“Práticas Educativas em Segurança Alimentar e Nutricional: a experiência da Estratégia Saúde da Família em João Pessoa-PB”
por
Ana Cláudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos
Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências na área de Saúde Pública.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosana Magalhães
Rio de janeiro, agosto de 2013.
Esta tese, intitulada
“Práticas Educativas em Segurança Alimentar e Nutricional: a experiência da Estratégia Saúde da Família em João Pessoa-PB”
apresentada por
Ana Cláudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos
foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:
Prof.ª Dr.ª Kátia Suely Queiroz Silva Ribeiro
Prof.ª Dr.ª Lígia Amparo da Silva Santos Brasil
Prof.ª Dr.ª Maria Cristina Faber Boog
Prof.ª Dr.ª Mirian Ribeiro Baião
Prof.ª Dr.ª Rosana Magalhães – Orientadora
Tese defendida e aprovada em 23 de agosto de 2013.
Catalogação na fonte Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica Biblioteca de Saúde Pública
V331 Vasconcelos, Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Práticas educativas em Segurança Alimentar e Nutricional:
a experiência da Estratégia Saúde da Família em João Pessoa-PB. / Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos. -- 2013.
xiii,281 f. : mapas
Orientador: Magalhães, Rosana Tese (Doutorado) – Escola Nacional de Saúde Pública
Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2013.
1. Educação em Saúde. 2. Saúde da Família. 3. Segurança Alimentar e Nutricional. 4. Avaliação. 5. Implementação. I. Título.
CDD – 22.ed. – 363.8098133
À “pequena grande” Hanna, amor maior e fonte de inspiração cotidiana...
Ao meu pai, Romero (in memoriam) e à minha mãe Terezinha, porto seguro para as minhas “viagens”...
ii
AGRADECIMENTOS
Aos usuários da unidade de saúde estudada: idosos do grupo, que me acolheram com sorrisos estampados nos rostos; gestantes da “sala de espera”; aqueles que eu tive oportunidade de visitar, de entrevistar, de conversar e conhecer um pouco mais sobre suas realidades e suas vidas.
À todos os profissionais e apoiadores (NASF) da unidade de saúde onde realizamos o estudo, que me acolheram de forma tão generosa e calorosa, nas reuniões, visitas, grupos, entrevistas e em tantos outros momentos do cotidiano de trabalho.
À Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa, por acolher e apoiar a realização desta pesquisa. À direção e equipe do Distrito Sanitário III, pelo apoio prestado, disponibilizando relatórios, documentos e informações necessárias para o estudo.
Aos integrantes do Grupo de Trabalho de Segurança Alimentar e Nutricional do Distrito III, pela receptividade à minha participação na reunião do grupo.
Ao Evi Clayton e à Ellen Rangel pelo apoio e informações disponibilizados na fase exploratória da pesquisa.
À diretora do Distrito sanitário V, Célia Pires de Sá, apoiadores, profissionais e usuários da USF São José pelo apoio para a realização do pré-teste dos roteiros das entrevistas.
Aos integrantes do projeto Práticas Integrais da Nutrição na Atenção Básica em Saúde- PINAB, pela possibilidade da experimentação, diálogo e inovação no campo da extensão universitária e da formação em nutrição e saúde coletiva.
Aos colegas do Grupo de Pesquisa em Educação Popular em Saúde- GT EPS, pela acolhida, apoio, reflexões e sugestões valiosas ao projeto desta pesquisa.
Ao Pedro José Cruz, pelas provocações pedagógicas e pela parceria nos caminhos construídos na extensão e formação universitária.
À Ingrid D’Avilla Freire Pereira, pelas sugestões oportunas, pela amizade e apoio carinhoso no Rio de Janeiro.
À Sabrina Ionata Oliveira, pela partilha das inquietações e debates nas iniciativas envolvendo a educação alimentar e nutricional e a SAN no período que trabalhamos no MDS.
Aos colegas do Departamento de Nutrição da UFPB pelo suporte prestado na minha ausência às atividades docentes.
À Profa. Maria Elisabete Pessoa Lins (in memoriam), por ter me mostrado uma outra maneira de pensar e fazer educação nutricional.
Aos colegas Beatriz Dantas e Lindemberg Medeiros de Araújo, pelas reflexões, sugestões e apoio.
À Rosana Magalhães, orientadora, pelo apoio em todas as fases do trabalho e pela maneira criteriosa, instigante e competente que conduziu a orientação deste estudo.
Às profas. Luciene Burlandy e Mirian Baião pelas sugestões preciosas na ocasião do exame de qualificação, contribuindo para o aprimoramento do estudo.
iii
Aos docentes membros da banca examinadora, pelas contribuições pertinentes e valiosas a este estudo.
Á Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela concessão da bolsa de estudos para o estágio na ENSP/Rio de Janeiro.
Aos Coordenadores do Doutorado Interinstitucional (DINTER) Prof. Cesar Cavalcanti da Silva, Profa. Ana Maria Gondim, Profa. Cristina Guilam e Profa. Maria Helena Barros pela disponibilidade e apoio ao longo desse processo.
À Profa. Vera Amaral (in memoriam), pelo empenho e compromisso para a viabilização da proposta do DINTER .
Aos colegas do doutorado, pela partilha das incertezas e das risadas. Em especial, Ana Suerda, Angela, Bianca, Cristiane, Gigliola, Jorge, Nilza, Suelma, Waglania e Waneska, cada um à sua maneira me deu força, apoio e carinho!
À Ligia Giovanella, pelo carinho e acolhida generosa no Rio de Janeiro.
À Helena Souto Oliveira, pela hospitalidade e carinho que amenizaram a saudade da minha família nos meses que passei no Rio de Janeiro.
Aos amigos Ana Valeria e Mauro, pelo pouso regado a aconchego e amizade, tornando a vida na cidade maravilhosa mais leve e afetuosa.
À Alice Teles, Ana Cristina Souto, Christine Cunha e Joria Guerreiro, “amiguirmãs”, pela força, cumplicidade e amizade, sempre!
À Cleide, trabalhadora doméstica, pelo cuidado , zelo e apoio cotidiano.
Ao meu cunhado Julio Rafael, “Juca” (in memoriam), que sempre sonhou e lutou por um Brasil melhor, com coragem e obstinação. “E a luta continua”....
Às três Anas (Adelaide, Izabel e Tereza), minhas irmãs, pelo amor, cumplicidade e presença que alimentaram a minha determinação para seguir em frente. Meu agradecimento especial à Ana (Adelaide), que me inspirou e estimulou com sua generosidade, bravura e serenidade.
À minha mãe, Terezinha, pelo amor, apoio e compreensão da minha ausência nesse período; pelo respeito aos meus momentos de recolhimento e estresse.
À minha filha Hanna, por compreender tão bem a minha presença ausente e a minha ausência presente nesses quatro anos, me incentivando com a energia do seu amor, da sua sensibilidade e da sua luz.
iv
“Se as coisas são inatingíveis... ora! Não é motivo para não querê-las ... Que tristes os caminhos, se não fora a presença distante das estrelas! ”
Mário Quintana
v
RESUMO
A inserção da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) na agenda política
brasileira e a institucionalização do Sistema Nacional de SAN (SISAN),
reafirmam a importância do diálogo intersetorial no campo da alimentação e
nutrição no país e a reflexão do papel do setor saúde nesse contexto. Nesse
cenário, a Estratégia Saúde da Família (ESF), se constitui em um lócus
privilegiado para se avançar na promoção da saúde e da SAN. O objetivo deste
estudo consistiu em analisar a implementação de práticas educativas em saúde e
nutrição, desenvolvidas em uma Unidade de Saúde da Família (USF), no município de
João Pessoa-PB, buscando identificar os desafios, limites e alcances da
experiência no contexto local. Trata-se de um estudo de caso único exploratório
que utilizou a abordagem qualitativa, e o referencial teórico-metodológico do
campo da avaliação de Políticas Públicas. Além da observação direta local e da
consulta documental, foram realizadas quarenta entrevistas semiestruturadas
com profissionais e usuários da USF, e com os apoiadores matriciais vinculados ao
Distrito Sanitário III. Foram observadas fragilidades e práticas restritas à perspectiva de
mudança individual de comportamentos e de hábitos alimentares. A análise dos
resultados revelou limites e inconsistências no processo de consolidação da Política
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) tais como a incipiente
aproximação dos profissionais com a temática da alimentação e nutrição, dificuldades
decorrentes da percepção das equipes sobre o seu papel e do serviço de saúde diante da
problemática envolvendo a questão alimentar e nutricional, e
dificuldades ligadas à gestão e infraestrutura. Conclui-se que o fortalecimento da
parceria das Equipes de Saúde da Família com universidades,
instituições de pesquisa e intervenções intersetoriais como o Programa Saúde na
Escola (PSE) e o Programa Bolsa Família (PBF) podem favorecer o desenho de
iniciativas mais abrangentes e participativas no campo da alimentação e nutrição na
atenção básica e fortalecimento da PNSAN em João Pessoa.
Palavras-chave: Educação em Saúde. Saúde da Família. Segurança Alimentar e
Nutricional. Implementação. Avaliação.
vi
ABSTRACT
The introduction of the Food and Nutritional Security (SAN) in the Brazilian political
agenda and the institutionalization of the Food and Nutritional National System
(SISAN), reinforce the importance of the intersectional dialogue in the areas of food and
nutrition in the country, and the role that the health sector plays in this context. The
Family Health Strategy (ESF) forms a privileged platform that enables health promotion
and the promotion of Food and Nutritional Security to move forwards. The objective
of this study was to analyse the implementation of educational practices in the areas of
health and nutrition in a Family Health Unit (USF) in Joao Pessoa-PB, and to identify
the challenges, limitations and achievements of the experience in the local context. This
was a exploratory unique case study that has used a qualitative approach and the
theoretical and methodological framework of the evaluation of Public Policies. In
addition to systematic observations and the document review, forty semi-structured
interviews were carried with professionals, service users of the USF, and the supporting
matrix linked to the Sanitary District III. Frailties and practices that were specifically
applied to change individual behaviour and eating habits were analysed. The analysis of
the results has shown limitations and inconsistencies in the consolidation process of the
Food and Nutritional Security National Policy (PNSAN). These included: the limited
knowledge of the professionals on the subject areas of food and nutrition ,difficulties
which result from the team perception on what their role is, and the one of the public
health as well, when facing the question which involves the food and nutrition practices
and also difficulties related to management and infrastructure. It has been concluded
that the strengthening of partnerships between the Family Health Teams with
universities, research Institutions and intersectional interventions, such as the School
Health Program (PSE) and the Family Grant Program (PBF), could favour food and
nutrition initiatives that are more far reaching and engaging, and that would focus on
and strengthen the PNSAN in Joao Pessoa.
Keywords: Health Education. Health Family. Food and Nutrition Security.
Implementation. Evaluation
vii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACS Agente Comunitário de Saúde
APS Atenção Primária à Saúde
CAISI Centro de Atenção Integral à Saúde do Idoso
CAPS Centro de Atenção Psicossocial
CLS Conselho Local de Saúde
CMI Coeficiente de Mortalidade Infantil
CNEPS Comitê Nacional de Educação Popular em Saúde
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
CONSEA Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
CNS Conselho Nacional de Saúde
CNSAN Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
CGEAN Coordenação Geral de Educação Alimentar e Nutricional
CRAS Centro de Referência de Assistência Social
CTA Centro de Testagem e Aconselhamento
DCNT Doenças Crônicas Não Transmissíveis
DHAA Direito Humano à Alimentação Adequada
DSIII Distrito Sanitário III
DST Doenças Sexualmente Transmissíveis
EAN Educação Alimentar e Nutricional
ENDEF Estudo Nacional de Despesa Familiar
ENSP Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca
EPS Educação Permanente em Saúde
ESF Estratégia Saúde da Família
FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz
GTI Grupo de Trabalho Intersetorial
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IMC Índice de Massa Corporal
LOSAN Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional
MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MS Ministério da Saúde
NASAN Núcleo de Apoio a Segurança Alimentar e Nutricional
OMS Organização Mundial de Saúde
PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde
viii
PBF Programa Bolsa Família
PENSE Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar
PINAB Práticas Integrais da Nutrição na Atenção Básica em Saúde
PLANSAN Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
PMAQ Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção
Básica
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
POF Pesquisa de Orçamento Familiar
PNEPS Política Nacional de Educação Popular em Saúde
PNSAN Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
PSE Programa Saúde na Escola
PSF Programa Saúde da Família
SAN Segurança Alimentar e Nutricional
SIAB Sistema de Informação da Atenção Básica
SISAN Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
SISVAN Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional
SMS Secretaria Municipal de Saúde
SUS Sistema Único de Saúde
UFPB Universidade Federal da Paraíba
UNIPB Faculdade Unida da Paraíba
UNIPÊ Centro Universitário de João Pessoa
USF Unidade de Saúde da Família
VIGITEL Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por
inquérito telefônico
VPI Vantagem Pecuniária Individual
ix
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Quantitativo das atividades acompanhadas segundo o tipo
de atividade 59
Quadro 2 Demonstrativo das visitas domiciliares
acompanhadas 60
Quadro 3 Demonstrativo das atividades educativas
Acompanhadas 60
Quadro 4 Distribuição dos profissionais entrevistados
por equipe de saúde 63
Quadro 5 Características sociodemográficas do município
de João Pessoa 73
Quadro 6 Composição profissional da USF Caleidoscópio
conforme a equipe de saúde 75
x
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Distribuição espacial dos Distritos Sanitários em João Pessoa-PB 74
Figura 2 Cartografia do território adscrito à USF Caleidoscópio 78
xi
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO 1- PRÁTICAS EDUCATIVAS EM SAÚDE E NUTRIÇÃO 13
1.1. Educação em saúde: trajetória e principais tendências 13
1.2. Paulo Freire e a Educação Popular em Saúde 18
1.3 A abordagem sociológica de Pierre Bourdieu 24
1.4 Práticas educativas em saúde e nutrição e os enfoques da Segurança
Alimentar e Nutricional e da Promoção da Saúde : desafios e perspectivas 30
CAPÍTULO 2- ABORDAGEM METODOLÓGICA 42
2.1 Um olhar construtivista sobre as práticas educativas em saúde e nutrição
e sobre a avaliação do alcance das experiências 42
2.2 O cenário da pesquisa 53
2.3 Procedimentos e técnicas de coleta de dados 56
2.3.1 O processo de observação local 57
2.3.2 As entrevistas 61
2.3.3 A consulta documental 68
2.4. Análise dos dados 68
2.5. Aspectos éticos 70
CAPÍTULO 3- RESULTADOS E DISCUSSÃO 72
3.1. O contexto local para o desenvolvimento das práticas educativas
em saúde e nutrição 72
3.1.1 Aspectos ligados ao território, à unidade estudada
e às principais estratégias da gestão municipal de saúde 72
3.1.2. As práticas educativas na USF Caleidoscópio 83
3.2. O processo de implementação das práticas educativas em saúde e nutrição 106
3.2.1O planejamento e a avaliação 106
3.2.2 Sobre o envolvimento dos profissionais 123
3.2.3As abordagens utilizadas 130
xii
3.3. Práticas educativas em saúde e nutrição e a Segurança Alimentar e
Nutricional 140
3.3.1. A abordagem da alimentação e nutrição no cotidiano do serviço 140
3.3.1.1 O grupo de idosos 149
3.3.1.2 Sala de espera com as gestantes 153
3.3.1.3 As visitas domiciliares dos ACS 156
3.3.1.4 Os estagiários de nutrição 162
3.4. Práticas educativas sob o enfoque da Segurança Alimentar e Nutricional
na Unidade de Saúde da Família: constrangimentos e possibilidades 167
3.4.1. A compreensão da SAN pelos agentes envolvidos 167
3.4.2 As dificuldades encontradas para a implementação das
atividades envolvendo a alimentação e nutrição 185
3.4.2.1 Dificuldades vinculadas ao serviço de saúde 186
3.4.2.2 Dificuldades decorrentes da percepção dos profissionais de
saúde sobre seu papel 193
3.4.3 O desafio para a intersetorialidade 206
3.4.3.1 O Programa Saúde na Escola e o Programa Bolsa Família:
iniciativas estratégicas para a abordagem da alimentação
e nutrição na perspectiva intersetorial 213
3.4.3.1.1 A ESF e o Programa Saúde na Escola 213
3.4.3.1.2 O Programa Bolsa Família na ESF 219
3.4.4 Aspectos que podem contribuir para a qualificação das
ações de alimentação e nutrição 226
CONSIDERAÇÕES FINAIS 238 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 244 APÊNDICES 267 ANEXOS 278
xiii
1
INTRODUÇÃO
A experiência brasileira no campo Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e
do direito humano à alimentação adequada (DHAA) a tem sido alvo de atenção no
âmbito internacional1. Os avanços ocorridos no país, nos últimos anos, no campo das
políticas públicas de SAN, no que se refere aos marcos legais e institucionais, os quais
incorporam a participação da sociedade civil organizada e contemplam as múltiplas
dimensões do enfoque da SAN, são inegáveis.
Desde a década de 1990 o enfoque da SAN no Brasil vem sendo construído
mediante a ampliação dos espaços de diálogo com a sociedade civil, setores da
academia e gestores públicos. A partir de 2003, diversas iniciativas foram empreendidas
pelo governo e sociedade civil em torno da SAN. A reformulação do Conselho
Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) b, a criação do Programa Fome Zeroc, a
criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fomed (MDS), a
realização da II e III Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(CNSAN) marcam esta trajetória.
A unificação dos programas sociais Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio
Gás e Cartão Alimentação por meio da criação do Programa Bolsa Família (PBF), a
implantação de uma rede de equipamentos públicos de SAN (Bancos de alimentos,
Restaurantes populares, Cozinhas comunitárias), a reformulação do Programa Nacional
de Alimentação Escolar (PNAE) e a aprovação e regulamentação da Lei Orgânica de
SAN e ( LOSAN) 2 3 também expressam o dinamismo do tema na agenda política
recente.
a Quando todo homem, mulher e criança, sozinho ou em comunidade com outros, tem acesso físico e
econômico, ininterruptamente, a uma alimentação adequada ou aos meios necessários para sua obtenção. Organização das Nações Unidas. Comentário Geral número 12: O direito Humano à Alimentação. Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU.[site da Internet] [acessado 2010 dez 16]. Disponível em: http://www.abrandh.org.br/index.php?arquivo=artigos1999.
b Formado por representantes do poder público e da sociedade civil, tem caráter consultivo e assessora o Presidente da República na formulação das políticas de SAN.
c O Fome Zero posteriormente foi transformado em uma estratégia do Governo Federal para assegurar o direito humano à alimentação adequada, priorizando as pessoas com dificuldade de acesso aos alimentos. Inserindo-se na promoção da segurança alimentar e nutricional e visando contribuir para a erradicação da extrema pobreza e a conquista da cidadania da população mais vulnerável à fome.
d Resultante da fusão do Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar e combate à Fome (também criado no governo Lula) com o Ministério da Assistência Social e com a Secretaria Executiva do PBF.
e Lei nº 11.346, de 15/09/2006, cria o SISAN com vistas em assegurar o DHAA.
2
Na verdade a LOSAN é um desdobramento de um intenso e amplo processo de
reivindicações para o reconhecimento da SAN como direito humano e de cidadania
cujas origens remontam ao debate ocorrido nos anos 1930 e 1940 sob a forte influência
de Josué de Castro no país. A Lei referenda o conceito de SANf formulado na II
CNSAN e estabelece a SAN como subordinada a dois princípios: do DHAA e da
Soberania Alimentar 4.
A inserção da SAN na agenda política brasileira e a institucionalização do
Sistema Nacional de SAN (SISAN), cujas premissas orientadoras compreendem a
equidade, diversidade, intersetorialidade, sustentabilidade, soberania, DHAA, controle
social e descentralização, reafirmam a importância do diálogo intersetorial no campo da
alimentação e nutrição no país 5. Além disso, nesta trajetória, a ênfase na dimensão
participativa tem contribuído para a reflexão sobre estratégias de colaboração e
mecanismos voltados à construção de parcerias 6.
Reconhecendo a riqueza deste processo e buscando aprofundar as questões
surgidas no meu percurso profissional como docente e gestora, decidi estruturar minha
pesquisa no âmbito do curso de doutorado, associando a temática da política de SAN
aos desafios enfrentados no cotidiano dos serviços de saúde.
As discussões fomentadas durante o desenvolvimento da disciplina de graduação
Educação Nutricional (da qual sou docente), norteadas pelos eixos das concepções
críticas de educação, das dimensões socioculturais da alimentação, da Promoção da
Saúde, da SAN e do DHAA, foram fundamentais para problematizar as práticas
educativas em nutrição e refletir sobre o seu papel no contexto das políticas de SAN e
do Sistema Único de Saúde (SUS).
No âmbito da coordenação do projeto “Práticas Integrais da Nutrição na
Atenção Básica em Saúde” (PINAB) (2007-2010), foi possível desenvolver um debate
em torno da Nutrição em Saúde Coletiva, da SAN e da Promoção da Saúde, pautado no
referencial da Educação Popular, com estudantes de nutrição inseridos em uma
Unidade de Saúde da Família (USF), uma Escola e nas comunidades do entorno desses
equipamentos. Os estudantes realizavam visitas domiciliares, grupos operativos e eram
corresponsáveis pela gestão do projeto. Essa experiência contribuiu para o
desenvolvimento de práticas dialógicas e horizontais, buscando a pró-atividade dos
f Realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade
suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
3
estudantes e uma intervenção humanizada da nutrição, articulada à realidade das
pessoas, com a construção de caminhos para uma prática profissional comprometida
com a promoção da saúde da comunidade 7.
A experiência como gestora no MDS, de 2004 a 2006, período marcado pelo
debate político voltado à construção e fortalecimento da SAN, propiciou um
aprendizado significativo. Na ocasião, a partir da minha inserção na Coordenação Geral
de Educação Alimentar e Nutricional (CGEAN) pude participar da implementação de
ações educativas, além de acompanhar o debate ampliado e crítico sobre as ações de
SAN no Brasil, promovido pelo CONSEA, e o processo de formulação da LOSAN.
Tais processos oportunizaram o aprofundamento de questões que já me
inquietavam há alguns anos, como os desafios para a implementação de ações
intersetoriais, a necessidade de articulação do orçamento à gestão das políticas públicas
e a urgência de se pensar em práticas educativas sintonizadas com o marco conceitual e
legal da SAN, à época em construção. A minha participação nas diversas instâncias
intra e interinstitucionais no âmbito do governo federal nesse período, possibilitou
maior aproximação às tensões, conflitos e desafios que envolviam a dimensão da
intersetorialidade, na formulação e implementação da política de SAN.
Dessa maneira, os aspectos socioculturais da alimentação, a Promoção da Saúde,
a SAN, o DHAA e o entendimento da população como protagonista e sujeito das ações,
produziram inquietações sobre o “lugar” que a SAN estaria ocupando nas práticas
educativas empreendidas pelas intervenções sociais e de saúde. O setor saúde se coloca
nessa arena como um ator estratégico, tanto pelas convergências dos princípios do SUS
com os do SISAN, como pela capilaridade da natureza de suas ações.
Considerando que a Atenção Básica à Saúde, representada sobretudo pela
Estratégia Saúde da Família (ESF), se constitui em um lócus privilegiado para se
avançar na promoção da saúde e da SAN 7,8 , surgiu o interesse em desvelar como os
avanços da SAN no país têm repercutido do ponto de vista das práticas educativas dos
profissionais de saúde no âmbito da ESF.
Todavia, em que pese às potencialidades da articulação da Promoção da Saúde
com os princípios orientadores da SAN, indaga-se até que ponto esse enfoque tem se
traduzido nas práticas dos profissionais que desenvolvem atividades no nível local de
assistência à saúde, sobretudo naquelas relativas aos processos educativos.
A Política Nacional de SAN (PNSAN) é bastante abrangente e busca dialogar
com diversos setores e programas governamentais que possuem diretrizes e espaço de
4
deliberação próprios, exigindo iniciativas inovadoras no plano institucional e na
concepção de ações e programas públicos integrados, além de demandar negociação
permanente entre os setores e instâncias envolvidos 9 . O setor saúde, sobretudo por
meio das ações locais prestadas por meio da ESF, se insere nesse contexto e as práticas
educativas podem se configurar como fomentadoras de abordagens da questão alimentar
e nutricional apoiada nas perspectivas mais ampliadas, que dialoguem com as noções
incluídas no referencial da SAN.
Apesar do marco legal da PNSAN ter se conformado na última década com a
aprovação da LOSAN, em 2006, e a sua regulamentação em 2010, o enfoque da SAN,
no Brasil, já vinha sendo adotado desde os anos 90, seja a partir de iniciativas da
sociedade civil, como no âmbito das políticas públicas, a exemplo da Política Nacional
de Alimentação e Nutrição (PNAN), criada em 1999, e que à época já explicitava no seu
texto a questão da SAN e do DHHA 10.
A criação da PNAN marca o campo da SAN, na medida em que estabelece as
competências, princípios e diretrizes da área da alimentação e nutrição, sob abordagens
mais amplas e distintas da perspectiva assistencialista das intervenções das décadas
anteriores 10 . Recine & Vasconcellos 11 lembram que, mesmo tendo sido formulada em
uma época de valorização do estado mínimo, a PNAN contemplou a intersetorialidade,
contextualizou-se como elemento de contribuição da SAN e adotou o DHAA como
princípio. Na configuração da PNSAN, a PNAN assume uma posição estratégica,
sendo apontada como um elo entre o SUS e o SISAN 11 .
Entretanto, apesar de ter representado um avanço importante para o campo da
SAN e contemplar entre os seus propósitos a promoção das práticas alimentares
saudáveis, a PNAN, na sua primeira versão não se posicionou claramente a respeito da
concepção da educação alimentar e nutricional, dos limites e possibilidades dos
processos educativos, como também não propôs diretrizes para a prática educativa no
âmbito do SUS 12 . Tais aspectos mereceram maior atenção na versão atualizada da
PNAN13, que no seu texto traz a autonomia, o diálogo entre profissionais de saúde e a
população, a referência na realidade local, a problematização, o construtivismo e a
intersetorialidade como premissas para as práticas de educação alimentar e nutricional.
É inegável que a experiência acumulada por meio da construção e da trajetória das
diversas iniciativas dos anos 90 no campo social, as quais já traziam no seu escopo
aspectos e dimensões importantes relacionados ao enfoque da SAN, contribuiu para o
processo de formulação da PNSAN. Aliado a isso, a concepção sobre a alimentação
5
como um direito humano imprimiu novas bases às intervenções públicas na área ao
longo da década de 2000. As lições aprendidas com essas experiências poderão
contribuir para o aprofundamento das reflexões nesse campo.
Neste percurso, ainda existem limitações importantes para a efetividade das
múltiplas ações e iniciativas. Quando se considera o campo da SAN, e as políticas
públicas recém implementadas no país, vale considerar que esse é um campo
interdisciplinar e intersetorial, ainda em construção no Brasil, tanto politicamente,
como cientificamente 14.
Mesmo diante dos avanços assinalados, no que se refere à produção do
conhecimento acerca da SAN, conceitos e metodologias estão sendo delineados e ainda
persistem muitos desafios vinculados à pesquisa na área. Prado et al 15, ao estudar a
pesquisa sobre SAN no Brasil de 2000 a 2005, evidenciaram a predominância de
estudos sobre a qualidade dos alimentos (área de ciência e tecnologia dos alimentos) e
estado nutricional de grupos populacionais (área da nutrição), apontando para a
necessidade de investimentos de pesquisa nesse campo, tendo em vista que esse ainda
encontra-se pouco dinâmico.
No entanto, apesar dessas limitações, para Pereira & Santos 16 tem crescido no
país o interesse em torno da temática da SAN, destacando a inclusão de um módulo
para investigação da Segurança Alimentar em pesquisa nacional do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE)17 e o apoio de organismos nacionais e internacionais
para a pesquisa sobre SAN.
De fato, a segunda metade da década de 2000, no Brasil, foi marcada por
diversos estudos sobre a questão da SAN, privilegiando múltiplas dimensões e aspectos
vinculados às questões da cultura alimentar, práticas educativas, participação social,
avaliação de políticas e programas, dentre outros 12, 18-21.
O desfecho da operacionalização das ações e programas previstos pela PNSAN,
por meio do SISAN, ocorre no nível local, seja um município, bairro ou comunidade. E
consiste de uma rede bastante capilarizada, formada por uma multiplicidade de atores e
interesses, que demanda esforços e arranjos institucionais complexos. A organização
política, social, econômica e cultural dos municípios e estados, configuram os contextos
de implementação da PNSAN, que geram experiências com contornos particulares e
avanços diferenciados, nas quais as ações locais não traduzem de maneira homogênea,
as conquistas do campo da SAN no país, havendo ainda profundas disparidades nessa
área.
6
As pesquisas sobre as iniciativas do poder público no âmbito da SAN mostram o
quão desafiador e inovador tem sido essa construção, tanto do ponto de vista do desenho
operacional e da gestão, como do controle social, dentre outros aspectos político-
institucionais, evidenciando-se assim que, embora os programas expressem na sua
concepção avanços significativos do ponto de vista da SAN e da cidadania, ainda
apresentam fragilidades relacionadas à implementação das suas ações 21-27 .
A dimensão da intersetorialidade, que historicamente tem se constituído em um
“gargalo” para a implementação das políticas sociais brasileiras e que tem sido realçada
no âmbito do SISAN, deve ser fortalecida na esfera da pesquisa, buscando-se avaliar
como tem sido a contribuição dos diversos setores à sua construção e quais os
obstáculos e potencialidades para a convergência efetiva das ações no referido sistema.
A Promoção da Saúde tem sido reconhecida como uma importante frente para a
promoção da SAN no âmbito do setor saúde 12, 19, 28, 29, 30, 31.
Ressalta-se que o debate internacional sobre a Promoção da Saúde vem
acompanhando o movimento da Reforma Sanitária brasileira e a implementação do
SUS, especialmente do final da década de 90 até os dias atuais 32 na perspectiva da
reorientação do modelo assistencial, configurada a partir do fortalecimento da atenção
básica à saúdeg por meio da ESF, mediante a ampliação do acesso, a qualificação e a
reorientação das práticas de saúde 33, 34 . Nesse sentido, a Política Nacional de Atenção
Básica (PNAB) estabelece a Promoção da Saúde como uma de suas áreas estratégicas 35.
Contudo, os antecedentes da promoção da saúde foram construídos a partir da
década de 20 com a sua referência por alguns autores nas definições de saúde pública e
nas funções essenciais da medicina, explicitando-se desde essa época a relação das
condições de vida com a saúde 36.
Nas últimas décadas, o conceito foi sendo ampliado, principalmente no Canadá,
Estados Unidos e em alguns países europeus 36. Nessa direção a Organização Mundial
da Saúde (OMS) promoveu de 1986 a 2005, seis Conferências Internacionais de
Promoção da Saúde, realizadas em diversos países e cujos produtos, além da discussão e
do acúmulo teórico, foram as chamadas Cartas da Promoção da Saúde 37.
Esses documentos estabelecem as bases conceituais e políticas da promoção da
saúde, explicitando a valorização da concepção holística da saúde, da determinação
g Essa denominação é adotada apenas no Brasil. No âmbito internacional é utilizado o termo Atenção
Primária.
7
social do processo saúde-doença, da equidade social, da intersetorialidade, da
participação social e da sustentabilidade como princípios orientadores das estratégias
das ações da Promoção da Saúde38 .
Cotejando-se a discussão da Promoção da Saúde com o campo da SAN e o seu
arcabouço teórico e filosófico, denota-se que esse se aproxima da perspectiva da ‘nova
promoção da saúde’, apontando para a crítica da visão preventiva e medicalizada da
saúde e se propondo a intervir sobre os seus determinantes, criando entornos físicos e
sociais favoráveis à saúde19. Dessa maneira, os princípios da intersetorialidade,
participação popular, equidade, enfoque do direito e sustentabilidade são comuns à
promoção da saúde e a SAN.
Para Ferreira & Magalhães30, a proposta da promoção da saúde indica um
caminho promissor para o campo da alimentação e nutrição, consistindo em uma
estratégia que articula diferentes setores e atores sociais. Além disso, essa proposta
contempla questões como a integralidade; articulação de saberes técnicos e populares;
capacitação dos indivíduos; parcerias; intersetorialidade; ação comunitária; educação
popular; cidadania; dentre outras. Essas questões reforçam a potencialidade da
promoção da saúde enquanto dispositivo teórico-metodológico e político para o
fomento das ações e programas vinculadas à PNSAN.
Costa19 comenta que a inserção da alimentação e nutrição na ótica da SAN como
uma das diretrizes da Promoção da Saúde, além de agregar conteúdo, articula um amplo
conhecimento sobre as contradições do sistema alimentar, favorecendo a autonomia, a
cidadania e as escolhas saudáveis baseadas na compreensão dos condicionantes desse
sistema. A autora também assinala que o esforço de inserção da SAN entre as
estratégias de promoção da saúde poderia ampliar os temas envolvidos na alimentação
e nutrição, aprofundando as conexões com as dimensões do meio ambiente, da
produção, do abastecimento e da comercialização19. Recine & Vasconcellos11 destacam
a inserção do setor saúde no SISAN e evidenciam algumas questões nessa direção:
“como e o quanto a Saúde se vê no campo da SAN, sua contribuição, seu papel, tanto no desenvolvimento de ações como também disputando e decidindo agenda; como e o quanto a SAN vê a saúde como parceira legítima, como se articulam esses espaços políticos e institucionais; como os dois sistemas, SUS e SISAN, se articulam em suas prioridades, agendas e processos; como a PNAN e a futura PNSAN se articulam e se coordenam” 11.
8
Portanto, essa nova institucionalidade estabelecida pela PNSAN impõe que o
papel do setor saúde seja definido de forma mais clara. A expansão e qualificação das
ações de alimentação e nutrição são apontadas por alguns autores como um caminho
estratégico para a inserção da SAN no âmbito do SUS 11,19. Para tanto, faz-se necessário
o redimensionamento das ações do setor saúde onde essas ações devem extrapolar os
aspectos nutricionais, aproximando-se das esferas da produção, comercialização, acesso
e práticas alimentares 29.
Nessa direção, o debate e a implementação das ações vinculadas à PNSAN
podem representar um importante reforço ao avanço das ações de promoção da saúde,
especialmente no âmbito da atenção básica, e a promoção da saúde pode ser
compreendida e valorizada como uma importante frente para operar as ações vinculadas
à SAN no âmbito da saúde, estabelecendo-se assim um círculo virtuoso entre esses dois
campos.
No entanto, essa dimensão mais ampla que envolve a concepção de SAN impõe
desafios para os profissionais de saúde, tanto no que se refere ao conteúdo, como no
sentido do reconhecimento de que a SAN é um campo interdisciplinar, no qual as
contribuições específicas de cada profissional se complementam 8.
Nessa perspectiva, é fundamental envolver os profissionais de saúde e usuários
dos serviços no processo de implementação da PNSAN, buscando além da difusão das
informações sobre a PNSAN, a reflexão e aprofundamento acerca das percepções desses
atores sobre o seu papel no conjunto das ações ofertadas na PNSAN.
Criados em 2008 para apoiar a ampliação das ações de Atenção Primária à
Saúde (APS) no país, mediante o fortalecimento da ESF no SUS, os Núcleos de Apoio à
Saúde da Família (NASF), consistem em uma iniciativa importante para ativar a
organização das ações de alimentação e nutrição nos serviços de saúde, podendo se
configurar como um dispositivo para a promoção da SAN, tanto por meio do apoio
matricial às ações de SAN do território, como nos processos de educação permanente
das equipes de saúde da família 11.
O NASF foi implementado tendo como pressupostos contribuir para a
abrangência, a qualificação e a resolubilidade da atenção básica, bem como apoiar a
inserção da ESF na rede de serviços e, a partir disso, contribuir com o processo de
territorialização e regionalização 39. Para a operacionalização das ações do NASF,
preconiza-se uma equipe multiprofissional, incluindo o nutricionista 39. Observamos um
incremento considerável do quantitativo das equipes do NASF no país. Nesse sentido,
9
de 2008, ano da sua implantação, a 2011, o número de equipes passou de 03 para 1.498 40.
O estudo de Albuquerque 41 sobre os significados e a utilização do conceito de
SAN pelos profissionais da ESF em Campinas-SP, evidenciou que esses profissionais
estão na fase de aproximação do conceito de SAN e demonstraram fragilidade na
apropriação do tema. A investigação indicou também que as ações de alimentação e
nutrição ofertadas em áreas de grande vulnerabilidade social estão aquém das
necessidades para a garantia da SAN, do ponto de vista do setor saúde, e as equipes
estão mal amparadas nesta mudança de paradigma.
Burlandy 8, em uma pesquisa realizada em Niterói-RJ, mostrou que, apesar dos
profissionais de saúde manifestarem uma aproximação ainda incipiente com a temática
da SAN, eles expressaram uma visão ampla da SAN, contemplando as dimensões da
intersetorialidade e da interdisciplinaridade. A autora constatou que a abordagem da
alimentação como direito humano ainda não está inserida no discurso dos profissionais
de saúde, como também observou que, mesmo a maioria dos profissionais não
percebendo sua atuação cotidiana neste campo, quando discutiam o tema, vislumbravam
as diversas interfaces com sua prática nos serviços de saúde 8.
Investigação conduzida por Alves 42 sobre a promoção da SAN na ESF no Rio
de Janeiro-RJ, indicou a necessidade de difundir a interface entre saúde e SAN no
âmbito dos gestores e profissionais da ESF no sentido de facilitar a identificação de
elementos promotores da SAN nas ações de saúde e compreender o seu papel nesse
processo.
Nesse cenário evidencia-se o papel do profissional de saúde enquanto agente
educativo, sendo importante fortalecer o processo de formação, geração de
conhecimentos e prestação de serviços à população na rede pública, que facilite o
desenvolvimento das competências necessárias para abordagem integral do processo
saúde-doença, por meio de práticas educativas orientadas por metodologias ativas.
Entretanto, os avanços obtidos com o SUS e com o seus princípios filosóficos
pautados nos direitos da cidadania, com a reorientação da atenção à saúde pela ESF e
com o referencial da promoção da saúde ainda não têm sido suficientes para alavancar
as transformações na condução por parte dos profissionais de saúde das práticas
educativas. Coexistem diversos enfoques de educação em saúde, muitos dos quais
reducionistas e incompatíveis com a perspectiva de enfrentamento dos determinantes
sociais da saúde e da promoção da saúde na sua vertente crítica e ampliada. Percebe-se
10
que a concepção da prevenção das doenças ainda é predominante nos serviços, onde a
prescrição de condutas saudáveis, visando à mudança de comportamentos e estilos de
vida imprime o tom das práticas em saúde 43,44 e das intervenções educativas em
nutrição.
Impõe-se novas representações e enfoques para a atuação do profissional de
saúde na perspectiva da promoção da SAN, no sentido de buscar uma compreensão
ampliada sobre alimentação, incluindo as concepções de direito, sociedade e
sustentabilidade do meio ambiente 41. A ressignificação da prática do profissional de
saúde estabelece, assim, uma forte interlocução com o debate atual acerca da
formulação e implementação de políticas e ações de promoção da saúde e da SAN 12, 19,
30.
Nota-se que apesar de muitos autores evidenciarem a interface da promoção da
saúde com a SAN e o lugar estratégico do campo da saúde frente à PNSAN, além do
incremento das investigações sobre os aspectos socioantropológicos da alimentação 45,
46, 47, 48 ainda são incipientes os esforços buscando analisar a relação da SAN com as
ações empreendidas na Atenção Básica, principalmente no que tange aos processos
educativos.
Mediante a aproximação com a “rede sociotécnica” a qual envolve profissionais
de saúde (médicos, enfermeiros, odontólogos e Agentes Comunitários de Saúde),
profissionais apoiadores matriciais do Distrito Sanitário (vinculados à USF pesquisada)
e usuários da USF, a pesquisa visou analisar a implementação de práticas educativas em
saúde e nutrição, desenvolvidas em uma Unidade de Saúde da Família, no município de
João Pessoa, buscando identificar os desafios, limites e alcances da experiência no
contexto local para a consolidação do enfoque da Segurança Alimentar e Nutricional.
E teve como objetivos específicos a) Analisar as práticas educativas em saúde e
nutrição desenvolvidas em uma unidade de saúde da família no município de João
Pessoa; b) Analisar a percepção dos profissionais de saúde, apoiadores matriciais e
usuários sobre as práticas educativas de saúde e nutrição vis a vis os princípios e eixos
norteadores do debate sobre Segurança Alimentar e Nutricional; e c) Discutir os
aspectos facilitadores e os obstáculos para o desenvolvimento das práticas educativas
em Segurança Alimentar e Nutricional a partir de uma experiência local.
Para tanto, a nossa referência consistiu na perspectiva teórico-metodológica da
avaliação da implementação 49-52, entendendo os processos avaliativos como práticas
sociais, marcadas fortemente por interações entre os atores e entre o contexto e os
11
programas. Consequentemente, tais interações acarretam transformações contínuas na
implementação dos programas. No sentido de explorar as múltiplas dimensões das
práticas educativas, apreendendo o perfil dos atores articulado ao contexto, o
significado das situações para os atores, o processo de implementação, além daqueles
elementos que não foram previstos, incertezas e controvérsias, foi utilizada a abordagem
metodológica do estudo de caso único integrado 53, 54.
Nessa direção, o presente trabalho, tratou da análise sobre “se” e “como” a
perspectiva da SAN tende a orientar as práticas educativas das equipes de saúde da
família, buscando refletir e aprofundar as seguintes questões:
1. Como vêm sendo desenvolvidas as práticas educativas em saúde e nutrição no âmbito
da Estratégia Saúde da Família?
2. Como as equipes de saúde e usuários compreendem as práticas educativas voltadas à
questão da saúde e da nutrição vis a vis os princípios e eixos norteadores do debate
sobre Segurança Alimentar e Nutricional ?
3. Quais os aspectos que influenciam o desenvolvimento das práticas educativas em
saúde e nutrição?
4. Quais os esforços empreendidos pela rede sociotécnica para promover a SAN?
5. Quais os aspectos que influenciam o desenvolvimento das práticas educativas sob o
enfoque da SAN na USF/ESF?
Espera-se com esse estudo, contribuir para análise sobre qual tem sido
efetivamente o papel do setor saúde na implementação das ações vinculadas à promoção
da SAN, sobretudo no que se refere às práticas educativas na Atenção Básica, na
dimensão da ESF. Por meio da identificação das conquistas e dos vazios encontrados
nessa área, busca-se contribuir à potencialização da responsabilidade que cabe ao setor
saúde na implementação da PNSAN.
Essa investigação é apresentada aqui em três capítulos. No primeiro Capítulo,
discutimos as práticas educativas em saúde e nutrição, envolvendo os enfoques
educativos em saúde e traçando um breve histórico da educação alimentar e nutricional,
incluindo até as tendências atuais. Abordamos também os desafios e perspectivas para o
enfoque da SAN. O Capítulo 2 apresenta a abordagem metodológica utilizada,
descrevendo a concepção de avaliação adotada, os procedimentos e técnicas de coleta
de dados e o referencial analítico. O Capítulo 3 traz os resultados do estudo e a
12
caracterização do contexto local. Finalizamos tecendo algumas considerações sobre as
principais questões que emergiram do estudo, onde explicitamos as limitações da
investigação aliadas à proposição de uma agenda de pesquisa sobre o tema.
13
CAPÍTULO I-PRÁTICAS EDUCATIVAS EM SAÚDE E NUTRIÇÃO
1.1 Educação em saúde: trajetória e principais tendências Ao longo da história da saúde pública no Brasil, a questão educativa tem sido
orientada por diferentes enfoques. Desde a perspectiva do higienismo, doutrina que
ganhou força a partir da revolução bacteriana do século XIX e que norteou as políticas
sanitárias no país no início do século XX, até as abordagens recentes é possível perceber
importantes transformações e deslocamentos 55.
A partir do final dos anos 1970, o surgimento de novas arenas e espaços de
discussão sobre as condições de vida da população e, especialmente o movimento
sanitário, contribuíram para a consolidação de canais de interlocução entre as ciências
sociais e humanas e o campo da saúde. Além disso, a criação do SUS e a promulgação
da constituição, vinculando a noção do direito de cidadania à saúde, constituem um
marco importante nas conquistas do campo da saúde do final da década de 1980 em
diante 56.
