketchandji3, Mike Aziz3, Satya Krishna Ramachandran1 1. Beth Israel Deaconess Medical Center, Department of Anesthesia, Critical Care & Pain Medicine, Boston, USA
2. Healthcare Quality and Safety (MHQS) Program, Harvard Medical School, Boston, USA
3. Oregon Health & Science University, Department of Anesthesiology & Perioperative Medicine, Portland, Oregon, USA Declaração de isenção de responsabilidade: A Anesthesia Patient Safety Foundation (APSF) está
publicando este comunicado para ajudar os profissionais perioperatórios no manejo dos seus pacientes
com quadro conhecido ou suspeito de infecção pelo novo coronavírus 2019 (COVID-19, também
conhecido como 2019-nCoV). O surto do COVID-2019 está evoluindo rapidamente, por isso
recomendamos seguir as atualizações dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças sobre esse
assunto.
Introdução
O surto do novo coronavírus 2019 (COVID-19, também conhecido como 2019-nCoV) em
Wuhan, na China, está atingindo rapidamente o nível pandêmico à medida que o número de
países com vítimas continua a crescer. Em 10 de fevereiro de 2020, mais de 40.000 casos foram
confirmados no mundo todo (REF: relatórios situacionais da OMS). A taxa de letalidade
continua desconhecida, mas uma série de casos com 138 pacientes publicada em 7 de fevereiro
de 2020 no Journal of the American Medical Association registrou uma taxa de mortalidade de
4,3%1. Com diversos casos documentados de transmissão de pessoa para pessoa, 2-5 o COVID-
2019 representa um alto risco para todos os profissionais de saúde no ambiente perioperatório.
Recomendamos veementemente que os diretores de áreas perioperatórias e de hospitais
desenvolvam etapas estratégias para intervenções em pacientes com suspeita ou confirmação de
infecção pelo COVID-2019. O objetivo deste comunicado é apresentar medidas de segurança
prudentes no ambiente perioperatório, reconhecendo que essas medidas se baseiam no
aprendizado obtido em surtos virais anteriores. Especificamente, essas medidas foram elaboradas
com base em acertos e erros na redução da transmissão do SARS-CoV e do MERS-CoV em
ambientes de saúde. 5-7
Transmissão do patógeno COVID-2019
A transmissão do patógeno pode ocorrer por inalação de gotículas respiratórias infectadas, em
particular se a exposição de gotículas for muito próxima (cerca de 2 metros) e também inclui
contato com membranas mucosas. Ainda não se sabe se a transmissão pode ocorrer por contato
direto ou indireto com superfícies contaminadas, no entanto, pode ocorrer uma subsequente
autoinoculação e/ou transmissão. Foi demonstrado que outro coronavírus, o SARS-CoV, é capaz
de sobreviver por 24 horas fora do corpo, por esse motivo, no presente momento, presunções
similares estão sendo feitas em relação ao COVID-2019. 6, 7
Evitar a transmissão do COVID-2019 ainda é o esforço mais eficiente de saúde pública para
diminuir o seu impacto. Esse esforço envolve a rápida identificação de casos, rastreamento de
contatos, isolamento/quarentena das pessoas infectadas/expostas e suporte médico. Diretrizes
hospitalares devem estar disponíveis para que os profissionais de saúde gerenciem uma possível
exposição ao vírus no ambiente perioperatório, além dos locais mais comumente considerados,
como salas de emergência, unidades de terapia intensiva e clínicas ambulatoriais.
Reconhecemos que o ambiente perioperatório é um local para possível exposição não-percebida
ao COVID-2019. Por esse motivo, é necessário implementar medidas para mitigar a transmissão
perioperatória. Conforme aprendemos com o surto do SARS-CoV em 2002 em Toronto, a
transmissão nosocomial representa uma séria ameaça ao sistema de saúde e um transtorno para
os sistemas e comunidades hospitalares.7
O que aprendemos com os surtos do SARS-CoV e do MERS-
CoV
A maioria dos casos de SARS-CoV e MERS-CoV foram associados à transmissão nosocomial
em hospitais7 e associados ao uso de procedimentos que geram aerossol em pacientes com
doenças respiratórias. Isso expõe os profissionais de saúde, incluindo anestesistas, intensivistas e
enfermeiras a um risco significativo devido à probabilidade de possível contato com gotículas,
escarro e fluidos corporais durante a realização de procedimentos rotineiros, como o manejo das
vias aéreas.
Durante o surto do SARS-CoV em Toronto, apesar dos protocolos de segurança existentes,
metade dos casos do SARS-CoV ocorreu em profissionais de saúde, dos quais três vieram a
óbito.8 Os profissionais de saúde de Toronto que estavam em maior risco de infecção eram
aqueles envolvidos na manipulação de vias aéreas ou expostos a patógenos aerossolizados de
nebulizadores, CPAPs, BiPAPs ou terapias de alto fluxo nasal com cânula de oxigênio. Os casos
de profissionais de saúde infectados pelo SARS-CoV no surto de Toronto ocorreram após a
intubação de pacientes infectados com o SARS-CoV na UTI, geralmente quando mais de uma
tentativa de intubação foi necessária, e quando mais de três pessoas estavam na sala. 9, 10 Medidas
aprimoradas e o uso de EPI reduziram a transmissão durante o segundo surto do SARS.
Para proteger e garantir a segurança dos profissionais de saúde e, por extensão, dos pacientes
evitando a transmissão nosocomial do novo coronavírus, um esforço coordenado com total apoio
do hospital deve ser implementado.
Transmissão do patógeno e o ambiente de trabalho de
anestesia
Dentro da sala de cirurgia, o ambiente de trabalho de anestesia permite que várias superfícies
abriguem gotículas, servindo assim de reservatórios para o vírus se precauções adequadas contra
gotículas ou processos de descontaminação não forem seguidos.
Conforme observado anteriormente, os processos que favorecem a aerossolização de escarro em
pessoas infectadas e potencialmente infectadas no ambiente perioperatório representam uma
possível fonte de exposição para os profissionais de saúde. Para os anestesistas e intensivistas, o
período que representa o maior risco de exposição envolve o contato direto com gotículas
respiratórias durante o manejo das vias aéreas, principalmente durante a intubação e extubação.
11, 12 Além disso, equipamento de proteção individual (EPI) inadequado, uso inadequado de EPI e
falta de higiene das mãos são fatores em potencial que podem levar à transmissão dos
profissionais de saúde que trabalham junto ao leito dos pacientes. 13
Recomendações para Prática Padrão no Ambiente de
Trabalho de Anestesia da Anesthesia Patient Safety
Foundation (APSF)
Como há relatórios não confirmados de transmissão antes do aparecimento dos sintomas e
devido à rápida disseminação, é difícil identificar e isolar pacientes contaminados com o vírus.
Portanto, recomendamos um escalonamento da prática padrão durante o manejo das vias aéreas
para todos os pacientes para reduzir a exposição a secreções.
Higiene das mãos:
Lavar as mãos com frequência é a mais importante medida de higiene na proteção contra a
infecção cruzada e deve ser adotada ativamente. 9 Géis de higienização de mãos à base de álcool
devem ser disponibilizados em todas as estações de trabalho de anestesia, ou próximo a elas. A
higiene das mãos deve ser realizada meticulosamente conforme as diretrizes padrão,
especificamente após a remoção das luvas, após o contato com áreas sujas ou contaminadas,
antes de tocar na máquina de anestesia ou seu conteúdo e após cada contato com o paciente (p.
ex.: colocação de termômetro, tubo nasogástrico etc).
Equipamento de proteção individual:
Equipamento de proteção individual (EPI) deve ser disponibilizado a todos os profissionais. Os
profissionais e suas organizações devem revisar os protocolos para colocar e retirar corretamente
o EPI. É recomendável realizar simulações de intubação/extubação usando EPI em um ambiente
real (in situ). Essa é uma oportunidade para promover o uso correto do EPI entre os profissionais
e para identificar problemas de adesão. É recomendável evitar intubações em locais de acidentes
do tipo “resgate de emergência”, onde não é possível usar todo o EPI no mesmo nível que em
ambiente hospitalar. Sugerimos um limite mais baixo para o planejamento de intubações
eletivas ou semieletivas em casos relevantes. Devido ao risco de transmissão com ventilação
não invasiva, recomendamos realizar diretamente a intubação endotraqueal em pacientes
com insuficiência respiratória aguda.
Máscaras N95 satisfazem os critérios de filtragem do National Institute for Occupational Safety
and Health (NIOSH) e são aprovadas para proteção contra transmissão pelo ar e por gotículas de
95% das partículas maiores que 0,3 mícron. Acredita-se que as máscaras N95, que devem ser
ajustadas, oferecem proteção contra a contaminação por contato e gotículas do coronavírus. No
mínimo, as máscaras N95 devem ser usadas em todos os casos suspeitos ou confirmados do
COVID-2019, assim como em todos os casos assintomáticos de “vias aéreas abertas’’, p.
ex.: nos procedimentos de pneumologia intervencionistas. Um respirador purificador de ar
motorizado (PAPR) oferece proteção superior e pode ser obtido para procedimentos nas
vias aéreas em pacientes com suspeita ou confirmação do COVID-2019 devido a casos
anteriores de infecção de profissionais com o SARS-CoV usando máscaras N95.