No bojo deste amplo processo que conjugou mobilização política pela
democratização da sociedade brasileira, emergência de reformas no arcabouço das
políticas sociais e afirmação da cidadania como valor universal, cresceu o debate sobre
alternativas para as práticas educativas no âmbito dos serviços de saúde.
De acordo com Stotz 57 diferentes enfoques podem ser descritos em torno da
educação em saúde: a) o enfoque preventivo, com papel eminentemente instrumental,
predominante nas práticas educativas nos serviços de saúde e cuja eficácia se traduz
pela mudança de comportamentos específicos ligados ao estilo de vida; b) o enfoque
educativo, focada na dimensão pedagógica ressalta o comportamento individual como
fator de risco; c) o enfoque de desenvolvimento pessoal, que também valoriza o
comportamento individual como fator de risco, mas o processo educativo centra-se na
constituição do sujeito, na perspectiva humanista e na aprendizagem participativa; d) o
enfoque radical, que a partir da determinação social da saúde-doença, concebe a
educação em saúde como um instrumento de luta política para a melhoria das condições
de vida e saúde 57.
Para Oliveira 58, tais enfoques podem ser agregados em duas perspectivas
básicas: o modelo preventivo ou tradicional e o modelo radical. O primeiro pressupõe
que o modo de vida individual ocasiona a ausência de saúde, responsabilizando os
indivíduos pelos hábitos inadequados e atribuindo aos profissionais o papel de
14
detentores do saber. Nesse sentido, são desconsiderados os aspectos ligados ao contexto
sociocultural e econômico e a ênfase das ações educativas estaria centrada em
estratégias persuasivas, buscando por meio das informações científicas a correção dos
comportamentos individuais equivocados. A eficácia dessa abordagem estaria vinculada
ao acúmulo do conhecimento pelo educando 58.
A concepção educativa radical compatibiliza-se com os princípios da promoção
da saúde. Direcionada para a promoção da autonomia, essa abordagem segundo
Oliveira58 busca,
“[...] o envolvimento dos indivíduos nas decisões relacionadas à sua própria saúde e naquelas concernentes aos grupos sociais aos quais eles pertencem. Supõe-se que indivíduos conscientes sejam capazes de se responsabilizar pela sua própria saúde, não apenas no sentido da sua capacidade para tomar decisões responsáveis quanto à saúde pessoal, mas, também, em relação à sua competência para articular intervenções no ambiente que resultem na manutenção da sua saúde”58.
No sentido de subsidiar a reflexão sobre os limites e potencialidades dessa
abordagem, a autora levanta algumas questões sobre as contradições entre a promoção
concomitante da liberdade e da saúde, além de destacar a influência do contexto sobre
as escolhas individuais:
“[...] É possível respeitar as decisões individuais, levando em conta as repercussões da liberdade de escolha na saúde do indivíduo que escolhe? A questão a ser destacada não é, exatamente, a impossibilidade da promoção de escolhas, mas o objetivo da promoção concomitante da liberdade e da autonomia. As escolhas não ocorrem no vácuo, mas são feitas com referência ao contexto material e social em que são determinadas. O ambiente impõe limites às nossas escolhas diárias. Independentemente da ação direta dos educadores em saúde na promoção dessa ou daquela escolha relacionada à saúde, seria uma ilusão pensar no ‘ato de escolher’ como resultado de um estado de pura liberdade. Como os críticos da educação em saúde têm argumentado, é necessário reconhecer que, por detrás de decisões individuais, existe uma complexa combinação de fatores e elementos que influenciam tais decisões, elementos esses que, na sua maioria, não são passíveis de controle individual”58.
Alves 43 também condensa os vários modelos educativos em dois tipos de
abordagens, semelhantes às discutidas por Oliveira 58, a tradicional e a dialógica,
15
assinalando que entre a polaridade desses dois modelos existem diversos enfoques
intermediários. Portanto, para a autora, o modelo tradicional, apoiado na concepção
biologicista e na dimensão curativa do processo saúde-doença, busca por meio de uma
relação assimétrica entre os profissionais e usuários transmitir as informações sobre os
comportamentos saudáveis, pressupondo que “a partir da informação recebida os
usuários serão capazes de tomar decisões para a prevenção de doenças e agravos, bem
como poderão assumir novos hábitos e condutas” 43.
O modelo dialógico, na ótica da autora, seria o modelo emergente, e conta com o
diálogo como sua principal ferramenta. Dessa maneira, em vez de está centrado na
informação para a saúde, esse enfoque, a partir do reconhecimento dos saberes
populares, busca a construção de um saber sobre o processo saúde-doença-cuidado
focado na autonomia e emancipação dos indivíduos 43.
Martínez-Hernáez59, em ensaio sobre modelos de intervenção e comunicação
voltados às pesquisas de educação em saúde, discute diversos aspectos relativos às
concepções educativas em saúde, na perspectiva dos modelos monológico e dialógico.
No nosso entendimento essa classificação compartilha dos critérios empregados por
Oliveira 58 e por Alves 43.
O autor contrapõe as duas vertentes e argumenta que os procedimentos do
modelo monológico não enfatizam os conhecimentos e práticas locais. Assim, este
modelo, a partir da ênfase na dimensão informativa e comportamentalista, baseia-se “na
ideia de um tipo de sujeito racional, universal na tomada de decisões em matéria de
saúde”, cujas condutas são atribuídas à falta de informações 59.
Portanto, na compreensão do autor, no modelo monológico os usuários são
vistos pelos profissionais como “um recipiente passivo que pode ser ‘preenchido’ ‘ou
esvaziado’ a partir das intervenções educativas”. Dessa maneira, essas intervenções
favorecem a “passividade e à percepção, por parte dos usuários, dos discursos dos
educadores sanitários como distantes e impositivos” 59.
Para Martínez-Hernáez 59 as principais características do modelo monológico
seriama unidimensionalidade, unidirecionalidade e a hierarquia. A
unidimensionalidade refere-se a valorização do enfoque biológico dos processos de
saúde e doença e das “condutas de risco”, desconsiderando-se a perspectiva
multidimensional desses processos 59.
A unidirecionalidade constitui outro atributo, onde a comunicação se dá “a
partir dos profissionais em direção à chamada (de forma desafortunada) ‘população-
16
alvo’, mas não a partir desta em relação aos primeiros”59. O autor assinala que o ponto
de partida dessa lógica seria que, uma vez que os conhecimentos da população são
leigos, costumam ser desconsiderados nas intervenções, exemplificando algumas
situações unidirecionais, do ponto de vista da comunicação, tais como:
“[...] campanhas organizadas pelos meios de comunicação de massa [...]. [...] programas organizados pelas equipes de saúde que prescindem de uma análise de situação exaustiva da realidade local, ou que limitam essa análise às estatísticas de morbidade e mortalidade ou a um inventário de necessidades construído exclusivamente sob a ótica dos profissionais”59.
Quanto à hierarquia, terceira característica apontada pelo autor, essa se refere à
supremacia do discurso científico sob o discurso popular, consistindo em uma forma de
dominação nas relações entre os profissionais e usuários dos serviços de saúde: “A
atribuição de posições de saber e de não-saber no jogo comunicativo é também uma
justificativa para a ação verticalizada e unidirecional e, nessa medida, a educação em
saúde é cenário de uma relação de poder que, por outro lado, não é nova”59.
Seguindo essa linha de compreensão, as ações guiadas pela perspectiva dialógica
seriam caracterizadas por princípios inversos aos da concepção monológica. Portanto,
essas iniciativas seriam marcadas pela multidimensionalidade, bidirecionalidade e
pautadas pela simetria e reciprocidade nas relações. As intervenções de cunho
participativo tendem a contemplar esses critérios, conforme nos lembra Martínez-
Hernáez 59.
Frente às abordagens educativas discutidas, constatamos um leque com diversas
terminologias, mas que em grande parte se referem a enfoques com características e
objetivos similares. Em suma essas abordagens estariam apoiadas por duas perspectivas,
a tradicional, vinculada à transmissão, de maneira prescritiva, do conhecimento
científico para a mudança do comportamento da população. E a perspectiva dialógica,
que ao contrário da primeira, valoriza a construção coletiva do conhecimento e as
relações horizontais nesse processo. Diante dessas considerações, cabe indagar como
estas abordagens têm apoiado a conformação de práticas educativas na atenção básica
no contexto recente no país, especialmente tendo em vista as ações voltadas à
promoção da saúde no âmbito da ESF.
No cenário atual, a proposta da ESF enfatiza a questão educativa como
atribuição de todos os membros da equipe de saúde, preconizando a assistência integral
17
e contínua às famílias do território, com a identificação das situações de risco à saúde e
a parceria com a comunidade para o enfrentamento dos determinantes do processo
saúde-doença, desenvolvendo práticas educativas direcionadas à melhoria da qualidade
de vida dos indivíduos33. Nessa direção, o referencial filosófico e conceitual da
Promoção da Saúde e das políticas relacionadas à atenção básica tem fomentado os
enfoques mais críticos ligados às iniciativas educativas participativas 35, 60, 61.
A prática educativa no contexto da promoção da saúde pressupõe uma visão
interdisciplinar da saúde, além de novas bases de relações entre os profissionais e a
população, fundadas no respeito, autonomia, diálogo, emancipação e cidadania. Para
Marcondes 62, a aproximação com esta perspectiva compreensiva da ação e o
distanciamento da vertente centrada na mudança de comportamentos:
“[...] colabora para fortalecer a prática educativa na promoção da saúde através de uma melhor compreensão das diferentes lógicas nos sujeitos. Este tipo de abordagem oferece subsídios para confrontar reducionismos nas ações de promoção não condizentes com o seu próprio campo, tais como a culpabilização da população pelos agravos à saúde, ou a equivocada individualização do processo saúde-doença, centrada na adoção de estilos de vida saudáveis ou no desenvolvimento de habilidades pessoais como questões comportamentais”62.
Nessa perspectiva, no debate do processo de trabalho das equipes da ESF,
emerge a noção da Educação Permanente em Saúde (EPS), como uma das estratégias
para potencializar os processos educativos 63, 64 . A EPS tem sido reconhecida como
uma abordagem teórico-metodológica que pode facilitar as transformações das práticas
em saúde 65-67. Busca tornar o setor saúde um espaço de atuação reflexiva e propositiva,
por meio de estratégias pedagógicas contextualizadas e participativas.
Desenvolvida com os profissionais de saúde, a partir do trabalho como fonte de
conhecimento, da articulação da atenção à saúde com a gestão e o controle social, a
abordagem da EPS reconhece os múltiplos fatores na configuração das práticas e
pressupõe a concepção de educação como transformação 65, 68, podendo ser uma
ferramenta dinamizadora dos processos educativos com enfoques mais críticos e
problematizadores.
A literatura indica que no âmbito da ESF as experiências educativas envolvendo
abordagens tradicionais têm coexistido com os esforços em prol da implementação dos
18
modelos emergentes, consistindo de propostas pedagógicas horizontais, articuladas aos
contextos locais, que valorizam os saberes e necessidades dos usuários 69-72 .Os achados
de Silva, Dias, Rodrigues 70, em estudo sobre a práxis educativa na ESF de Sobral-CE
remetem a essa tendência de coexistência entre os dois modelos, sendo para as autoras,
“[...] o primeiro hegemônico e o segundo, uma tentativa de consolidação dos pressupostos do SUS. [...] os próprios profissionais, a partir das dificuldades sentidas, buscam novas formas de fazer saúde, o que efetiva a práxis – isto é, a capacidade de refletir sobre o cotidiano e transformar as práticas naturalizadas”70.
Dentre as abordagens participativas inserem-se aquelas que valorizam os
princípios da Educação Popular em Saúde, que discutiremos no próximo tópico deste
capítulo. Cabe dizer que neste caminho de construção de novas alternativas e processos
de ressignificação, os profissionais de saúde necessitam de apoio institucional
permanente e forte interação com os usuários. Isto porque, está em jogo a criação de
novas ferramentas e espaços de discussão capazes de favorecer a reflexão em torno da
realidade local e do potencial de mudança presente nas ações de cuidado e promoção da
saúde 68.
1.2 Paulo Freire e a Educação Popular em Saúde
O início da estruturação do arcabouço teórico e prático da Educação Popular no
âmbito internacional se deu no final da década de 1950. Conforme relata Vasconcelos 73, esse processo ocorreu “quando intelectuais e educadores ligados à Igreja Católica e
influenciados pelo humanismo personalista que florescia na Europa no pós-guerra,
voltam-se para as questões populares” 73.
O início do século XX é marcado pela República Velha e forte repressão ao
movimento popular, com diversas manifestações de resistência da população 74. O
movimento da “Revolta da Vacina” é emblemático nesse contexto. Realizado para
enfrentar à obrigatoriedade da vacinação contra a varíola estabelecida pelo governo de
Rodrigues Alves, é considerado um dos exemplos mais importantes de movimento
popular exitoso na defesa dos direitos do cidadão no país 75.
Posteriormente o governo Vargas “domestica” o trabalhador no que ficou
reconhecido como “pacto populista” com forte segmentação dos trabalhadores, a partir
das políticas de concessão e medidas de cidadania “regulada”, visando manter os
19
trabalhadores atrelados ao Estado e assim conter o avanço dos movimentos sociais e das
insatisfações da classe trabalhadora76.
Considerando que os trabalhadores brasileiros já vinham desde o início do
século XX em um processo de mobilização na luta contra a exploração do operariado,
com iniciativas para as questões culturais, para Vasconcelos 73, no Brasil, “o movimento
da Educação Popular representa uma retomada e uma elaboração pelos intelectuais e
agentes educativos de uma prática esparsa e não sistematizada do movimento operário
do início do século”73.
Nesse sentido, a partir dos anos 1950, os movimentos de “cultura popular”
estimularam os processos educativos a partir das dimensões culturais dos diversos
grupos sociais. Na esteira das mobilizações urbanas e camponesas do início da década
de 1960, emergiram diversas iniciativas educativas com ênfase na cultura popular,
organizadas por intelectuais, estudantes, movimentos eclesiais. Nesse contexto insere-se
a proposta elaborada por Paulo Freire, assentada na promoção da educação de adultos a
partir da sua cultura 77. Freire consiste na principal referência desse movimento, sendo o
pioneiro na sistematização teórica da Educação Popular, a partir da década de sessenta 73,78.
Com seu trabalho de alfabetização de adultos e a sua obra, com destaque para o
livro “Pedagogia do Oprimido”, Freire difundiu a abordagem da Educação Popular no
âmbito mundial. A partir da crítica à “educação bancária”, enfoque centrado na
transmissão do conhecimento e no conjunto de técnicas em detrimento do saber do
educando, Paulo Freire concebeu o método da “educação dialógica” apoiado na
perspectiva crítica da transformação da realidade social por meio do diálogo, da práxis e
da autonomia dos sujeitos 79.
Nesse sentido, a relação dialógica para o autor se dá pela abertura do sujeito “ao
mundo e aos outros [...] em que se confirma como inquietação e curiosidade, como
inconclusão em permanente movimento na História” 79. Segundo Freire 80, dentre os
saberes necessários à prática educativa crítica, incluem-se: o respeito aos saberes dos
educandos; criticidade; abertura ao novo e rejeição a discriminação; reflexão crítica
sobre a prática; consciência do inacabamento do ser humano; convicção da
possibilidade para a mudança; respeito à autonomia do educando; apreensão da
realidade; curiosidade; liberdade e autoridade; comprometimento; saber escutar 80.
Sendo que a escuta na ótica freireana se refere a:
20
“[...] abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro. [...] é escutando bem que me preparo para melhor me colocar ou melhor me situar do ponto de vista das ideias. Como sujeito que se dá ao discurso do outro, sem preconceitos, o bom escutador fala e diz de sua posição com desenvoltura” 80.
No bojo das transformações ocorridas na área da saúde a partir da década de
1970 e da reorientação das concepções das práticas educativas, inserem-se as propostas
de Educação Popular em Saúde, inspiradas na abordagem de Freire. Brandão 78 comenta
que a revitalização das iniciativas de Educação Popular nos anos 70, trouxe uma
diferenciação “de ideários e de procedimentos”, com os profissionais da saúde, artistas,
cientistas provocados pelos movimentos sociais do campo e da cidade a desenvolver um
trabalho inspirado “ainda nos velhos princípios da Educação Popular, mas com rostos
e roupagens novos”78. Nesse contexto, para o autor a experiência de Educação Popular
na área da saúde ocorre,
“[...] quando o trabalho profissional de Saúde Pública funde-se em um trabalho cultural de Educação Popular por meio da Saúde. Quando a ação médica e a de outros profissionais da ‘área da Saúde’ não se limita a uma assistência a clientes do povo. Quando ela se estende a uma ação cultural ampliada de diálogo e de crescimento de parte a parte, em busca de saídas e de soluções sociais a partir do que se vive e do que se troca, do que se aprende e do que se motiva, quando se dialoga crítica e criativamente sobre a vida e o mundo por intermédio do corpo e da saúde”78.
As abordagens orientadas pelos princípios da Educação Popular, ao valorizarem
as dimensões da interação, diálogo e do saber popular, buscam romper com o caráter
vertical da relação educador-educando e a transitoriedade das ações 73. O diálogo pode
ser um recurso importante para minimizar as diferenças, conflitos e tensões que
conformam as relações educativas no campo dos serviços de saúde. Para Freire 79,
“[...] dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. [...] ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais. O diálogo é este encontro dos homens mediatizados pelo mundo para pronunciá-lo, não se esgotando portanto na relação eu-tu” 79.
21
O referencial teórico-metodológico freireano tem se revelado como uma
alternativa para orientar as práticas educativas no âmbito dos serviços públicos de saúde 71, 81, 82. Santos 83 argumenta sobre a articulação do enfoque da Educação Popular em
saúde às iniciativas envolvendo os grupos operativos, buscando trabalhar “as trocas de
experiências vivenciadas no âmbito do processo saúde-doença-cuidado, valores de
pertença, cooperação, legitimação de significados e saberes a partir das narrativas dos
sujeitos, possibilitando o contraponto ao modelo biomédico”83.
Assis 84 aponta o papel dos grupos educativos como espaços para os processos
orientados pela concepção da educação popular “pela oportunidade singular de
recolocar a questão saúde no espaço coletivo, aprofundar aprendizados, fortalecer
vínculos, propor abordagens lúdicas, dimensões ainda pouco valorizadas no contexto
assistencial” 42. Marcondes 62 argumenta que:
“A respeito dos espaços de mudanças possíveis e tão necessários, a discussão da educação popular traz o aporte dos projetos políticos na prática educativa para que não fiquemos imobilizados diante da reprodução social e dos desafios da intervenção a favor da melhoria de condições de vida e, portanto, também de saúde em nosso país”62.
Portanto, essa abordagem que leva em conta as diversas culturas e saberes pode
ser um dispositivo profícuo para a promoção da saúde 85-87, sobretudo a partir de 2003
tem sido debatida como estratégia política e metodológica no âmbito do Ministério da
Saúde 88, além de vir sendo adotada em iniciativas ligadas à formação universitária na
área da saúde 7, 89.
Do ponto de vista das políticas públicas em saúde, têm ocorrido avanços quanto
ao reconhecimento da Educação Popular como balizadora das ações e programas
governamentais 90. Em 2005 houve a criação no Ministério da Saúde da Coordenação
Geral de Apoio à Educação Popular e a Mobilização Social, vinculada ao Departamento
de Apoio a Gestão Participativa, da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa
(SGEPS). Segundo Pedrosa 90, a partir dessa iniciativa voltada à institucionalização das
ações de Educação Popular, o Ministério da Saúde “assume o compromisso de ampliar
e fortalecer a participação da sociedade na política de saúde desde sua formulação ao
exercício do controle social”90.
Nessa perspectiva, em 2009, a SGEPS constituiu o Comitê Nacional de
Educação Popular em Saúde (CNEPS), um colegiado com representação de
22
movimentos populares e da gestão do MS, além de instituições do SUS. Este comitê
fomentou o processo de diálogo entre os diversos atores, na direção da construção da
Política Nacional de Educação Popular em Saúde (PNEPS) 91 aprovada em julho de
2012 no Conselho Nacional de Saúde 92 e ainda aguardando a publicação da Portaria
pelo Ministério da Saúde. A PNEPS tem como objetivo geral “implementar a Educação
Popular em Saúde no âmbito do SUS, contribuindo com a participação popular, com a
gestão participativa, o controle social, o cuidado, a formação e as práticas educativas
em saúde”91.
Considerando a participação popular em saúde, Marcondes 62 aponta a prática
educativa como alternativa para mediação dos conflitos envolvidos nas propostas
participativas, sugerindo a construção do conhecimento por meio da educação popular
como uma estratégia importante nesse contexto:
“O desenho dessas intervenções, os contornos como estas serão postas em curso, as possibilidades que poderão sondar e enunciar, também podem se beneficiar da referência da educação popular. Este é um caminho para a participação popular na saúde para que os grupos e atores envolvidos possam conhecer, sistematizar e elaborar as intervenções, bem como evidenciar seus interesses e as formas como lidarão com os conflitos”62.
A compreensão de Freire sobre a práxis é no sentido de unidade, na qual a ação
e a reflexão atuam simultaneamente sobre o mundo, mediadas pelo diálogo, resultando
no desenvolvimento da consciência crítica, na perspectiva de transformação da
realidade 79:
“[...] a educação é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado. Isto leva-o à sua perfeição. A educação, portanto, implica uma busca realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria educação. Não pode ser o objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém”79.
Nessa direção, constitui-se condição essencial às práticas educativas em saúde, que
assim como os usuários, os profissionais também se reconheçam enquanto sujeitos do
processo educativo 93, 94. Freire 80 alerta sobre a necessidade de que o educando
“assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença
definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
23
possibilidades para a sua produção ou a sua construção”80. Nesse sentido, o autor
chama atenção para a dimensão relacional entre o trabalhador social/educador e a
realidade:
“[...] como homem somente pode entender ou explicar a si mesmo como um ser em relação com esta realidade; que seu quefazer nesta realidade se dá com outros homens, tão condicionados como ele pela realidade dialeticamente permanente e mutável e que, finalmente precisa conhecer a realidade na qual atua com os outros homens”95.
Tendo em vista as questões pontuadas, cabe fomentar reflexões sobre o
desenvolvimento dos processos educativos nos serviços de saúde. Considerando o
contexto do SUS e da ESF, com os avanços e limitações das ações e políticas que os
integram, compartilhamos com as indagações do documento do Ministério da Saúde 96,
elaborado para subsidiar a Oficina Nacional de Educação em Saúde nos Serviços do
SUS, realizada em Brasília, em dezembro de 2008: qual a abordagem educativa seria
mais compatível para a produção da saúde e da qualidade de vida e quais seriam as
dimensões envolvidas nas práticas educativas em saúde? Nessa direção, são
reconhecidas as dimensões ligadas aos determinantes sociais da saúde, à integralidade e
à intersetorialidade:
“A dimensão social da saúde na perspectiva dos determinantes sociais e na intencionalidade de uma intervenção articulada à política de saúde aponta caminhos onde a educação em saúde adquire viabilidade enquanto dispositivo que fomenta a integralidade de espaços de atuação (comunidades, grupos, serviços), dos saberes (técnicos, científicos, populares) e o sentido da transversalidade de políticas públicas intersetoriais” 96.
Nessa perspectiva, o referencial teórico-metodológico da Educação Popular,
sistematizado por Paulo Freire, pode potencializar as abordagens educativas do campo
da saúde, especialmente na atenção básica. Para tanto, Smeke & Oliveira 94 levantam
alguns desafios enfrentados pela práxis da Educação Popular:
“[...] a análise de práticas educativas realizadas para compreendê-las segundo a perspectiva da ressignificação de uma leitura do estar no mundo em defesa de relações não subordinantes da vida e para a vida. Sair do discurso
24
‘consciente que ensina o outro ignorante’. [...] compartilhar as reflexões, reconstruindo a própria prática educativa, dialogada com referencial (is) teórico(s) que pressupõem a complexidade do objeto. Desenvolver tecnologia própria, disputar espaços de intervenção de novos conhecimentos e abordagens nas instituições de saúde”94.
Nesse cenário, o desafio é aprimorar perspectivas que dêem conta da
complexidade dos fenômenos e das práticas educativas. A abordagem de Paulo Freire é
uma das alternativas interessantes para lidar com essa multiplicidade de questões. No
entanto existem outras referências que também buscam ampliar a compreensão dos
processos educativos, no sentido de captar a dinâmica das relações sociais e os
contextos.
1.3 A abordagem sociológica de Pierre Bourdieu
Tendo em vista a riqueza e complexidade da obra de Bourdieu, buscamos
privilegiar as categorias de habitus, campo e capital cultural, no intuito de explorar
possibilidades teóricas e ferramentas capazes de avançar na reflexão sobre os processos
educativos no campo da saúde, especialmente na atenção básica, nas experiências
voltadas à promoção da saúde, com ênfase nas ações educativas em alimentação e
nutrição.
Considerando que o trabalho educativo em saúde consiste em uma prática social
forjada pelas relações e interações de múltiplos agentes, enfatiza-se a valorização das
concepções e interesses desses agentes, buscando explicitar conflitos, controvérsias e
possibilidades de consenso.
Na medida em que a ESF elege dentre os seus objetivos a construção de vínculos
entre os profissionais e os usuários dos serviços; o estímulo à democratização do
conhecimento e o controle social 33, há uma preocupação clara com o perfil e a dinâmica
da atuação profissional. Os modelos tradicionais baseados na perspectiva assistencial e
curativa são tensionados e surgem novas experiências voltadas à ampliação da
autonomia dos múltiplos agentes envolvidos e maior efetividade.
Para Bourdieu o habitus, é o conjunto de disposições duráveis e transponíveis
adquirido ao longo do tempo e que permite compreender a natureza complexa das
relações entre estruturas objetivas e construções subjetivas no universo social 97, 98.
Segundo Corcuff 99 na abordagem de Bourdieu, disposições seriam inclinações
interiorizadas e incorporadas, geralmente de modo inconsciente a perceber, sentir, fazer
25
e pensar de uma certa maneira, decorrentes das condições objetivas de vida e das
construções subjetivas da trajetória social de cada indivíduo 99.
Essas disposições tendem a resistir à mudança e por isso são caracterizadas
pelo autor como disposições duráveis 99. Porém tais disposições não são imutáveis,
pelo contrário, podem ser sempre transformadas ao longo do processo de interação
social. Ou seja, ainda que a noção de habitus envolva estruturas incorporadas, também
revela resistências e rupturas frente ao instituído.
As disposições também são transponíveis, significando que mesmo adquiridas
por meio de experiências vinculadas à uma determinada dimensão da vida social (o
contexto familiar, por exemplo), podem produzir efeitos sobre outras dimensões (como
na esfera do trabalho) 99. Esta dinâmica contraditória e complexa, nas palavras de
Corcuff 99, rompe com uma visão determinista dos processos sociais:
“o habitus [...] é levado a dar múltiplas respostas a diversas situações encontradas, a partir de um conjunto limitado de esquemas de ação e de pensamento. Assim ele reproduz mais quando é confrontado com situações habituais e pode ser levado a inovar quando se encontra diante de situações inéditas”99.
A discussão do habitus elaborada por Bourdieu 97 traz subsídios para desvendar
os contornos e principais dinâmicas presentes no desenvolvimento das práticas sociais.
Para o autor, a ação é condicionada pelo campo e gerada pelo habitus, levando o ator
social a desenvolver um “senso prático”. As ações, comportamentos, escolhas ou
aspirações individuais são produtos da relação entre o habitus e as diferentes
configurações sociais 97. Assim, nesta abordagem é valorizada a dinâmica entre
objetividade e subjetividade, estrutura e sujeito, indivíduo e sociedade 98.
Dessa maneira, o habitus está associado ao campo, que Bourdieu concebe como
sendo um conjunto de espaços de jogos relativamente autônomo que não pode ser
remetido a uma lógica única. Nos campos, há uma desigualdade na distribuição dos
recursos, sendo, portanto lugares de relações de força e de luta, onde os agentes se
enfrentam, com meios e fins diferenciados e pautados pela posição de cada um na
estrutura dos campos, no sentido de conservar ou transformar essa estrutura 97, 100.
Contudo, os agentes não são entes passivos conduzidos por essas forças do campo,
podendo ocorrer resistências do habitus 100.
Portanto, as interações sociais são produzidas sobretudo a partir das relações do
habitus com o campo. Corcuff 99 destaca essa perspectiva relacional que orienta as
26
ideias de Bourdieu: “[...] Pierre Bourdieu concebe as instituições, [...] como
configurações de relações entre atores individuais e coletivos. [...] fala de agentes,
para indicar que eles tanto recebem a ação do interior e do exterior, quanto agem
livremente”99.
A existência do campo está condicionada à mobilização de diferentes capitais-
econômico, cultural, social e simbólico. Para Bourdieu 100,101, o capital não se restringe
à dimensão econômica, na medida em que há diversos modos de capitalização e cada
campo opera com capitais específicos.
Assim, conforme aponta Bourdieu 101 o capital cultural pode ser entendido
como uma herança social constituída por um conjunto de conhecimentos, informações,
códigos linguísticos, atitudes e escolhas. Tais disposições tendem a impactar de maneira
diversa e expressiva as trajetórias escolares. No entanto, de acordo com o autor, a escola
exige dos alunos uma familiaridade com a cultura e com a linguagem, privilegiando,
assim, a relação com o saber, muito mais do que o saber em si mesmo 101.
Mas, a proeza verbal e a competência cultural, tendem a ser apropriadas no
ambiente familiar, por meio da aprendizagem difusa, sem qualquer esforço metódico.
Esse modo de transmissão da cultura no contexto familiar contribui para que ela não
seja percebida como tal e para reforçar a convicção de que os conhecimentos, atitudes e
posturas são decorrentes dos dons, aptidões inatas ou vocações 101. Entretanto, essas
representações também são produzidas nos demais campos, além do escolar 98.
Nesta perspectiva, o autor traz elementos importantes para a reflexão em torno
das práticas de promoção da saúde. Sabemos que a área tem sido marcada pela tensão
entre a vertente behaviorista com foco na mudança comportamental e modelos teórico-
conceituais mais abrangentes. Compreender as implicações deste debate é crucial para o
desenho e avaliação das múltiplas intervenções e iniciativas.
Assim como o habitus e o campo, o espaço social é uma categoria central na
sistematização teórica de Bourdieu. Na verdade, o espaço social é concebido como
arena onde são organizadas as práticas e construídas as representações dos múltiplos
agentes. No espaço social, acontecem as interrelações entre o habitus, os diferentes
capitais e o campo 97. A análise de Bourdieu sobre o espaço social reafirma a
perspectiva relacional e heterogênea das interações humanas.
É possível, portanto, existir pessoas próximas no que se refere ao espaço físico,
mas distantes na perspectiva do espaço social. Isto porque serão as disposições, os
gostos, as propriedades de cada campo e os demais elementos que estruturam o habitus,
27
os aspectos centrais na determinação dos vínculos e alianças em cada contexto97. Esta
estrutura do espaço social é dinâmica, exigindo, portanto a reflexão sobre processos de
mudança e deslocamentos.
Para Bodstein102, a noção de espaço social em Bourdieu contribui para o
entendimento das relações entre os agentes sociais: “a posição que o agente ocupa
nesse espaço é determinante para a sua ação, que só pode ser entendida mediante a
compreensão dessa posição (de onde ele fala) em um campo ou espaço social
específico”102. Na análise de Loyola 98 o indivíduo se posiciona e evolui no espaço
social conforme o volume global de capital que adquire e a repartição desse capital
entre capital econômico, social e cultural.
No entanto, a coesão ou o afastamento entre os agentes sociais são processos
atravessados permanentemente por múltiplas tensões e contradições. Com isso, os
vínculos e as barreiras sociais podem ser duradouros ou frágeis, exigindo, portanto a
valorização de dinâmicas e não de estados rígidos.
No que se refere ao campo da promoção da saúde, a análise das diferentes
iniciativas deve buscar contemplar esta visão relacional sobre objetivos e contextos de
implementação. Em geral, tais ações são desenvolvidas por redes de atores locais os
quais apresentam distintas capacidades de adaptação, inovação e proposição de
alternativas frente à dinâmica local 103.
Na verdade, as ações envolvem, permanentemente, reflexão e tomada de
posição. Nesta perspectiva, as práticas de saúde são apoiadas em cadeias de interação
onde podem emergir processos educativos críticos e maior vinculação social. A reflexão
dos profissionais, por sua vez, pode favorecer a legitimação ou transformação de
crenças, valores e abordagens, contribuindo para que, tanto esses profissionais, como as
políticas e programas desenvolvidos por eles, sejam agentes de mudança 104.
Esse movimento entre ação e reflexão crítica, no sentido de transformação das
práticas e da realidade constitui-se na práxis 79. No que se refere às ações educativas em
promoção da saúde, compreender as experiências como práxis pode favorecer o
reconhecimento de múltiplas identidades, interesses e possibilidades de mudança e
compromissos públicos envolvendo os serviços, os profissionais, os usuários e, também,
as diferentes redes sociais em cada contexto 104, 105.
A complexidade das intervenções na área da Promoção da Saúde tem exigido a
reflexão sobre novos enfoques e abordagens capazes de orientar o processo de tomada
de decisão e gerar novos aprendizados 106-108. A partir da breve discussão sobre os
28
conceitos de habitus, capital cultural e campo em Bourdieu, surgem indagações e
questionamentos acerca dos caminhos a serem adotados.
O campo da promoção da saúde marcado pela diversidade de conhecimentos, de
práticas e de interesses dos diferentes atores envolvidos, demanda, no entender de
Marcondes 62, a mediação da prática educativa para a aprendizagem entre esses atores,
e destes com a realidade onde atuam.
Como primeiro nível de assistência para os usuários do SUS, a ESF vem se
consolidando como um espaço para a reorientação do modelo assistencial 33.Nessa
perspectiva, o modelo da ESF inclui um processo de trabalho orientado para a
vigilância e promoção da saúde, oferta organizada dos serviços, visitas domiciliares,
conhecimento do território, fortalecimento da participação popular e desenvolvimento
de práticas educativas 86. O foco do cuidado e da atenção na ESF deve ser a família e
seu respectivo contexto social.
Nesse cenário, o vínculo entre os agentes e as relações sociais na ESF
constituem elementos-chave para a implementação das suas ações e as práticas
educativas assumem um lugar privilegiado. Porém, no âmbito da ESF a coexistência
dos diversos enfoques educativos, alguns pouco compatíveis com a perspectiva de
enfrentamento dos determinantes sociais da saúde e da promoção da saúde, implica em
uma tensão entre modelos educativos mais tradicionais e abordagens mais recentes e
que privilegiam o diálogo e a perspectiva construtivista 70. O campo da saúde,
recuperando a abordagem de Bourdieu, é uma arena de disputa de múltiplos pontos de
vista e interesses envolvendo agências estatais, mercado, academia, associações civis e
movimentos sociais 109.
No caso das práticas alimentares, a reflexão sobre a sua abordagem a partir das
ações educativas no âmbito da ESF, pode ilustrar algumas das questões consideradas
anteriormente, auxiliando na discussão dos mecanismos que envolvem as relações
sociais. Do ponto de vista da compreensão dessas práticas, importa considerar as
limitações dos indivíduos sobre suas escolhas alimentares e o papel preponderante do
contexto para essas escolhas.
Nesse sentido, a perspectiva dinâmica e relacional trazida pelas noções de
campo, habitus, e capital cultural em Bourdieu torna-se promissora para orientar a
revisão dos enfoques tradicionais que persistem em torno das práticas de saúde e que
enfatizam a ideia da “mudança de comportamentos”, muitas vezes também presente no
chamado campo da “promoção da saúde” . Nessa direção, Giddens 110 seria outro autor
29
cuja “teoria da Estruturação” auxilia a explorar a complexa relação estrutura-ação,
agência e estrutura, contribuindo portanto para a reflexão em torno das práticas de saúde 111 .
O modelo teórico proposto por Delormier, Frohlich e Potvin 111, construído a
partir da teoria da estruturação de Anthony Giddens, consiste em uma referência
importante para auxiliar na compreensão dos padrões alimentares vis a vis as práticas
educativas relacionadas à alimentação e nutrição. Considerando as práticas alimentares
como um fenômeno social, fortemente condicionado pelo contexto, a proposta busca
ampliar o enfoque centrado nas escolhas individuais, concebendo o processo de escolha
dos alimentos como atividade orientada pelas habilidades, crenças e experiências
prévias de cada segmento social 111.
Portanto, por meio da dualidade da estrutura de Giddens 110, onde há uma
relação recursiva entre a ação voluntária (agência) e a estrutura social (processos
sociais), essa abordagem teórica apoia a compreensão de como a estrutura social,
favorece e constrange as escolhas alimentares no âmbito familiar. Sendo que a estrutura
não é determinante da ação individual, constituindo o meio e o resultado da prática
social 111. Garcia 112 ao discutir os méritos da proposta de Delormier, Frohlich e Potvin 111, realça o caráter relacional entre a dimensão individual e estrutural:
“Permite, tanto para diagnósticos como para intervenção, aliviar o peso dado, de um lado, ao indivíduo e, de outro, os determinantes socioeconômicos, passando a considerar um território de mediação, no qual ponderações e tensões dessas duas instâncias e no grupo social passam a atuar”112.
Bourdieu 113 explora o processo de configuração do “gosto” entendido como a
face mais resistente e duradoura do habitus, sendo consequentemente o mais difícil de
modificar. O autor aborda as preferências ou os gostos alimentares sob as óticas da
transmissão e da reprodução social, revelando como as mudanças na área acompanham
deslocamentos e rupturas ligadas ao habitus 113.
Segundo Bourdieu, os gostos dos grupos populares tendem a ser mais
impactados pelas exigências cotidianas de saciedade e melhor relação custo-benefício.
Nestes grupos existiria, assim, uma tendência ao consumo das comidas mais nutritivas e
baratas a fim de garantir a reprodução da força de trabalho. Este padrão de escolha dos
alimentos contrastaria com os gostos de “luxo” e “liberdade” das elites econômicas 114.
30
Nessa direção, segundo Freitas et al 115 o hábito alimentar “[...] revela a posição que o
indivíduo ocupa na sociedade pelo acesso e escolha de seus alimentos”115.
Neste aspecto, é preciso chamar a atenção para as relações contraditórias que
envolvem esta dinâmica de preferências alimentares. Sem dúvida, ao invés de contribuir
para uma visão simplista que associa invariavelmente à dieta dos pobres os alimentos
mais calóricos e de menor custo, a abordagem de Bourdieu auxilia a perceber de que
maneira valores simbólicos e culturais podem se sobrepor e complexificar o perfil
alimentar. Por outro lado, a multiplicidade dos elementos que condicionam as práticas
alimentares concorre para as dificuldades na efetivação das mudanças nessas práticas 112.
Nessa direção, a perspectiva relacional do pensamento de Bourdieu fornece um
aporte substantivo para o debate sobre a natureza das práticas educativas em saúde. O
enfoque do autor contribui para tensionar a orientação prescritiva, biologizante e
reducionista das ações no cenário da atenção básica e, especialmente, das iniciativas
vinculadas à ESF.
1.4 Práticas educativas em saúde e nutrição e os enfoques da Segurança Alimentar
e Nutricional e da Promoção da Saúde: desafios e perspectivas
Do ponto de vista do percurso das práticas educativas em nutrição, sua análise
ao longo dos últimos setenta anos, se inscreve na trajetória das práticas educativas em
saúde e das políticas públicas de alimentação e nutrição e de SAN 12, 116. Tomando
como referência essas dimensões, discute-se os principais elementos que têm
contribuído para a conformação das práticas educativas em alimentação e nutrição e
suas repercussões para o novo e atual cenário forjado nos princípios e concepções da
promoção da saúde e da SAN.
O debate no campo da Promoção da Saúde tem se intensificado nas últimas
décadas, estimulando a compreensão dos problemas de saúde articulados às questões
sociais e a crítica ao modelo assistencial com ênfase na lógica curativa. As Cartas da
Promoção da Saúde 37 estabelecem as bases conceituais e políticas da Promoção da
Saúde, explicitando a valorização da concepção holística da saúde, da determinação
social do processo saúde-doença e dos princípios da equidade social, intersetorialidade,
participação social e sustentabilidade 117 .
A I Conferência Internacional de Promoção da Saúde realizada em 1986, no
Canadá, é considerada um marco desse movimento da Promoção da Saúde no âmbito
31
mundial. Nessa Conferência foi elaborada a Carta de Ottawa 36 que define a Promoção
da Saúde como “o processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria da
sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle desse
processo”. Essa conceituação congrega os elementos centrais adotados por muitos
estudiosos 116.
Czeresnia 116 ao discutir a diferença entre prevenção e promoção da saúde,
traduz a perspectiva ampliada do segundo enfoque, que “envolve o fortalecimento da
capacidade individual e coletiva para lidar com a multiplicidade dos condicionantes da
saúde, indo além de procedimentos técnicos e normativos e do conhecimento dos
mecanismos de controle das doenças”. Essa concepção diz respeito ao fortalecimento
da saúde por meio da construção da capacidade de escolha, bem como à utilização do
conhecimento com o discernimento de atentar para as diferenças e singularidades dos
acontecimentos 118.
Este movimento tem favorecido o alargamento das fronteiras disciplinares e
exigido o diálogo com perspectivas teóricas que sejam capazes de orientar as
investigações e as intervenções direcionadas a uma visão ampliada da saúde. Com
destaque para as dimensões da participação e das práticas educativas 105.
No Brasil, no decorrer de mais de vinte anos da implementação do SUS, a
experiência da ampliação da atenção básica em saúde por meio da ESF tem contribuído
para a reflexão em torno do desenho e alcance das ações educativas e de promoção da
saúde 85, 86, 119. Nesse sentido, as práticas educativas na perspectiva da promoção da
saúde podem assumir um papel importante no contexto da ESF. As dimensões que
configuram essas práticas constituem-se em estruturantes para as iniciativas de
promoção da saúde, repercutindo nos seus efeitos e resultados 105.
Convém destacar que o referencial da promoção da saúde compreende diversas
formulações, envolvendo desde posturas tradicionais (atividades voltadas à modificação
dos comportamentos individuais por meio de práticas educativas focadas nos estilos de
vida) até concepções críticas, as quais buscam modificar a relação entre os cidadãos e o
Estado, por meio de políticas públicas e da ação intersetorial, ou ainda podem buscar
mudanças sociais mais profundas, como aquelas preconizadas nas propostas de
educação popular 120-122.
Conforme Marcondes 62, o debate sobre participação popular no contexto da
promoção da saúde permite a possibilidade de ampliação das perspectivas de
32
intervenção, qualificando as dimensões da fiscalização e do controle social a partir dos
processos educativos.
As características da promoção da saúde moderna pautam-se no papel
protagonista dos determinantes gerais sobre as condições de saúde . Nessa vertente, as
atividades estão mais direcionadas ao coletivo e ao ambiente, por meio de políticas
públicas e ambientes favoráveis ao desenvolvimento da saúde e do empowerment 36.
O empowerment consiste em um princípio-chave do campo da promoção da
saúde 106, relacionando-se ao reconhecimento de que os indivíduos e as comunidades
têm o direito e são potencialmente capazes de assumir o poder de interferir para
melhorar suas condições de vida 38. Esse poder e autonomia seriam sobretudo daqueles
indivíduos e grupos sociais submetidos às relações de opressão, discriminação e
dominação social 123 .
Por outro lado, o empowerment vem assumindo diversas interpretações,
conforme os interesses envolvidos e os saberes que o fundamentam 124. Carvalho &
Gastaldo 124 destacam as duas principais concepções de empowerment, que seriam a
psicológica, relativa ao controle do indivíduo sobre a própria vida e a
social/comunitária, desenvolvida a partir das ideias de Paulo Freire, de outros autores e
vinculada à noção da saúde como um processo e um resultado das lutas dos grupos
sociais por seus direitos 124.
Para Carvalho 125 o empowerment social/comunitário teria utilidade em diversas
áreas, dentre essas, a de educação em saúde. Nessa perspectiva, essa categoria pode
subsidiar o desenho de ações que visam “a superação da desigualdade de poder que
predomina na relação entre profissionais e usuários”. Para tanto, o autor propõe a
substituição da hierarquia nas relações pela “noção de parceria entre profissionais,
indivíduos e comunidades”, concebendo os usuários como “sujeitos portadores de
direito”125.
Restrepo 126, discutindo os aportes da Promoção da Saúde para a educação
alimentar e nutricional, chama atenção para o empowerment comunitário e para o fato
de que “a educação em saúde e nutrição deve dar conta de um processo de
aproximação à realidade e a cotidianeidade do outro para gerar transformações, o que
requer, além da participação, o empoderamento individual e coletivo”126.
Dessa maneira, entendemos que a perspectiva social do empowerment pode
disponibilizar elementos conceituais importantes para o estabelecimento de novas bases
para os processos educativos em saúde e nutrição, estabelecendo estratégias e valores
33
rumo a uma utopia coletiva de justiça social 124, articulando-se aos princípios
envolvidos no enfoque da SAN, sobretudo a noção de direito e do controle social.
Fetterman 127 aponta aspectos interessantes acerca da avaliação sob a perspectiva
do empowerment e que podem orientar as práticas educativas nas iniciativas de
promoção da SAN. O autor evidencia que essa perspectiva avaliativa facilita a
responsabilização dos indivíduos, liberando-os das expectativas e papéis tradicionais,
capacitando-os para buscar novas oportunidades, lidar com os recursos existentes e
redefinir sua identidade 127.
Esses pressupostos têm produzido inquietações sobre como as práticas
educativas têm sido empreendidas pelos profissionais de saúde na ESF 85,86, 119. Em
que pese a redefinição que vem ocorrendo nas concepções das práticas educativas no
âmbito da promoção da saúde, tanto do ponto de vista da discussão teórica, como
através de experiências locais inovadoras 7, 8, 128, 129, 130, muitas dessas práticas ainda são
marcadas pela transmissão das informações, por um discurso autoritário e por
intervenções prescritivas e normatizadoras dos comportamentos h 73, 131 .
Do ponto de vista da integração das políticas públicas, o setor saúde por meio da
ESF pode se constituir em uma instância dinamizadora de iniciativas intersetoriais,
sobretudo pela capilaridade dos seus serviços e pelo papel que o Agente Comunitário de
Saúde (ACS) pode exercer como indutor de demandas sociais, para além da área da
saúde 132.
No que tange às ações vinculadas à nutrição nesse contexto, cabe uma breve
contextualização da trajetória dos processos educativos ao longo das últimas décadas,
para compreendermos as configurações atuais desses processos. No Brasil, de 1940 a
1960, as ações educativas em nutrição enfatizavam a transmissão de conhecimentos à
população de baixa renda. Considerando que a fome e a desnutrição eram fenômenos
atribuídos à ignorância das classes populares, as intervenções estatais eram voltadas
para a mudança dos comportamentos alimentares , apoiando-se nos referenciais dos
modelos tradicionais de educação 12, 116, 133, 134..
Os resultados do Estudo Nacional de Despesa Familiar (ENDEF), produzidos
em meados da década de 70, com a identificação da renda como o principal entrave à
alimentação adequada do brasileiro contribuíram para que o binômio alimentação-renda
passasse a ser o orientador das políticas de alimentação e nutrição, tendo a
suplementação alimentar como diretriz principal 135.
h Ver discussão do tópico 1.1 deste capítulo.
34
Nesse sentido, as ações de educação alimentar e nutricional i (EAN) orientadas
até então pela normatização de condutas alimentares, foram alvo de diversas críticas,
potencializadas pelas precárias condições de vida e saúde da população, traduzidas nas
altas taxas da desnutrição e da mortalidade infantil. Essa realidade alimentou o debate à
época que apontava para a necessidade das transformações estruturais no modelo
econômico (voltado para a extrema concentração de renda) para que as repercussões
efetivas nas condições de alimentação e nutrição da população ocorressem de fato.
Assim, educar em nutrição virou sinônimo de algo alienante e conservador 12.
Nessa perspectiva, a década de 80 consistiu do que se chamou de “exílio” da
educação alimentar e nutricional, caracterizada pela ausência de ações educativas nas
políticas de alimentação e nutrição, pela falta de investimentos para a produção de
conhecimentos na área e para a formação dos profissionais, produzindo um vazio na
área e gerando uma “dívida” que ainda hoje não foi quitada 135.
Esse cenário, tendo como “pano de fundo” o início da redemocratização do país,
trouxe à tona a importante discussão do enfoque da educação nutricional crítica, a qual
afirmava que a educação alimentar e nutricional isoladamente não provocaria as
alterações nas práticas alimentares. Fundamentando-se nos princípios da pedagogia
crítica dos conteúdos, de orientação marxista, defende que a educação alimentar e
nutricional não seria algo neutro, além de não recomendar a adoção de uma metodologia
prefixada. Essa vertente ainda pressupunha a configuração da educação alimentar e
nutricional como um instrumento de apoio às ações sociais no sentido de explicitar as
contradições da estrutura social, buscando contribuir para a superação das causas
básicas dos problemas nutricionais das populações 133.
A efervescência dos anos 1990, do ponto de vista da produção de conhecimentos
sobre o papel da alimentação na saúde, das transformações nos perfis demográficos,
nutricionais e epidemiológicos e da reconfiguração das políticas públicas de saúde e
nutrição, trouxe a educação alimentar e nutricional de volta à cena acadêmica e política,
entretanto, a partir de outras bases, como a questão do sujeito, a democratização do
saber, a cultura, a ética e a cidadania 12, 134.
Evidências científicas, elencando a alimentação inadequada como um dos
principais fatores de risco das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) foram
i Essa denominação é a utilizada pelo CONSEA (2006) e pelo Marco de Referência de Educação
Alimentar e Nutricional (EAN) para as Políticas Públicas (Brasil, 2012), sendo a adotada neste trabalho. Além dessa, há outras definições utilizadas nos documentos oficiais e nos artigos científicos: educação nutricional, educação alimentar.
35
publicizadas, gerando desdobramentos nas intervenções em saúde e nutrição. Aliado a
isso, a existência do fenômeno da transição nutricional, em que concomitantemente ao
declínio acelerado da ocorrência da desnutrição em crianças e adultos, aumenta a
prevalência da obesidade e das DCNT em todos os segmentos sociais, despertou as
autoridades governamentais brasileiras para a necessidade de políticas que
respondessem às questões advindas desse cenário 61, 136, 137.
Por outro lado, as interfaces do referencial filosófico e conceitual da promoção
da saúde com a SAN, além dos avanços observados nos últimos anos nas políticas
públicas de SAN no país, impõem a construção de novas maneiras no fazer educativo
em saúde, que acompanhem esse cenário, com a inserção pelos profissionais do poder
público (serviços e academia) e da sociedade civil, em suas práticas, das categorias
nucleares do conceito da SAN, estimulando não apenas o direito à comida, mas o direito
à informação e à educação na perspectiva da emancipação, à luz dos princípios da
PNSAN, articulados ao arcabouço teórico da ‘nova promoção da saúde’ 19, 28,30, 130, 138,
139.
O processo educativo na ótica da SAN implica que esse seja compreendido e
enfrentado de forma integrada em todas as suas dimensões (produção, comercialização,
acesso, cultura, valores sociais) e não apenas no componente mais específico do
consumo individual 19,29. É fundamental o aprofundamento da compreensão sobre o
significado da alimentação no cotidiano individual e na vida em sociedade, tendo como
norte a noção da alimentação como prática social e relacional 111. A história, a
identidade cultural, a organização social, o poder político e econômico de um povo são
expressos pela alimentação. Por meio dela, manifestam-se desejos e afetos, além de se
promover a saúde, o fortalecimento dos vínculos sociais e do sentimento de pertença a
um grupo 28, 47,140.
Na direção de enfrentar as questões ligadas à transição nutricional e
epidemiológica, aliado aos novos arranjos das políticas públicas na área da saúde e da
SAN, com o fortalecimento da atenção básica e os avanços na institucionalização da
SAN, o Ministério da Saúde vem mobilizando esforços em prol da qualificação das
ações de alimentação e nutrição.
Assim, dentre essas ações, destacamos a revisão da PNAN 13 realizada em 2010,
além da construção de uma matriz para subsidiar as ações em alimentação e nutrição na
atenção básica, ligadas ao diagnóstico, promoção da saúde, prevenção de doenças e
assistência, tratamento e cuidado, no âmbito individual, familiar e comunitário. Esse
36
documento prevê ações tanto relacionadas à equipe multiprofissional de saúde, como
também ações mais específicas de competência do profissional de nutrição 141.
Portanto, pela centralidade do nutricionista frente a essas questões tem se
intensificado a discussão sobre a sua inserção no âmbito da ESF 142, 143. Por outro lado, a
implementação de iniciativas no âmbito do governo federal para o fortalecimento e
qualificação da atenção básica, a exemplo do NASF, também tem contribuído para a
reflexão sobre as ações de nutrição e o papel do nutricionista nesse contexto 144.
Considerando o caráter transversal e interdisciplinar da SAN, é importante
repensar o papel dos profissionais da ESF frente às intervenções nesse âmbito. Não há
dúvida que o profissional de nutrição apresenta uma formação mais específica para lidar
com as questões do campo da alimentação e nutrição. No entanto, as práticas educativas
voltadas para a perspectiva da SAN devem ser articuladas ao cotidiano de todos os
profissionais que compõem a equipe de saúde, não consistindo, portanto, uma atribuição
exclusiva e privativa do nutricionista.
Para tanto, são necessários esforços voltados à construção de metodologias
inovadoras para os processos educativos desenvolvidos no SUS, buscando contribuir
para a promoção da alimentação saudável, articulada à vida das pessoas, por meio do
conhecimento e da problematização da realidade para desvendar estratégias à adoção de
práticas mais saudáveis e adequadas aos contextos de cada indivíduo e/ou grupo social 7,
8, sem perder de vista que as escolhas alimentares são fortemente influenciadas por esse
contexto 111.
Assim, os princípios que caracterizam a ótica da SAN e da promoção da saúde,
como a reflexão sobre os determinantes das práticas alimentares, o estímulo à análise
crítica destes determinantes, além da promoção da autonomia de escolha dos sujeitos e
dos valores de cidadania, devem ser compreendidos e valorizados nas práticas em
saúde8. Concordando com Costa 19, entendemos que a dimensão da educação, com
ênfase no empowerment, constitui uma alternativa estratégica de interação entre as
concepções da SAN e da promoção da saúde, com vistas ao alcance da equidade e da
autonomia.
Nas últimas décadas, a promoção da alimentação saudável tem sido
recomendada, por organismos internacionais 145 e por diversas políticas públicas
brasileiras 3, 13, 35, 61, nas quais as intervenções educativas vêm se destacando como uma
das alternativas para a efetividade nessa área. Santos 83 refere os avanços da discussão
sobre as práticas educativas no contexto das políticas de alimentação e nutrição no
37
Brasil, mas aponta um hiato entre o âmbito da formulação e da implementação local das
ações. Para a autora:
“Parece estar em curso uma estruturação em torno da educação alimentar e nutricional enquanto uma ação governamental (ou até como uma política de Estado conforme referido em um dos documentos), com vistas à promoção da alimentação saudável sob a perspectiva de diferentes políticas relacionadas ao tema: seja a Promoção da Saúde ou da Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada sendo, a depender do órgão formulador da política, a ênfase é maior em um campo ou outro”83.
Ressalta-se que o panorama atual das práticas educativas em nutrição é
caracterizado pelo predomínio das iniciativas pulverizadas, indefinição acerca do papel
da educação alimentar e nutricional, foco nas vertentes da informação e dos aspectos
biológicos, além da desarticulação com a realidade e com o contexto local 146 . Frente a
esse novo cenário das políticas públicas que vem sendo desenhado sob a ótica da SAN e
do DHAA, destacam-se alguns dos princípios orientadores propostos pelo CONSEA 138
para as abordagens educativas em alimentação e nutrição:
“Modelo educativo dialógico e pautado na matriz da educação crítica /emancipatória, processo de construção coletiva do saber, promoção do alimento em todas as suas dimensões, não se restringindo ao enfoque nutricional e incorporando a SAN e o DHAA, diálogo entre o saber tradicional/popular e o saber científico, promoção da autonomia, da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade, respeito às culturas alimentares, revitalização e valorização da história alimentar regional e da diversidade regional, fomento à biodiversidade local”138.
Com vistas a subsidiar o desenvolvimento de ações públicas de EAN por meio
de princípios e diretrizes construídos a partir de um conjunto comum de reflexões
envolvendo um amplo leque de atores, por meio de representantes dos diversos
segmentos ligados ao setor público e sociedade civil j, foi elaborado o Marco de
Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas 147. Assim,
esse documento busca:
j Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome; Ministério da Saúde; Ministério da
Educação; Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; Associação Brasileira de Nutrição; Conselho Federal de Nutricionistas; Universidade de Brasília
38
“[...] apoiar os diferentes setores em suas ações de EAN para que, dentro de seus contextos, mandatos e abrangência possam alcançar o máximo de resultados possíveis no âmbito da conjuntura atual que anuncia possibilidades de ampliação do empoderamento das pessoas e comunidades no que se refere à realização do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e garantia da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), adoção de práticas alimentares saudáveis na perspectiva da promoção da saúde, corresponsabilização, autonomia, auto-cuidado e reconhecimento da alimentação como direito social e exercício da cidadania”147.
O referido Marco adota uma concepção de EAN bastante ampliada e sintonizada
com os princípios do campo da SAN e da Promoção da Saúde, com ênfase nas
perspectivas educativas críticas 147.
“[...] um campo de conhecimento e prática contínua e permanente, intersetorial e multiprofissional, que utiliza diferentes abordagens educacionais problematizadoras e ativas que visem principalmente o diálogo e a reflexão junto a indivíduos ao longo de todo o curso da vida, grupos populacionais e comunidades, considerando os determinantes, as interações e significados que compõem o comportamento alimentar que visa contribuir para a realização do DHAA e garantia da SAN, a valorização da cultura alimentar, a sustentabilidade e a geração de autonomia para que as pessoas, grupos e comunidades estejam empoderadas para a adoção de hábitos alimentares saudáveis e a melhoria da qualidade de vida”147.
Alguns autores trazem elementos referentes a esse novo papel das práticas
educativas, no sentido de ampliação da sua efetividade. Na visão de Contento 148, a
educação nutricional precisa ser mais abrangente, devendo ocorrer em vários espaços e
envolver atividades nos níveis individuais, comunitário e políticos, sendo definida
como:
“combinação de estratégias educativas, acompanhada de ações que possibilitem um ambiente que apoie o comportamento almejado, que promova a autonomia e facilite a adoção voluntária de escolhas alimentares e outros comportamentos relacionados, com o objetivo de bem estar e saúde”148.
39
A definição de Boog 28 para a EAN no contexto da promoção da SAN contempla
grande parte dos princípios propostos pelo Consea138 e pelo Marco de EAN 147.
“[...] conjunto de estratégias sistematizadas para impulsionar a cultura e a valorização da alimentação, concebidas no reconhecimento da necessidade de respeitar, mas também modificar crenças, valores, atitudes, representações, práticas e relações sociais que se estabelecem em torno da alimentação, visando o acesso econômico e social de todos os cidadãos a uma alimentação quantitativa e qualitativamente adequada, que atenda aos objetivos de saúde, prazer e convívio social”28.
Assim, o desenvolvimento de uma prática educativa apoiada nos referenciais da
promoção da saúde e da SAN, pressupõe uma visão complexa e ampliada de saúde,
possibilitando uma nova forma de relacionamento entre os profissionais de saúde e a
população, além de reorientar a visão dos serviços como espaços centrados na doença
para locais voltados à saúde da população 8.
Nessa perspectiva, o componente ambiental tem sido reconhecido como
dimensão central no processo educativo em alimentação e nutrição, no sentido de
favorecer a disponibilidade de alimentos saudáveis, nos locais de aquisição ou consumo
alimentar, melhorando as estruturas sociais e a política alimentar em instituições e
comunidades, buscando ampliar as oportunidades das pessoas para optar por práticas
saudáveis 148 .
Para Castro, Castro, Gugelmim 149 apesar das atividades educativas serem
enfatizadas como uma das principais estratégias no combate aos problemas nutricionais,
para a efetividade na promoção de mudanças, exige-se que essa ferramenta esteja “[...]
inserida em um leque amplo de iniciativas e medidas intersetoriais que sejam
sinérgicas e complementares [...]”149.
As autoras apontam quatro desafios no tocante à efetividade das intervenções
voltadas à questão alimentar, a saber: a consolidação das relações horizontais, parceiras
e democráticas, entre indivíduos e instituições, destacando-se nesse processo a
participação e o controle sociais; a consolidação das políticas públicas abrangentes que
enfrentem as diversas dimensões da agenda da alimentação e nutrição, sobressaindo-se
o PNAE como exemplo de estratégia que contempla essas dimensões; a conjugação das
ações individuais e coletivas frente às intervenções no contexto atual; e finalmente o
quarto desafio que se relaciona à reorientação do papel das instituições acadêmicas, no
40
sentido de promover uma formação acadêmica sintonizada com o cenário
contemporâneo 149.
No entendimento de Restrepo 126, o sistema de alimentação e nutrição sob a
perspectiva da Promoção da Saúde, pode contribuir para aprimorar a educação alimentar
e nutricional nas dimensões individuais e coletivas. A autora destaca a influência dos
aspectos ligados à aquisição dos alimentos, hábitos e crenças alimentares, papel da
publicidade na escolha alimentar e aos conhecimentos sobre alimentação e nutrição nos
processos de decisão da família e da comunidade 126.
Assim, torna-se relevante o estímulo à discussão no âmbito da ESF sobre ‘como’
vêm sendo desenvolvidas as práticas educativas em alimentação e nutrição. Importa
valorizar as iniciativas educativas que extrapolem o lócus do consumo e da dimensão
biológica do alimento, buscando, a partir do diálogo com as famílias e comunidades nos
diferentes contextos locais, compreender as relações sociais que envolvem a comida.
Nessa perspectiva, o enfoque da SAN ao incluir as dimensões do direito,
promoção da saúde, produção, abastecimento e consumo alimentar, além da
sustentabilidade ambiental e cultural 48 contribui para a revisão das abordagens
educativas tradicionais na ESF e em outras instâncias. É inegável que tem se
intensificado a preocupação com as questões teórico-metodológicas que orientam as
intervenções educativas em alimentação e nutrição 83, com o desenvolvimento de
iniciativas na direção de novas abordagens nos serviços de saúde e em outros
equipamentos públicos e comunitários, a exemplo das escolas, creches, Centro de
Referência de Assistência Social (CRAS), restaurantes populares, dentre outros.
Assim, observamos experiências e propostas educativas com ênfase na culinária
como eixo estruturante da promoção da alimentação saudável 130, como estratégia de
redução de danos com mulheres alcoolistas 150, abordando a SAN com ACS na ESF, a
partir dos pressupostos da Educação Popular 128, utilizando a problematização para
abordagem da obesidade com adolescentes 151, ressignificando a alimentação escolar a
partir da relação homem/ambiente, mediada pelo trabalho 152, dentre outras iniciativas
locais que estão em curso.
Essas reflexões indicam que a questão alimentar merece ser abordada pelos
serviços de saúde a partir de um enfoque ampliado, que leve em conta a complexidade e
as múltiplas dimensões envolvidas nas práticas alimentares dos indivíduos e grupos
sociais. Nesse sentido, corroboram com o entendimento de que a EAN é fundamental,
mas por si só não é suficiente. Assim, para a promoção de resultados efetivos, devemos
41
compreendê-la para além da sua dimensão instrumental, concebendo-a como um
dispositivo de ações integradas que pressupõe a interdisciplinaridade e a
intersetorialidade 83, 126, 149.
42
CAPÍTULO 2- ABORDAGEM METODOLÓGICA
2.1 Um olhar construtivista sobre as práticas educativas em saúde e nutrição e
sobre a avaliação do alcance das experiências
A abordagem teórico-metodológica adotada partiu do debate em torno dos
conceitos de Segurança Alimentar e Nutricional 2, Promoção da Saúde 36 e Práticas
Educativas 8. Marcados pela abrangência e complexidade, tais conceitos foram
articulados ao processo de construção e implementação de iniciativas no âmbito da rede
de atenção básica no município de João Pessoa e serão apresentados brevemente a
seguir.
O conceito de Segurança Alimentar e Nutricional adotado neste estudo é
aquele proposto no artigo 3º da LOSAN 2, que amplia a concepção da questão alimentar
e nutricional, tradicionalmente centrada nos aspectos biológicos, contemplando as
dimensões do direito, da promoção da saúde, da sustentabilidade ambiental, cultural e
social:
“Realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”2.
Para a compreensão da Promoção da Saúde utilizamos o referencial da Carta de
Ottawa 36 que a define como “o processo de capacitação da comunidade para atuar na
melhoria da sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no
controle desse processo”36.
O entendimento das práticas educativas neste estudo está vinculado aos
processos dialógicos a partir das relações entre sujeitos sociais, portando diferentes
saberes, em diferentes espaços, públicos ou privados, podendo ser realizada de maneira
formal ou informal 153. Para tanto, a prática educativa ou a ação educativa em saúde foi
considerada como uma prática desenvolvida junto a grupos sociais, a partir de campos
de conhecimento vinculados às áreas interdisciplinares da saúde e da educação 154.
Essas práticas incluem propostas pedagógicas comprometidas com o
desenvolvimento da solidariedade e da cidadania, orientando-se para ações voltadas à
melhoria da qualidade de vida e à promoção do homem 155, a partir de abordagens que
promovam a reflexão sobre os determinantes sociais da saúde e das práticas alimentares;
43
além do estímulo à análise crítica destes determinantes. Para fins dessa investigação
foram consideradas como práticas educativas aquelas relacionadas às atividades em
grupos e às visitas domiciliares desenvolvidas pelos profissionais de saúde com os
usuários da USF.
As práticas alimentares são compreendidas como práticas sociais, fortemente
condicionadas pelo contexto, abrangendo os procedimentos ligados a obtenção, preparo
e consumo do alimento 111. Comungamos com a visão de alguns autores que concebem
essas práticas como perpassadas pelas dimensões socioculturais, constituindo-se em
veículos da identidade cultural, condição social, religião e memória familiar dos grupos
sociais 45-47.
Consideramos a intersetorialidade, o contexto e o empowerment como
dimensões que atravessam estes conceitos e que são descritas da seguinte maneira:
· Intersetorialidade- a referência utilizada foi a intersetorialidade em saúde,
caracterizada conforme Who 156 como:
“uma relação reconhecida entre uma ou várias partes do setor saúde com uma ou várias partes de outro setor que se tenha formado para atuar em um tema visando a alcançar resultados de saúde (ou resultados intermediários de saúde) de uma maneira mais efetiva, eficiente ou sustentável do que poderia alcançar o setor saúde agindo por si só”156.
A intersetorialidade no âmbito da SAN, como propõe Burlandy 29, seria quando
“os diferentes setores constroem de forma conjunta e pactuada um projeto integrado
destinado a alcançar objetivos mais amplos, como a SAN”. Esse planejamento, no
entendimento da autora, inclui a identificação de determinantes das situações de
insegurança alimentar e a formulação de intervenções que transcendem as ações
setoriais e impactam diferentes dimensões do problema.
· Contexto- conjunto de condições e eventos locais, agentes sociais, objetos e
interações que caracterizam sistemas abertos e cuja confluência no tempo e no
espaço ativa, dispara, bloqueia ou modifica seletivamente mecanismos e
poderes causais em uma cadeia de reações que pode resultar em diferentes
efeitos, dependendo da dinâmica interativa dos mecanismos e condições através
do tempo e do espaço 157 .
44
· Empowerment- adotamos a perspectiva social dessa categoria, que se apoia nas
ideias de Paulo Freire e pode ser definida como os processos que promovem a
participação social, buscando o aumento do controle sobre a vida por parte dos
indivíduos e comunidades, a justiça social e a melhoria da qualidade de vida 125.
O modelo teórico proposto por Delormier, Frohlich e Potvin 111, construído a
partir da teoria da estruturação de Giddens, consiste em uma referência importante para
nos auxiliar na compreensão dos padrões alimentares vis a vis as práticas educativas
relacionadas à essa temática. Do ponto de vista da compreensão das práticas
alimentares, sobretudo no que tange aos processos educativos empreendidos pelas
equipes da ESF importa considerar as limitações dos indivíduos sobre suas escolhas
alimentares e o papel preponderante do contexto para essas escolhas.
Como assinala Corcuff 99 a chamada “galáxia construtivista” que inclui autores
clássicos das Ciências Sociais como Giddens, Bourdieu e Norbert Elias é marcada pela
ênfase no contexto social e na interação entre os atores para a compreensão da
realidade, havendo uma forte noção de interdependência entre indivíduos e sociedade,
onde coexistem diversas formas de relações 99. Na perspectiva construtivista as
dicotomias tradicionais entre sujeito e objeto, natural e social, indivíduo e sociedade são
tensionadas.
Dessa maneira, segundo Corcuff 99 no enfoque construtivista “as realidades
sociais são apreendidas como construções históricas e cotidianas dos atores
individuais e coletivos”99. Schwandt 158 ressalta a dimensão histórica e cultural para
essa elaboração “não construímos nossas interpretações isoladamente, mas contra um
pano de fundo de compreensões, de práticas, de linguagem, etc., que temos em
comum”158.
Como aponta Bodstein 102 “constitui um reducionismo querer compreender as
relações entre os agentes sociais [...] fora do contexto de relação e de
interdependência”, destacando nesse cenário as concepções metodológicas que
“apreendam a pluralidade dos sujeitos e práticas, [...]. [...]. O que está em questão é a
compreensão dos contextos particulares e singulares que tornam inteligíveis ações,
práticas, hábitos, comportamentos, crenças e atitudes”102.
A teoria da estruturação de Giddens é indicada tanto para análises institucionais
mais amplas, como para avaliações realizadas em ambientes microssociais. O’Dwyer &
Mattos 159 justificam o uso dessa teoria para a análise das práticas desenvolvidas nos
45
serviços de saúde, destacando o seu potencial explicativo e analítico, além da sua
abrangência e compatibilização com outros métodos de pesquisa. Realçam também a
sua dimensão relacional: “[...] aposta na transformação, não baseada exclusivamente
nas intenções dos atores ou nos recursos estruturais. Uma transformação que cabe
entre os extremos do potencial da estrutura e do potencial do agente [...]”159.
Nessa direção, buscamos a partir dessa perspectiva relacional que é valorizada
pelo construtivismo, captar e compreender o conhecimento dos agentes sobre suas
experiências com as práticas educativas no cotidiano da USF Caleidoscópio. Frente a
valorização, neste estudo, de aspectos como o contexto, os agentes e os processos de
interação entre esses, além das singularidades observadas no desenvolvimento das
práticas educativas, adotamos a abordagem de natureza qualitativa, por meio da qual
realizamos entrevistas semiestruturadas com os sujeitos envolvidos, observamos o
cotidiano do serviço e recorremos às fontes documentais.
Como destacam Uchimura & Bosi 160, os estudos voltados para a avaliação
qualitativa de programas são “centrados na análise da dimensão subjetiva da
qualidade, que buscam apreender a experiência vivencial de atores sociais que
interagem com o programa ou serviço, sejam eles usuários, técnicos, gestores ou
políticos”. E de acordo com as autoras essa abordagem se apresenta como um potente
caminho metodológico “para fundamentar e instrumentalizar o processo de
desvelamento da singularidade e do sentido presente no vivido dos usuários junto a
determinados programas”160.
No debate internacional no âmbito da promoção da saúde e da avaliação de
programas sociais tem se intensificado a preocupação em envolver os contextos e as
diferentes perspectivas dos agentes 52 . O fortalecimento da Promoção da Saúde ao
longo das últimas décadas e a complexidade inerente à natureza das intervenções desse
campo, têm suscitado diversas preocupações por parte dos estudiosos, quanto aos
aspectos epistemológicos e teórico-metodológicos, sobretudo relacionados ao âmbito da
avaliação dos programas de Promoção da Saúde 106, 161-163. Ressaltando-se a importância
de se considerar a concepção da natureza dos programas nos processos avaliativos 164.
O campo da avaliação de programas tem sido marcado por distintas abordagens
e concepções, incluindo as perspectivas inspiradas originalmente nos desenhos
experimentais, onde o foco é o julgamento do programa quanto ao cumprimento das
metas e resultados, visando decidir pela continuidade ou interrupção daquele e são
denominadas de avaliação somativa ou avaliação de resultados 165.
46
Também há a avaliação formativa ou avaliação de processo, orientada para a
qualificação ou melhoria do programa, por meio da qual se busca conhecer os fatores,
no curso da implementação 49. Como enfatiza Patton 49, na avaliação formativa, por
descrever e compreender os detalhes e dinâmicas de processos de programas, é possível
isolar os elementos críticos que contribuíram para o sucesso e falhas do programa.
Enquanto que as avaliações focadas apenas nos resultados, dificilmente irão orientar a
ação, pois sem o conhecimento da implementação não disponibilizarão informações
sobre o que produziu os resultados (ou a falta deles) 49.
Conforme Patton 49, a avaliação da implementação envolve insumos, atividades,
processos e estruturas, buscando responder as questões: “O que os clientes do programa
vivenciam? Quais os serviços são oferecidos aos clientes? O que a equipe faz? Como se
sente fazendo parte do Programa? Como o programa está organizado?” Tais questões
permitem informar aos tomadores de decisão o que está ocorrendo no programa, como o
programa tem sido desenvolvido e como e por que os programas desviam dos planos e
das expectativas iniciais 49.
Para Potvin & Mc Queen 51, a avaliação consiste em uma prática social e como
tal impacta o objeto avaliado, o qual é transformado pelas interações ocorridas no
processo de avaliação. De acordo com os autores “a evidência não existe independente
do observador; ela não é uma coisa em si mesmo. Portanto a avaliação é um processo
de descoberta social”51.
A avaliação em promoção da saúde é uma atividade científica aplicada que
produz conhecimento e significado sobre a ação humana deliberada em busca da
transformação da saúde e seus determinantes. Também envolve a dimensão social, visto
que ocorrem interações entre os atores sociais que atribuem significados diferentes para
a situação e a dimensão política, pois os interesses dos atores muitas vezes são
diferentes e conflitantes 51.
Assim, aponta-se para a necessidade de outros enfoques, nas quais as práticas
avaliativas sejam guiadas pelas evidências teóricas e pela utilização de abordagens
multidimensionais que apreendam os interesses e motivações dos stakeholders dos
processos de decisão e de execução, articulados ao contexto político no qual o programa
é implementado, extrapolando o foco na efetividade para a compreensão dos processos
das mudanças sociais ocorridas 166-168.
Nessa perspectiva, Potvin, Haddad, Frohlich 50 refletem sobre o papel dos
programas em promoção da saúde, destacando que nem sempre o alvo desses programas
47
são problemas específicos (como uma doença, por exemplo), mas aspectos gerais
relacionados à saúde. Assim, os autores defendem que os objetivos desses programas
serão descritos de modo mais adequado, se ao invés de problemas, forem estabelecidos
alvos de mudança, que incluem as condições ambientais ou relações que constituem o
alvo dos objetivos do programa.
Essas mudanças, quando advindas de iniciativas complexas, no entender de
Barnes, Matka, Sullivan 169 ocorrem em diversos âmbitos, seja no individual,
populacional, comunitário, como na esfera dos serviços de saúde e dos sistemas de
gestão. Nesse sentido, Potvin, Gendron e Bilodeau 103 destacam duas finalidades
principais da avaliação dos programas de saúde, que seriam:
“Guiar localmente a ação informando as transformações sucessivas dos eventos ligados, a um só tempo, à situação problemática e ao programa, transformações estas que resultam de mecanismos ativos no programa; [...] informar modelos e teorias dos atores a fim de que possam aprimorar sua apreensão acerca dos mecanismos colocados em prática na produção dos eventos”103.
Nesse cenário a referência às interações do programa com o ambiente no qual é
implementado é fundamental nos processos de avaliação. Potvin, Haddad, Frohlich 50
entendem o ambiente como “todos os aspectos do sistema social no qual o programa é
implementado, como os atores sociais, recursos e sistemas de significado. Esses
sistemas sociais podem ser settings organizacionais, comunidades, municipalidades,
províncias ou um país”50. Os processos coletivos das práticas de promoção da saúde
possuem implicações, como a criação de uma forte rede de relações entre o programa e
seu ambiente, além desses processos poderem ser incluídos nas teorias de tratamento,
tendo em vista o seu papel na modificação dos componentes do programa 50.
A teoria de tratamento constitui o conhecimento sistemático sobre os fatores
associados aos alvos de mudança do programa. Ao contrário da concepção black-boxk
de avaliação, a teoria de tratamento possibilita um quadro de referência que assegura a
coerência entre a sequência de atividades e serviços com os objetivos e o tipo e
quantidade de recursos necessários para implementar as atividades 50 .
Nessa direção, a proposta deste estudo consistiu em desenvolver uma pesquisa
avaliativa sobre o processo de implementação das práticas educativas em saúde e
k Enfoque que busca medir os efeitos do programa por meio da relação insumos-resultados.
48
nutrição, sob o enfoque da SAN e da promoção da saúde no contexto da ESF. Tendo
em vista as controvérsias e os debates inconclusos em torno dessa temática, nos
apoiamos na abordagem de avaliação descrita a seguir.
Considerando que a Promoção da Saúde se constitui em um campo
explicitamente baseado por um sistema de valores, segundo Potvin & Mcqueen 51, isso
impõe alguns desafios para se avaliar as suas intervenções: a definição do objeto da
avaliação, o uso de métodos que sejam ao mesmo tempo rigorosos e apropriados ao
objeto, a produção de resultados que possam ser sintetizados e a produção de
conhecimento relevante para ação.
As questões que orientam a avaliação determinam a natureza desse
conhecimento e conforme Potvin, Haddad, Frohlich 50, devem contemplar os
componentes do programa (o quão coerente é a teoria de tratamento na articulação dos
objetivos, recursos e atividades/serviços do programa? quais são os alcances das
atividades e serviços do programa?) e as interações do programa com o ambiente (o
quão relevante são os objetivos do programa ao alvo de mudança? o quão sensíveis são
os componentes do programa às condições ambientais? Quais são as indicações dos
resultados do programa no ambiente?).
Para Salazar 170, a intervenção é efetiva quando serve para o que foi criada, ao
funcionar em condições reais. Uma revisão sistemática da efetividade das intervenções
em promoção da saúde nos locais de trabalho, realizada em 1999, mostrou a
importância do envolvimento dos funcionários e das parcerias para o planejamento e
implementação dessas intervenções, além da necessidade de investigações sobre os
fatores que facilitam o sucesso de tais parcerias 171.
Na direção dos processos de avaliação participativos, segundo Fetterman 127 a
avaliação na perspectiva do empowerment, e que enfatiza as dimensões pedagógicas e
de advocacy, concebe o avaliador como facilitador do processo e da
coresponsabilização dos atores envolvidos. O autor ressalta que essa abordagem é
permeada por forte viés político, dado que a sua finalidade principal é possibilitar o
empoderamento das pessoas. Um dos pilares dessa abordagem seria a noção de
autodeterminação, constituída por um conjunto de capacidades, que de acordo com
Fetterman 172 incluiria:
“A habilidade para identificar e expressar necessidades, estabelecer objetivos e expectativas e um plano de ação para alcançá-los, identificar recursos, fazer escolhas racionais a
49
partir das várias alternativas no curso da ação, tomar as medidas adequadas para alcançar os objetivos, avaliar os resultados em curto e longo prazo (incluindo reavaliar planos e expectativas e fazer os desvios necessários) e persistir na busca desses objetivos”172.
Contudo, o autor alerta para a existência de fatores ligados ao desenvolvimento
(idade, maturidade), tipo ou grau de incapacidade e condições ambientais que
estimulam ou constrangem essas capacidades individuais, mencionando a importância
de ambientes favoráveis na promoção dessas habilidades 172 .
Nessa direção, o foco de interesse da avaliação para o empowerment é voltado
para os participantes do programa, no sentido de ajudá-los a tornarem-se
autodeterminados, por meio de processos colaborativos, pautados na
coresponsabilidade, autonomia e autoavaliação, estimulando-os a refletirem
sistematicamente sobre eles próprios e sobre o programa, propiciando uma avaliação
global do programa e avaliações específicas para cada um dos elementos principais do
programa. Nesse contexto, o facilitador pode ajudar no esclarecimento dos obstáculos
desnecessários e padrões de falhas na comunicação 172.
Nessas abordagens, os objetivos e resultados são compatíveis com o nível de
desenvolvimento da implementação 172. Entendemos que este marco teórico-
metodológico pode orientar a reflexão dos processos avaliativos das práticas de saúde
no nível local. A ESF pode se revelar como um espaço que favoreça ou não esses
aspectos dinamizadores das avaliações voltadas para o empowerment dos envolvidos
(equipes de saúde e usuários).
Vale dizer que a noção de programa geralmente tem sido vinculada a um
conjunto de práticas organizadas para o enfrentamento de problemas de saúde,
desenvolvidas a partir de objetivos, atividades e recursos definidos 164,173. Potvin &
McQueen 51 ao debaterem sobre a multiplicidade de termos que envolve as intervenções
em Promoção da Saúde, adotam a seguinte definição de programa: “um modo de
planejamento e organização para a ação coletiva que busca a produção de uma
transformação desejável ”51.
Os autores ressaltam ainda que os programas operam como sistemas de ações
onde há a mobilização pelos atores de conhecimento, atividades, redes e recursos para a
realização das mudanças esperadas. E alertam que os programas por si só não provocam
essas mudanças, mas sim as pessoas que a partir dos parâmetros e dos recursos
disponibilizados, operam e criam os eventos que disparam as mudanças 51.
50
Na concepção de Potvin, Haddad, Frohlich 50 o programa relaciona-se a
“intervenção, iniciativa ou ação visando a promoção da saúde”50. Partilhamos desse
entendimento e, no presente estudo, o programa considerado para análise consistiu nas
práticas educativas em saúde e nutrição desenvolvidas em uma Unidade de Saúde da
Família da cidade de João Pessoa. Nossos esforços ao invés de serem direcionados para
a análise do impacto dos processos educativos empreendidos pelas equipes da USF, no
âmbito das condutas de saúde dos seus usuários, privilegiaram a dimensão formativa ou
de processo da avaliação, por meio da qual buscamos a apreensão dos aspectos
intermediários dessas práticas, identificando os elementos que influenciavam a sua
implementação.
Nessa perspectiva, o processo de implementação das atividades e práticas é
considerado não apenas como um meio para se atingir os resultados esperados, mas
constituindo esse processo o próprio resultado da avaliação. Uma das dimensões
enfatizadas nesse tipo de avaliação consiste na compreensão das interações entre os
agentes envolvidos e entre esses e o contexto, além das suas vivências no âmbito do
programa 49. Pawson & Tilley 174 corroboram com esses aspectos, argumentando sobre
a natureza dos programas sociais, “[...] são constituídos por um processo complexo de
compreensão humana e interação”, não recomendando que esses programas sejam
vistos como “variáveis independentes, coisas, tratamentos, dosagens”174.
Tendo em vista a complexidade em torno das condições de implementação das
intervenções sociais, a perspectiva realista crítica tem sido considerada por muitos
autores como uma abordagem promissora no âmbito dos processos avaliativos de
iniciativas dessa natureza 51, 175.
Nessa direção, Pawson 176 desenvolveu essa abordagem a partir dos fundamentos
teóricos elaborados pelo filosófo Bhaskar 177, enfatizando a identificação dos
mecanismos que configuram os programas, no sentido de compreender quais são os
mecanismos que operam para o funcionamento satisfatório de um programa. Assim,
conforme essa abordagem, a investigação seria na direção das questões “o que funciona
no programa, para quem e em quais circunstâncias”?
Portanto, o programa seria apenas um elemento entre os vários sistemas de ações
que atuam simultaneamente em um determinado contexto, onde o papel do avaliador
consiste na identificação dos mecanismos operativos do programa e o modo que eles
interagem com as condições contextuais. Essa interação do programa com outros
51
mecanismos do contexto o torna mediador das constantes transformações desse
contexto 166.
Potvin 95 aponta que no “realismo crítico” existem vários mecanismos causais
produzindo um mesmo evento, sendo que essa confluência dos objetos não seria uma
condição necessária, nem suficiente para o estabelecimento de uma relação causal.
Nesse enfoque, segundo a autora os programas ao invés de consistirem em intervenções
voltadas para corrigir as falhas nos objetos e mecanismos, constituem “ações
deliberadas pelos atores de modo a acionar outros objetos e mecanismos para interagir
com os primeiros em uma situação julgada problemática”95.
As implicações da vertente “realista crítica” para a avaliação, no entender de
Potvin 164 vinculam-se à perspectiva relacional e dinâmica do programa, a qual
possibilita a sua permanente transformação pelos atores envolvidos; por outro lado o
fato dessa vertente enfatizar as dimensões ligadas aos processos pelos quais os eventos
são transformados permite a entrada “na caixa preta do programa, mais do que nas
causas propriamente ditas”, contribuindo para a resolução dos problemas. E
finalmente, uma terceira implicação seria relacionada ao papel da avaliação na
compreensão dos mecanismos que extrapolam as percepções dos atores sobre as ações.
Havendo a possibilidade de esses mecanismos serem “continuamente reorientados
pelos atores envolvidos”164.
Dessa maneira, a abordagem “realista crítica” tende a potencializar a avaliação
dos processos de implementação de programas sociais, sobretudo aqueles relacionados
ao campo da promoção da saúde, por contemplar a estratégia de desenvolvimento do
conhecimento demandada por esse campo ainda em construção, o qual implica
reconhecer resultados não previstos, complexidade e o papel preponderante do contexto
social 166. Nessa perspectiva, realça-se a interface desses elementos com a abordagem
construtivista. Patton 178 chama atenção para a importância de se valorizar e capturar as
múltiplas realidades traduzidas nas percepções dos diferentes atores envolvidos no
programa no sentido da operacionalização do enfoque construtivista.
Entende-se que os campos da saúde e da SAN possuem também esse conjunto
de características. No Brasil, a potencialidade das iniciativas intersetoriais, a exemplo
daquelas envolvendo a ESF, a Promoção da Saúde e a SAN, tem incrementado nos
últimos anos o uso de abordagens avaliativas participativas orientadas pelo enfoque
realista crítico, com o envolvimento dos atores locais e a ênfase na dimensão política 22,
52, 157.
52
Salazar 170 aponta alguns aspectos que devem ser investigados na avaliação das
intervenções em promoção da saúde: quais as condições de criação e implementação do
programa e quais as condições que favoreceram seu êxito; se havia suficiente
consciência pública e política sobre o tema e a necessidade de ação; a capacidade para
levar a cabo o programa (por exemplo, quanto ao nível de formação dos profissionais, a
garantia de recursos para implantar e sustentar o programa) e se o programa tem uma
amplitude, duração e sofisticação suficientes para produzir mudanças detectáveis 170.
Nessa direção, para a análise da implementação das práticas educativas
empreendida nessa pesquisa, optamos por valorizar o conhecimento da dinâmica local,
quanto às escolhas e interesses que tendem a estimular ou a limitar o alcance das ações.
Considerando a estreita relação da alimentação e nutrição com a temática da saúde,
partimos do exame dos processos educativos em saúde de um modo geral, para a
identificação e análise da abordagem da alimentação e nutrição.
Para tanto, a proposta da análise realizada foi no sentido de compreendermos
como vinham sendo desenvolvidas as práticas educativas em saúde e nutrição na USF
estudada e qual o conjunto de decisões relacionadas a essa operacionalização,
identificando em que medida tem ocorrido a apreensão do enfoque da SAN pelos
apoiadores , profissionais de saúde e usuários da USF, como esses agentes percebiam
as práticas mencionadas, se existiam estratégias de "validação social" dessas práticas, se
as mesmas estavam sendo orientadas pelos princípios e eixos norteadores da SAN,
além dos aspectos facilitadores e obstáculos para a sua implementação.