Protetores de barba e toucas descartáveis para a sala de cirurgia devem ser vestidos corretamente
para reduzir o risco de contaminação das mãos ao tocar o cabelo, que pode ter sido exposto a
gotículas. Vestimentas de manga longa resistentes à água e descartáveis, óculos de proteção e
protetores de rosto inteiro são recomendados para a equipe médica da linha de frente com risco
de exposição. É essencial a lavagem das mãos antes e depois de colocar e retirar o EPI.
Manipulação de vias aéreas (intubação e extubação):
Antes da intubação, proteja-se colocando as luvas apropriadas, máscaras/PAPR, protetor de
olhos e vestimenta. Prepare o equipamento de intubação ao lado do paciente e planeje o seu
descarte para limitar a distância de deslocamento do equipamento contaminado. Use a técnica de
luva dupla durante a intubação. Use luvas externas para proteger a lâmina do laringoscópio e
troque as luvas internas logo que possível quando terminar. 11
Durante a extubação, mantenha a higienização das mãos estrita, use máscara com proteção facial
e descarte cuidadosamente o equipamento contaminado. Limite o número de funcionários
presentes durante as intubações/extubações para reduzir o risco de exposição desnecessária.
Considere seriamente antieméticos profiláticos para reduzir o risco de vômito e possível surto
viral. 9
Recomendações para manejo das vias aérea em pacientes com
suspeita de infecção pelo coronavírus (COVID-2019) Adaptado de: Kamming, Gardam and Chang; BJA 2003
Precauções gerais: 1. Casos confirmados ou suspeitos de infecção com o COVID-2019 NÃO devem ser levados para as
áreas de espera ou para a sala de recuperação pós-anestésica (SRPA). Uma sala de cirurgia designada
deve ser alocada para esses casos e avisos devem ser colocados nas portas para minimizar a exposição
dos funcionários. Os casos infectados devem se recuperar na sala de cirurgia ou serem transferidos
para ITU em uma sala de pressão negativa. Certifique-se de que um filtro de troca de calor e umidade
(HMEF) que remove pelo menos 99,97% das partículas suspensas no ar de 0,3 mícron ou maiores seja
colocado entre o tubo endotraqueal e a bolsa do reservatório durante as transferências para evitar a
contaminação da atmosfera.
2. A SUA proteção pessoal é uma prioridade. Equipamentos de proteção individual (EPI) devem estar
disponíveis a todos os profissionais para garantir que precauções contra partículas suspensas no ar,
gotículas e o isolamento de contato possam ser adotadas. Planeje com antecedência para permitir que a
equipe tenha tempo suficiente para vestir o EPI e adotar as precauções de proteção. Atenção cuidadosa
é necessária para evitar a autocontaminação.
Durante a manipulação das vias aéreas 3. Coloque um respirador N95 ajustado ou um respirador purificador de ar motorizado (PAPR), vista
óculos de proteção, vestimentas protetoras, luvas e protetores de sapatos. Aplique a técnica da luva
dupla. Aplique o monitoramento padrão ao paciente, como faria em qualquer indução de anestesia.
4. Se possível, designe o anestesista com mais experiência para realizar a intubação. Evite que residentes
façam intubações de pacientes doentes durantes esse período.
5. Evite intubação por fibra óptica com paciente acordado, exceto quando especificamente indicado.
Anestesia local atomizada irá aerossolizar o vírus. Considere o uso de um videolaringoscópio para
aumentar o sucesso da intubação.
6. Prepare para pré-oxigenar por no mínimo 5 minutos com 100% de oxigênio, e realize uma indução de
sequência rápida (ISR) para evitar ventilação manual dos pulmões do paciente e uma possível
aerossolização do vírus a partir das vias aéreas.
7. Realize uma ISR (certifique-se de que um assistente treinado esteja disponível para realizar pressão
cricoide) ou uma ISR modificada, conforme indicado clinicamente. Se ventilação manual for
necessária, aplique volumes de corrente baixos.
8. Certifique-se de que um filtro de troca de calor e umidade (HMEF) que remove pelo menos 99,97%
das partículas suspensas no ar de 0,3 mícron ou maiores seja colocado entre a máscara facial e o
circuito respiratório ou entre a máscara facial e a bolsa do reservatório.
9. Proteja novamente o laringoscópio imediatamente após a intubação (com a técnica da luva dupla).
Lacre TODO o equipamento usado nas vias aéreas em uma bolsa de plástico de lacre duplo. Ela deve
ser removida para descontaminação e desinfecção.
10. Após remover o equipamento de proteção, lembre-se de evitar tocar nos cabelos ou na face antes de
lavar as mãos.
Baixe o PDF do infográfico
Referências
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