Assim buscamos investigar as condições institucionais em que eram
desenvolvidas as práticas educativas, os incentivos existentes para a cooperação, quais
as atividades eram desenvolvidas, por quem, para quem e com que nível de esforços,
como estavam organizadas estas atividades, se havia o envolvimento da comunidade no
processo e como ocorria essa participação, dentre outras questões importantes para
desvelar os mecanismos relativos aos processos educativos em alimentação e nutrição.
Foi utilizado o método do estudo de caso único integrado, o qual permitiu
explorar as múltiplas dimensões da prática, apreendendo o perfil dos atores articulado
ao contexto, o significado das situações para os atores, o processo de implementação,
além daqueles elementos que não foram previstos, incertezas e controvérsias 53,54 .
Minayo, Souza, Constantino e Santos 179 indicam as finalidades do estudo de
caso no âmbito das pesquisas avaliativas:
53
“[...] apresentar ou esclarecer por quê e como determinada decisão ou conjunto de decisões foram tomadas. Objetiva, também evidenciar ligações causais entre intervenções e situações de vida real; bem como ressaltar o contexto em que uma intervenção ocorreu. Além disto, visa a demonstrar o rumo de uma intervenção em curso e como modifica-la”179.
Yin 54 recomenda o uso do estudo de caso quando se busca o entendimento de
um fenômeno da vida real em profundidade, que envolva condições contextuais
pertinentes ao fenômeno estudado, tendo sido esse tipo de estudo bastante utilizado para
investigar decisões, programas, processos de implementação e mudança organizacional.
Conforme esse autor, a estratégia do estudo de caso é abrangente, sendo indicada para o
estudo daquelas intervenções que “não possui um único e claro conjunto de resultados”
e considera unidades múltiplas de análise 54.
Consideramos que essa abordagem reúne portanto as características adequadas
às proposições dessa pesquisa, que buscou gerar questões e hipóteses para investigações
posteriores, além de ter como propósito realizar uma descrição densa do fenômeno em
seu contexto sociocultural, caracterizando-se como do tipo exploratório e descritivo.
Ademais, a opção por esse desenho para a análise das práticas educativas em
saúde e nutrição, em uma USF, indica ser bastante adequada no sentido que facilitou a
apreensão de situações cotidianas relativas às práticas educativas, os distintos modos de
implementação que as envolvem, contemplando as relações, interações e percepções dos
sujeitos do estudo 119 articulados aos elementos relacionados ao contexto de
implementação.
2.2 O cenário da pesquisa
A pesquisa foi realizada em uma USF do município de João Pessoa-PB, situado
na região Nordeste do país. A partir de 2005, com a mudança de gestão, a atenção
básica passou por uma forte reestruturação. Os eixos estratégicos da gestão municipal
estabelecidos no Plano Municipal de Saúde (2010-2013) consistem na construção da
atenção integral e humanizada e na educação permanente em saúde (EPS) 180. Para
tanto, uma das ferramentas adotadas foi o apoio matricial entre os Distritos Sanitários e
as equipes de saúde da família 181,182.
Assim, a partir das diretrizes do Ministério da Saúde 39, em 2008, foram
instituídas dez equipes do NASF, para atuação sob a lógica do matriciamento da gestão
54
do cuidado, ocasionando a expansão no número e nas ações dos apoiadores matriciais.
Do ponto de vista da gestão municipal 180 o apoio matricial é entendido como:
“[...] a construção de momentos relacionais onde se estabelece uma troca de saberes entre os profissionais de diferentes áreas e serviços de atenção à saúde, envolvidos no cuidado dos usuários. Tem por objetivo garantir que as equipes estabeleçam relações ou responsabilizem-se pelas ações desencadeadas, garantindo a integralidade da atenção em todo o sistema de saúde”180.
Em 2009, com a expansão das equipes, os NASFs passaram a ser constituídos
por 13 equipes multiprofissionais com 79 profissionais, distribuídos nos seguintes
núcleos: psicologia (12), nutrição (9), farmácia (10), fisioterapia (26), serviço social (8),
educação física (9) e medicina (5) 181. Vale assinalar que essa configuração é dinâmica,
tendo sido modificada no decorrer dos últimos anos tanto do ponto de vista quantitativo,
como nas características dos perfis profissionais. Preconiza-se que cada USF tenha sob
sua responsabilidade uma dupla de apoiadores, contemplando núcleos profissionais
distintos.
Nessa perspectiva, as unidades de saúde que, desde a implantação do PSF em
João Pessoa funcionavam em casas alugadas, adaptadas para a ESF e com uma equipe
de saúde, vinham sendo substituídas gradativamente por USF “integradas”, com
instalações planejadas e construídas para acolher quatro equipes de saúde, as quais são
responsáveis pela oferta de serviços às respectivas áreas/populações de abrangência.
No que se refere à escolha do local para o estudo, esse processo foi facilitado em
função da nossa aproximação prévia com a rede de atenção básica de João Pessoa,
construída especialmente ao longo da última década. Nesse sentido, a nossa inserção
como docente, supervisora de estágios e coordenadora de um Projeto de Extensão (o
PINAB) l no âmbito da ESF de João Pessoa, aliada aos contatos informais com
informantes-chaves vinculados aos distritos sanitários, permitiram um acúmulo de
informação significativo, sobre o panorama das unidades de saúde da cidade.
Assim, a preocupação que norteou a seleção do caso foi no sentido de contar
com um local que possibilitasse a apreensão das dimensões de análise do objeto
estudado. Considerando que grande parte das USF realizava as atividades educativas
l O projeto Práticas Integrais da Nutrição na Atenção Básica em Saúde, vinculado ao Depto.de Nutrição
da UFPB, desde 2007 desenvolve atividades orientadas pelas concepções da Educação Popular em Saúde, em território vinculado ao Distrito Sanitário II.
55
preconizadas pela ESF, como por exemplo, as que dizem respeito aos grupos e visitas
domiciliares, além de dispor dessas atividades, o local deveria também oferecer
condições operacionais para a pesquisa.
Portanto, valorizamos também as dimensões de acesso geográfico. Além disso,
privilegiamos na seleção uma unidade de saúde cujo apoiador matricial não tivesse sido
integrante do PINAB. Entendendo que a interação pregressa desse profissional com a
pesquisadora poderia comprometer os resultados do estudo. Nessa perspectiva, os
critérios para a seleção da USF consistiram em:
· Realizar atividades educativas por meio de grupos operativos-
considerando-se as atividades coletivas (grupos) envolvendo idosos e/ou
gestantes ou outro tipo de público
· Ser uma unidade “integrada”- entendendo que o fato de dispor de quatro
equipes de saúde ampliaria as possibilidades de análise do objeto de
pesquisa
· Ser de fácil acesso para a pesquisadora- tendo em vista que algumas
unidades situam-se em áreas distantes e/ou com precárias vias de acesso,
buscou-se contornar as dificuldades de acesso para o trabalho de campo.
· Dispor entre os seus apoiadores matriciais do profissional nutricionista-
por mais que a alimentação e nutrição, especialmente se considerarmos o
enfoque da SAN, seja um campo de saberes e práticas que atravessa
todas as profissões, pressupomos que os nutricionistas poderiam estar
mais atentos a essa temática no cotidiano de trabalho, expandindo as
possibilidades para o apoio de atividades nesse âmbito.
Considerando que, após já termos definido a USF para compor o estudo, com a
anuência da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa e a aprovação do projeto
pelo CEP/ENSP e antes de darmos início aos procedimentos de coleta de dados, houve a
saída do apoiador nutricionista da USF selecionada, foi necessário a modificação de um
dos critérios previstos inicialmente para a seleção da USF (dispor entre os seus
apoiadores matriciais do profissional nutricionista).
Considerando que, pela rotatividade dos apoiadores (inclusive isso foi um dado
confirmado no estudo que abordaremos no Capítulo III), se optássemos por escolher
outra USF que atendesse esse critério, não teríamos assegurada a permanência do
apoiador nutricionista na USF escolhida. E ainda considerando que o referido apoiador
56
tinha saído da USF pouco antes (dezembro/2011) do inicio da coleta de dados
(fevereiro/2012) e tinha sido remanejado para outro setor na mesma instituição, havendo
a possibilidade de entrevistá-lo (o que foi viabilizado), avaliamos que esse fato poderia
ser contornado sem consequências para o desenvolvimento e resultados da pesquisa.
A USF Caleidoscópio (nome fictício adotado para preservar o anonimato dos
envolvidos), selecionada para ser a unidade de análise do estudo, está localizada no
bairro de Mangabeira, considerado o mais populoso de João Pessoa, onde residem 11%
da população da cidade. Está vinculada ao Distrito Sanitário III (DSIII), composto por
53 USF (dessas apenas seis são unidades “integradas”) 183.
Além de possuir a maior abrangência territorial do município, esse distrito
também apresentou o Coeficiente de Mortalidade Infantil (CMI) mais elevado em 2009
entre todos os distritos, estando inclusive acima do CMI de João Pessoa, refletindo as
precárias condições de vida da população do seu território. Além dos critérios referidos
anteriormente para a seleção do caso, esses aspectos também corroboraram a escolha da
USF a ser estudada.
Salientamos que a pesquisa foi realizada no decorrer do último ano de dois
mandatos seguidos (iniciado em 2005) da gestão municipal. A gestão apoiou o
candidato majoritário que foi o vencedor nas eleições de 2012. Entretanto, várias
mudanças no cenário político da cidade vêm ocorrendo desde então, com rearranjos e
rupturas de alianças, que repercutiram na configuração da pasta da saúde, inclusive com
a substituição da secretária de saúde.
2.3 Procedimentos e técnicas de coleta de dados
Para a coleta de dados foram utilizados como recursos a observação direta, a
entrevista semiestruturada e a consulta documental. Nos estudos de caso, a
multiplicidade das fontes de evidências amplia os aspectos históricos e
comportamentais apreendidos pelo pesquisador, bem como possibilita o
desenvolvimento de linhas convergentes de investigação, um processo de triangulação
dos dados que permite a corroboração dos fatos ou fenômenos estudados e contribui
para a consistência dos achados e para a qualidade geral do estudo 54.
O trabalho de campo foi realizado durante o período de 10 de fevereiro a 20 de
junho, mediante a realização da observação direta das atividades e das entrevistas pela
pesquisadora. Nesse período foram observados efetivamente 97 turnos (manhã e tarde),
distribuídos em 71 dias. Após sessenta dias de observação deu-se início às entrevistas.
57
2.3.1 O processo de observação local
A observação direta foi utilizada para captar as variadas situações ou fenômenos
que não são obtidos por meio dos demais recursos, dado que, observados diretamente na
realidade, os atores sociais transmitem o que há de mais imponderável e evasivo na vida
real 184. Portanto, há elementos cruciais como aqueles ligados ao ambiente,
comportamentos, linguagem não verbal e temporalidade dos eventos, que além de
constituírem-se em dados, contribuirão para a sua interpretação a posteriori185.
Nesse sentido, pudemos confrontar as informações apreendidas por meio do
processo de observação com aquelas obtidas dos depoimentos dos entrevistados,
fortalecendo a validade do estudo e ampliando as informações sobre o contexto local
das práticas educativas. Goldemberg 53 lembra que, “observar aspectos diferentes, sob
enfoques diferentes, pode não só contribuir para reduzir o bias da pesquisa como,
também propiciar uma compreensão mais profunda do problema estudado” 53.
Segundo Cruz Neto 186, há diferentes situações de inserção do pesquisador no
processo de observação participante, podendo variar entre dois polos, da participação
plena, onde o pesquisador se envolve inteiramente nas várias dimensões do grupo
estudado, até a perspectiva oposta, na qual o foco seria apenas a observação, com seu
distanciamento total do grupo.
O autor ainda acrescenta duas variações entre essas situações antagônicas do
processo de observação, alertando que geralmente coexistem características das quatro
modalidades. Portanto, o pesquisador também poderá ter o papel de participante
observador, se inserindo nos eventos cotidianos do grupo estudado. Nessa situação é
explicitado para o grupo que seu papel circunscreve-se à pesquisa de campo. E a outra
variação seria aquela que a observação ocorre de modo rápido e superficial para fins de
complementação das entrevistas. Frente a essa classificação, na estratégia que adotamos
neste estudo para a observação, predominaram as características ligadas à modalidade
de participante observador186.
No entanto, em diversas ocasiões nós fomos demandadas para uma inserção
mais ativa nas atividades, havendo uma expectativa dos sujeitos envolvidos relacionada
ao nosso perfil. Assim, a formação universitária em nutrição e a atividade de docência
em uma instituição federal de ensino superior influenciavam as relações e as interações
estabelecidas ao longo do trabalho de campo. Como por exemplo, em algumas situações
nas visitas domiciliares, nas quais os ACS chegavam a demandar explicitamente a nossa
participação nas questões ligadas à alimentação e nutrição. Portanto, havia a
58
necessidade reiterada do esclarecimento acerca das razões da nossa presença ali, das
nossas motivações no cotidiano das atividades e do nosso papel no âmbito da USF.
A observação local foi viabilizada com o apoio de um roteiro que compreendeu
os seguintes tópicos: características do espaço físico no qual as atividades educativas
ocorrem, descrição dos participantes, de seus papéis e formas de relacionamento,
planejamento e agenda das atividades, frequência e regularidade de acontecimentos ou
achados, descrição do comportamento dos profissionais e dos usuários; as dimensões
do enfoque da SAN estão presentes nas atividades educativas? Como? Há o respeito às
escolhas alimentares/cultura local? Quais são as fontes e usos das informações sobre
as práticas alimentares entre os profissionais; como essas informações são
interpretadas.
Ressaltamos que a utilização do roteiro não consistiu em um entrave para a
inclusão de novas informações consideradas relevantes pela pesquisadora, no decorrer
do processo de observação. Victora, Knauth, Hassen 185 alertam para a importância da
capacidade de memorização do pesquisador no contexto da observação, lembrando que
se deve “tomar notas breves, de forma discreta e expandi-las posteriormente”185.
Nessa direção, as situações observadas foram registradas de forma sintética no
diário de campo, onde cotidianamente, fora do espaço da pesquisa, desdobrávamos cada
tópico, com maior nível de detalhamento. Esse procedimento visou incrementar a nossa
disponibilidade e atenção para a observação dos eventos na USF, além de minimizar os
possíveis constrangimentos com os profissionais, provocados pelas anotações
sistemáticas no cotidiano do serviço. Do mesmo modo, o registro fotográfico foi
realizado apenas em determinados eventos e situações mais gerais, procurando
resguardar o respeito à privacidade dos envolvidos.
A preocupação com a interação e construção do vínculo com os agentes locais,
bem como com as potenciais resistências dos envolvidos permearam o trabalho de
campo. Nessa perspectiva, o processo de observação foi uma construção cotidiana de
relações baseadas no respeito, com os diversos agentes envolvidos. A nossa inserção
nas várias dimensões das atividades relacionadas com o objeto de estudo e que
compunham a rotina de trabalho das quatro equipes de saúde da USF Caleidoscópio,
ocorreu de maneira gradativa. Assim como a finalização da coleta de dados e a saída do
campo foram efetuadas com o devido zelo e consideração frente às relações construídas
com os participantes do estudo.
59
Briceño-León 187, ao ressaltar a importância de se considerar a dimensão
educativa não intencional das ações cotidianas intencionais realizadas nos serviços de
saúde, reforça a compreensão de que todo profissional de saúde é um educador. Desse
modo, por meio das visitas domiciliares, atividades com grupos da comunidade, dentre
outras, é inegável o cunho educativo que impregna as práticas dos profissionais de
saúde na atenção básica 85.
Respaldando-nos nesse entendimento, para a coleta de dados, consideramos as
atividades realizadas pelos profissionais e apoiadores matriciais nas visitas domiciliares
e nas atividades coletivas (grupos operativos, reuniões e outros fóruns). A seguir
apresentamos o quantitativo das atividades que foram acompanhadas no decorrer do
trabalho de campo.
Quadro 1- Quantitativo das atividades acompanhadas segundo o tipo de atividade.
Tipo de atividade Nº
Visita domiciliar 54
Atividades educativas 29
Reuniões da equipe * 12
Reuniões nível central ou
distrital da SMS
03
Outras atividades ** 04
Fonte: Diário de campo, 2012. * Inclui as reuniões com as quatro equipes da USF e aquelas com cada equipe ou grupo de profissionais
da equipe, em separado. ** Referem-se a: uma reunião realizada pela Equipe Vermelha com a comunidade, no turno da noite; um
passeio ao Parque Arruda Câmara (Bica), organizado pela Equipe Azul com os integrantes do grupo de idosos, no turno da tarde; uma orientação individual da odontóloga da Equipe Amarela, na sua sala, à um pai e uma criança em atendimento ( a odontóloga nos convidou para observar o seu atendimento); uma reunião de planejamento das atividades de uma disciplina prática do curso de odontologia da UFPB, com os estudantes, professor responsável, odontóloga e ASB da Equipe Amarela; uma festa junina na USF para os integrantes do grupo de idosos.
Com exceção de uma visita domiciliar, que teve a participação da odontóloga da
Equipe Amarela e outra que contou com a presença de dois estagiários de nutrição, a
maioria das visitas domiciliares realizadas foi para o acompanhamento dos ACS, como
se pode constatar no Quadro 2.
60
Quadro 2 - Demonstrativo das visitas domiciliares acompanhadas. Equipe Nº de visitas domiciliares
acompanhadas Profissionais que realizaram
as visitas domiciliares Vermelha 20 03 ACS
Azul 14 * 03 ACS
Branca 12 01 ACS
Amarela 08 ** 02 ACS e 01 odontóloga
Total 54 10
Fonte: Diário de campo, 2012. *Uma visita teve a participação de dois estagiários de nutrição ** Uma visita foi realizada pelo odontólogo, acompanhado pelo ACS
Com relação às atividades educativas importa dizer que acompanhamos
atividades realizadas com diversos públicos, abordagens e finalidades, desenvolvidas no
espaço da USF e no território. O Quadro 3 fornece as informações sobre essas
atividades:
Quadro 3- Demonstrativo das atividades educativas acompanhadas.
Tipo de atividade educativa Nº de atividades Profissional/
Equipe
Grupo de idosos 13 Todas
Sala de espera com gestantes 07 Vermelha
Atividade do PSE 05 Vermelha e Azul
Atividade do Dia D da mulher 01 Amarela
Sala de espera sobre tuberculose 01 Amarela
Atividade de saúde bucal com crianças 01 Odontóloga/Amarela
Atividade na escola privada 01 Odontóloga/Azul
Fonte: Diário de campo, 2012.
Além das atividades específicas apresentadas no Quadro 3 acompanhamos a
dinâmica de funcionamento do serviço, onde nos inserimos em diversos espaços da USF
e conversamos informalmente, tanto com os profissionais e apoiadores, como com os
usuários.
61
2.3.2 As entrevistas
A entrevista semiestruturada objetiva apreender os dados básicos para a
compreensão das relações entre os atores sociais e a situação em que se inserem,
possibilitando o entendimento das motivações dos sujeitos em contextos sociais
específicos 188. Viabiliza-se pelo contato direto do pesquisador com os sujeitos da
pesquisa, favorecendo a interação entre esses, onde há estímulo para a livre expressão
do entrevistado, ampliando o campo de discurso, que passa a incluir fatos, opiniões,
impressões, expressões, dúvidas, hesitações.
Foram realizadas trinta e quatro (34) entrevistas no período de 09 de abril a 20
de junho de 2012. Posteriormente, retornamos ao local do estudo para ampliação das
entrevistas com os usuários, com os quais realizamos mais seis (06) entrevistas nos dias
28, 29 e 30 de novembro e 03 de dezembro de 2012, totalizando quarenta (40)
entrevistas, todas efetuadas por meio de apenas uma sessão.
Nesse sentido, elaboramos três roteiros de entrevistas, destinados aos
apoiadores, aos profissionais de saúde e aos usuários (Apêndices A, B e C), os quais
buscaram uma aproximação com o significado das experiências para esses atores, no
sentido de analisar as práticas educativas no contexto de sua implementação.
Ressaltamos que no decorrer das entrevistas, esses roteiros foram reorientados de
acordo com as questões que emergiam das falas dos entrevistados, mas sem
comprometer as suas propostas básicas iniciais.
Para tanto as questões estruturaram-se a partir de três eixos de investigação
vinculados aos objetivos do estudo: Práticas educativas em Saúde / Práticas
educativas em Alimentação e Nutrição, SAN e DHAA /Intersetorialidade, além de um
tópico introdutório com dados de identificação do entrevistado. Visando minimizar as
potenciais inadequações, esses roteiros foram pré -testados com uma apoiadora, um
profissional de saúde e uma usuária, em uma USF integrada em João Pessoa, vinculada
a um distrito sanitário distinto do selecionado para o estudo.
Assis, Deslandes, Minayo e Santos 189 destacam a importância na análise de
programas sociais da construção de indicadores e instrumentos de coleta de dados que
além de medir processos e produtos, compreendam e interpretem como os atores se
envolvem nesses programas, como é o acesso de diferentes atores, a relevância das
ações executadas para a vida de cada um e a intensidade e o sentido das mudanças
obtidas. Souza, Minayo, Deslandes e Veiga 190 alertam que a validade de um roteiro
62
relaciona-se à sua capacidade de possibilitar emergir as categorias empíricas e os
significados relativos à realidade estudada.
Considerando a abrangência e polissemia que envolve o conceito da SAN no
Brasil, para compreender a sua inserção nas atividades educativas desenvolvidas no
âmbito da ESF, torna-se fundamental considerar as perspectivas dos diversos atores
inscritos nesse cenário.
Albuquerque 41 destaca o papel central dos profissionais de saúde no âmbito da
avaliação e acompanhamento dos problemas decorrentes da insegurança alimentar nas
comunidades, sobretudo naquelas mais vulneráveis, nas quais esses profissionais são os
principais implementadores da política de SAN, imprimindo o tom e a efetividade dessa
política na prática a partir do entendimento e assimilação do conceito de SAN em suas
ações de saúde. Deslandes 191 reafirma a importância de se considerar a visão dos
profissionais de saúde no sentido da valorização da perspectiva dos atores que compõem
o universo dos serviços de saúde no âmbito da avaliação:
“As análises dos sujeitos sociais envolvidos nos serviços/programas sobre estas experiências não podem ser ignoradas, mas reconhecidas como portadoras de racionalidade e analisadas sob a luz das conexões histórico-sociais que conformam tais discursos. A análise de serviços envolve também a análise da consciência histórica de seus agentes e de suas representações sociais, que por sua vez estarão objetivadas em suas práticas” 191.
Portanto, optamos por trabalhar com sujeitos, com inserções diferenciadas na
ESF, por entender que eles agregariam elementos complementares à pesquisa,
contribuindo para a aproximação do objeto do estudo. Assim, os sujeitos do estudo
foram constituídos por três grupos- apoiadores, profissionais de saúde e usuários. Os
critérios de inclusão desses sujeitos e o detalhamento de cada grupo serão apresentados
a seguir:
a) Profissionais de Saúde- Foram incluídos no estudo profissionais que estavam
vinculados as quatro equipes (Branca, Vermelha, Azul e Amarela) m, que
integravam a USF Caleidoscópio, na ocasião da coleta de dados, o que
correspondeu a 24 profissionais entrevistados (vide Quadro 4). Destacamos
m Nomes fictícios para preservar o anonimato dos envolvidos
63
que uma dessas equipes, por ser do PACS, não dispunha de todos os
profissionais.
Quadro 4- Distribuição dos profissionais entrevistados por equipe de saúde
Equipe Profissionais entrevistados
Branca 1 ACS, 1 enfermeira, 1 técnica de
enfermagem
Vermelha 3 ACS, 1 odontólogo, 1 enfermeira, 1
médica, 1 ASB
Azul 3 ACS, 1 odontóloga, 1 médico, 1 ASB, 1
técnica de enfermagem
Amarela 3 ACS , 1 odontóloga, 1 enfermeira, 1
ASB, 1 técnica de enfermagem
Fonte: Diário de campo (2012)
A elevada rotatividade dos profissionais, aspecto frequentemente ressaltado nos
estudos sobre o PSF, foi verificada também na experiência local, havendo alterações
provocadas por remanejamentos, demissões e/ou outras razões que interferiram na
dinâmica e composição da equipe na USF. No entanto, esses aspectos foram
incorporados na análise dos dados; visando conhecer aspectos e dimensões relativos a
todas as equipes, buscamos incluir profissionais que estivessem mais diretamente
envolvidos com as práticas educativas, inseridos nas quatro equipes e de todas as
categorias profissionais. Desse modo, foram excluídos os agentes administrativos e os
auxiliares de serviços gerais.
No que se refere aos ACS, considerando que o número desses profissionais
variava nas equipes na ocasião da pesquisa, entrevistamos três (03) ACS nas equipes
Vermelha, Azul e Amarela e um (01) ACS na equipe Branca (PACS). Constatamos
uma variação do tempo de serviço existente entre eles, onde alguns já estavam inseridos
na ESF anteriormente ao início do funcionamento da USF integrada, onde estavam
vinculados às unidades “isoladas” no próprio território, o que poderia acarretar
diferenças quanto as experiências e percepções sobre a práticas educativas.
Diante disso, buscamos entrevistar ACS dos dois grupos: aqueles que já
trabalhavam nas Unidades “isoladas” e os que foram admitidos no início e/ou depois do
64
funcionamento da USF “integrada” Caleidoscópio. Dos dez (10) ACS entrevistados,
seis (06) já trabalhavam nas unidades isoladas e estavam na USF Caleidoscópio desde a
sua criação em junho de 2008 ; e quatro (04) foram admitidos após esse período, sendo
que três (03) ingressaram em 2009 e um (01) em 2010.
b) Apoiadores matriciais do Distrito Sanitário III- consistiu dos profissionais
que, na ocasião da coleta de dados, eram os responsáveis pelo apoio matricial às equipes
da USF Caleidoscópio. Contudo, como já foi explicado no item 2.3 também
entrevistamos a ex-apoiadora da USF Caleidoscópio, que para efeitos de sistematização
dos dados aqui será considerada como integrante do grupo dos apoiadores. Os
apoiadores foram entrevistados visando ampliar a apreensão das questões relativas à
gestão municipal e da contextualização da implementação dos processos educativos no
âmbito da USF e atenção básica em João Pessoa. Em seguida descreveremos as
características dos três (03) apoiadores entrevistados:
· Uma ex-apoiadora matricial, nutricionista (A1)- apoiou a USF
Caleidoscópio de dezembro/2010 a dezembro/2011 e foi remanejada do
apoio matricial para ocupar um cargo no nível central da SMS-JP. Na
ocasião da entrevista ainda estava ocupando esse cargo;
· Dois apoiadores matriciais – uma fisioterapeuta (A2) vinculada ao
Distrito III, que estava apoiando a USF Caleidoscópio desde
agosto/2011; Um farmacêutico (A3) que anteriormente à USF
Caleidoscópio estava desde fevereiro de 2011 como apoiador de uma
USF integrada, vinculada também ao Distrito III e com configuração
similar à USF Caleidoscópio (3 equipes do PSF e 1 equipe mínima do
PACS). Na ocasião da entrevista fazia apenas um mês que estava como
apoiador da USF Caleidoscópio.
c) Usuários- para a inclusão no grupo dos entrevistados, os usuários deveriam
preencher os seguintes critérios:
i) ser usuário dos serviços da USF há pelo menos seis meses;
ii) Estar vinculado há pelo menos três meses a um dos grupos operativos (educativos)
realizados pela USF. Diante de algumas modificações ocorridas na dinâmica dos grupos
educativos da USF Caleidoscópio, antes do início da coleta de dados, houve a
65
necessidade de realizarmos alguns ajustes com relação a esse critério. Nesse sentido,
entrevistamos os usuários que estivessem inseridos em diversos espaços/atividades da
USF (grupo de idosos, acompanhamento pré-natal/participação na “sala de espera” das
gestantes, atendimento com os estagiários de nutrição e acompanhamento de rotina
pelos profissionais da USF), há pelo menos 6 meses. Considerando que o grupo de
gestantes havia sido extinto em dezembro de 2011, optamos pela “sala de espera” com
as gestantes (atividade criada pela Equipe Vermelha na USF no decorrer do trabalho de
campo), para a captação de gestantes que estivessem inseridas em atividades educativas
coletivas. Mas essa atividade ainda estava em processo de implantação, havendo
rotatividade das gestantes que participavam. O que consistiu em um fator limitante para
que se conseguisse contatar gestantes inseridas nesse grupo;
iii) Ter idade mínima de 18 anos e máxima de 70 anos. A maioria dos idosos
vinculados ao Grupo de Idosos possuía idade superior a 70 anos. Portanto, dos quatro
idosos entrevistados, na ocasião da entrevista três integravam o grupo de idosos e um
já tinha se desligado do grupo. Todos os idosos entrevistados extrapolavam essa faixa
etária, tendo respectivamente 71, 74, 77 anos e 71 anos.
Avaliamos que os ajustes procedidos nesses critérios seriam pertinentes, visto
que não ocasionariam repercussões negativas na pesquisa. A captação da maioria dos
usuários foi realizada pela pesquisadora, na própria USF, com exceção de duas usuárias,
cuja indicação e acesso às suas casas para as entrevistas foram intermediados por ACS
vinculados as equipes Vermelha e Azul. Buscou-se adotar a saturação, critério utilizado
para conformar o escopo do estudo, quando no decorrer das entrevistas o pesquisador
interrompe a captação de novos componentes, por entender que as informações
fornecidas por esses sujeitos, não acrescentariam ao material já obtido contribuições
significativas para o aperfeiçoamento da reflexão teórica fundamentada nos dados
coletados 192, 193.
Desse modo, atingimos um nível satisfatório de informações com a realização de
13 entrevistas com usuários, destes, dois eram vinculados à equipe Amarela, quatro à
equipe Azul, cinco à Vermelha e um à Branca. O perfil dos usuários entrevistados
apresenta as seguintes características:
· Três idosas integrantes do Grupo de Idosos - U1, U2 e U3.
· Uma idosa ex-integrante do Grupo de Idosos- U4
66
· Uma gestante que fazia acompanhamento pré-natal na USF e frequentou reuniões
da “sala de espera” das gestantes- U5
· Dois adultos portadores de diabetes que faziam acompanhamento na USF- U8 e
U10
· Quatro adultas, com filhos menores de cinco anos, que eram acompanhados pela
puericultura da USF (uma dessas usuárias tinha participado do extinto grupo de
gestantes)- U6, U7, U9 e U11.
· Uma adulta que já frequentava a USF do território antes da integração das
equipes na USF Caleidoscópio- U12
· Uma adulta com sobrepeso e que estava sendo acompanhada pelos estagiários de
nutrição da USF- U13
Ao discutir os critérios de representatividade da amostra nas abordagens
qualitativas, Minayo 194 alerta que a preocupação deve estar mais voltada ao
aprofundamento e abrangência da compreensão do fenômeno estudado do que com a
generalização, apontando que o critério que estabelece uma amostra ideal não é
numérico e sim a capacidade de refletir a totalidade nas suas múltiplas dimensões, sendo
essa capacidade o que irá conferir a validade à amostragem. Para Goldemberg 53 a
representatividade dos dados nos estudos qualitativos em ciências sociais relaciona-se
“à sua capacidade de possibilitar a compreensão do significado e a ‘descrição densa’ dos fenômenos estudados em seus contextos e não à sua expressividade numérica. A quantidade é, então, substituída, pela intensidade, pela imersão profunda [...] que atinge níveis de compreensão que não podem ser alcançados através de uma pesquisa quantitativa. O pesquisador qualitativo buscará casos exemplares que possam ser reveladores da cultura em que estão inseridos. O número de pessoas é menos importante do que a teimosia em enxergar a questão sob várias perspectivas”53.
Todas as entrevistas foram realizadas pela pesquisadora, o que facilitou a
padronização do procedimento e a homogeneidade dos resultados. Além disso, como a
pesquisadora já estava inserida no campo desde fevereiro de 2012 realizando o processo
da observação, já havia sido construído um vínculo com os sujeitos do estudo,
sobretudo com as equipes de saúde e com os idosos integrantes do grupo de idosos da
USF, o que facilitou o agendamento e a confiança para a interação e empatia no
decorrer das entrevistas. De um modo geral os entrevistados se mostraram receptivos e
67
colaborativos. Contudo, para alguns apoiadores e profissionais, devido ao surgimento
de compromissos e demandas de trabalho houve necessidade de re-agendamentos.
O agendamento e o local das entrevistas foram acordados com os entrevistados,
buscando os espaços que minimizassem os ruídos e preservassem a privacidade dos
sujeitos. Com exceção de cinco entrevistas realizadas com usuários, que ocorreram em
locais fora do espaço da USF: quatro nas respectivas residências, e uma, no local de
trabalho do usuário; E da entrevista com uma apoiadora (A1), que optou por ser
entrevistada na sua sala, no prédio da SMS-JP, a maioria das entrevistas ocorreu nas
dependências da USF (hall, corredor, salas e consultórios). Em algumas entrevistas
houve breves interrupções de terceiros, telefonemas e ruídos, mas que não repercutiram
negativamente no resultado final do processo.
Dos profissionais entrevistados, apenas uma técnica de enfermagem se recusou a
ser entrevistada. Uma médica da Equipe III foi remanejada da USF antes da realização
da entrevista e uma enfermeira da equipe II (recém-admitida na USF), apesar de se
mostrar receptiva (não verbalizou a recusa), não possibilitou as condições necessárias
para a viabilização da entrevista (houve diversas tentativas de agendamento mal
sucedidas, onde ela sempre desmarcava, alegando compromissos).
Quanto aos usuários, para aqueles vinculados ao grupo de idosos, o fato de
estarmos acompanhando as atividades desse grupo, que aconteciam regularmente na
USF a cada quarta feira, facilitou o contato e todos os que foram convidados, acolheram
de pronto a proposta da entrevista.
Entretanto, nós nos deparamos com dificuldades, as quais foram contornadas,
para a captação de usuários que estavam buscando atendimento na rotina da unidade e
das gestantes envolvidas em grupos educativos. Em duas situações chegamos a agendar
a entrevista enquanto as usuárias esperavam o atendimento e no dia seguinte no contato
telefônico para confirmar a entrevista, houve sucessivos re-agendamentos culminando
com a inviabilização da entrevista. Dessa maneira, quando era viável, oportunizávamos
o momento que o usuário aguardava o atendimento, para entrevistá-lo.
Também encontramos restrições quanto a captação das gestantes inseridas em
atividades educativas coletivas, pois o grupo de gestantes que havia na USF foi extinto
em 2011. Contudo, no decorrer do trabalho de campo foi criada pela Equipe Vermelha a
“sala de espera” das gestantes (a primeira atividade ocorreu em março/2012).
Conduzida pelos ACS da referida equipe e pelos estagiários de medicina, essa atividade
ainda estava em processo de implantação. Pela própria natureza da atividade (a proposta
68
seria para ocorrer semanalmente na ocasião que as gestantes esperavam a consulta do
pré-natal com a médica), havia muita rotatividade das gestantes participantes, além do
que nas ultimas semanas em campo, essas reuniões não ocorreram. O que também foi
um fator limitante para que conseguíssemos contatar gestantes inseridas nesse grupo.
Apesar disso, viabilizamos a entrevista com uma gestante que frequentou duas vezes
essa atividade e cujas informações trouxeram elementos importantes à pesquisa, além de
que entrevistamos uma usuária que integrou o grupo de gestantes que fora extinto.
Para o registro das entrevistas, houve gravação em formato digital (MP3). As 40
entrevistas totalizaram 22 horas de gravação, onde a duração média foi de 32 minutos,
variando de 9 a 68 minutos. Parte da transcrição dos dados (correspondendo a 17
entrevistas) foi realizada pela pesquisadora. As 23 entrevistas restantes foram transcritas
por uma profissional contratada e passaram por nossa revisão.
2.3.3 A consulta documental
A pesquisa documental tem um papel importante no estudo de caso 54 e foi
realizada para corroborar e aumentar a evidência das outras fontes de dados. Nessa
perspectiva esse recurso acompanhou todo o processo desta investigação, no qual
tomamos como referência desde os materiais produzidos diretamente pelas equipes
locais, como aqueles elaborados pelas instancias da gestão no âmbito distrital e central.
Assim, utilizamos o Plano Municipal de Saúde de João Pessoa, Relatórios de
Gestão (do nível central, distrital e local), Atas de reuniões, Relatórios de eventos e
outros documentos normativos e administrativos de interesse para o escopo do estudo.
Além disso, realizamos uma revisão bibliográfica, por meio de livros, publicações,
periódicos acadêmicos, relatórios e documentos de entidades não-governamentais e
governamentais e das homepages oficiais.
2.4 Análise dos dados
Na abordagem qualitativa a análise dos dados perpassa todas as fases da
investigação 184, estando presente desde o trabalho de campo até a ordenação e
sistematização das informações coletadas. O material produzido a partir da consulta
documental e da observação local foi utilizado para a análise do contexto e para
complementar os resultados obtidos pelas entrevistas, buscando a confrontação dos
aspectos explicitados pelos entrevistados com o que constava nos documentos e o que
pudemos observar no cotidiano do serviço. As informações do diário de campo foram
69
sistematizadas privilegiando os eixos temáticos das entrevistas, para posteriormente
serem integradas à discussão dos resultados produzidos.
O material das entrevistas foi submetido a uma adaptação da análise de conteúdo
na modalidade temática. Esta análise se baseia em operações de desmembramentos do
texto em unidades, para apreender os diferentes núcleos de sentido que constituem a
comunicação e posteriormente realizar o seu reagrupamento em classes ou categorias 195.
Inicialmente, realizamos a leitura “flutuante” ou geral sobre o texto, no sentido
de apropriação do corpus das entrevistas. Posteriormente, procedeu-se à codificação,
quando foram identificados os temas, categorizados os conteúdos e apreendidos os
“núcleos de sentido”, posteriormente a partir do referencial teórico e das questões
norteadoras do estudo foi realizada a interpretação dos dados.
Considerando a abordagem do estudo de caso, adotada nesta pesquisa, além de
Bardin 195, nos baseamos em Patton 196 e Minayo 197 para o estabelecimento do percurso
empreendido para a análise dos dados. Importa lembrar que os procedimentos realizados
não consistiram de etapas estanques, mas de processos dinâmicos que em alguns
momentos se entrelaçaram e foram constituídos por:
· Organização do material oriundo do diário de campo, das entrevistas e das
fontes documentais; e realização da leitura exaustiva das entrevistas e do diário
de campo, buscando uma maior apropriação das informações registradas, bem
como a articulação entre as fontes de dados utilizadas;
· Análise de cada entrevista buscando identificar as questões do estudo. E
posteriormente procedemos a organização dos relatos nos subconjuntos dos
apoiadores, profissionais de saúde e usuários, visando captar as
homogeneidades e as diferenciações, no sentido de efetuar as comparações entre
os grupos;
· Leitura transversal de cada subconjunto, com a finalidade de recortar os
fragmentos das falas dos entrevistados, por temas comuns e categorias empíricas
ou núcleos de sentido, construindo a matriz de análise;
· Para a interpretação dos achados empíricos, a partir da matriz de análise,
efetuamos novo movimento de síntese a luz das questões e objetivos da
pesquisa, articulados com os referenciais teóricos.
70
A partir das dimensões de análise identificadas, os resultados foram agrupados e
consolidados em dois tópicos. O primeiro tópico consta de uma descrição do contexto
em que foram realizadas as práticas educativas em saúde e nutrição e o segundo trata
da perspectiva analítica dessas práticas.
Os procedimentos descritos buscaram contribuir para a aproximação com o
processo de implementação das práticas educativas em saúde e nutrição realizadas na
USF Caleidoscópio, valorizando as variáveis contextuais, as relações e interações,
além das singularidades, na tentativa de contemplar a complexidade que atravessa os
campos da promoção da saúde e da SAN.
Nesse sentido, a perspectiva teórica de análise utilizada privilegiou os elementos
das abordagens construtivistas 102,158 discutidas no tópico 2.1 deste estudo. Interessou-
nos recuperar os processos estruturantes do contexto da USF estudada, sendo esse
contexto visto como algo construído mediante as relações de interdependência entre os
agentes que o compõem, constituindo portanto um aspecto central para a apreensão
das dimensões estruturais, histórica e socialmente construídas 102.
Para o construtivismo os modos de compreensão das ações pelos agentes
compõem essas ações 110,158. Assim, a partir das entrevistas e do processo de
observação, buscamos o conhecimento dos agentes (usuários, profissionais de saúde e
apoiadores) sobre as suas experiências.
2.5 Aspectos éticos
Esse projeto foi submetido à análise pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da
ENSP/ FIOCRUZ, sob o Parecer nº 275/11; CAAE: 0292.0.031.031-11 (Apêndice A) e
adotou os princípios éticos contemplados nas diretrizes e nas normas regulamentadoras
para a pesquisa que envolve seres humanos – Resolução n° 196/96 do Conselho
Nacional de Saúde (CNS), sobretudo quanto ao consentimento livre e esclarecido dos
sujeitos participantes, sigilo e confidencialidade dos dados.
Nessa perspectiva, cada entrevistado após receber os devidos esclarecimentos
sobre os objetivos e método do estudo, assinou um termo de consentimento, declarando
sua livre participação na pesquisa (Apêndices D, E, F). Buscando resguardar o
anonimato dos sujeitos envolvidos, foram atribuídos nomes fictícios à USF estudada e
às equipes que a compõe. A identidade dos entrevistados foi omitida com o uso de
siglas conforme cada grupo:
Apoiador- A1, A2 e A3;
71
Profissional- sigla da ocupação profissional na USF e sequência numérica por
equipe, além da identificação da equipe que era vinculado;
Usuário- U1, U2, ...... , U13.
O estudo também cumpriu os trâmites exigidos pela SMS-JP para a realização
de pesquisas. Portanto, mediante autorização formal da SMS-JP (Apêndice A),
contatamos a direção do DSIII e, após agendamento com a apoiadora (A2) da USF
Caleidoscópio, em fevereiro de 2012, visitamos a USF, quando participamos da reunião
ampliada, com a presença de A2 e das equipes Amarela, Vermelha, Branca e Azul.
Nessa ocasião a apoiadora nos apresentou para os profissionais de saúde e explicitamos
os propósitos e métodos da pesquisa.
72
CAPÍTULO 3-RESULTADOS E DISCUSSÃO
Neste capítulo apresentaremos os resultados encontrados, relacionando-os a
partir dos diferentes procedimentos de coleta de dados utilizados e do referencial teórico
adotado, na perspectiva da reflexão sobre as questões norteadoras desta pesquisa: Como
vêm sendo desenvolvidas as práticas educativas em saúde e nutrição no âmbito da
atenção básica em saúde no município de João Pessoa? Como as equipes de saúde e os
usuários percebem as práticas educativas voltadas à questão da saúde e da nutrição na
USF Caleidoscópio? Quais os aspectos que influenciam o desenvolvimento das práticas
educativas em saúde e nutrição? Quais são as múltiplas atividades que são
desenvolvidas pela rede sociotécnica no contexto local na área de alimentação e
nutrição?
Portanto, este capítulo divide-se em dois tópicos: 1) O contexto local para o
desenvolvimento das práticas educativas em saúde e nutrição, onde descreveremos
os aspectos contextuais para a implementação das práticas educativas em saúde e
nutrição, no âmbito da USF Caleidoscópio, abordando as questões estratégicas da
gestão municipal em saúde, algumas dimensões ligadas à população e ao território
estudado, como também os espaços privilegiados para as ações educativas da unidade.
2) O processo de implementação das práticas educativas em saúde e nutrição, no
qual abordaremos as interações entre as dimensões operativas das práticas educativas
em saúde e nutrição com as condições contextuais descritas no tópico anterior, à luz do
referencial teórico.
3.1. O contexto local para o desenvolvimento das práticas educativas em saúde e
nutrição
3.1.1 Aspectos ligados ao território, à unidade estudada e às principais
estratégias da gestão municipal de saúde
O Município de João Pessoa, capital do estado da Paraíba, localizado na região
nordeste brasileira, segundo o último Censo demográfico do IBGE, realizado em 2010 198, tem uma área geográfica de 211, 475 km², população total de 723.515 habitantes,
18,3 % da população da cidade é formada por jovens de 15 a 24 anos, 10,3 % por idosos
com 60 anos ou mais, 84% da população é alfabetizada, 68,7% dos domicílios possuem
saneamento adequado e a renda mensal per capita de 35,9 % dos domicílios
corresponde até meio salário mínimo 198 (Quadro 5).
73
Quadro 5- Características sociodemográficas do município de João Pessoa.
Área geográfica (Km2 ) 211, 475
População total (Hab.) 723.515
População jovem (15-24 anos) (%) 18,3
População idosa (60 anos ou mais) (%) 10,3
Alfabetização (%) 84,0
Domicílios com saneamento adequado (%) 68,7
Domicílios com renda de até meio salário
mínimo (%)
35,9
Fonte: IBGE, 2011.
A partir de 2005, com a mudança da gestão municipal, a cidade de João Pessoa
iniciou um processo de estruturação da sua rede de serviços de saúde, o qual foi
marcado por um reforço na capacidade de gestão e na organização do cuidado conforme
os princípios do SUS. No que diz respeito à atenção básica, ocorreram investimentos em
aspectos estruturais da rede, tais como implantação de novas unidades de saúde da
família, contratação de equipes e o equipamento das unidades. Aliado a isso, foram
implementadas estratégias para mudanças nas práticas de saúde 119.
Assim, desde esse período que a cobertura da ESF em João Pessoa vem sendo
incrementada, atingindo 88,3% da população no ano de 2009. A cidade possui cinco
distritos sanitários (DS) (Figura 1) e sua rede de atenção básica é constituída por 180
Equipes de Saúde da Família e a especializada é composta por três Centros de Atenção
Integral a Saúde (CAIS) Especializada, quatro Unidades Básicas de Saúde, um Centro
de Testagem e Aconselhamento (CTA) em DST/AIDS, um Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS) II, um Centro de Atenção Integral à Saúde do Idoso (CAISI ) e um
CAPS III 181 .
74
Figura 1. Distribuição espacial dos bairros por Distrito Sanitário em João Pessoa-
PB
FONTE: www.joaopessoa.pb.gov.br
Quanto à situação nutricional da população de João Pessoa, no que diz respeito à
frequência de excesso de peso em adultos do sexo masculino, conforme o estudo do
VIGITEL -Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito
telefônico199, a cidade figura na terceira posição entre as capitais brasileiras, com
59,2%, após Porto Alegre (60,7%) e Maceió (61,1%). Entre as mulheres esse
percentual foi de 41,4%. No que se refere à obesidade, a frequência foi de 16,1% e
12,4%, para os homens e mulheres, respectivamente, ambas ficando abaixo da
frequência do total das capitais brasileiras 199.
Na zona sul da cidade de João Pessoa se encontra o bairro de Mangabeira, sendo
o bairro mais populoso da cidade, com 74.971 habitantes. O conjunto habitacional onde
está localizada a USF Caleidoscópio insere-se em uma das oito subdivisões de
Mangabeira e foi construído no período de 1994 a 2002 com recursos do estado. O
75
território da referida USF limita-se a oeste com a mata de preservação ambiental e
micro áreas de outra USF integrada, ao leste com a rodovia PB-008 e ao norte e sul
com a mata nativa.
A unidade de estudo- a USF Caleidoscópio- caracteriza-se como uma unidade
“integrada”, pois oferece atividades e serviços prestados por quatro equipes de saúde
dispostas em um mesmo espaço físico, composto por recepção, sala de marcação de
consultas (regulação), sala da nutrição, sala de esterilização, sala da coleta para os
exames laboratoriais, sala de vacinas, sala de nebulização, sala de curativo, sala de
observação, farmácia, 03 consultórios médicos, 04 consultórios de enfermagem, 03
consultórios odontológicos, 01 hall central (onde são realizadas as atividades da “escuta
qualificada” ou acolhimento e as atividades educativas), 01 sala de reunião (desativada),
01 almoxarifado, 01 depósito para material de limpeza, 01 depósito para lixo
contaminado, 01 copa-cozinha, 04 corredores, 02 halls de entrada (a USF tem dois
acessos principais) 02 banheiros para os usuários e 02 banheiros para os profissionais.
O Quadro 6 apresenta o quantitativo de profissionais lotados nas equipes de
saúde da USF na ocasião da finalização do trabalho de campo desta pesquisa.
Quadro 6- Composição profissional da USF Caleidoscópio conforme a equipe de saúde
Vermelha 10 ACS, 1 odontólogo, 1 enfermeira (ingressou no decorrer do trabalho de campo), 1 Auxiliar de Saúde Bucal, 1 técnica de enfermagem, 1 auxiliar administrativa (recepcionista).
Azul 9 ACS, sendo que uma ingressou no decorrer do trabalho de campo, 1 médico,1 odontóloga, 1 enfermeira, 1 Auxiliar de Saúde Bucal, 2 técnicas de enfermagem, 1 auxiliar administrativa (recepcionista).
Amarela 7 ACS , 1 odontóloga, 1 enfermeira, 1 Auxiliar de Saúde Bucal, 1 técnica de enfermagem, 1 auxiliar administrativa (recepcionista), 1 auxiliar de serviços gerais, 1 vigilante*
Branca 1 enfermeira, 1 técnica de enfermagem, 3 ACS e 1 agente administrativo.
Fonte: Relatórios de gestão (2011 e 2012) e Diário de campo (2012). * Na ocasião da pesquisa, ele não exercia a função de vigilante, mas prestava apoio geral na USF,
responsabilizando-se pela abertura e fechamento diário da Unidade, dentre outros serviços.
76
As equipes da USF Caleidoscópio, conforme os dados do Sistema de Informação
da Atenção Básica (SIAB) para o ano de 2012, atendiam a 2.719 famílias, correspondendo
a uma população estimada de 9.067 habitantes. Os territórios vinculados a estas equipes
possuem condições heterogêneas quanto aos equipamentos sociais e infraestrutura. A
população vinculada à equipe Vermelha é a única beneficiada com escolas (02) e
creches públicas (01). Nas áreas atendidas pelas equipes Amarela e Azul existem
algumas escolas particulares. O território ligado à equipe Branca demonstrou ser o mais
desprovido desses equipamentos, não dispondo de escolas, nem de áreas de lazer e, nos
últimos anos, tem ocorrido a maior expansão da área.
Os espaços de lazer são restritos. A população recorre a alguns campos de
futebol improvisados e às praias situadas nas áreas do entorno do bairro, dentre outros
recursos para o entretenimento. Há ainda igrejas e templos vinculados às diversas
religiões. As parcerias entre as equipes de saúde e essas igrejas muitas vezes são
estabelecidas em função das atividades educativas, sobretudo naquelas áreas situadas
mais distantes da USF, onde a igreja, além de divulgar as ações para a comunidade
cedia o seu espaço para o desenvolvimento dessas ações.
Quanto à infraestrutura urbana, os tipos de casas são na grande maioria de tijolo,
99,71% do abastecimento de água é através de rede pública, com água filtrada em 48,5%
delas, enquanto 45,83% não destinam nenhum tipo de tratamento adicional à água para
consumo; 99,97% dos imóveis possuem energia elétrica; o destino do lixo é realizado em
98,04% dos domicílios por coleta pública; e para 57,75 % das moradias o destino de
dejetos ainda é realizado por meio de fossa sanitária. Em algumas áreas não há energia
elétrica, nas quais encontramos arranjos (os chamados “gatos”) feitos pela comunidade
para obtenção da energia de pontos elétricos disponíveis.
Os problemas ambientais também compõem a paisagem do território. Os
profissionais referiram esses problemas, destacando elementos da própria geografia do
local, além da poeira provocada pelas ruas sem pavimentação e o desmatamento,
relacionando-os com as doenças que acometiam a população e com as condições de
trabalho das equipes da USF Caleidoscópio:
“[...] sol quente demais. Próxima a orla marítima, maresia, muita poeira [...]. Quando cai a noite a frieza é boa por causa da mata, [...] o desmatamento que acontece, esses insetos correm tudo para os lares. Aí vem a dengue. [...] E quando chove é pior ainda. É um local que muita gente adoece [...].[...] eu sempre venho
77
pedindo botas para trabalhar. Porque tempo de inverno aqui é um caos”. (ACS 8-Azul)
Ainda sobre as condições de trabalho na ESF, outros aspectos relacionados à
precariedade do trabalho dos ACS emergiram em alguns depoimentos:
“[...] Falta incentivos, apoio, materiais, em termos do cuidar do cuidador. [...].aqui tem muitas e muitas cobranças, [...] mas se um agente de saúde adoece, gera a maior polêmica. [...]. Não só é dito na unidade, na comunidade, na gestão, como na TV: o agente de saúde é essencial. [...]. E quando a gente adoece porque não permanece a mesma questão? ”. (ACS 8-Azul) “[...] a gente trabalha porque realmente a gente tem que trabalhar pelos usuários, é por amor mesmo, porque a gente não tem uma sala. [...]”. (ACS9-Branca)
A população do bairro de Mangabeira, assim como de várias outras regiões de
João Pessoa e do país, tem convivido com a violência cotidianamente, sendo frequentes
os assaltos, homicídios e conflitos provocados principalmente pelo tráfico de drogas. No
tocante as condições de segurança no território da USF estudada, várias situações de
risco e de ameaças que repercutiam no modo de vida da população e no cotidiano de
trabalho foram relatadas pelos profissionais e pelos usuários.
Por meio das visitas que acompanhamos com os ACS da USF Caleidoscópio,
constatamos que grande parte da população priorizava os serviços da unidade para a
atenção à saúde. Uma minoria dos usuários tinha acesso a seguro-saúde ou frequentava
as “policlínicas” privadas nas situações de maior necessidade.
A vinculação da população com o território é um dos aspectos que pode
contribuir para a interação entre a comunidade e o serviço de saúde, sendo um requisito
para o acompanhamento longitudinal dos usuários. Para Starfield 200 a
longitudinalidade é um dos principais atributos da APS e consiste no acompanhamento
dos usuários pela equipe de saúde ao longo do tempo, independente da presença de
problemas específicos relacionados à saúde ou do tipo de agravo. O cuidado
longitudinal se estabelece quando há uma identificação de uma fonte de atenção pelos
usuários como sendo deles e que essa atenção seja voltada à pessoa (e não à doença) 200.
A população da área de abrangência da USF Caleidoscópio é caracterizada pela
expressiva flutuação no território. Essa transitoriedade da população na área pode ser
atribuída, dentre outros aspectos, à proximidade do território aos dois presídios do
78
estado, atraindo muitas famílias dos detentos do interior do estado para moradia
temporária naquela localidade.
“[...] sempre chegando pessoas novas e pessoas saindo, desses dois anos e pouco que eu estou aqui, talvez quarenta por cento da população já chegou e já saiu daqui da Unidade [...]”. (M1-Azul)
O acesso e o vínculo consistem em aspectos chave no âmbito do arcabouço
filosófico e operacional da ESF. Porém, como mostra a Figura 2, a USF Caleidoscópio é
de fácil acesso apenas para um segmento da sua população adscrita visto que não se
encontra localizada em uma área central do território, o que pode configurar uma
barreira para a participação dos usuários nos serviços e atividades ofertados pela
unidade, tendendo, portanto a limitar o vínculo dos usuários com os profissionais.
“[...] a localização da integrada ficou difícil pra algumas pessoas se deslocarem, ficou a quilômetros de distancia. Então fica muito difícil deles se deslocarem até aqui, e aí foi perdendo a identidade da reunião da comunidade”. (ACS2-Vermelha)
“[...] depois que eu me mudei de lá [da unidade isolada] ficou mais difícil porque tem muito idoso que não vem não, por causa da distância. [...] lá o meu grupo de idoso era bem maior”. (E2-Amarela)
Figura 2- Cartografia do território adscrito à USF Caleidoscópio.
Fonte: Cartografia, Distrito Sanitário III, 2011.
79
Se por um lado nesse formato integrado, a estrutura da USF é ampla e mais
confortável (similar a uma policlínica) do que as condições das unidades “isoladas” que
funcionam em casas adaptadas, por outro lado, na medida em que consiste em um único
espaço, abrigando quatro equipes voltadas para populações distintas, congrega uma
diversidade maior de interesses e conflitos, podendo dificultar a administração no
cotidiano do serviço.
No caso da USF estudada, a própria distribuição dos profissionais no espaço da
unidade pode não favorecer a compreensão dos usuários acerca da dinâmica de
funcionamento desse modelo “integrado”, pois ao invés das equipes trabalharem
concentradas por ala/corredor (em cada ala uma equipe), elas não se localizavam
conforme esse critério, podendo acarretar insatisfação e descrédito dos usuários quanto
aos serviços ofertados:
“O fato da médica [da outra equipe] ser em frente da minha sala, confunde a cabeça dos usuários e eles não entendem porque [quando estou sem paciente], não atendo os pacientes da Vermelha. Mas tenho oito bandejas para cada dia e se atender, falta para os usuários da minha área”. O3-Azul (diário de campo- observação/ reunião equipe Azul).
Assim, a compreensão pela população do funcionamento dessa dinâmica da USF
“integrada” exige o fortalecimento dos canais de comunicação entre as equipes e entre o
serviço e a comunidade, havendo a necessidade dos profissionais estarem mais atentos e
sensibilizados para o acolhimento dos usuários.
Algumas atividades da USF Caleidoscópio são comuns a todas as equipes, como
é o caso do Grupo de Idosos, das atividades de Educação Permanente e de outras ações.
Porém, esse modelo da USF “integrada” também pode não favorecer o desenvolvimento
de atividades que dependam da articulação das quatro equipes, uma vez que os seus
territórios são heterogêneos, demandando dinâmicas diferentes de funcionamento, com
cronogramas específicos. Além disso, a própria arquitetura e espaço físico da unidade
pode estimular a dispersão das pessoas:
“[...] era muito bom quando a USF era “isolada”, [...] os grupos eram cheios! [...] o espaço grande [da integrada] torna as pessoas mais dispersas, dificultando a união/integração”. ACS-Vermelha (diário de campo- conversa informal)
80
Conforme o Plano Municipal de Saúde de João Pessoa para o quadriênio 2010-
2013, a atenção à saúde estrutura-se a partir de três módulos operacionais (rede
assistencial, vigilância à saúde e gestão). Esses módulos se organizam a partir de eixos
de linha de cuidado e são permeados por ideias força- educação permanente,
matriciamento, acolhimento, gestão do trabalho e participação popular em saúde,
visando mobilizar a transformação dos processos de gestão e dos processos de trabalho
em saúde 180.
O módulo da rede assistencial inclui os eixos das linhas de cuidado: saúde da
criança e adolescente, saúde da mulher, saúde do homem, saúde mental, saúde da pessoa
idosa, urgência e emergência, saúde bucal. O módulo da vigilância à saúde possui os
eixos: vigilância à população, vigilância à saúde, vigilância em saúde do trabalhador; e
o módulo relacionado à gestão, dispõe de cinco eixos: regulação, educação em saúde,
gestão do trabalho, participação popular e assistência farmacêutica180. O eixo da
educação em saúde estabelece dois objetivos gerais para suas ações: promover, apoiar e
acompanhar os processos de educação permanente na gestão e na atenção à saúde; e
fortalecer a política da Rede Escola como estratégia de ordenar a formação para o SUS
na Paraíba 180.
Do ponto de vista do monitoramento e da avaliação das ações, desde maio de
2009, no sentido de subsidiar a “identificação de problemas e para a reorientação das
ações e serviços desenvolvidos” foi implantado na ESF em João Pessoa um sistema de
incentivo financeiro para os profissionais de saúde, por meio da Vantagem Pecuniária
Individual (VPI), condicionada ao cumprimento de algumas metas ligadas aos
indicadores de “captação de hipertensos, captação de diabéticos, captação de gestantes
no primeiro trimestre; prevenção de câncer de colo de útero; cobertura de 1ª consulta
odontológica programática; e cobertura mensal de Escovação supervisionada”181.
A proposta do NASF do Ministério da Saúde 39 foi adaptada pela gestão
municipal de João Pessoa, onde cada dupla de apoiador (com variadas formações
profissionais) vincula-se a uma USF, responsabilizando-se não somente pelo apoio
matricial, mas pelo apoio gerencial e administrativo. Dessa maneira, o apoiador exerce
o papel de mediador de conflitos no âmbito das equipes e entre estas e a gestão,
assumindo múltiplas atribuições, com várias frentes de atuação, ligadas principalmente
ao processo de trabalho das equipes. À época da realização da pesquisa havia esforços
da gestão na direção da implantação do apoio administrativo, onde a USF Caleidoscópio
foi uma das USF contempladas com um apoiador administrativo.
81
As equipes do NASF de João Pessoa dispõem de nutricionistas que apoiam as
diversas USF. Na ocasião da coleta de dados, havia quatro nutricionistas apoiadores,
vinculados às USF do distrito sanitário IIII. A USF Caleidoscópio contou com esse
profissional como apoiador no período de dezembro de 2010 a dezembro de 2011.
A rotatividade dos apoiadores na USF Caleidoscópio foi um aspecto que chamou
atenção na USF pesquisada. No início do processo de coleta de dados (fevereiro/2012),
fomos informadas que a apoiadora (A1) nutricionista tinha saído da USF em dezembro
de 2011 e, desde esse período, que a USF dispunha apenas de um apoiador matricial
(A2), que estava bastante sobrecarregado, visto que, além do apoio técnico, vinha
desenvolvendo também as funções administrativas. Essa situação foi modificada
quando em abril/2012 foram admitidos na unidade um apoiador matricial e uma
apoiadora administrativa.
No decorrer dos quatro meses que frequentamos a USF Caleidoscópio,
presenciamos a chegada de um novo apoiador e em seguida sua substituição por outro.
Posteriormente, quando retornamos à USF em novembro para realizar novas entrevistas
com os usuários, os dois apoiadores (A2 e A3) e a apoiadora administrativa já haviam
se desvinculado da USF. Essa questão da rotatividade dos apoiadores na USF
Caleidoscópio se expressa no depoimento de um ACS:
“Desde que começou essa unidade que não funciona isso [o apoio matricial], quando a gente está se acostumando com um apoiador, tiram ele e põe outro.” (ACS-Vermelha/ diário de campo- conversa informal).
No entanto, a rotatividade dos profissionais é uma característica que não se
limita apenas ao âmbito dos apoiadores, ocorrendo também em relação às equipes de
saúde da USF Caleidoscópio. Ao longo da coleta de dados, pudemos observar diversas
modificações e arranjos na configuração das equipes. Ao iniciarmos o trabalho de
campo, nem todas as equipes estavam completas, havendo deficiências no quantitativo
de ACS nas equipes Azul e Branca e de enfermeiros nas equipes Amarela, Vermelha e
Azul, sendo que nesta última havia uma enfermeira “itinerante” (profissional contratada
para suprir as eventuais necessidades de substituição de pessoal da rede municipal, com
lotação temporária nos serviços).
Posteriormente houve o preenchimento dessas lacunas. A enfermeira da equipe
Amarela que estava licenciada para tratamento de saúde retornou às suas atividades e
houve a contratação de profissionais para a ocupação das outras vagas. Por outro lado,
82
houve o desligamento da médica da equipe Amarela, que foi remanejada para outra
unidade de saúde e até o término da pesquisa não havia sido admitido outro médico
nessa equipe. A falta recorrente desse profissional foi destacada pelos usuários:
“ aqui tem vez que passa dois, três meses, até mais, sem médico [...]”. (U12)
A enfermeira constitui uma referência importante no âmbito da ESF. A chegada
das enfermeiras às equipes Azul, Vermelha e Amarela, imprimiu outra dinâmica à
organização do serviço, ocorrendo a intensificação das reuniões com os ACS (Diário de
campo-observação). Por outro lado, vale dizer que na USF Caleidoscópio os
odontólogos eram profissionais que se destacavam no trabalho coletivo, assumindo um
protagonismo no âmbito das atividades não apenas das suas equipes, mas da unidade de
modo geral.
“[...] [referindo-se ao odontólogo da sua equipe] desenvolve a função dele e mil e uma funções que não pertence a ele. Mas tudo ele está presente, ele está ali dentro. [...]. Ele interage com a gente em todos os assuntos [...]. É muito bacana”. (ACS3-Vermelha)
Nos últimos anos, a atenção básica em João Pessoa tem sido um espaço bastante
utilizado para as atividades de formação universitária nas vertentes do ensino, da
pesquisa e da extensão. Nessa perspectiva, a gestão municipal vem organizando o fluxo
e as ações acadêmicas por meio da Rede Escola 181. Portanto, há diversos serviços e
unidades de saúde do município que são utilizados pelas universidades para suas
atividades e projetos.
Nessa direção, a USF Caleidoscópio constituia um cenário de prática para os
estudantes (estagiários) de odontologia, medicina, enfermagem e nutrição de três
instituições universitárias: uma pública, a UFPB e duas privadas, a UNIPB e UNIPÊ. A
participação dos estudantes nas atividades da unidade ocorria de forma diferenciada, nas
visitas domiciliares, atendimentos, ações educativas, reuniões, dentre outros. Os
estagiários eram bastante valorizados e acolhidos pelos profissionais.
Uma das frentes de atuação da graduação de odontologia (UFPB) na unidade
consistia em uma disciplina prática sobre atividades educativas em saúde,
supervisionada pela odontóloga da equipe Amarela, a qual nos informou que os
83
estudantes já desenvolveram atividades envolvendo a alimentação na creche municipal
localizada na área ligada à equipe Vermelha. A profissional expressou a preocupação de
ampliação dos espaços para a realização das atividades educativas pelos estagiários:
“senão ficam só dando palestra na unidade e nas escolas”. (Diário de campo-conversa
informal).
Com relação ao estágio de Nutrição na USF Caleidoscópio, o mesmo estava
vinculado a uma faculdade privada e suas atividades priorizavam os atendimentos
individuais, com elaboração de dietas e orientação alimentar. Para tanto, havia a
disponibilização pela USF de uma sala exclusiva para esses atendimentos (com uma
sinalização na porta, onde estava escrito Nutrição, com uma ilustração da pirâmide
alimentar) destinados especialmente aos usuários encaminhados pelos profissionais da
unidade a partir das consultas, visitas domiciliares e grupos educativos (Diário de
campo-observação). Esses estagiários também acompanhavam alguns ACS às visitas
domiciliares e participavam de atividades educativas desenvolvidas pelas equipes:
“[...] como eles [os estagiários de nutrição] têm o domínio maior, claro que eles ficam responsáveis por a tenda de alimentação saudável. [...] toda ação que tem a gente sempre coloca uma tenda, com materiais educativos, balança, faz uma mesa com alimentos saudáveis”. (A2) “[...] Sempre que a gente sente que o pessoal está necessitando de algum acompanhamento ou então que eles queiram alguma orientação, a gente encaminha para o pessoal da nutrição. [...]”. (ACS6- Amarela) “[...] eu já fui falar com a nutricionista, ela está me acompanhando, que eu também estou fazendo uma dieta [...]. [...] ela mede a gente, verifica o peso, tudo direitinho”. (U13).
3.1.2 As práticas educativas na USF Caleidoscópio
A Educação Permanente (EP) consta como uma das prioridades da gestão
municipal de saúde (2005-2012), traduzida pela criação ainda no seu primeiro mandato
da Diretoria da Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Conforme o Plano
Municipal de saúde 180, esta diretoria visa apoiar o projeto político da Secretaria
Municipal de Saúde, orientado na:
84
“produção do cuidado integral em saúde e focado na democratização da gestão, no trabalho em equipe, na reorganização da atenção, na educação permanente, na instituição de linhas de cuidado, para a construção de redes mais flexíveis, espaços de gestão participativa, coletivos produtores de cuidado nas unidades de trabalho, além do favorecimento da comunicação horizontal, com ênfase na satisfação dos usuários”180.
A realização das atividades de EP na USF Caleidoscópio ocorria quinzenalmente
nos espaços das reuniões das sextas-feiras. Para tanto, havia uma escala estabelecendo
um rodízio por categoria profissional, incluindo os integrantes das quatro equipes, que
assumiam o planejamento e a coordenação da atividade.
“[...] A educação permanente foi uma forma que a gente viu, até porque sempre é a fala do próprio distrito, é uma política do próprio município a educação permanente, mas a gente tentou criar esse fluxo contínuo e um calendário pra que as pessoas se responsabilizassem”. (A1)
A partir de levantamento retrospectivo que realizamos no caderno de atas das
reuniões da USF e do próprio cotidiano das atividades de EP da USF Caleidoscópio que
tivemos oportunidade de participar, constatamos que o objetivo dessas atividades
consistia na abordagem, com o conjunto de profissionais, de assuntos relacionados ao
processo de trabalho das equipes, ligados à prevenção e tratamento das doenças,
políticas de saúde, gestão municipal, aspectos pedagógicos, além do enfoque das
dimensões relacionadas aos direitos, à humanização do cuidado, ao território, à
subjetividade, dentre outros, por meio de diferentes recursos metodológicos que
incluíram vídeos, dinâmicas, teatro e métodos expositivos.
“[...] cada um escolhe seu tema livre pra dar a palestra. No caso dos agentes de saúde resolveram falar sobre homofobia. [...] para quebrar um pouco o preconceito, porque a gente vê que não vêm muitos homossexuais aqui na Unidade. [...] pode ser uma dificuldade deles encontrarem acesso aqui”. (O3-Azul)
“[...] tiveram dinâmicas maravilhosas, tiveram filmes [...] o filme trazia a mensagem, eles discutiam sobre o assunto [...]”. (A1)
85
Ressaltamos que, além das atividades voltadas à EP, na USF Caleidoscópio
existiam outros espaços para a abordagem educativa, vinculados ao território ou
desenvolvidos na própria unidade de saúde. Nessa direção, podemos citar entre as
principais atividades os “arrastões”, “salas de espera”, dias “D”, grupo de idosos, visitas
domiciliares, atividades realizadas na ocasião do “acolhimento” e atividades no âmbito
das escolas do território. Vale dizer que nos relatórios de atividades de 2012 das
equipes da USF Caleidoscópio, a Educação em Saúde foi considerada como um tópico
específico, reafirmando que a temática da educação tem estado presente no conjunto das
ações da unidade.
A atividade que ocorria de forma mais regular na USF Caleidoscópio consistia
no grupo dos idosos, realizado com periodicidade semanal, nas quartas-feiras à tarde.
Outra atividade sistemática era a “sala de espera” com as gestantes. Essa atividade foi
implantada em meados de março/2012, pela equipe Vermelha, no intuito de ser
realizada semanalmente, no turno da tarde das quintas-feiras, ocasião que ocorria o
atendimento pré-natal com a médica. Porém, ao final da pesquisa (junho/2012), essa
atividade já não estava acontecendo com a regularidade planejada. Importa ressaltarmos
que anteriormente existia um grupo de gestante permanente na unidade, mas que tinha
sido extinto no final de 2011.
Assim, grande parte das atividades educativas que eram realizadas na USF e/ou
nos territórios ocorria de forma fragmentada. Um trecho do Relatório de atividades de
2011 da equipe Azul e o depoimento do apoiador refletem essa perspectiva cíclica e de
descontinuidade das práticas educativas desenvolvidas na unidade estudada:
“durante o mês de março houve uma atenção especial voltada para as mulheres, com palestras durante a escuta sobre a importância do citológico, métodos contraceptivos e DST. Durante o mês maio as mães puderam receber uma festa em comemoração ao seu dia”.
“[...] a gente atua por ciclos, se uma determinada patologia está com uma incidência muito alta, então começa a reforçar essa patologia ou essa situação clínica e acaba esquecendo um pouco de outras. Então a gente peca muito por não ter ações sistemáticas. E isso nas atividades educativas, não é diferente”. (A3)
86
Nessa direção, as atividades educativas geralmente eram demandadas pela
gestão para cumprir as agendas e/ou eventos nacionais (campanhas, “dias de
mobilização”, dentre outros) em detrimento das necessidades das próprias equipes e da
comunidade.
“[...] eles planejam em cima de um calendário, pois já existem alguns calendários. [...] Eles não fazem o planejamento anual, até porque existem essas datas, semana da alimentação saudável, semana da tuberculose [...]. Então sempre tem algum assunto pra fazer [atividade educativa].” (A2) “[...] nosso planejamento é trimestral, [...] a gente faz as atividades pontuais de acordo com a necessidade e também com o calendário da secretaria de saúde, os pontos que vão ser mais trabalhados naquela época, para está focando mais”. (ACS 7- Vermelha) “[...] eu fiz [o citológico] pela noite que teve esse negócio lá [na unidade] para o dia das mães, só foi essa vez que eu participei. [...] Eu acho que fazem uns seis meses já. [...] teve uma palestra sobre a saúde da mulher.” (U13)
Nessa perspectiva, alguns dos exemplos das atividades empreendidas pelas
equipes da USF Caleidoscópio são: dia D da saúde da mulher e do homem, arrastão da
dengue, atividades em datas comemorativas (carnaval, páscoa, São João, natal, dia da
criança, dia das mães), atividades na sala de espera e/ou no momento do acolhimento
sobre algumas doenças como tuberculose, dengue, doenças falciformes e atividades nas
escolas sobre DST, saúde bucal, avaliação antropométrica que são desenvolvidas por
cada equipe de acordo com sua programação (tanto nas escolas vinculadas ao PSE,
como nas demais escolas da área, incluindo as privadas),
Muitas vezes para a realização das atividades no âmbito do território, as equipes
buscavam parcerias com equipamentos sociais se articulando com a comunidade
católica, igrejas evangélicas, escolas particulares e pontos comerciais. Isso era mais
frequente na equipe Amarela, que por atender a uma população de um território mais
distante, desenvolvia a maioria das suas atividades em espaços comunitários:
“A gente sempre faz na área de abrangência, né, porque é distante. [...] são poucas que a gente faz aqui, né”. (ACS4-Amarela)
87
Os recursos para a realização das atividades educativas (material para confecção
dos trabalhos manuais e das dinâmicas, além dos alimentos dos lanches) eram obtidos a
partir dos profissionais e, no caso do grupo de idosos, os próprios idosos também
colaboravam com uma quantia que variava de acordo com a disponibilidade financeira
de cada um (de 2,00 a 3,00/ mês). As fragilidades ligadas ao apoio material e financeiro
da gestão para o desenvolvimento das atividades educativas foi um tema recorrente
tanto nas entrevistas como na rotina observada da unidade.
Os esforços e a mobilização das equipes para a produção dos lanches permeava o
planejamento e realização das atividades. Assim, havia o compartilhamento de
responsabilidades no processo de aquisição e de preparo da alimentação. Muitas vezes o
lanche era viabilizado pelos ACS nas suas casas ou na própria copa da unidade de
saúde. Porém, apesar dos profissionais explicitarem preocupação e zelo com a
diversificação e a oferta de alimentos saudáveis e regionais nas atividades, era frequente
a disponibilização de refrigerantes e outras preparações inadequadas para a ocasião
(Diário de campo-observação).
Os panfletos, impressos, folders e outros materiais institucionais, além de alguns
equipamentos utilizados nas atividades eram cedidos pelo Distrito e Secretaria de
Saúde. A seguir faremos uma breve descrição de algumas práticas educativas
desenvolvidas pelas equipes da USF Caleidoscópio. Os critérios que orientaram a
escolha dessas atividades para serem descritas aqui foram a regularidade, a centralidade
ocupada no cotidiano de trabalho das equipes e o fato de consistir em atividades que
foram observadas pela pesquisadora no trabalho de campo.
Grupo de Idosos
As quatro equipes da USF Caleidoscópio se revezavam na coordenação das
atividades desse grupo, havendo uma escala das datas e a cada semana uma equipe se
responsabilizava pela programação e realização da atividade, incluindo aquisição e
preparo do lanche.
O foco do grupo de idosos era nas atividades com trabalhos manuais. Conforme
alguns profissionais relataram, anteriormente a abordagem priorizava as palestras e a
partir de avaliação, a proposta foi reorientada buscando valorizar os trabalhos manuais,
artesanais e as atividades lúdicas, como estratégia para dinamizar e estimular a
participação dos idosos no grupo:
88
“[...] tinha muita palestra e tinha menos atividade de artesanato e lúdicas. [...] a gente viu que eles não se sentiam bem, diminuiu bastante a quantidade [de idosos] que vinha antigamente por conta disso. [...] os idosos não estão mais interessados naquelas palestras, em você ficar mostrando como é que faz o autoexame da boca, como é que ele se trata de hipertensão, essas coisas. [...] o que eles vêm mais aqui é pra tentar se distrair [...]. [...] a gente tenta trazer ideias desse tipo assim e não mais de informação. Porque muitas vezes eu já vi aqui idoso dormindo durante a apresentação”. (O2- Vermelha) “[...] vamos que tem festinha, vamos que tem uma animação, tem uma brincadeira, tem um showzinho, uma viagem para motivar as pessoas a se organizar mais no grupo”. (U1)
Nesse sentido, percebemos uma preocupação na diversificação das abordagens e
temáticas, com a utilização de sucatas, garrafas PET, palitos de picolé, onde os idosos
elaboraram bolsas, caixas, imãs de geladeira, dentre outros objetos. Além dos bingos,
festas tradicionais (carnaval, São João), danças e atividades envolvendo a temática da
afetividade, da qualidade de vida e da relação dos sentidos com a alimentação. Os
passeios às praias e parques também eram recursos utilizados nas atividades do grupo.
Participamos de um passeio para o Parque Arruda Câmara (Bica), organizado pela
equipe Azul que contou com a presença de muitos idosos e de grande parte dos
profissionais da equipe (Diário de campo-observação).
As mulheres constituíam a maioria do grupo. Geralmente, do total de dez a
quinze idosos, havia de dois a três homens, que participavam sem assiduidade nas
reuniões. O fato de se trabalhar muito com atividades manuais poderia ser um fator que
não motivasse os homens a participar das reuniões. Por outro lado, tradicionalmente a
frequência dos homens aos serviços de saúde, seja para buscar tratamento, como
também para participar de atividades educativas é menor do que a das mulheres. Para o
registro das atividades do grupo, havia um livro, mas geralmente não ocorria um
detalhamento dos processos, incluindo apenas a temática abordada e a lista de presença
da respectiva data.
Com exceção da festa junina e do passeio ao Parque, onde nesta ultima
atividade o médico da equipe Azul participou, mas de forma diferenciada dos demais
profissionais (pois além de não ter ido com o grupo no ônibus da prefeitura, saiu antes
de terminar a atividade), das reuniões do grupo que acompanhamos, nenhuma delas
contou com a presença dos médicos da USF. Salientando que nas tardes das quartas-
feiras, não havia atendimento na USF. A ausência dos profissionais médicos foi notada
89
também em outras atividades coletivas, como naquelas realizadas nas escolas e em
outras iniciativas da USF (Diário de campo-observação).
A ESF tem entre os seus princípios filosóficos a questão do acolhimento e da
construção de vínculos entre as equipes e usuários. Estes aspectos eram enfatizados nas
atividades do grupo de idosos:
“[...] [os idosos] são pessoas que precisam sorrir [...] quando eles chegam aqui, a gente se abraça, se beija, cria vínculo, laços de amizade, e isso é muito importante”. (ACS1-Azul)
“[...] a acolhida do pessoal que recebe a gente no grupo. [...] eu já venho com alegria. [...] isso é muito bom, essa partilha que a gente tem. É como uma cumplicidade, às vezes guarda até um segredo uma da outra, não é?”. (U1) “[...] eu acho uma maravilha. Muita amiga, muito abraço, [...] sai da rotina de casa para passar uma tarde diferente”. (U3)
Visitas domiciliares
A visita domiciliar constitui um dos pilares para a operacionalização da ESF e
trata-se de uma atividade nuclear do processo de trabalho do ACS 40 . A partir das
visitas se constrói as relações da unidade de saúde com os usuários, sendo inegável o
seu potencial educativo e o papel dos profissionais, sobretudo dos ACS como
mediadores desse processo 87, 201.
Na USF estudada as visitas consistiam em um veículo para orientação sobre os
cuidados gerais com a saúde e a prevenção das doenças; realização da busca ativa de
gestantes, hipertensos, diabéticos e outras situações; divulgação das atividades e
informações sobre questões ligadas ao funcionamento da USF; além de serem utilizadas
para entrega dos encaminhamentos para exames e/ou consultas com especialistas nos
outros níveis de atenção do SUS (Diário de campo-observação).
“[...] cada ACS quando vai fazendo sua visita convida o pessoal idoso pra vir para a atividade na quarta feira [...]. (ACS5- Azul)”
“[...] dentro dessas visitas é que a gente tenta está conquistando o usuário para frequentar a nossa Unidade. [...]. [...] a gente tenta está passando todas essas orientações, a questão das prevenções”. (ACS 7- Vermelha)
90
Os depoimentos dos usuários corroboraram com as dimensões relatadas pelos
profissionais sobre as visitas, mostrando a ênfase dos ACS com relação ao
acompanhamento das condições de saúde das famílias, porém na perspectiva do
cumprimento das prescrições estabelecidas no “cardápio de itens” oferecido pelo
serviço:
“[...][o ACS] vai saber como é que a pessoa está e se tem um exame marcado, ela nos comunica. Às vezes vai até levar pra gente lá [...] ela procura saber se a gente tá indo para o médico normalmente, como é que está o coração, a diabetes, [...].” (U10)
“[...] procurar saber se a gente está caminhando, se está fazendo alguns exames, pra marcar. Quando às vezes a gente até esqueçe de levar o bebê, ela chega e diz: ‘faltou você, vamos pesar a criança e tal ‘[...]”. (U9)
“[...] olha se as vacinas da criança estão em ordem, se tem alguém doente, se precisa fazer exame. [...] sempre é rápido, né. [...] avisa quais são os eventos que vai ter aqui na unidade e pergunta algumas coisas e pronto”. (U7)
Além dos ACS, outros profissionais das equipes, como médicos, enfermeiras,
odontólogos e técnicos de enfermagem também realizavam visitas, porém em dias
específicos e com objetivos diferentes. Geralmente essas visitas eram realizadas por
meio da solicitação dos ACS para acompanhamento daqueles usuários que tinham
dificuldade de se locomover até a unidade, como os acamados, puérperas e portadores
de deficiências.
Há um quantitativo de visitas estipulado para cada ACS, que deve totalizar oito
visitas por dia. No entanto, vários aspectos influenciavam a abordagem e
consequentemente a quantidade e duração das visitas, incluindo desde o perfil do
profissional e da família até questões ligadas ao processo de trabalho e a outros
aspectos. Por exemplo, às vezes os ACS tinham muitos encaminhamentos para entregar,
sendo esse o foco das visitas (Diário de campo-observação).
Por outro lado, alguns ACS extrapolavam os assuntos da saúde e tratavam de
outras questões trazidas pelos usuários, ligadas às diversas esferas da vida, como
problemas familiares, violência do bairro, desemprego, dentre outros. Cotidianamente
os ACS lidavam com uma diversidade de problemas da população, envolvendo muitas
vezes questões complexas, que exigiam para o seu enfrentamento e resolutividade, além
91
do preparo desses profissionais, esforços interdisciplinares e intersetoriais (Diário de
campo-observação).
Dessa maneira, às vezes o contato com os usuários era rápido, enquanto em
outras ocasiões o ACS permanecia mais tempo com a família. As visitas que
acompanhamos variaram em torno de cinco a sessenta minutos e ocorreram tanto dentro
dos domicílios, como na rua, em frente do portão da casa do usuário. A maioria dos
ACS da USF Caleidoscópio morava no território e demonstrava ter aproximação e
empatia com as famílias da sua microárea. Observamos que eles eram reconhecidos e
identificados pelo nome por grande parte dos usuários (Diário de campo-observação).
Com relação à alimentação e nutrição, nem sempre essa temática era enfatizada
nos espaços das visitas. Porém muitas vezes as questões alimentares emergiram de
forma diluída no diálogo entre os ACS e usuários, sem merecer o devido
aprofundamento. E em algumas situações ocorria a problematização dessas questões
(Diário de campo-observação).
“[...] [referindo-se a ausência de assuntos ligados a alimentação e nutrição], é muito rápido, [...] não dá tempo de discutir muita coisa, nem perguntar muita coisa não”. (U7) “[...] Um dia desse ela [a ACS] foi até à cozinha para ver a manteiga que eu comia. Mas eu não estou tomando aquele leite mais magro, não. [...] aí ela disse: ‘faça isso, a doutora não mandou?’ [...] pergunta se eu estou fazendo o regime direitinho [...]”. (U1)
Sala de Espera com Gestantes
Essa atividade vinculava-se à equipe Vermelha e começou na segunda semana
de março de 2012, ocorrendo semanalmente às quintas-feiras enquanto as gestantes
aguardavam a consulta pré-natal da médica. Havia também a participação de duas
estagiárias de medicina, que na maioria das reuniões permaneceram na condução dessa
atividade. Os ACS (à exceção daqueles mais proativos) tendiam a se apoiar nas
estagiárias e muitas vezes participavam timidamente do processo. Eventualmente houve
a participação dos estagiários de nutrição em algumas sessões, esclarecendo dúvidas
sobre a alimentação, além da participação do odontólogo que abordou aspectos ligados
a saúde bucal da mãe e do bebê; e a amamentação (Diário de campo-observação).
Pudemos acompanhar essa atividade desde o seu planejamento e uma das
motivações para a sua implantação surgiu da lacuna deixada pelo término, em 2011, do
92
funcionamento do grupo de gestantes da USF. Portanto, a ideia da equipe foi iniciar
com uma “sala de espera” para posteriormente quando a atividade estivesse mais
difundida e consolidada, transformá-la em um grupo ampliado, envolvendo inclusive as
demais equipes da USF Caleidoscópio.
A primeira reunião para o planejamento da Sala de espera contou com a presença
apenas dos ACS e nessa ocasião foi acordado que cada dupla de ACS se
responsabilizaria pela concepção e realização da atividade a cada semana. Entretanto, as
discussões se concentraram mais nas questões pragmáticas, de operacionalização da
atividade e menos nos aspectos teórico-práticos ligados aos seus propósitos e as
abordagens metodológicas que deveriam orientá-la (Diário de campo-observação).
A natureza de uma atividade educativa pode constranger ou estimular as
possibilidades para o seu desenvolvimento. No caso da “sala de espera”, busca-se com
essa abordagem abrir uma “janela de oportunidade” a partir da ida do usuário ao serviço
para a realização da abordagem educativa. Entretanto, há limitações decorrentes desse
tipo de atividade, como a fragilidade dos vínculos acarretada pela flutuação dos
participantes e a dispersão dos envolvidos, dentre outras.
No desenvolvimento das ações ligadas à “sala de espera” na USF Caleidoscópio,
constatamos a rotatividade das gestantes, além de que, o fato das reuniões ocorrerem no
hall, próximo aos consultórios dos profissionais, com vários outros usuários circulando
e aguardando o atendimento nos corredores, acarretava ruídos e interrupções de pessoas,
além do receio das gestantes em perder a vez na consulta médica muitas vezes ter
estimulado a dispersão do grupo. Por outro lado, algumas vezes, a presença de várias
pessoas no corredor foi um aspecto positivo, pois provocou a participação de outros
usuários na discussão, ampliando a intervenção para além das gestantes (Diário de
campo-observação).
Além da apreensão que caracteriza essa fase da vida da mulher, notamos
curiosidade e interesse das gestantes (algumas eram adolescentes) para acessar novos
saberes e conhecimentos sobre a gestação e o bebê. Em que pese a preocupação dos
profissionais e/ou estagiários de medicina em enfatizarem que os temas das reuniões
seriam aqueles demandados pelas gestantes, ao longo do desenvolvimento da ação
observamos que nem sempre esse aspecto foi privilegiado. A transmissão de
informações e o esclarecimento de dúvidas sobre a saúde da gestante e do bebê foram as
dimensões predominantes em detrimento do aprofundamento e problematização das
93
inquietações e da subjetividade das questões expressadas pelas mulheres no grupo
(Diário de campo-observação).
Assim, no decorrer de sessenta minutos, duração aproximada das reuniões,
abordavam-se variados assuntos, muitos de forma recorrente e superficial,
contemplando-se: importância do pré-natal; crescimento e desenvolvimento do bebê;
mudanças corporais da gestante; amamentação; tipos de parto; alimentação da gestante
e da criança; sexualidade; direitos da parturiente; saúde bucal da gestante, dentre outros.
Os recursos utilizados restringiram-se a um álbum seriado pequeno envolvendo grande
parte dos assuntos referidos e utilizados pelos ACS; TV, DVD e notebook, de
propriedade de uma ACS da equipe. Em algumas situações foram distribuídos panfletos
construídos pelos estagiários com orientações sobre o tema discutido (Diário de campo-
observação).
Atividades no espaço escolar
A atenção à saúde do escolar no país remete ao início do século passado, com
ações fortemente voltadas à higiene e à puericultura, evoluindo até os dias atuais com o
conceito de promoção da saúde e culminando com o programa mais recente na área, o
PSE 202. No território da USF Caleidoscópio há duas escolas públicas (uma estadual e
outra municipal), uma creche pública (municipal) e diversas escolas privadas onde,
anteriormente à inclusão da USF no PSE, já eram desenvolvidas atividades educativas
pelos profissionais de saúde, sobretudo pelos odontólogos, acompanhados dos ACS.
A forte inserção dos odontólogos da USF nas escolas, creches e território, era
associada às metas para atividades educativas com escovação supervisionada:
“Saúde na escola, principalmente os dentistas, eles trabalhavam sempre, porque dentro das metas da odontologia tem atividades educativas e eles têm uma meta pra atingir que é com escovação supervisionada. [...] Mas antes [do PSE], com relação às escolas a odontologia era muito forte”. (A1)
As duas escolas públicas mencionadas foram incluídas no PSE em
fevereiro/2012, vinculadas às equipes Vermelha e Azul da USF. Tivemos oportunidade
de acompanhar o início do processo de implementação das atividades do PSE na USF
Caleidoscópio.
94
Assim, participamos de duas reuniõesn promovidas pela gestão para o
planejamento das ações do PSE, que envolveram os profissionais da área da saúde e da
educação do município de João Pessoa. Esses eventos indicaram esforços para a busca
do diálogo e aproximação entre os setores da saúde e da educação, visando à
concretização dos propósitos do programa.
Também acompanhamos algumas atividades ligadas ao programa no âmbito da
USF. Havia um calendário estabelecido pelo governo federal com uma programação
nacional que os municípios/escolas vinculados ao PSE deveriam adotar, realizando um
conjunto de ações, com metas pré-estabelecidas.
A primeira dessas ações para o ano de 2012 e para a USF Caleidoscópio foi a
“Semana de Prevenção à Obesidade”, que ocorreu em março. Essa atividade foi
amplamente divulgada na mídia nacional e local e incluía atividades educativas,
avaliação antropométrica e do consumo alimentar (por meio de formulário de
marcadores do SISVAN- ANEXO B), além do preenchimento da ficha de saúde do
escolar (com informações clínicas, de saúde e demográficas).
A implementação do PSE no âmbito local envolve desafios e oportunidades,
onde o programa poderá servir como deflagrador de processos para ações intersetoriais
mais consolidadas. Nas reuniões da gestão, ouvimos vários depoimentos sobre
iniciativas bastante integradas e articuladas, mas também houve muitas queixas e
reclamações dos profissionais da ESF, sobre a passividade e o tímido envolvimento das
escolas no desenvolvimento das ações (Diário de campo-observação).
Na USF Caleidoscópio, esse processo iniciou sem haver uma discussão ampliada
com os agentes implementadores (profissionais da USF e comunidade escolar). A
preocupação principal naquela ocasião era o alcance das metas previstas para as
atividades. A inserção rápida e verticalizada das equipes locais (USF e escolas) no
programa geraram dúvidas e inquietações acerca da operacionalização das ações e
fragilidades na parceria entre a saúde e a educação:
“[...] essa inserção [no PSE] foi rápida e ainda gera dúvidas, em relação a forma como será desenvolvida [...]. [...]Estão desenvolvendo as ações, mas existe ainda esse receio”. (A2)
n uma dessas reuniões consistiu na “Oficina de qualificação de gestão intersetorial”
95
Por outro lado, o atraso no repasse dos materiais educativos e a falta de uma
preparação prévia da equipe para o desenvolvimento das atividades exigiam esforços
dos profissionais no sentido da sua adequação às condições existentes na tentativa de
viabilização das ações preconizadas:
“[...] existe a espera por materiais. [...] como essa inserção, ela veio antes da disponibilização dos materiais, a equipe está se adequando ao que tem e tentando desenvolver com uma frequência maior”. (A2)
As atividades do programa eram consideradas pelos profissionais da escola
como sendo de responsabilidade da área da Saúde, onde o papel deles seria apenas
“abrir as portas” das escolas para a viabilização dessas atividades. Assim, houve
ocasiões em que atividades agendadas foram canceladas, sem a comunicação em tempo
hábil, por parte da escola à USF. Em algumas atividades a escola não organizou
previamente o espaço, nem disponibilizou profissionais para o apoio dos procedimentos
necessários, como o preenchimento dos formulários e a tomada das medidas
antropométricas (Diário de campo-observação).
O relatório de atividades de 2012 da equipe Azul explicita a dificuldade para a
parceria com a escola e para o contato com a sua direção: “inúmeras tentativas de
conversa com o Diretor responsável foi solicitada, porém nunca conseguimos encontrá-
lo”. A passividade da escola acarretava a sobrecarga de responsabilidades para a ESF,
onde o movimento para a realização das atividades geralmente partia do setor
saúde/USF em direção às escolas. Assim, um dos pressupostos do PSE, que é o
planejamento coletivo das atividades, envolvendo os setores da saúde e da educação,
ainda era um processo a ser construído:
“[...] essa participação ativa da escola, a gente está tentando conquistar ainda. [...] [os profissionais da USF] têm relatado que tem sido muito difícil, porque eles se sentem responsabilizados totalmente pelas atividades, [...] e a escola fica esperando um pouco, como se a participação fosse ceder o espaço e a gente sabe que precisa de uma participação maior, precisa planejar junto à escola”. (A2)
No entanto, não acompanhamos as reuniões das equipes de saúde com a direção
das escolas. Seria importante escutar como a comunidade escolar enxergava esse
programa e suas atividades; qual a compreensão que a escola tinha do seu papel frente
ao processo de implementação das ações e como essas repercutiam no processo de
96
trabalho da escola, para obtermos mais elementos sobre como vinha se dando a
construção desse processo.
As atividades educativas preconizadas pelo PSE deveriam contemplar as
doenças sexualmente transmissíveis (DST), drogas, violência e alimentação saudável,
dentre outros. No tocante a promoção da alimentação saudável, a recomendação da
gestão foi na direção da abordagem orientada pelos “Dez passos da alimentação
saudável” do Ministério da Saúde203. Nessa perspectiva foram realizadas atividades
pelas equipes Vermelha e Azul, abordando alguns desses assuntos com os escolares.
A partir das atividades acompanhadas sobre DST notamos que apesar dos
avanços nas abordagens educativas, com a utilização de “rodas de conversa” e outros
recursos mais horizontalizados e dialógicos, ainda havia pouco espaço nesses processos
para a reflexão, predominando o enfoque da prevenção das doenças e da transmissão de
informações (Diário de campo-observação).
No que se refere ao PBF, optamos por abordar alguns aspectos relacionados à
operacionalização deste programa no âmbito da USF estudada pela sua forte vinculação
com as dimensões da SAN e do DHAA, além da interface que possui com a ESF, por
ser este o espaço da oferta das ações ligadas às condicionalidades do programa relativas
à saúde.
Conforme o “Relatório de Desempenho das USFs no acompanhamento das
famílias do Programa Bolsa Família” do Distrito III, para o ano de 2012, na primeira
vigência204, no distrito mencionado, 10.817 famílias eram beneficiárias desse programa
e 71% dessas famílias foram acompanhadas pelas equipes da ESF. Na segunda
vigência, haviam 10.815 famílias vinculadas ao programa e o percentual de
acompanhamento foi de 95% 205.
Com relação à USF Caleidoscópio, na primeira vigência de 2012, o mesmo
relatório apontou resultados similares na cobertura das famílias acompanhadas, onde
646 famílias eram beneficiárias do PBF e 73% destas foram acompanhadas pelos
profissionais204. Já na segunda vigência, a cobertura do acompanhamento aumentou
consideravelmente. Do quantitativo de 679 famílias beneficiárias, apenas uma deixou de
ser acompanhada, atingindo uma cobertura de quase 100%. Portanto, das 2.719 famílias
cadastradas na USF Caleidoscópio no ano de 2012, 25% eram beneficiárias do PBF,
tomando como referência os dados da segunda vigência do relatório de desempenho
mencionado anteriormente 205.
97
Contudo, segundo a responsável pelo setor de epidemiologia do distrito III,
recomenda-se cautela na análise dessas informações, visto que, mesmo quando ocorrem
mudanças de endereço das famílias do PBF (evento bastante frequente no território da
USF estudada), o que é considerado para o cômputo dessa cobertura é o primeiro
endereço cadastrado, podendo acarretar uma superestimação da cobertura das famílias
acompanhadas (Diário de campo-observação/conversa informal).
No que tange às atividades relacionadas ao PBF, a preocupação das equipes, não
apenas da USF Caleidoscópio, mas do município de João Pessoa, têm sido
especialmente na direção de atender as demandas do Ministério da Saúde sobre as
informações dos beneficiários, priorizando as atividades ligadas às medidas
antropométricas dos beneficiários em dias específicos (“Dia D do peso”):
“[...] a equipe vinha muito na ideia da vigência, que era o dia que vinha o papel com a lista de todas as famílias para você colocar os dados. [...]. [...] é uma cultura não somente do Distrito III, mas do município”. (A1)
“[...] elas já participam das nossas atividades regulares ou seja atividade educativa, consulta e tudo, mas obrigatoriamente, digamos assim, são duas vezes por ano”.(A3) “[...] a gente passa fazendo busca ativa e avisando ‘olhe fulano, tal dia chega a lista do Bolsa Família e você tem que ir pesar’ [...]. [...] A gente passa avisando de 6 em 6 meses [...]”. (ACS5-Azul)
Ainda que uma grande parcela dos usuários fosse beneficiária do programa,
além da aferição das medidas antropométricas e/ou da avaliação nutricional, no âmbito
da USF Caleidoscópio inexistiam atividades direcionadas, sobretudo de cunho
educativo, ao conjunto das famílias vinculadas ao PBF.
“[...] ações só para essa comunidade não tem. E praticamente aqui, noventa por cento depende do Bolsa Família [...] ação separada, isso ainda não foi feito. Pelo menos esse tempo que eu estou aqui não foi feito nenhuma vez. Ninguém nem pensou nisso. [...]. [...] eles têm que pesar pra ver se têm uma condição adequada. Na verdade eles só vêm pesar e pronto. Não tem essa abordagem nutricional nesse grupo. [...]”. (M2-Vermelha) “O necessário, dentro do padrão, a gente está tendo as responsabilidades como agente de saúde. Agora assim, em
98
termos de palestra mesmo, o que é Bolsa Família, como funciona, pra quê, isso e aquilo. Isso aí, não tem”. (ACS 8-Azul)
Na USF estudada, iniciativas no sentido de ampliação das ações com o público
do PBF ainda encontravam-se no plano das ideias e projetos (Diário de campo-
observação). No entanto, pelas falas abaixo, nota-se uma tendência dos profissionais
para utilizar o espaço do PBF como “isca”, buscando atrair os usuários para participação
nas ações ofertadas pela unidade:
“[...] o pontapé vai ser pelo Bolsa Família, porque é um dia importante e que a gente não tem atividade educativa nesse dia, [...]. [...] a gente já deu a sugestão de nesse dia da pesagem do Bolsa, a gente fazer uma atividade educativa de saúde com elas [mulheres], até porque algumas pessoas só vêm se tiver algum interesse em jogo e o Bolsa família é uma coisa assim de interesse da população . Então, a gente está tentando fazer essa negociação aí, unir o útil ao agradável”. (ACS1-Azul)
Essa perspectiva de utilização do PBF como estratégia para a adesão dos
usuários às intervenções do serviço assumia muitas vezes um caráter ameaçador e
culpabilizador da população, como indicam os depoimentos a seguir:
“[...] porque as mulheres também não gostam de fazer citológico e eu mandei convocar elas pra vir para o Bolsa Família. E eu disse a elas que quem não fizesse o citológico ia ser cortada do Bolsa Família. No instantezinho as mulheres vieram tudinho fazer citológico. Porque se você não usar desses artifícios elas não se importam não”. (E2-Amarela) “[...] E o Bolsa Família virou assim uma forma da gente convencer as mulheres a vir, porque elas têm medo de perder. Aí quando a gente diz ‘olha, eles estão exigindo que as mulheres venham, aí elas estão bem mais assíduas [...]”. (ACS10 – Amarela)
“[...] com o Bolsa Família, a gente está tentando resgatar. Porque é muito complicado, as pessoas elas não querem vir à unidade. [...]Aí agora a gente está dizendo ‘olhe quando a gente fizer reunião com a comunidade vocês têm que participar’. Infelizmente a gente usa métodos que sabe que não é correto, que é a mentira, [...].”(ACS3-Vermelha)
99
Apesar da coresponsabilização do serviço pelas fragilidades no
acompanhamento das famílias do PBF e da problematização da necessidade desse
acompanhamento ser realizado rotineiramente nos atendimentos, as estratégias
propostas no depoimento abaixo para aumentar a frequência e participação dos
usuários/beneficiários do PBF nas ações da USF Caleidoscópio, reiteram o enfoque do
condicionamento e da “cobrança” por parte do serviço à população, discutido
anteriormente.
“[...] porque a gente sabe que a parte mais sensível da pessoa é o bolso. Então a gente indo por essa vertente a gente consegue que ele venha a ter uma maior participação, até nos acompanhamentos [...]. [...]. Ele não tem uma participação efetiva. Mas não é culpa só do usuário. Realmente é culpa de quem oferece o serviço também. Que a gente tem que está informando, tendo essa cobrança, também. [...]. [...] são maneiras que a gente tá tentando implementar pra ver se a gente consegue tá alertando esse usuário que ele precisa está vindo. [...]”. (ACS 7- Vermelha)
Quanto à abordagem da alimentação e nutrição na USF Caleidoscópio, importa
considerar que ocorria de forma diluída no conjunto das atividades das equipes, como
os atendimentos individuais, visitas domiciliares e as ações educativas coletivas, com o
predomínio do enfoque da prevenção das doenças (especialmente das DCNT) (Diário
de campo-observação).
Os estagiários de nutrição constituíam uma referência importante para as
questões ligadas a essa temática. As intervenções realizadas pelos estagiários gozavam
do reconhecimento das equipes, inserindo-se no cotidiano das atividades, sobretudo de
atendimento individual (elaboravam dietas e orientações), no âmbito da unidade. Em
algumas situações específicas, os ACS requisitavam os estudantes para os
acompanharem nas visitas domiciliares. E eventualmente participavam das atividades
educativas coletivas, como por exemplo, no grupo de idosos (Diário de campo-
observação).
Havia uma divulgação sistemática da presença desses estagiários na unidade e
não raro os profissionais informavam aos usuários sobre o “pessoal da nutrição” ou dos
“nutricionistas” na USF, sem necessariamente esclarecer que os mesmos eram
estagiários e não mantinham vínculo com a Prefeitura. O mural de avisos do hall e as
duas entradas principais da USF dispunham de cartazes divulgando os dias/horários de
100
atendimento dos estagiários (Diário de campo-observação). Para os profissionais, a
inserção dos estagiários representou um marco nas ações ligadas à alimentação e
nutrição na unidade estudada.
“[...] essa parte da alimentação dentro da unidade só foi [desenvolvida] realmente quando elas [as estagiárias de nutrição] chegaram lá”. (A1) “[...] a gente viu que muita gente aprendeu a se cuidar, [...] com a participação dos alunos aqui melhorou muito o comportamento da comunidade em relação a alimentação. [...].” (ACS2-Vermelha)
“[...] eu estou notando que a comunidade está mais interessada na questão nutricional, [...] elas perguntam muito: ‘Tem nutricionista? estão todos os dias? [...]”. (TE2- Branca)
Portanto, os estagiários muitas vezes eram considerados como os nutricionistas
da unidade. O apoiador matricial que tinha formação em nutrição não era identificado
como o profissional responsável pelas questões de alimentação e nutrição:
“[...] [os profissionais da USF] viam como tendo a nutricionista, eu não era a nutricionista, mas as meninas [as estagiárias de nutrição] elas eram as nutricionistas. Então a equipe inclusive começou a demandar e encaminhar paciente pra elas”. (A1)
No Brasil, nos últimos anos, as abordagens educativas têm se destacado no
contexto das políticas públicas de saúde 34, 61. No tocante à área da alimentação e
nutrição, os processos educativos também vêm sendo enfatizados, como o novo texto da
PNAN 13 e a PNSAN 3, que trazem indicativos nessa direção.
Nessa perspectiva, um dos princípios da PNAN é o fortalecimento da autonomia
dos indivíduos, por meio da ampliação da reflexão crítica e da capacidade do indivíduo
para lidar com as situações que o afeta na direção das suas escolhas e práticas
alimentares 13.
Para tanto, a PNAN destaca o papel dos profissionais de saúde na “socialização
do conhecimento e da informação sobre alimentação e nutrição e de apoio aos
indivíduos e coletividades na decisão por práticas promotoras da saúde”
recomendando o investimento em estratégias educativas no sentido de apoiar esses
profissionais 13 .
101
Ressalta-se que no município de João Pessoa, a implementação das ações de
alimentação e nutrição preconizadas pela PNAN se restringiu, até o ano de 2008, à
implementação de alguns programas, cuja responsabilidade no nível central da SMS
ficava a cargo de dois profissionais vinculados à área técnica de saúde da criança e do
adolescente, não havendo uma coordenação específica voltada para a área da
alimentação e nutrição. A articulação intersetorial apresentava fragilidades e as ações de
promoção da SAN no município ainda eram bastante incipientes 181, 182.
No final de 2008, a SMS-JP instituiu um setor técnico-administrativo
responsável pelas políticas de alimentação e nutrição, saúde da criança e do adolescente,
disponibilizando um nutricionista, para coordenar as ações 182. De acordo com o
relatório de gestão da SMS-JP de 2009, as ações de alimentação e nutrição foram
estruturadas em cinco eixos: Alimentação e nutrição na Atenção Básica, Vigilância
Alimentar e Nutricional, Promoção da alimentação saudável, Prevenção e controle de
micronutrientes, Desenvolvimento e capacitação de recursos humanos em saúde e
nutrição 181.
Essas ações incluíram a aquisição de equipamentos e materiais permanentes;
confecção de material educativo (camisetas e banners); produção de material de
divulgação sobre SISVAN, Bolsa Família, Programas Nacionais de Suplementação de
Ferro e Vitamina A; oficinas de educação alimentar direcionadas à promoção de uma
alimentação baseada em alimentos regionais permitidos para DCNT; e capacitação de
dois nutricionistas do apoio matricial em políticas públicas de alimentação e nutrição 181.
No que diz respeito às práticas educativas voltadas à SAN, a PNSAN contempla
essa questão por meio de sua terceira diretriz: “a instituição de processos permanentes
de educação alimentar e nutricional, pesquisa e formação nas áreas de segurança
alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação adequada”3 .
Na perspectiva da operacionalização dessa diretriz, o Plano Nacional de SAN
(2012-2015) (PLANSAN) preconiza cinco objetivos, dentre esses o segundo objetivo é
o que estabelece uma vinculação mais forte com a área da saúde: “Estruturar e integrar
ações de Educação Alimentar e Nutricional nas redes institucionais de serviços
públicos, de modo a estimular a autonomia do sujeito para produção e práticas
alimentares adequadas e saudáveis” 206.
Portanto, das quatro metas prioritárias para alcançar esse objetivo, duas
implicam a atuação do setor saúde:
102
“criar protocolo de ações de Educação Alimentar e Nutricional para titulares de direitos dos programas socioassistenciais, integrando as redes e equipamentos públicos bem como instituições que compõem o SISAN; e inserir a promoção da alimentação adequada e saudável nas ações e estratégias realizadas pelas redes de saúde, educação e assistência social”206.
É importante ressaltar que o PLANSAN consiste no principal instrumento para a
viabilização e operacionalização da PNSAN, orientando-se pelas suas diretrizes3. Uma
das iniciativas realizadas pelo MDS na direção do fortalecimento das ações educativas
no âmbito da PNSAN previstas pelo referido Plano consistiu na elaboração e publicação
no ano de 2012 do marco conceitual de EAN para as políticas públicas 147.
No tocante a atenção básica em João Pessoa, com a inserção, por meio do
NASF, dos nutricionistas na SMS-JP, foi criado em 2008, o Núcleo de Apoio à
Segurança Alimentar e Nutricional (NASAN), vinculado à Gerência de Atenção Básica
da SMS, com o propósito de fortalecer as discussões e ações de SAN nos territórios e
equipes de saúde da família do município, além de se configurar como um espaço de
diálogo entre os diversos atores envolvidos na implantação, avaliação e monitoramento
da PNAN 181.
Assis 207 aponta que o NASAN, no contexto do apoio matricial, tem ocupado um
espaço estratégico para o enfrentamento das dificuldades que permeiam a atenção
básica quanto às ações de promoção da SAN. A autora destaca algumas ações realizadas
nessa direção, dentre essas, a promoção de uma Oficina para o fortalecimento da
intersetorialidade com as entidades que compõem o PBF; a realização de oficinas com
os apoiadores matriciais e com as equipes de saúde da família sobre o PBF, com ênfase
na ampliação do cuidado às famílias beneficiárias do programa, além da articulação
entre a SMS e a Secretaria Municipal de Educação, buscando incrementar a cobertura
de suplementação de vitamina A, por meio de ações entre as creches e as USF 207.
No âmbito da gestão distrital, observamos que a SAN está entre as áreas técnicas
referidas pelo apoiador como eixos principais de saúde, que são correspondentes aos
programas/áreas correlatas no nível municipal e federal:
“[...] cada distrito tem um GT, que é um grupo de trabalho, nessas áreas técnicas, de saúde da mulher, saúde do idoso, saúde do homem, [...] tem o NASAN, que é de segurança
103
alimentar e nutricional. [...] são áreas nos eixos principais de saúde.” (A2)
Na reunião do Grupo de Trabalho (GT)- SAN que acompanhamos na sede do
DSIII, participaram os cinco integrantes desse GT, sendo que quatro eram nutricionistas
e um fisioterapeuta (A2). Os principais assuntos discutidos referiram-se ao
agendamento de reuniões com as equipes que apresentaram baixa cobertura no
acompanhamento das famílias do PBF; a necessidade de melhorar a dimensão
qualitativa do PBF; e a situação do SISVAN no DSIII. Este distrito foi referido como o
único dos cinco distritos de João Pessoa em que o sistema não estava efetivamente
implantado (Diário de campo-observação).
Alguns integrantes do GT expressaram inquietações acerca da pouca valorização
das ações de nutrição pelas equipes das USF e da sobrecarga de trabalho do apoiador
aliadas às múltiplas responsabilidades com as questões ligadas ao núcleo da profissão,
alegando que os aspectos do cotidiano da unidade absorviam bastante o tempo deles
(Diário de campo-observação/ Conversas informais).
Esse predomínio da dimensão administrativa em detrimento do matriciamento
das ações pode ser observado nos depoimentos de uma das apoiadoras da USF
Caleidoscópio:
“[...] o meu cotidiano era muito a parte administrativa porque não tinha ainda o apoiador administrativo então toda essa parte também fazia parte do nosso processo de trabalho. [...] [o núcleo de nutrição] planejou fazer oficina com algumas pessoas da equipe, principalmente com os ACS, sobre a avaliação nutricional, hipertensão, diabetes e obesidade. E a gente não tinha conseguido, por conta das demandas. Como a gente não está lá apenas como nutricionista é uma dificuldade muito grande do apoiador, desenvolver suas atividades de núcleo, se ele tiver muito envolvido com essa outra parte do cotidiano. [...] humanamente não dá para fazer as duas coisas. Ou você faz uma ou faz a outra bem feita.” (A1)
Por outro lado, a superposição de atribuições entre o GT-SAN (NASAN) e o
núcleo da profissão (nutrição) foi revelada a partir de alguns depoimentos:
“[...] uma das coincidências que ocorrem, é que existe o núcleo de nutrição que faz da mesma forma essa discussão voltada à nutrição e existe o NASAN, que acaba se confundindo um pouco em atribuições com esse núcleo de nutrição. [...]”. (A2)
104
“[...] os nutricionistas do distrito III, a gente se junta pra discutir ações. Porém, como a gente tinha muitas atribuições no nosso cotidiano, a gente voltava muito às ações aos programas, Vitamina A e Ferro, suplementação. [...] tudo do Distrito é acompanhado pelo NASAN. [...] são anotadas quantas doses foram fornecidas. [...]”.(A1)
Portanto, a frente de ação principal do núcleo de nutrição e do NASAN voltava-
se para o acompanhamento dos programas de suplementação de Vitamina A, Ferro e
Ácido Fólico do grupo materno-infantil. A realização do acompanhamento da
suplementação e das famílias beneficiárias do PBF, que também constitui uma
atribuição do NASAN, emerge como uma questão desafiadora:
“[...] a gente não conseguir acompanhar algumas famílias [do PBF] ou não localizar, também gera prejuízo na informação. [...] na suplementação, a gente sabe as vezes que foi feito, mas não sabe qual [o suplemento] foi utilizado. E a partir do momento que você tem uma informação incompleta, é como se não existisse”. (A2)
Nessa perspectiva, o NASAN tendia a ter uma atuação voltada para intervenções
no sentido de “corrigir” essas questões relacionadas tanto aos programas de
suplementação, como ao PBF.
“[...] E o NASAN faz uma supervisão, ele olha, pra ver se está ok, se está incompleto, porque se estiver incompleto o município perde em informação. [...]”. (A2)
Identificamos lacunas quanto à aproximação da temática da alimentação e
nutrição pelos profissionais da USF Caleidoscópio. As pautas que trataram dessa
temática nas atividades de EP relacionavam-se à amamentação e a vitamina A e
representavam uma pequena parcela no conjunto dessas atividades. Conforme assinala o
apoiador, a abordagem da alimentação e nutrição não emergiu como um aspecto de
interesse das equipes no espaço da EP, tendo sido mais enfatizada nos grupos
educativos (idosos e gestantes):
“[...] a alimentação e nutrição na educação permanente das sextas-feiras com a equipe, nenhuma equipe escolheu [...] só realmente com o grupo”. (A1)
105
Aliado a isso, no tocante às capacitações oferecidas pela SMS-JP no ano de
2011, os relatórios de atividades das equipes Amarela e Branca indicam que os
processos de capacitação que os profissionais dessas equipes participaram não estavam
relacionados diretamente à temática da alimentação e nutrição. Esses processos
referiram-se aos aspectos da imunização; atenção primária; sexualidade e gênero; pré-
natal de baixo risco; diabetes; hipertensão; saúde da criança; fitoterapia; câncer bucal;
anemia falciforme; hanseníase; dentre outros assuntos.
Grande parte dos profissionais entrevistados respondeu negativamente ao ser
questionada sobre a participação em cursos, oficinas, reuniões e/ou eventos envolvendo
a alimentação e nutrição, a SAN e o DHAA. Dentre aqueles que já haviam tido contato
com esses assuntos em espaços dessa natureza, geralmente as oportunidades ocorreram
por meio das experiências pregressas ao longo da formação ou mesmo nas atividades
educativas promovidas pelos estagiários na USF:
“A pirâmide alimentar, [vi] na minha formação técnica de enfermagem. No início a gente tem noções básicas de nutrição e a gente vê lá aquela pirâmide alimentar. Mas não profundamente [...]. Aí é de onde vem o conhecimento. A gente sabe pouco, mas o suficiente pra passar”. (ACS2-Vermelha)
“[...] teve um grupo [de estagiários de nutrição] que fez também uma atividade da pirâmide alimentar com a gente e foi bem bacana. [...] eu não sabia muito essa questão da pirâmide alimentar e eu aprendi mais depois da intervenção dos meninos em uma reunião de sexta-feira aqui [...]”. (ACS1-Azul)
A apoiadora A1 privilegiou como possibilidades de “espaços de discussão” em
alimentação e nutrição experiências estudantis e profissionais anteriores, não destacando
atividades na ESF do município voltadas a esse assunto. Informou que as iniciativas
dessa natureza empreendidas no âmbito da SMS-JP focavam os programas de Vitamina
A e Ferro:
“[...] Ficou muito voltado realmente para os programas do Ferro e da Vitamina A”. (A1)
Para a apoiadora A2, as oportunidades no cotidiano de trabalho quanto à
capacitação na área de alimentação e nutrição foram limitadas, especialmente pelo fato
de não ter formação universitária em nutrição. O próprio GT SAN, do qual a mesma era
integrante, não foi identificado como um espaço com potencial educativo:
106
“[...] mesmo participando do grupo de trabalho [GT SAN], mas eu ainda não tive essa oportunidade. [...]. [...] até uma oficina que teve, mas eles chamaram os nutricionistas. Então eu tenho uma dificuldade por ser fisioterapeuta e fica muito fechado aos nutricionistas. [...] era sobre nutrição enteral”. (A2)
Nessa perspectiva, as questões envolvendo a alimentação e nutrição no cotidiano
do processo de trabalho na ESF foram reconhecidas, havendo a valorização pelos
profissionais dos processos de capacitação que incluíssem esses aspectos:
“[...] o que eu aprender sobre nutrição, sobre essas ações educativas eu vou passar tanto para minha vida, como para os usuários, para o pessoal da minha área [...]. [...] gostaria mesmo que tivesse mais formação para gente passar melhor não só para os idosos, mas para a população, o valor da nutrição. Porque a gente está vendo as pessoas cada vez mais novas enfartarem [...]. Então é todo um trabalho que tem que ser feito sobre o que estamos comendo [...]”. (ACS5-Azul)
Em que pese às transformações e avanços ocorridos nos últimos oito anos no
arranjo institucional e operacional das ações de saúde no município de João Pessoa,
especialmente na esfera da atenção básica, a análise do contexto local da USF
Caleidoscópio demonstra a riqueza, além da complexidade e das relações entre as
diversas dimensões que podem influenciar a implementação das práticas educativas no
nível local.
No bojo desse processo de reorientação das ferramentas da gestão municipal,
aliado à intensificação no nível do governo federal das ações e programas voltados à
SAN e ao DHAA, cabe uma análise mais aprofundada da abordagem da alimentação e
nutrição no sentido de investigar os desdobramentos dessas questões e as possíveis
potencialidades e lacunas existentes.
3.2 O processo de implementação das práticas educativas em saúde e nutrição
3.2.1 O planejamento e a avaliação
No que se refere à dinâmica de planejamento e avaliação das atividades
educativas, foi possível perceber a forte presença do governo municipal e até mesmo
federal na definição da agenda. Este foi o caso das ações educativas ligadas à doença
107
falciforme no decorrer do mês de abril e também do Dia mundial de combate à
tuberculose (Diário de campo-observação).
“Hoje nós temos como atividade educativa só o grupo de idosos. Porque as demais atividades elas não são fixas, elas são planejadas, de acordo com as necessidades do território ou de acordo com datas comemorativas, [...] mesmo que não seja um pedido dos usuários, mas em função daquela data [...]”. (A2)
Observamos que esse modus operandi pautado principalmente pelas agendas
formuladas por outras instâncias da gestão, tendia a atropelar os processos educativos
locais, levando a fragmentação e forte ingerência dos demais níveis de gestão na
agenda local (Diário de campo-observação). Esta dinâmica também foi verificada em
outros estudos no âmbito da ESF 63 . Os programas do MS configuravam-se como eixos
norteadores importantes para as atividades da USF Caleidoscópio, a partir dos quais as
práticas educativas também eram estruturadas.
“[...] os programas do Ministério da Saúde. Acompanhamento à saúde da mulher, a saúde do idoso, saúde da criança, a questão das imunizações. As ações educativas que englobam tudo isso, que a gente faz na comunidade. Por aí assim, tudo a partir dos programas do Ministério da Saúde”. (E1-Branca)
No início do ano de 2012 foi realizada uma reunião para o planejamento das
questões mais gerais da USF, quando foram elaborados os cronogramas daquelas
atividades “fixas”, que envolviam as quatro equipes. A escala para o grupo de idosos
foi orientada por equipe. Já nas atividades quinzenais de EP o rodízio se dava conforme
os núcleos profissionais.
“[...] nós fazemos o planejamento, tem escala de equipe e cada equipe se organiza como acha mais conveniente [...]”. (E1- Branca).
Posteriormente, no decorrer dos meses, à medida que iam surgindo as
necessidades, as ações eram planejadas no âmbito das reuniões semanais, que ocorriam
regularmente às sextas-feiras, envolvendo as quatro equipes e/ou cada equipe
isoladamente. No entanto, as equipes também planejavam suas atividades em outros
dias e horários definidos em função da sua rotina de trabalho, quando geralmente era
utilizado o turno da tarde para essa finalidade, por ser menos sobrecarregado pelas
108
demandas por atendimentos e outros procedimentos. Não havia o envolvimento dos
usuários nesse processo (Diário de campo-observação). Portanto, a comunidade apenas
era informada sobre as atividades previstas:
“[...] nas reuniões que a gente tem aqui a gente traça essas metas, o horário, os dias que vai ter isso aí.. [...] com médico, enfermeiro, apoiadores. E cabe a gente avisar a comunidade os eventos que vai ter”. (ACS6- Amarela) “[...] cada equipe tem um dia de planejamento, a gente faz nesse planejamento tudo que a gente tem de trabalho na unidade, tanto a parte de visita, como a parte de grupo e a gente procura sempre dar conta desse planejamento”. (ASB1-Azul)
Além disso, as decisões envolvendo os processos educativos tendiam a não
privilegiar a participação da população, o que poderia contribuir para dificultar a
inclusão dos seus interesses nas atividades. Outros estudos também mostram a
inexpressiva participação comunitária no planejamento das ações na ESF 63, 208, 209.
Crevelin & Peduzzi 210, em análise sobre a participação da comunidade em uma equipe
de saúde da família no município de São Paulo, chamam atenção para a ausência do
usuário do processo de planejamento e de tomada de decisão no cotidiano do trabalho:
“[...] no plano assistencial e da construção do projeto assistencial comum, o trabalho em equipe está ‘para dentro’ da equipe. Nesse sentido, reproduz-se o modelo de ‘pensar por’, ‘planejar por’, ‘decidir por’, ao invés de ‘pensar com’, ‘planejar com’, ’decidir com’ o usuário e a população”.
Para análise da ausência da comunidade nas instâncias de planejamento das
atividades educativas, cabe refletir sobre alguns aspectos que têm marcado as relações
entre o serviço de saúde e a população. A precariedade na assistência, as práticas
autoritárias e verticais, além da falta de canais para a participação popular que
caracterizam a história das políticas públicas de saúde no país, sobretudo no período
anterior ao SUS, contribuem para o tensionamento das relações entre os serviços
públicos de saúde e a população.
Nesse sentido, não são poucos os desafios para o fortalecimento da participação
popular e para a qualificação da atenção prestada, com a reorientação das práticas em
direção às abordagens participativas e humanizadas, no âmbito da implementação das
109
atividades no nível local de atenção, incluindo-se aí os processos educativos. O relato de
uma usuária gestante, que estava sendo acompanhada há sete meses pelo pré-natal da
USF Caleidoscópio, demonstra algumas inquietações com a organização do serviço:
“[...] O sulfato ferroso que é um medicamento que a gestante tem que ficar tomando, quase sempre não tem lá [na USF Caleidoscópio] [...]. Nos três primeiros meses, as moças da recepção perderam por três vezes consecutivas o meu prontuário [...] se fosse melhor organizado, melhor distribuído, pessoas melhores capacitadas, isso poderia até acontecer, mas seria em menor escala [...]”.(U5)
Nessa perspectiva o padrão dessas relações tem sido marcado pelo desânimo e
descrédito dos usuários frente às iniciativas do serviço, com uma tensão entre os dois
campos, serviço e comunidade. Os argumentos da apoiadora sobre as dificuldades da
interação entre os profissionais e os usuários revelam algumas dimensões que têm
marcado essa relação, onde a desconstrução dessas questões para o restabelecimento da
confiança entre eles parece ser um processo lento, exigindo esforços e paciência de
ambos os segmentos:
“[...] quando vem uma gestão com uma forma de querer fazer diferente, eles [usuários] desconfiam, então até a gente conquistar e eles verem que realmente é verdade, é muito tempo que demora. [...] tem também a fragilidade muito grande da própria equipe, não é só comunidade. O erro não é da comunidade ‘porque eu não quero’, é a equipe que acha que não vai ser bem recebida se for para a comunidade. Então muitas vezes se coloca num patamar de ‘eu sou alguém’, ‘eu sou o Doutor’, [...]. [...] tirando ACS e recepcionista lá do Caleidoscópio, as outras pessoas, têm uma dificuldade muito grande de comunicação com o outro. [...]”. (A1)
Assim, esse processo de desconfiança pode tornar-se de “mão dupla”. Com
receio das críticas, os profissionais tendem a assumir uma postura defensiva, usando
como escudo o distanciamento e a autoridade do campo científico, favorecendo as
barreiras comunicativas nas relações e provocando o distanciamento da comunidade do
serviço. Nessa perspectiva, as queixas dos profissionais sobre a ausência dos usuários
nas reuniões e/ou atividades promovidas pela USF Caleidoscópio eram recorrentes,
sendo que geralmente responsabilizavam a população pelo desinteresse quanto a essa
110
participação (Diário de campo-observação), corroborando com os achados de outros
estudos 211.
Portanto, o enfrentamento dessa questão pelas equipes se dava mais por meio de
tentativas de sensibilização dos usuários mediante o provimento de informações do que
a partir da problematização das barreiras para o maior envolvimento da população com
o serviço. O relato do ACS ilustra esses aspectos, demonstrando que, mesmo tendo a
noção do papel da comunidade no serviço e na efetividade da promoção da saúde, tende
a não incluir nas suas reflexões as influências da dinâmica do serviço e da atuação dos
profissionais nesse processo:
“Durante a própria visita domiciliar e o atendimento aqui, a gente já vai passando as atividades, mas a gente não tem uma participação efetiva da comunidade. E eu ainda atribuo pelo menos 30% disso a falta de entendimento da população. [...] a gente sempre tenta está passando a força que a comunidade tem nas cobranças e até mesmo dentro da atividade, porque quem move a unidade de saúde é a população, então se a gente faz, tenta trazer a promoção da saúde mas se eles não participam, é perdido”. (ACS 7- Vermelha)
Uma estratégia voltada para a ampliação do diálogo com os usuários e
decisões pactuadas poderia ser a introdução e acompanhamento do tema no âmbito do
Conselho Local de Saúde (CLS), cuja implantação vem sendo fomentada na ESF na
última década 210, 212 .
A participação popular consiste um dos princípios do SUS e uma das diretrizes
da gestão municipal, sendo a criação e fortalecimento dos CLS nas unidades de saúde
uma estratégia para fomentar o controle social 180.Nessa perspectiva, apesar dos
esforços voltados para a instituição desse espaço de participação em unidades de saúde
do município de João Pessoa 81 , observamos que esse processo ainda tem sido
incipiente e frágil:
“[...] tem que ter [participação da comunidade], porque senão a gente não consegue desenvolver nada, porém ainda é muito frágil isso, [...] é um foco nosso [da gestão], [...] fazer com que os conselhos locais de saúde, eles venham, realmente a existir dentro das equipes.”(A1)
No entanto, apesar das fragilidades ligadas à participação da população no
cotidiano da USF, não havia uma mobilização significativa na direção do estímulo
sistemático para uma maior aproximação dos usuários com o serviço e da instituição do
111
CLS (Diário de campo-observação). Nesse sentido, no período de coleta de dados,
apenas uma equipe, realizou uma reunião com os usuários para debater as questões
ligadas ao funcionamento do serviço. Percebemos que a abordagem dos direitos da
comunidade nas atividades além de ser uma prática esporádica, tinha a ver mais com a
lógica de “balcão de reclamação” para os serviços oferecidos pela USF e menos ao
envolvimento da população nos processos de tomada de decisão cotidianos:
“[...] cartazes, informação com relação aos direitos e à ouvidoria, a gente sempre estimula as pessoas quando tem alguma situação que não se sente à vontade, ou que se sentiu prejudicada, [...] que ligue para a ouvidoria ou vá pessoalmente [...] para que a gente possa organizar o serviço de maneira a atendê-los melhor. [...] temos atividades, não são sistemáticas, mas é um tema que vez ou outra aparece aí nas atividades”. (A3)
Nesse cenário, a forte presença dos estagiários na USF Caleidoscópio
sobressaiu-se nos depoimentos e relatórios das equipes. A parceria com os estagiários
de nutrição, medicina e enfermagem foi referida nas ações educativas realizadas para
aumentar a captação dos hipertensos e diabéticos. Essas atividades eram voltadas
sobretudo para a perspectiva de informar aos usuários sobre fatores de risco, sinais e
sintomas da hipertensão arterial e diabetes.
A abordagem da alimentação e nutrição ocorria de forma diluída perpassando as
atividades e programas (Hiperdia, grupo de idosos, sala de espera, atividades nas
escolas, visitas domiciliares, dentre outros) de forma assistemática. Não havia o
planejamento de ações específicas voltadas para a questão da alimentação.
O trabalho “da nutrição” era reconhecido pela grande maioria dos profissionais
da USF, sendo inclusive apontado como facilitador para as atividades educativas em
alimentação e nutrição. Quando mencionavam sobre as parcerias existentes geralmente
enfatizavam essa com os estudantes. Com a inserção cotidiana dos estagiários de
nutrição na USF, eventualmente as equipes solicitavam a participação desses estagiários
nas atividades promovidas pela unidade, ou também poderia ocorrer o inverso, quando
os estagiários requisitavam espaços para o desenvolvimento de atividades na USF.
Nessa perspectiva, geralmente o planejamento dessas atividades não era realizado de
maneira integrada com os profissionais de saúde.
112
“[...] a gente procura fazer assim, quando a turma da Nutrição está disponível, a gente sempre convida para elas participarem, porque orienta bastante os usuários nessa parte . Mas é... na parte da gente, a gente faz o café da manhã, essas coisas, a gente procura colocar as coisas mais saudáveis, porque também a gente tem muito hipertenso, muitos diabéticos... [...]”. (TE3-Amarela)
“[...] quando a gente faz alguma ação aqui, sempre o pessoal da nutrição está chegando junto, dando orientações como tem que ser feito. [...] sempre a gente está pedindo orientação para eles”. (ACS6- Amarela)
Essas limitações para a integração ensino-serviço desde o processo de
planejamento das atividades educativas também ocorriam em outros espaços e com
estagiários de outros cursos, a exemplo da “sala de espera” com as gestantes. Apesar do
lugar central ocupado pelas duas estagiárias de medicina no desenvolvimento dessa
atividade, o desenrolar das reuniões com as gestantes indicava que o seu planejamento
não envolvia a integração dessas estagiárias com a equipe responsável pela atividade.
Assim, por diversas vezes a atividade foi iniciada pelas estagiárias, sem a presença da
dupla de ACS e/ou de outro profissional da equipe Vermelha (Diário de campo-
observação).
Cada segmento desenvolvia a sua parte. O fato da primeira reunião para o
planejamento dessa atividade só ter contado com a presença dos ACS é ilustrativo
desses aspectos. Presenciamos também aquelas situações em que as atividades
ocorriam, mas sem as condições efetivas para um desenvolvimento satisfatório,
predominando a improvisação (Diário de campo-observação).
Com relação aos estagiários de odontologia, observamos no cotidiano da unidade
maior interação e diálogo entre academia e o serviço de saúde. Nesse sentido,
acompanhamos uma reunião para o planejamento das atividades da disciplina prática da
UFPB desenvolvida na USF, com a presença do docente coordenador da disciplina, da
odontóloga supervisora , da ASB e dos estudantes (Diário de campo-observação).
Interessante notar que o foco dessa disciplina eram as questões educativas sob
um ponto de vista ampliado o qual incluía atividades para além da saúde bucal a serem
desenvolvidas nos diferentes espaços do território. Esse enfoque mostrou-se
sintonizado com as propostas recentes para a reorientação da prática do profissional de
odontologia na ESF 213-215.
113
Em que pese o reconhecimento da importância para a formação em saúde da
inserção dos graduandos da área na atenção básica 216,21, cabe refletir como se dá a
integração desses estudantes à rotina dos serviços de saúde. Assim, mesmo com os
avanços no debate no âmbito da formação, sobretudo na última década, não é raro
observarmos relações assimétricas entre o campo acadêmico e o assistencial nos
cenários de prática.
Nesse sentido, tanto são comuns situações em que a academia atropela a
dinâmica do serviço, priorizando as suas necessidades, como também ocorrem aquelas
situações em que os serviços privilegiam os estudantes para dar conta das fragilidades e
lacunas do seu cotidiano, em detrimento da preocupação com sua formação. Portanto, o
diálogo profícuo entre os dois campos no processo de planejamento das ações torna-se
necessário, buscando qualificar a capacitação e formação em saúde.
Cabe lembrar que no âmbito da USF estudada havia estagiários de diversos
cursos, disciplinas e instituições. Porém, o trabalho coletivo e integrado desses
estudantes frente aos processos educativos era ainda bastante incipiente. Cada curso
tinha sua programação e modo de inserção na dinâmica do serviço.
Indicando que mesmo com as reformulações curriculares e com os esforços
empreendidos pela gestão de João Pessoa para a organização dos cenários de prática
para a formação universitária por meio da Rede Escola, ainda havia debilidades para a
efetivação de um planejamento integrado que articulasse esses saberes na perspectiva da
interdisciplinaridade e da multiprofissionalidade. Tais aspectos são compatíveis com os
resultados do estudo realizado por Moretti-Pires & Campos 218, que destacaram a pouca
ênfase dada pelas formações universitárias à articulação dos currículos e dos saberes no
aprendizado na prática dos serviços na ESF.
No que tange às ações desenvolvidas no espaço escolar, as necessidades e tipos
de abordagens partiam sobretudo do serviço de saúde, com o planejamento das
atividades ficando centralizado na esfera da USF. Em suma, os profissionais de saúde
construíam as atividades, e se articulavam com a direção das escolas para que
providenciasse a logística no sentido de abrir espaço na dinâmica dos professores e
acomodar essas atividades pontualmente nos horários reservados às disciplinas.
“A equipe se reúne, decide o que vai fazer, vai lá na escola, combina com a direção e realiza. Aí como é que a gente planeja? [...] como a gente já conhece a comunidade, a gente vê
114
o que realmente está mais precisando da nossa ajuda [...],de informação [...]”. (ASB-Vermelha)
“[...] quando a gente pensa em alguma atividade, a gente vai até a escola e propõe e vê qual seria a data, se seria possível”. (A2)
Tradicionalmente as ações de saúde bucal têm tido uma forte inserção no âmbito
escolar com atividades de prevenção à cárie 214. Nesse sentido, os odontólogos das três
equipes da USF usualmente realizavam atividades nas escolas e creches do território,
com o uso de fantoches, escovação supervisionada e distribuição de kits bucais, na
perspectiva da prevenção da cárie (Diário de campo-observação). As metas previstas
pelos programas federais e adotadas pelo município para atividades educativas também
poderiam estar influenciando a opção por esses espaços:
“[...] mensalmente a gente tem que dar em torno de 75 a 80 escovações. [...] a secretaria de saúde, o Ministério da Saúde, eles estabelecem essa meta, pra que cada dentista faça nessa faixa”. (ASB-Azul)
Apesar de já haver uma relação da USF Caleidoscópio com as escolas e creches
públicas e privadas do território, nos quais além dos odontólogos, alguns profissionais,
desenvolviam diversas iniciativas educativas, o ingresso de duas equipes da USF no
PSE incrementou a mobilização dos profissionais na direção da realização das
atividades preconizadas pela agenda federal do programa mencionado.
Cabe ressaltar que dentre os objetivos previstos no decreto de instituição do
PSE, consta o fortalecimento da participação comunitária “nas políticas de educação
básica e saúde, nos três níveis de governo”, além do que para o planejamento das suas
atividades, está estabelecido que devem ser considerados o contexto escolar e social; o
diagnóstico local em saúde do escolar; e a capacidade operativa em saúde do escolar 219.
No entanto o processo de planejamento dessas atividades do PSE foi atravessado
por algumas fragilidades. O foco no cumprimento das metas federais em prazos
exíguos, a parceria ainda incipiente entre as escolas e a USF, o planejamento topdown
das ações, onde o papel dos profissionais de saúde e da educação do nível local voltava-
se especialmente para a execução do que foi previsto pelos outros níveis hierárquicos.
Além disso, a tímida participação da comunidade escolar no processo de
planejamento local das intervenções, com grande parte da responsabilidade sendo
115
transferida para as equipes de saúde, contribuíram para um processo de planejamento
local pouco participativo, divergindo dos princípios da promoção da saúde e das
abordagens críticas de educação (Diário de campo-observação).
Vários estudos têm reafirmado a potência da sinergia dos interesses dos
envolvidos para o alcance de resultados efetivos das ações educativas. No âmbito
escolar diversas pesquisas têm reafirmado o papel do espaço escolar para as atividades
voltadas à promoção da saúde e a importância da integração das discussões dos assuntos
vinculados à saúde e alimentação aos conteúdos curriculares 220- 222.
Estudo realizado sobre as ações educativas voltadas à saúde bucal, com
adolescentes de uma escola na área de abrangência de uma USF em São Carlos-SP,
mostrou a relevância do planejamento conjunto do serviço de saúde com os professores
e coordenadores para a efetividade dessas ações, com a sua articulação às disciplinas
curriculares, por meio de abordagens horizontais e diversificadas no cenário escolar 213.
Juzwiack et al220, em estudo sobre uma experiência de formação de educação alimentar
e em saúde nas escolas dos municípios da Baixada santista em São Paulo, relataram
que o trabalho coletivo, envolvendo toda a comunidade escolar deve ocorrer “nas
diferentes etapas do processo educativo”220.
A atenção dedicada ao planejamento das ações educativas pelas equipes da USF
Caleidoscópio variava conforme os níveis de esforço e mobilização necessários para a
realização das atividades. Portanto, se era uma atividade de maior porte e/ou realizada
em horários extra (à noite ou no sábado), que exigia uma logística maior, como por
exemplo, os passeios com os idosos, Festa Junina, Dia das crianças, Dia D de Saúde do
homem ou da mulher, reunião com a comunidade, as equipes iniciavam a organização
com mais antecedência do que com relação às atividades mais regulares como aquelas
empreendidas na EP com os trabalhadores, no grupo de idosos ou da “sala de espera”
das gestantes (Diário de campo-observação).
“[...] a equipe se planeja, às vezes com antecedência, às vezes não. Mas a equipe sempre está juntinho para fazer o planejamento”. (ACS1-Azul)
No que se refere aos processos avaliativos na ESF no município de João Pessoa,
desde o ano de 2009 por meio da VPI, a gestão tem buscado incrementar alguns
indicadores de saúde, a partir do cumprimento das metas específicas ligadas aos
indicadores que compõe esse sistema 181:
116
“[...] a gente tem uma política própria que é alinhada com a do ministério [...] é uma vantagem financeira, pactuada com as entidades de classe dos diversos profissionais e aí a partir da performance, com relação ao cumprimento de metas, essa vantagem é oferecida. É complementar ao salário, é um bônus.” (A3)
A partir da análise do formulário do “Relatório de Indicadores”, que as equipes
repassavam trimestralmente ao distrito sanitário, constatamos que a única dimensão que
não se vinculava a uma meta quantitativa era a relacionada à “implantação e
implementação do acolhimento”, com critérios de avaliação ligados ao processo de
trabalho, escuta qualificada e diálogo com a comunidade.
O formulário citado, além de dispor do conjunto de indicadores monitorados
com as respectivas metas, conta com um espaço para a justificativa pelas eventuais
falhas e para as estratégias planejadas pela equipe para superar as limitações quanto ao
alcance das metas. As atividades educativas coletivas, como os grupos, não constavam
dentre os indicadores acompanhados nesse processo.
As ferramentas principais para o registro das atividades educativas na USF
estudada consistiam das fotografias (recurso bastante utilizado pelas equipes, por meio
das câmeras digitais dos próprios profissionais), dos formulários padronizados e livros
de ata. Contudo, em grande parte das situações os relatórios dessas atividades
baseavam-se em dimensões pontuais, como quantidade de participantes, local de
realização e assunto abordado, carecendo de um nível maior de detalhamento das
informações sobre as condições de realização das atividades, fragilidades,
potencialidades, dentre outros aspectos importantes para apoiar as equipes na
continuidade e aprimoramento dessas práticas (Diário de campo).
“[...] tem o livro de anotação do grupo de idosos. Pelo menos do grupo de idosos a gente tem essa anotação. Não tem nada por escrito que a gente possa dizer, não. Só a quantidade que a gente consegue nas informações das assinaturas deles lá, da participação”. (O2- Vermelha)
Assim, a preocupação com o registro, de um modo geral, ocorria mais em
função de subsidiar a prestação de contas ao nível da gestão por meio da avaliação da
produtividade mediante os indicadores monitorados, do que no sentido de propiciar
117
elementos da realidade local para o desenvolvimento das ações cotidianas da unidade.
Tesser , Garcia, Vendruscolo e Argenta 68 encontraram situação semelhante em seu
estudo sobre a análise da realidade pelas equipes de saúde da família, em três
municípios da Grande Florianópolis-SC.
“a gente pega as informações, pega o nome, faz o relatório e manda para a Secretaria, para o Distrito”. (ASB-Vermelha)
Nessa perspectiva, na USF Caleidoscópio, a cada trimestre havia uma avaliação
das atividades centrada nas metas estabelecidas, com reunião das equipes para discutir o
desempenho diante dos indicadores mencionados.
“[...] no grupo de idosos nós temos o livro de acompanhamento da equipe, os usuários que frequentam. [...]. E nessas outras atividades também, a gente faz o controle, até mesmo porque nós temos metas que são reavaliadas a cada três meses. [...]”. (ACS 7- Vermelha)
“[...] esses relatórios ficam mais por conta da enfermagem da unidade, mas os indicadores que a gente precisaria atingir, nos últimos meses nós temos atingido [...]”. (M1-Azul)
As reuniões de avaliação de cada equipe constituíam oportunidades para o
debate das estratégias no sentido da reorientação das práticas, com a expressão das
opiniões dos trabalhadores e o compartilhamento de situações do cotidiano do processo
de trabalho. Contudo, dos profissionais que participavam nem todos tinham o mesmo
interesse e motivação para a reflexão e o aprofundamento dos problemas e
potencialidades. Além disso, nessas reuniões não havia a representação da comunidade
(Diário de campo-observação).
Além desses processos avaliativos, havia uma equipe da USF que participava do
Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ),
do MS. Nesse sentido, essa equipe também se organizava para atender os critérios do
referido programa, privilegiando a autoavaliação baseada nos indicadores selecionados:
“[...] toda a equipe procura cumprir todos os indicadores, que o programa [PMAQ] pede e a gente tenta se autoavaliar, [...] para melhor atender o usuário. Isso é tudo voltado para os programas. [...] a gente o mês passado fez uma reunião e
118
avaliou sessenta indicadores de saúde [...]. [...] o pessoal do Bolsa Família, de três até nove anos, a gente não faz esse acompanhamento, então os indicadores pedem isso, [...]é uma coisa que a gente vai tentar melhorar. ( E3-Vermelha).
Nesse contexto, no que tange às iniciativas educativas no âmbito da USF
Caleidoscópio, constatamos que a avaliação não se configurava como uma prática
regular integrada à implementação dessas ações.
“[...] eu nunca parei para fazer [avaliação dos alcances das atividades educativas], sabe? Eu nunca vi assim da aceitação se realmente surtiu algum efeito. Em algumas pessoas até a gente pergunta. Mas eu não tenho assim concreto que realmente aquelas pessoas aderiram àquelas informações que a gente passou”. (ACS10 – Amarela)
“[...] a gente às vezes se junta porque tem que avaliar o atendimento. [...] Então a gente mesmo se junta e a gente faz uma avaliação da nossa equipe”. (E2-Amarela)
Porém as reuniões das equipes são identificadas como espaços utilizados para a
avaliação das atividades pelas equipes:
“[...] é feito sim, essas avaliações. Inclusive a experiência que nós tivemos de está fazendo [o grupo de idosos] a cada 15 dias não deu certo e foi tudo discutido em equipe. [...] e a gente conversou, teve até brigas, teve uma série de coisas, de opiniões diferentes umas da outras, mas a gente chegou a um denominador comum e viu que tinha que ter toda semana”. (ACS1-Azul)
Dessa maneira, além da avaliação priorizar a ótica dos profissionais, muitas
vezes quando os usuários eram envolvidos, como no caso do grupo de idosos, era mais
no sentido de identificar a opinião dos participantes sobre a atividade daquele dia e/ou
sobre a atividade/temática que os integrantes do grupo gostariam de trabalhar na semana
subsequente, do que na direção de se provocar o aprendizado e a reflexão crítica sobre
as práticas, buscando a socialização da construção das ações e a coresponsabilização
dos participantes com o seu desenvolvimento:
119
“[...] ultimamente a gente está procurando escutar muito os idosos o que é que eles esperam da gente pra próxima reunião” (E1- Branca) “[...] conversando com eles, a gente vê o que precisa melhorar, o assunto que eles querem que a gente aborde, se querem fazer passeio, se querem um certo tema. Aí é em comum acordo com o grupo, não tem avaliação não”. (O3-Azul) “[...] no final do mês, a gente senta com a equipe, onde a gente se reúne e vê o que é que a gente vai fazer, o que foi que surtiu efeito, o que é que eles gostam mais de trabalhar”. (E2- Vermelha)
No entanto, o fato de haver um rodízio entre as equipes da unidade para a
condução das atividades do grupo de idosos foi apontado como um fator limitante para
o processo de avaliação, indicando a lacuna de espaços regulares no dia a dia do serviço
em direção a articulação das equipes para uma avaliação mais abrangente e integral do
grupo:
“[...] se esse trabalho que faz com os idosos, fosse a mesma equipe, a gente podia fazer uma avaliação melhor, mas como ela é muito solta, cada equipe só faz uma vez por mês, para você avaliar, eu acho que se for avaliar, eu posso lhe dar uma estimativa assim de cinquenta por cento do resultado, [...]. [...] porque a minha equipe trabalha essa semana, na outra semana já é outra equipe, aí fica a coisa muito assim misturada. [...].” (ACS9-Branca)
Por outro lado, alguns espaços do cotidiano do trabalho eram oportunizados
pelos profissionais para obter a opinião dos usuários sobre as atividades educativas. As
visitas domiciliares consistem em um exemplo ilustrativo para isso.
“Avaliamos na visita domiciliar, porque eles comentam ‘ah foi muito bom, ah eu não gostei porque era todo mundo junto e eu não podia perguntar o que eu queria’. Aí a gente avalia isso aí e vê. [...] a gente conversa e pergunta ‘e aí o que é que você achou do grupo? gostaria que o grupo continuasse ou que o grupo parasse’? aí a maioria dá a sua opinião, né”. (ACS3-Vermelha)
120
Ante a fragilidade de mecanismos sistemáticos de avaliação voltados à
promoção da saúde, o retorno sobre o desenvolvimento do grupo geralmente era
apreendido pelos profissionais a partir das mudanças no comportamento dos idosos e
na própria dinâmica do grupo:
“[...] não é que a gente faça uma avaliação, assim, em cima dos temas, mas a gente tem [...] que muitos [idosos] ficaram mais dispostos. Até mesmo aprender atividades, ensinar algumas coisas que eles sabem fazer. [...] porque estava desistindo tudo, estava ficando realmente um fracasso [o grupo de idosos]. Mas graças a Deus, reanimaram.” (ACS 8-Azul) “[...] eles estão sempre relatando à gente, que é ótimo, que ajuda a se livrar de alguns problemas de casa, a esquecer. Tem uns que mostram que tem problema de articulação e estão melhorando [...] tem assim essas informações mas verbalmente”. (O2- Vermelha) “[...] tem muita gente que não fazia caminhada, hoje faz, devido as orientações que é dada no grupo a eles. A gente tem essas informações deles, eles passam pra gente, com certeza”. (ACS3-Vermelha)
Assim, como estratégia para dinamizar e estimular a participação dos idosos no
grupo havia uma preocupação constante das equipes da USF Caleidoscópio com a
reorientação e diversificação das atividades no sentido de compatibilizar com os
interesses dos seus integrantes (Diário de campo-observação).
“Houve uma fase que teve muito trabalho manual, eles agora querem outras coisas também. Então a gente está procurando sempre intercalar, né, ou a questão do trabalho manual ou uma atividade que mexa mais com o emocional, uma atividade que mexa também com a questão de orientações, rodas de conversa que envolvam vários temas, desde a saúde da mulher idosa ou a alimentação ou a saúde bucal. Então a gente tem feito isso, tem tentado diversificar, né. [...]”. (E1- Branca)
Entretanto, apesar da preocupação com a escuta dos idosos, não observamos no
cotidiano das reuniões um estímulo à expressão genuína das suas necessidades e
anseios. Assim, certa ocasião na USF Caleidoscópio, diante de algumas queixas dos
idosos sobre as atividades do grupo “poderia usar uma dinâmica, no outro grupo que
participo sou responsável por organizar as atividades em um dia no mês”; “não gosto
121
de fazer coisas muito difíceis”; “isso a gente compra tão barato”, ao sugerirmos que
partilhassem suas inquietações com a enfermeira que estava conduzindo a atividade
naquele dia, uma senhora de pronto respondeu: “eu não, pode ser que ela ache que eu
esteja querendo me meter !” (Diário de campo-observação/ Conversas informais).
Tais aspectos podem ser um indicativo que o grupo não estaria sendo
reconhecido por seus integrantes como um espaço onde todos poderiam interferir, com
críticas, sugestões e participando como coresponsáveis no processo de implementação
das atividades. Isso foi corroborado mediante as opiniões dos idosos sobre as limitações
do grupo, que emergiram nas entrevistas e que não foram socializadas no decorrer das
atividades que acompanhamos neste estudo.
“[...] a gente começa um trabalho e não termina. Devia começar aquele trabalho, todo mundo fazia e ficava uma peçazinha para quando for no fim do ano fazer exposição. [...]. Eu acho que isso motivava mais as pessoas, do que levar pra casa e ficar com elas”. (U1)
Os integrantes do grupo no geral eram bastante assíduos e disponíveis para
participar das reuniões:
“[...] ontem mesmo foi um dia de chuva, [...]. [...] a primeira que chegou aqui foi eu, só se fosse uma coisa, que essa água está dando na cintura, aí meu Jesus abria o caminho e eu vinha. Eu venho, não tenho dificuldade. Só se eu tiver doente” (U2) “[...] grupo de idosos é onde a gente mais trabalha, que é um pessoal que vem com muita vontade, se tivesse todo dia eles vinham, todo dia” (E1-Branca).
Era consenso entre os profissionais o reconhecimento desse grupo como o mais
consolidado da unidade:
“[...] é o grupo mais forte que a gente tem aqui, ele sobrevive, ele balança mais não cai nunca! [...] é o que está sobrevivendo a tudo”. (ACS- Azul)
“[...] é o grupo da fé”. (E2-Amarela)
122
Apesar da pequena rotatividade no grupo, ao longo do processo de observação
pudemos constatar a interrupção da participação de algumas pessoas, sem que houvesse
o acompanhamento das razões dessa desistência (Diário de campo-observação). O
relato de uma idosa que na época da entrevista não frequentava mais as atividades do
grupo reafirma a importância da sua abertura sistemática às críticas e sugestões dos seus
participantes. Dentre as razões para o seu desligamento das reuniões, observamos que
além de um conjunto de dificuldades ligadas às condições de vida, que por si só
limitariam a sua disponibilidade para o grupo, emergiu a insatisfação com o tipo de
atividade abordada no grupo:
“[...] não achei futuro também não [referindo-se as atividades lúdicas do grupo]. [...] isso é coisa de criança, não é para mim não. Sou velha demais. [...] porque às vezes eu saio, ia resolver alguma coisa, aí nem sequer me lembrava de vir. [...] eu sou sozinha lá em casa, eu e meu filho. [...] tem que lavar as roupas, fazer as coisas tudo sozinha” (U4)
No decorrer das atividades de EP, não observamos uma atenção das equipes
voltada para a avaliação, no sentido de problematizar como estava ocorrendo o
desenvolvimento dessas ações, suas potencialidades e obstáculos, como ferramenta para
o trabalho cotidiano. Nas demais ações desenvolvidas, por serem realizadas de forma
mais fragmentadas e descontinuadas, a prática da avaliação tornava-se mais desafiadora
ainda (Diário de campo-observação).
Fonseca et al223 analisando os mecanismos pelos quais a avaliação contribui para
a orientação do trabalho na APS, alertam que ao enfatizar “determinadas práticas e
estabelecer a forma de abordá-las, por meio de indicadores, a avaliação irá induzir as
ações e os modos de agir – e, portanto, influir no processo de trabalho, [...]”.
Destacam ainda a importância da institucionalização da avaliação na APS, que interfere
para além da “formulação e implementação de políticas em nível macro, para atingir o
cotidiano dos serviços, afetando o modo como propomos (e gerimos) o ‘deve ser’ do
trabalho”223.
Nesse cenário, cabe destacar o papel da avaliação no aprendizado individual e
coletivo 127. Contandriopoulos 224 ressalta que esse aprendizado pode contribuir para a
potencialidade da avaliação como instrumento de transformação e inovação:
“[...] a avaliação deixaria de ser instrumento de poder de um determinado grupo de atores e passaria a ser um verdadeiro
123
instrumento de liberação, permitindo uma visão crítica da norma estabelecida. Para desempenhar este papel, a avaliação deveria estar orientada para a ação, criando a oportunidade de aprendizado diversificado, participativo, não-hierárquico, portador de sentido, interdisciplinar, válido, prospectivo e democrático”224.
No entanto, o autor refere que diante dos desafios para a institucionalização
dessa abordagem de avaliação, esse processo possivelmente continuará sendo uma
ferramenta que se restrinja ao “alcance do seu objetivo final: a melhoria do
desempenho do sistema de saúde”, visto que “ainda não se dispõe da liderança, das
competências, dos métodos e dos meios necessários para institucionalizar este tipo de
avaliação”. Campos & Domitti 225 alertam para a ausência de uma cultura de avaliação
envolvendo instâncias de mediação e de diálogo.
A racionalidade quantitativa tem predominado como eixo orientador da
organização do trabalho e das decisões em saúde 226. A ESF em João Pessoa segue essa
tendência, privilegiando a dimensão quantitativa para nortear o processo de trabalho,
com ênfase no alcance dos indicadores/metas, correndo o risco de desvalorização dos
aspectos ligados à qualidade das ações no cotidiano da atenção à saúde. Lembrando que
no tocante às práticas educativas voltadas à promoção da saúde, as dimensões
qualitativas influenciam sobremaneira o alcance da efetividade desses processos,
recomendando-se a inclusão dessas dimensões nos dispositivos de avaliação dos
serviços.
3.2.2 Sobre o envolvimento dos profissionais
Uma das diretrizes-chave da ESF trata-se do trabalho interdisciplinar de equipes
multiprofissionais que se responsabilizam pelo acompanhamento de um número pré-
estabelecido de famílias vinculadas a um território delimitado. Nessa direção, a atuação
das equipes deve se dar no âmbito da promoção, proteção e recuperação da saúde
individual e coletiva 33.
Contudo, o envolvimento dos profissionais ocorria de forma diferenciada nos
processos educativos da USF Caleidoscópio. Assim, nem todos profissionais
participavam efetivamente da construção e desenvolvimento das atividades. Daqueles
que participavam havia os que assumiam a liderança nos processos, demonstrando
preocupação com a qualidade da atividade. Os enfermeiros, odontólogos, ASB e alguns
ACS sobressaíam-se, pela dedicação e compromisso com as atividades e com os
124
usuários. Enquanto que para alguns profissionais essas atividades pareciam ser mais
uma atribuição a ser realizada no cotidiano de trabalho ou uma das tantas metas a atingir
(Diário de campo-observação).
Uchimura & Bosi 227, em estudo empreendido na ESF de Fortaleza-CE discutem
as diferenças nas competências e habilidades profissionais dos médicos, enfermeiros e
ACS, onde ,
“[...] os domínios cognitivo (do saber), procedimental (do saber fazer) e atitudinal (querer fazer) se destacam, com maior ou menor expressividade, em cada uma das categorias profissionais [...] denotando o lugar ocupado por cada uma delas e as relações verticalmente estabelecidas em função do controle sobre o saber e o fazer profissionais”227.
As autoras ainda comentam que a instituição desses espaços ocupados pelas
diversas categorias profissionais relaciona-se com os aspectos ligados ao “processo de
formação em saúde no mundo ocidental” e destacam a necessidade de “outras formas
de relação que se distanciem da hierarquia de poder instituída por modelos
assistenciais curativistas”, no sentido da efetivação da interdisciplinaridade nas práticas
de saúde 227.
O profissional enfermeiro constitui uma referência central no processo de
trabalho das equipes da ESF, podendo contribuir para fomentar ou restringir a
implementação das atividades educativas. Os relatos a seguir indicam o quanto as
decisões para a criação e/ou manutenção dessas atividades eram condicionadas ao apoio
e disponibilidade desse profissional, de um lado revelando a sua influência na
implementação dessas atividades e de outro, sinalizando a falta de proatividade dos
demais profissionais e dos usuários nesses processos:
“[...] a gente tinha um grupo de hipertenso muito intenso, que com a outra enfermeira, ela não gostava de trabalhar com grupo, então esse grupo foi cancelado [...]”. (ACS3-Vermelha) “[...] eu acredito que agora com essa nova enfermeira, eu gostei do jeito dela e eu acho que a gente vai conseguir dar uma decoladinha mais nessa questão dos grupos”. (ACS1-Azul) “[...]a atribuição [do grupo de idosos] é de todos, mas na questão de juntar tudo, a enfermeira tem que estar sempre presente [...]”. (ACS9-Branca)
125
O forte envolvimento e compromisso dos odontólogos da USF Caleidoscópio
com o trabalho coletivo e educativo chamou a nossa atenção, divergindo dos achados
de outros estudos, como o de Chaves & Miranda 228, que referiram dificuldades quanto
a integração dos odontólogos com a equipe de saúde da família no município de
Fortaleza- CE.
A prática profissional tradicionalmente marcada pelo isolamento no consultório
e pelas ações curativas foi apontada pelas autoras como um dos aspectos que
contribuiriam para as limitações de interação do odontólogo com os outros profissionais
do PSF 228. No caso estudado, os elementos que configuram a própria formação
universitária em odontologia no âmbito dos estágios na USF reforçavam a reorientação
nas práticas desses profissionais (Diário de campo-observação).
No que se refere aos médicos e técnicos de enfermagem a dinâmica de
integração desses profissionais nas práticas educativas ocorria em uma perspectiva
diferente. Assim, a ausência desses profissionais em grande parte das reuniões de
planejamento e na realização das atividades educativas foi reafirmada nos depoimentos,
sendo associada à falta de tempo, devido à organização do processo de trabalho na USF:
“[...] eu fui mais [para as ações educativas] o ano passado, esse ano eu fui muito pouco, muito pouco mesmo”. (M2-Vermelha) “[...] quem organiza mais essa parte [atividades educativas] são os agentes de saúde, até porque eu não tenho nem muito tempo. Porque eu fico mais aqui na observação, verificando pressão, fazendo curativo”. (TE1-Branca)
Informações desatualizadas do médico da equipe Azul sobre as atividades
educativas da USF, como quando apontou o grupo de gestantes como iniciativa ainda
em funcionamento quando na verdade o grupo já tinha sido extinto desde o final de
2011, reforçam a fragilidade do seu envolvimento nessas atividades:
“[...] nas quartas-feiras à tarde, a cada quinze dias há um grupo de gestantes [...], nos reunimos com as gestantes, existe algumas atividades de ensino, de orientação...”. (M1-Azul)
126
Esses achados são compatíveis com os do estudo de Romano 229, que evidenciou
incipiente participação do médico nas atividades educativas na ESF no Rio de Janeiro-
RJ:
“O médico praticamente não se envolve sozinho nem no planejamento, nem na coordenação ou na execução dos grupos. Embora a considere importante, não se sente preparado para executá-la, o que propicia uma valorização da lógica de atendimento focada numa prática curativa, que, treinada desde sempre, aparece isenta de qualquer questionamento”.
O relato abaixo, do médico de outra equipe, mostra o reconhecimento do
profissional médico quanto à carência das atividades educativas no seu cotidiano de
trabalho, justificando essa limitação pela predominância do componente assistencial em
detrimento das iniciativas de educação. Importa acrescentar que nas tardes das quartas-
feiras não havia atendimento na USF, ficando apenas uma equipe no plantão para os
casos de maior necessidade e as outras equipes se revezavam entre as atividades
educativas na USF com o grupo de idoso e nas outras ações no território. Tais aspectos
sugerem a existência de outros condicionantes, além da sobrecarga de trabalho exigida
pela elevada demanda por atendimentos individuais, alegada pelo médico:
“[...] deveria ter mais [atividades de educação em saúde], a gente desenvolve, mas é muito pouco em relação ao que deveria ser feito. Como a gente é muito assistencial não dá tempo de fazer a parte educativa, infelizmente. [...] o atendimento é muito exigido, é difícil sair daqui para fazer essas atividades”. (M2-Vermelha)
Nessa direção, Romano 229 questiona se, apesar do elevado número de
atendimentos e da cobrança dos gestores por produtividade, estariam esses médicos de
fato preparados para uma mudança do modelo de atenção à saúde, destacando que:
“O modelo de atendimento tradicional, sendo uma forte referência que os aproxima da cultura médica, incentivando uma prática que valoriza o atendimento no consultório em detrimento da visita domiciliar, talvez sirva, ao menos, para diminuir o conflito criado com o ideal de profissão transgredido”.
Nessa perspectiva o depoimento da enfermeira mostra a dificuldade, tanto com
relação ao perfil do profissional médico, como com a sua fixação nas equipes da ESF:
127
“Eu passei quase três anos sem um médico. Aí chegou uma médica, dessas recém-formadas, ela era uma pessoa muito boa, mas não sabia ainda como era trabalhar no PSF [...]”. (E2-Amarela)
Por outro lado, alguns atributos relacionados à capacidade para interagir com a
população e com os colegas da equipe podem interferir na maneira como o profissional
participa das ações educativas. O protagonismo, disponibilidade, facilidade de
comunicação, empatia, compaixão e carisma emergem como características importantes
no cenário da ESF:
“[...] Eu tive sorte com as dentistas que gostam dessas coisas, de ajudar, ficam na linha de frente. [...].” (E2-Amarela)
“[...] [referindo-se ao odontólogo da equipe], ele é o Bombril, né, ele quebra o galho de todo mundo aqui da equipe. Graças a Deus, porque não é função dele. [...] é muito difícil um dentista interagir assim [...]. É muito difícil, não existe, eu nunca vi, nesses anos todinho, é o primeiro”. (ACS3-Vermelha)
“Aquela coisa do carisma, da empatia, isso é muito importante em um profissional de saúde pública. Eu já vi muitos colegas aqui chegar diante da comunidade e a comunidade fechar os ouvidos. [...]”. (ACS2-Vermelha)
“[...] eu sempre gosto de dizer aos meus colegas para que quando for fazer algo para a comunidade, um acolhimento, sempre você se veja como aquela pessoa, como aquela situação que ela está passando, [...]”. (ACS6- Amarela)
Essas dimensões tornam-se ainda mais fortes quando se trata das atividades com
a população idosa, exigindo um profissional sensível e atento às singularidades dessa
fase do curso da vida. Portanto, a identificação do profissional com esse grupo social e
as suas necessidades emergiram como características importantes para o trabalho
educativo.
“[...] eu me identifico com eles [os idosos]. É um trabalho que eu gosto de fazer [o grupo de idosos]. [...] é uma troca, eu aprendo muito com eles e procuro ensinar alguma coisa. Eles são muito carentes de atenção. [...] as vezes eu tô até trabalhando, mas eu sempre dou um jeitinho de vir aqui, dar um abraço em cada um.”. (ASB1-Azul)
128
“[...] eu me identifico muito em particular com o idoso, porque é um ser muito carente, entre aspas, de tudo e você dá um abraço e ele fica com um sorriso, isso é muito gratificante, pra mim como agente de saúde”. (ACS5-Azul)
Essas características se alinham com alguns dos saberes considerados por Freire 80 para uma prática educativa crítica. O autor destaca que uma formação docente
verdadeira não deveria prescindir da criticidade aliada às emoções como sensibilidade,
afetividade e intuição, dentre outras 80. Por outro lado, cabe lembrar o que alertam
Mota, Aguiar, Caldas 230 sobre a banalização da atenção ao idoso evidenciada a partir
dos achados obtidos em estudo na ESF de três municípios do Rio de Janeiro-RJ “como
se somente a atitude de acolhimento fosse suficiente, secundarizando o conteúdo
teórico e o desenvolvimento das habilidades específicas”230.
Com relação à inserção do apoiador, havia esforços no sentido desse profissional
se envolver em todas as fases da atividade educativa, não se restringindo ao processo de
planejamento. Entretanto, nas várias atividades observadas ao longo da pesquisa,
notamos que essa prática era mais frequente nas atividades de EP. Nas atividades
voltadas para os usuários, só presenciamos essa participação mais abrangente uma única
vez, no grupo de idosos, logo que o apoiador (A3) chegou à USF; nas demais atividades
educativas o apoiador geralmente estava ausente no momento da realização (Diário de
campo-observação).
“[...] a gente nem sempre consegue, mas a gente tenta se colocar sempre como mais um pra realizar atividades, até para quebrar um pouco com essa lógica de gerente, de alguém que ordena a execução e não se coloca para também executar, [...] prepara atividade, pensa metodologia, consegue material ou ora a gente planeja com eles[...]” (A3)
A proposta pioneira do apoio matricial, desenvolvida por Campos 231,232 enfatiza
a construção compartilhada de intervenções, a partir de relações horizontais e
procedimentos dialógicos, para as quais o apoiador deve valer-se “tanto de ofertas
originárias de seu núcleo de conhecimento, de sua experiência e visão de mundo,
quanto incorporando demandas trazidas pelo outro também em função de seu
conhecimento, desejo, interesses e visão de mundo” 225.
As diretrizes da APS como interdisciplinaridade, intersetorialidade, educação
permanente em saúde; noção de território; integralidade, participação social, educação
129
popular; promoção da saúde e humanização devem guiar a atuação do NASF. Nessa
direção, dentre as atividades preconizadas para a equipe do NASF quanto ao apoio
matricial estão as ações nos territórios de sua responsabilidade desenvolvidas de forma
articulada com os profissionais de saúde. Assim, são previstos o desenvolvimento do
projeto de saúde, apoio a grupos, trabalhos educativos e de inclusão social,
enfrentamento da violência, ações com os equipamentos públicos 233.
Porém, o processo de trabalho do apoiador, envolvendo múltiplas
responsabilidades e frentes de ação e o modelo NASF de João Pessoa tendiam a limitar
a presença do apoiador na USF e a sua participação e apoio mais efetivo nos grupos e
demais atividades educativas:
“[...] não dava tempo porque era um processo muito de acompanhamento mesmo. [...] Os grupos, quem puxa são as equipes. Eu, realmente dava suporte para eles. [...] nós temos duas reuniões por semana que obrigatoriamente a gente não estaria dentro da unidade [...]. [...] a gente não fica o tempo todo dentro da unidade. [...]”. (A1)
Por outro lado, na medida em que a ESF de João Pessoa tem se caracterizado
pela elevada rotatividade entre os apoiadores matriciais, podem ocorrer situações, como
constatamos na USF Caleidoscópio em que o apoio à USF integrada passe a operar
apenas com um profissional da dupla (Diário de campo-observação). Nesse sentido
tende a haver a sobrecarga desse profissional, como também pode limitar a construção
do vínculo apoiador versus profissionais e usuários, acarretando a descontinuidade das
ações e favorecendo a desmotivação das equipes e dos próprios apoiadores. Tais
aspectos também podem afetar a credibilidade da estratégia do apoio matricial perante
as equipes de saúde.
“[...] a partir do momento que eu fiquei sozinha, ficou um pouco mais difícil porque não há com quem dividir essa agenda, mas eu procuro sempre participar. [...] não estou junto, porque sempre há alguma coisa a resolver, ou com alguma equipe, ou então no distrito ou outra agenda [...]”. (A2)
A preocupação em não reforçar a dependência que permeava as relações dos
profissionais com os apoiadores também foi usada como justificativa para o seu
distanciamento das atividades educativas. A forte conotação de dependência dos
profissionais foi realçada a partir de elementos que envolvem a maternidade:
130
“[...] eu não fazia isso pra eles não voltarem o vício que eu estava desmamando, literalmente. Quando eu cheguei lá eu dizia: ‘eu não sou mãe de vocês. Eu estou aqui pra apoiar, mas eu não vou fazer nada por vocês’. [...]”. (A1) [grifo nosso].
Entretanto, percebemos que para as ações realizadas fora do espaço da USF,
havia um esforço maior para a sua participação. Como também foi referido o papel do
apoiador como “assessor pedagógico” nas atividades educativas:
“[...] as ações que são realizadas no território, geralmente eu participo de todas [...]”. (A2). “[...] essa questão da educação, do suporte pedagógico é muito forte. [...] a gente procura contribuir pedagogicamente nas atividades aqui, sejam elas direcionadas aos profissionais, através da Educação Permanente, como para os usuários, através da educação em saúde”. (A3)
3.2.3 As abordagens utilizadas
Considerando que as ações educativas da USF Caleidoscópio eram marcadas
pela fragmentação e descontinuidade, as decisões que envolviam os seus propósitos e o
seu desenvolvimento relacionavam-se fortemente com essas características.
Assim, era comum a realização de ações no formato “Dia D”, para públicos
específicos e geralmente nos finais de semana ou no turno noturno, buscando o
incremento da cobertura de procedimentos ou exames e potencializando a ocasião para a
oferta de um conjunto de atividades, incluindo as intervenções de cunho educativo,
como palestras, rodas de conversa, apresentação de vídeos, dentre outras (Diário de
campo-observação).
“[...] a gente recebeu a carta com o elogio da Secretaria foi [da ação] do homem. [...] foi bem visto porque deu bastante gente, a gente até estranhou, mesmo com a divulgação, nunca vai muita gente, homem é difícil. Nessa ação a gente fez um movimento e o objetivo foi cumprido, que foi buscar o homem. [...] a gente fez uma busca ativa para o Hiperdia, GLBT, a gente fez um stand também sobre o homossexualismo. Fez a busca ativa de urologia, fez as palestras. [...]”. (ACS4-Amarela)
131
Na situação relatada, a equipe foi alvo de elogios formais da gestão, que por
meio de uma carta parabenizou-a pelos méritos obtidos na atividade do Dia D da “saúde
do homem”, reafirmando o quão a dimensão quantitativa das práticas de saúde era
valorizada pela gestão, refletindo sobre a percepção dos profissionais acerca das práticas
de saúde, que tendiam a associar a noção de sucesso de uma iniciativa ao número de
participantes:
“[...] depois que a gente faz [a atividade] que dá o resultado, a gente fica muito agradecido e feliz por ter conseguido trazer tanta gente pra dentro da unidade de saúde”. (ACS5-Azul)
O grupo de idosos, espaço educativo mais permanente e legitimado na USF,
trabalhava com uma perspectiva diferente das atividades mais pontuais, voltando a sua
atuação sobretudo para o estímulo do envelhecimento ativo e da promoção da saúde, por
meio da interação dos idosos com seus pares e com o serviço de saúde, conforme
expressam os relatos dos profissionais e de uma integrante do grupo:
“[...] puxar os idosos pra gente, pra ver se eles não ficam tão sós”. (ACS5-Azul) “[...] levar prevenção à saúde das pessoas e alegria, porque os idosos, eles são pessoas que precisam sorrir, muitos são abandonados, moram sozinho, se sentem um lixo”. (ACS1-Azul)
“[...] É muito bom porque a mente fica mais esclarecida, encontro amigos, e a gente tem aquele prazer de estar aqui, aquela satisfação de estar todos juntos e saber que aqui as atividades educativas melhoram a vida da gente, o dia a dia da gente”. (U1)
Entretanto, alguns relatos expressam a valorização do papel do grupo e do
serviço de saúde como espaços para a transmissão das informações científicas, no
sentido de subsidiar os idosos para a prevenção das doenças, melhorando o autocuidado:
“[...] fazer um acompanhamento a nível de informação também, porque tem muitos assuntos que eles não sabem, então a gente já aborda esses assuntos, pra eles poderem participar mais”. (O3-Azul)
“[...] conscientizar para cuidar mais da saúde. Porque muitas vezes eles em casa, acabam sendo leigos, porque não têm uma certa orientação. E eles vindo para a unidade eles ficam mais informados, [...]”. (E3-Vermelha)
132
“[...] levar informação em grupos, com temas diversificados sobre prevenção de várias coisas que possa vir a prejudicar a saúde das pessoas e a vida. Como grupos de idosos, grupo de gestante, grupo de mulheres”. (ACS1-Azul)
Essa perspectiva dos profissionais, também evidenciada por outros estudos na
ESF 72 concebe a falta de consciência e a desinformação da população sobre os cuidados
em saúde como aspectos passíveis de serem contornados por meio da aquisição do
conhecimento científico obtido nas atividades educativas. Besen et al 44 alertam para a
elevada frequência das atividades coletivas que se valem dos aspectos da prática
prescritiva e individual para a abordagem educativa “tratando a população usuária de
forma passiva, transmitindo conhecimentos técnicos sobre as patologias e como cuidar
da saúde, desconsiderando o saber popular e as condições de vida dessas populações”.
No entanto, mais do que um espaço para aquisição de informações sobre saúde,
o grupo de idosos da USF estudada buscava o apoio e o resgate da autoestima, a
exemplo do que foi evidenciado em outras experiências educativas 82,234:
“[...] é muito bom para o ‘eu’ da gente. É ótimo! Eu melhorei cem por cento, porque eu vivia só, porque meu esposo fica calado. Eu vivia só, falando tão alto só [...]. Mas depois que eu vim pra cá eu melhorei. Eu não estou mais conversando sozinha [...]”. (U1)
A complexidade que envolve os arranjos familiares e a precariedade das
condições de vida, com a sobrecarga do idoso nesse contexto, que em muitas situações
assume as responsabilidades domésticas, pode limitar a sua participação nas atividades
promovidas pelos serviços. Esses aspectos eram apreendidos na rotina da ESF,
sobretudo pelos ACS.
“[...] quem toma conta de todas as quatro é a idosa. Aí uma mulher dessas tem condições de vir pra uma reunião? Ela só vem quando é para ela se tratar, e olhe que é difícil ela vir, mas ela já é diabética, hipertensa e tem mais esse problema com a família, tem uma filha que é doente mental e mais uma neta que tem uma filha e não é casada e vive na casa”. (ACS9-Branca)
133
Diante das adversidades cotidianas enfrentadas pela população que frequenta os
serviços públicos de saúde, as atividades educativas oferecidas por esses serviços devem
motivar a participação dos usuários, como demonstra esse trecho da fala de um idoso
do grupo:
“[...] - vamos que tem festinha, vamos que tem uma animação, tem uma brincadeira, tem um showzinho, uma viagem para motivar as pessoas a se organizar mais no grupo”. (U1)
A Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI) 235 assinala a importância
das atividades educativas e da promoção da autonomia, “direcionando medidas
coletivas e individuais de saúde para esse fim, em consonância com os princípios e
diretrizes do Sistema Único de Saúde”235. Nesse sentido, os estudos têm reconhecido as
potencialidades das iniciativas focadas na dimensão coletiva, com a valorização dos
enfoques participativos 234, 236. Conforme Combinato et al 234 os grupos podem
favorecer o empowerment comunitário, potencializando vários aspectos:
“[...] a constituição de rede de apoio, estabelecimento e ampliação de vínculos afetivos; reflexão e conscientização das determinações do processo saúde-doença; organização e mobilização para o efetivo controle social, bem como espaço de ensino-aprendizagem, orientação, intervenção e educação em saúde, [...]”.
Santos, Saunders e Baião 237 também enfatizam a perspectiva das práticas
educativas desenvolvidas nos contextos coletivos como uma via para a promoção do
empowerment, ressaltando a potência do acolhimento e vínculo nesses processos:
“[...] podem se constituir num método privilegiado de empoderamento dos sujeitos por meio de um processo mútuo de ensinar e aprender. O acolhimento e o vínculo produzidos nessas intervenções grupais são também contribuintes da produção da autonomia do indivíduo na saúde”237.
Afonso, Vieira-Silva e Abade 238 destacam a importância do vínculo social
como ativador da aprendizagem, assinalando as dimensões cognitivas e afetivas como
referências nas ações grupais “onde o sujeito se integra e se reconhece, podendo tanto
bloquear, quanto estimular processos criativos e críticos”238.
134
Os documentos oficiais da gestão municipal apontam a ênfase na promoção da
saúde do idoso, incluindo entre as metas da atenção à saúde o estímulo e a adoção às
ações educativas para a promoção do envelhecimento saudável. Visando o alcance
dessa meta, consta a realização de uma oficina de sensibilização em saúde do idoso,
com profissionais da atenção básica, além de oficinas de sexualidade e DST/AIDS,
voltadas à formação de multiplicadores entre os idosos das comunidades, quanto aos
cuidados preventivos das doenças e enfrentamento do preconceito 181, indicando uma
preocupação da gestão com os processos educativos nesse âmbito.
Com relação à visita domiciliar, alguns depoimentos mostram que os ACS
identificam essa atividade como espaço para o exercício do seu papel como educador,
no sentido do repasse de informações voltadas principalmente para a prevenção das
doenças:
“A minha atividade principal é educação em saúde, então eu sou um educador em saúde [...] o foco principal do agente comunitário é a visita domiciliar, é levar informação até a casa das pessoas [...]”. (ACS1-Azul)
“[...] outra coisa que eu faço muito nas minhas visitas é a prevenção [...]. O citológico? tem mulheres que resistem demais a fazer. Então eu estou sempre batendo na tecla ‘gente tem que se cuidar, não é a gente deixar pra ir pra unidade quando a gente já tiver se acabando de doença, não, a gente tem que ir se prevenir’. [...].”. (ACS5-Azul)
“[...] fazer educação com a comunidade, visita domiciliar, ter um papel de estar passando informações para essas pessoas a respeito de tudo, de preventivo, como a própria alimentação, para os hipertensos”. (ACS10-Amarela)
Concordamos com o entendimento de Tesser et al 68 , que diz que em algumas
situações a promoção seria “[...] subsumida completamente pela educação em saúde,
esta vista numa perspectiva individual ou familiar mais ou menos contextualizadora,
mas claramente centrada na transmissão unidirecional de conteúdos [...]” , onde o
papel dos profissionais seria “ [...] veicular as informações corretas e atualizadas aos
usuários e comunidades, para que estes possam se comportar adequadamente e
prevenir as doenças, com o que estariam promovendo sua saúde”68. No relato abaixo
emerge essa perspectiva:
135
“[...] a gente trabalha com a promoção e a educação da saúde dentro da comunidade, na verdade nós somos o elo da comunidade com a unidade. A gente tenta estar passando informações pra ela pra que a gente consiga minimizar os agravos, por conta das doenças e não só das doenças, que a gente sabe que a definição da saúde ela é bem mais ampla, não é só a questão da ausência da doença, então tem vários outros fatores que a gente também trabalha ”. (ACS 7- Vermelha)
A noção ampliada de saúde apontada no relato acima balizava a prática de
alguns ACS, os quais nas suas visitas abordavam aspectos ligados aos determinantes
sociais da saúde, a partir de questões trazidas pelos usuários, relacionadas às diversas
esferas da vida, como problemas familiares, violência do bairro, desemprego, dentre
outros (Diário de campo-observação). Cotidianamente os ACS lidavam com uma
diversidade de problemas da população, envolvendo muitas vezes questões complexas,
que exigiam para o seu enfrentamento e resolutividade, além do preparo desses
profissionais, esforços interdisciplinares e intersetoriais.
O modelo da ESF pressupõe que os ACS trabalhem nas comunidades em que
moram, na qual eles atuam como mediadores culturais 87. No entanto, esta dupla
inserção dos ACS pode dificultar o desenvolvimento de práticas transformadoras e
estimular a perpetuação de processos estigmatizantes 87. Esse tipo de mediação pode
acontecer nos contextos onde o associativismo seja frágil e o processo reivindicatório
enfrente obstáculos devido à baixa permeabilidade do serviço às demandas da
população. Neste cenário, os ACS podem por meio do vínculo que mantêm com o
território buscar, de modo verticalizado, apenas a transmissão de informações e o
alcance das metas do serviço 87.
David 201 discute este papel ambivalente do ACS como ‘mediador reprodutor’ na
ESF, onde esse profissional torna-se mais um membro da equipe de saúde para
transmissão de informações à comunidade, supondo que as pessoas não possuem
conhecimentos adequados à saúde. “É assim papel do ACS reproduzir a postura
educativa prescritiva e normativa, o que passa a fazer imediatamente após incorporado
às equipes de ESF ou PACS” 201.
Quanto às abordagens desenvolvidas na “sala de espera” das gestantes, além da
apreensão que caracteriza essa fase da vida da mulher, notamos curiosidade e interesse
das gestantes (algumas eram adolescentes) para acessar novos saberes e conhecimentos
sobre a gestação e o bebê. Em que pese a preocupação dos profissionais e/ou estagiários
136
de medicina em enfatizarem que os temas das reuniões seriam aqueles demandados
pelas gestantes, ao longo do desenvolvimento da ação observamos que nem sempre esse
aspecto foi privilegiado. A transmissão de informações e o esclarecimento de dúvidas
sobre a saúde da gestante e do bebê eram as dimensões predominantes em detrimento do
aprofundamento e problematização das inquietações e da subjetividade das questões
expressadas pelas mulheres no grupo (Diário de campo-observação).
A participação dos estudantes poderia ser uma oportunidade para o estímulo e a
inserção de novas abordagens educativas no cotidiano da USF. No entanto, na medida
em que os estudantes continuavam reproduzindo práticas educativas tradicionais,
fortemente marcadas pela transmissão de informações, contribuíam para reforçar essa
vertente junto às equipes, produzindo um “círculo vicioso” nesse processo de interação
ensino-serviço.
Com relação às iniciativas de EP, a exemplo do grupo de idosos essas atividades
tinham um caráter mais sistemático no âmbito da USF Caleidoscópio, envolvendo todos
os profissionais das quatro equipes. Além da EP estar respaldada por uma política
nacional 239 e pela gestão da saúde em João Pessoa, outra motivação importante para a
sua implementação na USF estudada foi a necessidade de utilizá-la como um recurso
para estimular a proatividade e autonomia dos profissionais frente às atividades
cotidianas no serviço:
“[...] eu sentia isso muito forte, das pessoas ficarem dependendo um do outro pra poder resolver as coisas e não ter a iniciativa de tentar fazer. [...] principalmente nas reuniões, se o apoiador não tivesse, não tinha reunião. A equipe não fazia nada. A gente ficou pensando como é que poderia fazer pra que a equipe se envolvesse. [...] A educação permanente foi uma forma [...] “(A1).
Apesar das temáticas geralmente serem provenientes dos trabalhadores, por
vezes as lacunas do serviço na ótica da gestão pautavam os temas trabalhados. O
depoimento abaixo reafirma os indicadores como norteadores das ações:
“[...] alguns dos temas eu pautava devido ao desempenho das equipes quanto aos indicadores [...]. Então qual era a maior fragilidade? [...]. [...] anemia falciforme não era nem algo que estava frágil até porque as notificações eram baixas, nem era uma curiosidade diretamente, mas era algo que a gestão estava trabalhando muito. Então a gente tinha que trazer esse
137
conhecimento para dentro da equipe para que eles conseguissem identificar no território”.(A1)
Stroschein & Zocche 240 em estudo de revisão bibliográfica das experiências
brasileiras de EP nos serviços de saúde a partir da Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde, no período de 2004 a 2010 , evidenciaram que todas as
iniciativas analisadas pautavam-se por abordagens problematizadoras, onde algumas
guiavam-se pelos pressupostos do pensamento de Paulo Freire. Para as autoras “o verbo
‘problematizar’ no contexto da educação permanente, envolve outros verbos, como
refletir, planejar, analisar, subjetivar, criar, recriar, envolver, inserir, responsabilizar,
transversalizar e catalisar”.
Dessa maneira, percebemos a potencialidade do espaço da EP no sentido do uso
e experimentação de abordagens metodológicas diversificadas e participativas, além do
enfoque de temáticas que extrapolava a dimensão biológica da saúde (Diário de campo-
observação). A valorização da diversificação das abordagens metodológicas e das
perspectivas educativas voltadas para a construção coletiva do conhecimento é patente
nas falas abaixo, sugerindo uma sensibilização da apoiadora para essas dimensões:
“[...] teve uma equipe que fez uma peça teatral. [...]. [...] isso também era um tipo de educação trazendo muito essa questão da educação popular. [...] o conhecimento, ele era construído junto com todos. Então a pessoa não ficava falando, ela ia perguntando, os outros iam respondendo e eles iam construindo o conhecimento de uma forma que mostrasse para os outros que eles têm o conhecimento dentro deles e que muitas vezes não percebem”. (A1)
Dessa forma, essas iniciativas promoviam a descentralização da
responsabilidade para os profissionais, buscando estimular a motivação e o
fortalecimento da autoestima, além da integração entre os profissionais das quatro
equipes da unidade. Isso pode ser corroborado pelos depoimentos da apoiadora, que
ressalta os desdobramentos positivos das atividades de EP junto às equipes da USF
Caleidoscópio:
“Fiquei satisfeita pela responsabilização de algumas pessoas e por revelar algumas situações. [...] não esperava que tivessem um desempenho tão bom, porque as pessoas nunca se colocavam em reuniões. [...]. [...] era uma motivação pra que
138
eles sentassem enquanto grupo, que eles se vissem não enquanto equipes, mas enquanto o processo de trabalho. [...] eu vi uma dinâmica dentro da equipe onde eles se viram empoderados também do conhecimento e que eram capazes de também ensinar aos outros. [...] e isso aconteceu muito forte, principalmente com os ACS”. (A1)
Considerando que o exercício provocado pelas atividades de EP pode dinamizar
a qualificação das práticas de saúde, inclusive as educativas, assentando-as em bases
mais amplas e participativas, concordamos com os argumentos de Tesser et al 68, que
destaca o papel da EP frente às políticas de promoção da saúde no contexto da ESF:
“[...] poderá contribuir para a melhor compreensão da promoção da saúde e a superação da visão hierárquica e autoritária dos processos de educação e de trabalho, promovendo um pouco de ‘empowerment’ comunitário nos profissionais e, assim, facilitar o nascimento da compreensão (e ação) do que seja isso em relação aos usuários” 68.
Apesar dos aspectos favoráveis da experiência com EP na USF Caleidoscópio,
escutamos comentários de alguns profissionais que criticavam as atividades, afirmando
que as reuniões eram “chatas”, que a participação de convidados de outros locais e
entidades era pequena, dentre outros aspectos (Diário de campo-observação/ Conversas
informais). Aliado a isso, chamou atenção que esse tema da EP só foi realçado nos
depoimentos dos apoiadores. Nas entrevistas, poucos profissionais referiram o assunto e
os que o fizeram foi de forma tangencial. Por outro lado, era comum os profissionais
confundirem o significado das atividades de EP com as ações implementadas com os
usuários, indicando que a discussão conceitual sobre a EP no âmbito local ainda estava
pouco consolidada.
Stroschein & Zocche 240 ressaltam o papel de cada ator na construção de
estratégias para enfrentar os problemas dos serviços de saúde e no engajamento com a
proposta da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, alertando para o fato
de que “muitos profissionais não são protagonistas, o que faz repensar em novas
possibilidades de sensibilizá-los e conscientizá-los e, de certa forma, compreender
quais os motivos que fazem qualificar seus processos de trabalho” 240.
Portanto, considerando o lugar estratégico que a EP ocupa do ponto de vista da
gestão municipal de saúde de João Pessoa e o seu potencial para as práticas educativas
139
em promoção da saúde, fica a interrogação sobre como essa questão foi introduzida no
âmbito da atenção básica, no sentido da apropriação pelos agentes implementadores,
especialmente com relação aos profissionais de saúde, sobre até que ponto essa
ferramenta tem sido percebida e utilizada efetivamente para facilitar o processo de
trabalho? Em especial no que diz respeito ao subsídio de aportes teórico-práticos no
sentido da reorientação dos processos educativos voltados ao empoderamento
comunitário.
Percebemos esforços das equipes no sentido de diversificar os recursos
metodológicos e as abordagens utilizadas. Isso foi nítido no grupo de idosos. Muitos
profissionais explicitaram críticas as “palestras” e buscavam inovar, apostando em
novas formas de abordagem nas atividades educativas. Porém, constatamos que o termo
“palestra” era bastante usado como sinônimo de atividade educativa, parecendo de certa
forma que estava cristalizado no imaginário dos profissionais e usuários (Diário de
campo-observação).
Contudo existiam algumas contradições. Ainda havia pouco envolvimento dos
usuários nas atividades e as questões mais subjetivas que emergiam nas atividades na
maioria das vezes eram tratadas de forma superficial. Havia muitos elementos que
poderiam contribuir para esse cenário, incluindo desde a pressão sofrida pelos
profissionais de um lado, da gestão, para o cumprimento de metas, e de outro, da
população, demandando atendimentos individuais.
Além disso, a falta de reflexão sobre os propósitos e o papel dos profissionais de
saúde em determinados programas federais como o PSE e o PBF; a formação
profissional, que mesmo com as mudanças curriculares, ainda valoriza a dimensão
clínica e curativa e apresenta fragilidades nos aportes sobre as abordagens pedagógicas
e as práticas educativas voltadas para perspectivas críticas; a falta de apoio material da
gestão para as atividades educativas, a rotatividade dos profissionais, dentre outros
ainda a serem explorados.
Muitas vezes a concepção preventivista e a orientação prescritiva são
predominantes no cotidiano dos serviços. A ideia da mudança de comportamentos e
estilos de vida tende, assim, a imprimir o tom das práticas em saúde 43, 44, 70. As
iniciativas educativas na ESF orientadas por enfoques mais abrangentes ainda são
incipientes e geralmente estão ligadas às atividades de extensão universitária ou de
pesquisa. Dentre essas, podemos destacar experiências envolvendo os ACS 71, 128 e
voltadas à população idosa 234.
140
No nível local de atenção à saúde, os profissionais nem sempre refletem com
seus pares e com a própria população sobre aspectos ligados ao cotidiano que são
atravessados pelas referências simbólicas, culturais e sociais dos usuários e como esse
habitus influencia as expectativas e modos de vida. Sem dúvida este esforço pode
estimular mudanças na conduta dos profissionais e contribuir para a maior autonomia de
indivíduos e grupos sociais em cada contexto.
Aliado a isso, embora o componente educativo seja indissociável do cotidiano
das práticas de saúde, nem sempre a concepção das ações de saúde como ações
educativas é valorizada 85. Este pode ser um aspecto limitante para a consolidação de
programas e iniciativas de promoção da saúde.
Os avanços obtidos com a implementação da ESF, sobretudo no que se refere à
aproximação com o território e comunidades locais ainda não têm sido capazes de
produzir a discussão mais profunda dos elementos balizadores das práticas. Tal debate
é fundamental para compreender a pouca adesão da população às iniciativas e ações de
educação em saúde promovidas pelos serviços.
Geralmente observa-se uma análise pouco aprofundada dos obstáculos
encontrados pelos profissionais para tais iniciativas, não sendo incomum atribuírem à
população a responsabilidade pelos insucessos das ações educativas frente à baixa
adesão às mudanças nos comportamentos. Nesse sentido, Silva et al 70 em estudo sobre
a práxis educativa na ESF, observaram que a não adesão aos comportamentos prescritos
era atribuída pelos enfermeiros à desvalorização da comunidade às mensagens dos
profissionais.
Nessa perspectiva, mesmo ocorrendo o reconhecimento das diferenças culturais
entre os profissionais de saúde e a comunidade, há uma tendência à sobrevalorização da
eficácia das ações educativas, centradas na transmissão das informações, como via de
repasse do conhecimento técnico-científico para “corrigir” os comportamentos
considerados inadequados à boa saúde 70.
3.3 Práticas educativas em saúde e nutrição e a SAN
3.3.1 A abordagem da alimentação e nutrição no cotidiano do serviço
O debate em torno da SAN e as recomendações das publicações mais recentes do
Ministério da Saúde para as ações ligadas à alimentação e nutrição na atenção básica
141
têm valorizado crescentemente o envolvimento da equipe multiprofissional e a
perspectiva interdisciplinar nas abordagens educativas da área 141, 241, 242.
Considerando a complexidade e a perspectiva relacional em torno das práticas
alimentares, concordamos com Oliveira, Recine e Queiroz 243 que destacam que o setor
saúde “[...] deve assumir a alimentação como o resultado das múltiplas relações entre
o biológico e o sociocultural”, atuando como promotor da saúde, enfatizando o
indivíduo no decorrer do seu curso de vida, ao invés da doença.
Entretanto, alguns estudos apontam dificuldades dos médicos e enfermeiros para
identificação e enfrentamento dos problemas alimentares 244, como também tem sido
relatado que o foco do trabalho educativo na área tem sido mais voltado para a
abordagem curativa do que para a perspectiva da promoção da saúde e da SAN 245.
No cotidiano da USF Caleidoscópio, os aspectos ligados à alimentação e
nutrição emergiam em diversas ocasiões. Para fins de ilustração da diversidade de
situações que as equipes se deparavam no território e no dia a dia de trabalho na ESF,
descreveremos brevemente dois episódios que vivenciamos envolvendo problemas
alimentares típicos do cenário socioepidemiológico brasileiro atual e que exigiam ações
dos serviços de saúde e de outras políticas públicas.
Certa manhã, já na última semana do nosso trabalho de campo, a médica da
equipe Vermelha, nos abordou no hall da unidade para compartilhar um caso que tinha
atendido há poucos instantes. Após perguntar se eu era nutricionista (para confirmar o
que ela já sabia), informou apreensiva sobre uma criança com três anos de idade, que
apresentava anemia crônica e taxas elevadas de colesterol e de triglicerídeo. A família
da criança era beneficiária do PBF. A profissional questionou se nessas situações não
seria recomendado prescrever medicamento para reduzir os níveis das taxas
mencionadas. Dialogamos com ela sobre a situação e sugerimos alguns
encaminhamentos (Diário de campo-observação/ Conversas informais).
O fato de a profissional ter nos procurado sinaliza uma necessidade para
interagir com outros saberes/profissionais, reafirmando a importância do diálogo
interdisciplinar para o enfrentamento das questões no âmbito da ESF, especialmente
aquelas ligadas à alimentação, objeto desse estudo.
Em outra ocasião, uma ACS da equipe Azul também conversou conosco sobre a
problemática de uma família da área de sua responsabilidade. Tratava-se de uma
senhora e sua filha adolescente, ambas com sobrepeso. Sendo que a mãe da senhora
tinha falecido há pouco tempo, estando ela deprimida e com baixa autoestima. A ACS
142
demonstrou preocupação e compromisso frente àquela situação, pois já vinha apoiando
essa família há algum tempo por meio das visitas domiciliares (Diário de campo-
observação/ Conversas informais).
Relatou que tinha encaminhado as duas, mãe e filha, para atendimento pelos
estagiários de nutrição da USF. Posteriormente, acompanhamos a ACS em uma visita
domiciliar e pudemos conhecer melhor alguns aspectos, de ordem social, econômica,
psicológica e cultural que se relacionavam na configuração do contexto e das práticas
alimentares daquela família. Observamos que além da adolescente, os outros dois filhos
(um com doze e outro com quatro anos ) também estavam com sobrepeso.
A senhora expressou uma relação compulsiva com a alimentação, já tinha
utilizado medicamento e adotado uma dieta, prescritos por um endocrinologista.
Naquela ocasião da visita estava sendo acompanhada pelos estagiários de nutrição da
unidade e parecia bastante motivada, tinha iniciado atividade física e já conseguia
fracionar as refeições (Diário de campo-observação).
Cabe refletir como se dava a abordagem da alimentação e nutrição por meio das
práticas educativas no contexto da USF estudada. Conforme o padrão da
implementação das atividades educativas em saúde da unidade de modo geral, já
discutido em tópico anterior, pudemos evidenciar a partir do processo de observação das
ações e das entrevistas, o predomínio de abordagens descontinuadas em detrimento de
iniciativas regulares e mais direcionadas ao aprofundamento dos aspectos envolvendo a
alimentação. Esses achados foram similares aos de outros estudos realizados na ESF246.
Assim o assunto da alimentação geralmente era diluído no âmbito das atividades mais
gerais de saúde, conforme relataram vários entrevistados.
“[...] aproveitamos momentos para estar abordando esse tema. Mas ainda não fizemos nada relativo a isso, assim ‘vamos fazer uma atividade sobre a nutrição’. Infelizmente, não. E é uma coisa que é necessária”. (ACS 7- Vermelha). “Muito raro [atividades de alimentação e nutrição vinculadas à USF ], pelo menos o ano passado, raríssimo”. (A1) “[...] não é que não tenha [atividades de alimentação e nutrição vinculadas à USF], não tem de uma forma frequente”. (A2) “[...] Foi na unidade, acho que foi há um ano atrás [referindo-se à atividade que envolveu a alimentação e nutrição]”. (U8)
143
Portanto, ao indagarmos aos entrevistados sobre a existência de atividades
educativas envolvendo a temática da alimentação e da nutrição na USF, grande parte
respondeu afirmativamente. O grupo de idosos se destacou nas respostas como espaço
privilegiado para a discussão do assunto.
“ [...] a maioria [das ações ligadas a alimentação e nutrição] se faz no grupo de idoso. [...] sempre se tem alguma coisa a respeito da alimentação”. (ACS10 – Amarela)
“[...] Quando a gente ia fazer alguma coisa era com o grupo de idoso, aí a gente procurava trazer uma nutricionista, ver quem tinha um conhecimento para fazer uma palestra. [...]”. (ASB-Vermelha) “[...] eu trabalhei em outras unidades de saúde e eu sempre via essa preocupação com a alimentação, em algum momento, porque toda unidade tem grupo de idosos. Eu digo mais do que grupo de idosos, digo também de hipertensos. E sempre se tem o momento no grupo de falar sobre alimentação. [...]” (E1-Branca)
Seguindo tendência similar aos achados de outros estudos na atenção básica 246-
248, nas situações do processo de trabalho que abordavam o assunto, geralmente os
profissionais privilegiavam as orientações para uma alimentação saudável, voltadas à
prevenção e controle das doenças, na perspectiva da transmissão de conhecimentos:
“[...] a gente passa a importância da alimentação. Principalmente nas pessoas que têm diabetes, que eles têm muita dúvida do que vão comer. Pessoas que têm taxa elevada de colesterol, triglicerídeo[...]”. (ACS3-Vermelha). “[...] em sala de espera ou então quando se vai ter alguma programação para hipertenso, para diabético, aí a gente costuma falar sobre alimentação saudável. [...]”. (ACS10-Amarela) “[...] porque tem muita gente obesa, a gente vê crianças obesas. Então as vezes até eles [os usuários] mesmo pedem [atividade] sobre determinada doença que envolve alimentação, como obesidade, diabetes. [...]”. (O3-Azul)
144
Nessa direção, nas atividades ligadas à saúde bucal, o enfoque da alimentação se
inseria no contexto da prevenção da cárie, especialmente no âmbito das escolas e
creches:
“Nas escolinhas, eu mesmo que dou a parte de nutrição, não nutrição em si, [...] eu entro mais na parte de [alimento] cariogênico e não cariogênico. [...]”. (O3-Azul) “[...] eu sempre tento mostrar a questão dos alimentos cariogênicos e isso geralmente trás uma maneira deles se alimentarem melhor [...]”. (O2-Vermelha) “[...] a gente foi falando de alimentação saudável [na creche], que ela [a criança] tinha ficado com cárie porque não estava querendo se alimentar, só queria balinha, chiclete [...]”. (O1-Amarela)
Nesse cenário, o grupo materno-infantil também foi referido, se enfatizando a
alimentação da gestante e da criança, com destaque para a promoção do aleitamento
materno:
“[...] quando eu estou com alguma gestante já entro um pouquinho nessa orientação, peço para que elas restrinjam o sódio, tenha uma alimentação mais saudável, tirem um pouco o sal, pipoca, pizza, porque elas gostam muito dessas guloseimas. Então a gente orienta muito a buscar frutas, coisas mais saudáveis”. (E3-Vermelha). “[...] A enfermeira, a médica, sempre me orientam a conduzir a alimentação saudável para ela. [...] manter a criança bem alimentada, amamentar, pois eu ainda amamento, não dar besteiras, esse tipo de coisa assim”. (U9) “[...] eu não sei se foi com [A1] ou se foi com outra apoiadora, mas eles foram para dar orientação na área quando a gente fez uma ação para gestante. [...] aí foram falar a respeito da boa alimentação para evitar a hipertensão gestacional, abordou vários assuntos, sobre aleitamento materno, informou a alimentação ideal pra que viesse dar mais estímulo ao leite. [...].” (ACS10 – Amarela)
Considerando que a amamentação consiste em uma dimensão importante da
alimentação, discutiremos algumas características da sua abordagem na USF. Alguns
espaços da USF Caleidoscópio como os atendimentos individuais da puericultura, as
145
visitas domiciliares e atividades coletivas (sobretudo na “sala de espera” com as
gestantes) eram utilizados para o estímulo da amamentação.
A ênfase nessa temática pelos profissionais coaduna-se com as recomendações
dos organismos internacionais e nacionais para as ações de incentivo da prática da
amamentação no âmbito dos serviços de saúde 249, 250. Tais recomendações são baseadas
nas evidências científicas das vantagens do aleitamento materno exclusivo nos seis
primeiros meses de vida da criança para o crescimento infantil e combate à
morbimortalidade na infância 251.
A amamentação por ser uma prática que implica a relação de aspectos
biológicos, culturais, históricos e sociais, exige enfoques educativos articulados a essas
dimensões. Araújo & Almeida 252 defendem que as ações individuais e coletivas
direcionadas à sua prática devem envolver “abordagens que contemplem as
informações técnicas referentes aos aspectos biológicos da lactação, e as questões
subjetivas da mulher”252.
No entanto, via de regra as abordagens dos serviços de saúde e das campanhas
veiculadas pela mídia têm desconsiderado a complexidade que envolve a questão da
amamentação, restringindo-se muitas vezes à ênfase nas vantagens nutricionais do leite
materno para o bebê e na responsabilização da mulher pelo sucesso/fracasso dessa
prática 253, 254. No âmbito da USF estudada a abordagem da amamentação orientava-se
por esse enfoque, como mostram os depoimentos:
“[...] está orientando para elas darem o aleitamento materno, porque muitas delas ficam com o mito de que o leite é fraco, eu digo ‘é não mulher, é só o costume, se você der direitinho, tiver uma boa pega, o leite vai fluir bem e ele [o bêbe] vai encher’. [...]”. (ACS10 – Amarela)
“[...]. Eu pego muito no pé do aleitamento materno, até me colocando como exemplo. Eu costumo dizer que eu tenho dupla autoridade de mãe e de enfermeira, porque eu amamentei muito meus meninos. Já teve até grupo que eu trouxe foto minha amamentando. [...]”. (E1- Branca)
A estratégia utilizada nesse segundo relato, a partir da experiência pessoal da
profissional, pode indicar um esforço no sentido de maior aproximação com as
mulheres, buscando obter resultados mais efetivos no processo comunicativo. Por outro
lado, considerando as diferenças entre as condições de vida das profissionais de saúde
146
e usuárias, esse recurso pode sinalizar a ausência de uma reflexão mais aprofundada
sobre as especificidades e dificuldades do contexto da comunidade e das suas mulheres,
relacionado à prática da amamentação.
As falas abaixo destacam a resistência das usuárias como limitante na promoção
da amamentação, reforçando a tendência do serviço de saúde à responsabilização das
mulheres por essa prática. Ressaltamos que os argumentos utilizados pelo odontólogo
na sua abordagem são justo aqueles referidos pelo seu colega ACS como ineficazes
para a sensibilização das mulheres diante da questão, indicando aspectos conflitivos
para a abordagem do assunto pelos profissionais de saúde.
“[...] a gente tenta trabalhar na questão da orientação [para a amamentação], mas encontra resistência, por conta da comodidade, tanto do bebê, [...] quanto da mãe. Que a meu ver seria o contrário, porque o leite além de ser mais prático, que já está pronto, é muito mais barato. Aí a gente tenta por essa abordagem, a parte do custo, para ver se sensibiliza. Porque se for só ‘é o seu bebê, é necessário, vai melhorar’, não adianta,
a parte sentimental está meio complicado para a gente trabalhar com essas usuárias, porque elas não se sensibilizam, mesmo a gente dizendo que ali tem tudo que o bebê precisa [...]”. [grifo nosso] (ACS 7- Vermelha) “[...] a gente vai informando a riqueza da amamentação e a mãe compra uma lata de leite. Então a gente volta ‘olha mãe, já conversei com você que é muito mais importante esse leite seu que é feito exclusivo para seu bebê, o leite da vaca é feito exclusivo pra o bezerrinho, então só em casos que precisa uma complementação, uma orientação por especialista é que vai fazer esse complemento’. Um ponto fraco seria a resistência da comunidade, não é nem a questão financeira [...]”.[grifo nosso] (O1-Amarela)
Por outro lado, alguns entrevistados associaram o desenvolvimento das
atividades que envolviam a abordagem da alimentação no cotidiano da USF aos
estagiários de nutrição:
“Não, a gente praticamente deixa a cargo da nutrição, porque tem a faculdade de nutrição que faz esse trabalho. Porque a gente não prioriza muito essas coisas”. (M2-Vermelha) “Que eu veja, não. Porque essa parte de nutrição é mais com os alunos que ficam aqui. Quando eles participam de qualquer ação, aí eles procuram mostrar os hábitos mais saudáveis. Mas dependendo das equipes, tem muita coisa não”. (TE3-Amarela)
147
“Quando vem aquela mulher que fala sobre a comida, que eu não sei nem dizer o nome dela direito bem explicado. Ela explica o que a gente pode comer e o que não pode [...]”. (U3) “[...] Porque antes quando não tinha os estudantes de nutrição era até mais difícil a gente fazer alguma atividade relacionada à alimentação. [...]”. (O2-Vermelha)
Nessa direção, os estagiários foram relacionados aos enfoques individuais e às
iniciativas coletivas para a abordagem das questões ligadas à alimentação e nutrição:
“[...] quando um exame deu alterado, a gente indica a nutrição [referindo-se aos estagiários] daqui [...].” (ACS4-Amarela) “[...] Eu falei com a menina [estagiária] e estou aguardando uma dieta que ela vai passar para mim, por causa da minha diabetes que estava muito alta.”. (U10)
“[...] as acadêmicas estavam falando sobre desnutrição, o balanceamento de comida [...]” (U12).
“[...] nos grupos a gente também traz temas de saúde e alimentação, [...] inclusive com parceria com os meninos da nutrição [estagiários]. [...]”. (ACS1-Azul)
Conforme evidenciam os depoimentos, os estagiários eram referidos por alguns
profissionais e usuários como os nutricionistas da unidade:
“[...] quem faz são as nutricionistas [estagiários]. Aí quando elas fazem uma ação só sobre a nutrição é só sobre a nutrição. [...]”. (E2-Amarela) “[...]Ontem mesmo eu fui encaminhado para a nutricionista [estagiária de nutrição] [...]”. (U10) “[...] eu já fui falar com a nutricionista, ela está me acompanhando, que eu também estou fazendo uma dieta [...]”. (U13).
“[...] algumas visitas que a gente faz com os nutricionistas [estagiários] [...]”. (ACS1-Azul)
As noções da competência e do domínio do conhecimento sobre as questões em
torno da alimentação vinculadas aos estagiários de nutrição emergiram em algumas
falas como possível justificativa para que as equipes os considerassem como referência
na abordagem do assunto no âmbito das atividades educativas.
148
“[...] como [a alimentação e nutrição] não era a nossa praia, apesar de que a gente aprende muito no nosso dia a dia em contato com profissionais de diversas áreas, eu volto a ressaltar a parceria, das faculdades com a nossa unidade e outras unidades ‘integradas’, onde recebemos vários alunos de nutrição. [...]”. [grifo nosso] (ACS2-Vermelha)
“[...] sempre após cada atendimento, já faz o encaminhamento pra uma avaliação nutricional, para que também o profissional que é especialista no assunto, ele possa realmente intervir nessa conduta. [...]”. [grifo nosso] (E3-Vermelha) “Eles [os estudantes de nutrição] sempre participam [das ações educativas] e como eles têm o domínio maior, claro que eles ficam responsáveis pela tenda de alimentação saudável. Eles que ficam com essa parte.[...]”. [grifo nosso]. (A2)
O fato de haver demandas concretas no cotidiano do serviço, ligadas à área da
alimentação, aliado às limitações para lidar com o assunto podem ter contribuído para
que as equipes tendessem a buscar o apoio dos estagiários de nutrição, muitas vezes até
superestimando o papel deles, chegando a transferir responsabilidades quanto a
realização de ações educativas.
As fragilidades dos profissionais para a abordagem da questão alimentar foram
apontadas por Boog 244 em estudo realizado nos serviços de saúde de Campinas-SP. A
autora verificou que algumas das limitações encontradas por médicos e enfermeiros
para a abordagem dos problemas alimentares estavam relacionadas à falta de bases
teóricas para a análise desses problemas e ao “desconhecimento de técnicas”244. Estudo
realizado em uma USF de João Pessoa-PB indicou que a dimensão da alimentação ainda
era pouco trabalhada pelos ACS 128.
Nas abordagens no âmbito da USF pesquisada, a exemplo de outros estudos na
rede básica de saúde 255, a pirâmide alimentar emergiu como uma forte referência para
a alimentação saudável:
“[...] a gente pede auxílio às alunas de nutrição, [...] para elas darem palestra, conversarem sobre a pirâmide alimentar, fazer uma série de atividades com eles. [...]”. (O3-Azul) “[...] faz aquela pirâmide da alimentação. Você vê que a pontinha onde tem os doces é o que a gente deve evitar. [...]”. (ACS10-Amarela)
149
“[...] E na escola a gente sempre que vai mostra aquela pirâmide da alimentação, do alimento saudável”. (ASB1-Azul) “[...] eles falaram sobre a pirâmide alimentícia. O que deve se comer, sobre o balanço da alimentação. Para não deixar comer açúcar demais, coisas que mais fazem mal”. (U8)
A adoção da pirâmide alimentar como ferramenta educativa para o consumo
saudável tem sido difundida desde a década de 1990 em diversos países além do Brasil 256 . Idealizada nos Estados Unidos, a versão brasileira da pirâmide foi adaptada por
Philippi et al256. Apesar do seu potencial comunicativo e do “mérito de ter articulado
recomendações dietéticas e aspectos culturais da alimentação brasileira”, conforme
assinalam Lanzillotti, Couto e Afonso 257, essa proposta tem sido questionada pela
literatura.
Assim, têm sido apontadas limitações quanto ao impacto frente à ocorrência das
DCNT entre aqueles que se orientam pelos parâmetros da pirâmide e quanto a algumas
informações e mensagens veiculadas a partir da sua configuração, visto que a pirâmide
estimula o consumo de carboidratos de modo geral, desconsiderando que os
carboidratos refinados repercutem desfavoravelmente na saúde, além de não distinguir
as gorduras saturadas das insaturadas 258 .
Por outro lado, o fato da pirâmide ser um signo de outro país é realçado por
Lanzillotti, Couto e Afonso 257, que questionam a adequação desse instrumento à
realidade do Brasil: “Será que o povo brasileiro adotou integralmente a expressão de
uma alimentação correta sob a forma da pirâmide? Ou a pirâmide pode ter outra
conotação para o destinatário?”.
Em seguida discutiremos alguns aspectos envolvendo as abordagens da
alimentação no bojo das principais atividades e dimensões das práticas educativas
desenvolvidas na USF Caleidoscópio, seguindo orientação semelhante da apresentação
do contexto no subtópico 3.1.2.
3.3.1.1 O grupo de idosos
Conforme discutido anteriormente, as atividades do grupo de idosos
privilegiavam os trabalhos manuais. Assim, das treze reuniões que acompanhamos
apenas duas abordaram a questão da alimentação. Uma dessas reuniões, sobre os
“quatro sentidos e a alimentação saudável”, contou também com a participação dos
150
estagiários de nutrição e será analisada mais adiante; e a outra coordenada pela
enfermeira enfocou a “qualidade de vida” , discutindo a alimentação nesse contexto,
porém de forma superficial (Diário de campo-observação), indicando uma tendência a
descontinuidade na abordagem do assunto, apontada na literatura 12.
Alguns estudos enfatizam a potencialidade das iniciativas orientadas pelo
referencial da educação popular frente à abordagem das questões alimentares com a
população idosa. Alencar, Barros Junior e Carvalho 259 destacam alguns fundamentos
dessa perspectiva na direção da promoção da saúde “o diálogo, a crítica e o
aprofundamento das dimensões sócio-políticas da alimentação e do alimentar-se da
pessoa idosa foram determinantes no desencadeamento de querelas sociais e políticas
presentes na discussão do envelhecimento contemporâneo”. Firmino et al260
evidenciam os méritos do enfoque da educação popular na abordagem da alimentação
com idosos, a partir de experiência na ESF em João Pessoa:
“[...] a Educação Nutricional, ao dialogar com a pedagogia freireana, ganhou contornos críticos e dialógicos, permitindo incluir o tema alimentação não como sinônimo de tabus ou prescrições, mas de forma a respeitar os valores culturais, limites econômicos e sentidos dos alimentos para os integrantes do grupo de idosos”260.
Nessa perspectiva, a nosso ver o fato de a alimentação ser transversal às várias
questões da saúde e da vida , poderia facilitar o estabelecimento de uma interface das
atividades do grupo de idosos com essa temática. A título de exemplo, mencionamos as
reuniões que abordaram a reciclagem e a afetividade, dois assuntos que envolvem
dimensões significativas da alimentação, da SAN e do DHAA. O primeiro
relacionando-se com a sustentabilidade e meio ambiente e o segundo com as dimensões
simbólicas da comida, a relação do afeto com a alimentação, dentre outros. Contudo o
papel da alimentação nesses contextos não foi sequer mencionado no grupo.
Por outro lado, os lanches oferecidos nas atividades do grupo também
constituíam outra dimensão estratégica para essa discussão. Assim, poderiam ser
oportunizados para a reflexão acerca da alimentação, buscando aprofundar a relação
das pessoas com a comida, explorando as preparações favoritas, troca de receitas,
dentre outros aspectos ligados à cultura alimentar . Os depoimentos abaixo sugerem
uma tentativa da equipe nessa direção, porém chama atenção a opção pelo sanduíche
151
natural, no sentido de que haveria outras alternativas alimentares mais adequadas à
realidade sociocultural do grupo em questão.
“E a gente chega a oferecer o lanche [no grupo dos idosos], mostrar a eles, a gente já fez trabalho de ensinar como é que poderia ser feito um sanduíche natural, que é simples, não é tão caro.[...]”. (ACS3-Vermelha)
Dessa maneira, alguns profissionais manifestavam na ocasião do planejamento
do lanche uma preocupação voltada aos aspectos da qualidade e diversificação dos
alimentos oferecidos e às limitações fisiológicas específicas do grupo (Diário de
campo-observação). O relato a seguir reflete esses cuidados, destacando o papel dos
estagiários frente às modificações realizadas pelas equipes na composição dos lanches:
“A equipe levava muito refrigerante para fazer o lanche dos idosos. Com a chegada das meninas de nutrição [estagiárias], que elas começaram a falar um pouco sobre o assunto, as ACS já começaram a ter mais cuidado de levar já suco sem açúcar. [...] Elas foram mudando alguns hábitos [...] por exemplo, no São João do ano passado tinha pamonha, queijo, porém elas fizeram um mingau de milho, que não colocaram o açúcar. [...] elas sabiam quem eram os diabéticos e elas já direcionavam a comida deles. [...]”. (A1)
Por outro lado, na medida em que o grupo se tratava de uma iniciativa voltada à
promoção da saúde de idosos, promovida pelo serviço de saúde, que incluía portadores
de DCNT, como hipertensão e diabetes , ainda que houvesse a sensibilidade e noção de
muitos profissionais frente a essa questão, repercutindo em mudanças na alimentação
oferecida durante a atividade, conforme indicam os depoimentos a seguir, também
percebemos que em diversas ocasiões os alimentos eram incompatíveis à essas
orientações.
“[...] a gente procura sempre fazer um trabalho diferenciado, que é para ele [o idoso] sentir mesmo que a unidade trabalha com saúde, então se a gente faz tudo de qualquer jeito que exemplo a gente está dando? Aí a gente procura sempre fazer, dentro das nossas possibilidades. [...]”. (ACS5-Azul) “[...] Antigamente a gente fazia qualquer lanche para o grupo de idosos e hoje o refrigerante a gente está tirando mais, tendo em vista que somos multiplicadores de informações. Se a gente der aqui eles vão achar que a gente está fazendo certo [...]. [...] Porque aqui a gente está sendo espelho, então a gente tem que
152
se preocupar, aí a gente está fazendo mais suco de fruta, uma alimentação mais saudável. [...] dentro das possibilidades financeiras, porque a gente que arca com os lanches, [...]”. (ACS1-Azul)
Porém, o fato dos alimentos serem adquiridos com recursos dos próprios
profissionais, onde cada equipe, por meio de uma “vaquinha”, se responsabilizava pelo
material e pelo lanche da atividade representava uma forte limitação para a aquisição
dos alimentos. Nessa perspectiva, muitas vezes presenciamos os profissionais,
sobretudo os ACS, se queixando de dificuldades financeiras para contribuir com
recursos para viabilizar o lanche. Nessas situações, eles lançavam mão de alternativas,
trazendo algum alimento disponível em casa ou comprando algo mais simples e barato
(Diário de campo-observação).
Assim, as escolhas dos alimentos para compor o lanche eram condicionadas por
diversos aspectos, sendo que muitas vezes a praticidade, sabor e sobretudo o custo,
prevaleciam sobre a característica de ser “adequado e saudável”. Alguns profissionais
comentaram que “tinham abolido os refrigerantes do lanche”, mas voltaram pois
conseguiram uma doação, referindo-se ao apoio dos comerciantes locais que cediam
alimentos e outros itens para as ações educativas.
O cardápio variava ao longo das atividades, incluindo suco naturais, frutas,
tapioca, munguzá, bolos, patês, cachorro quente, sanduíches, dentre outros.
Frequentemente eram servidos refrigerantes. Em uma atividade onde se ofereceu frutas
e sucos naturais, alguns idosos elogiaram e comentaram “seria tão bom que o lanche
fosse sempre assim, leve e saudável!” (Diário de campo-observação/ Conversas
informais).
Se as escolhas alimentares no âmbito pessoal e doméstico são orientadas por
uma conjunção de influências interrelacionadas com o contexto, no que se refere as
decisões em torno da seleção dos itens para o lanche do grupo no espaço institucional da
USF Caleidoscópio, essas escolhas também foram moduladas por diversos mecanismos
ligados às dimensões individuais e coletivas 111. Portanto, ainda que houvesse o acesso à
informação sobre as práticas alimentares saudáveis pelas equipes, parecia existir uma
tensão entre as alternativas alimentares consideradas mais adequadas e aquelas de
menor custo, maior aceitação e maior praticidade.
153
3.3.1.2 Sala de espera com as gestantes
Na ocasião da pesquisa, a única iniciativa coletiva direcionada para as gestantes
consistia na “sala de espera” vinculada à equipe Vermelha e desenvolvida
principalmente pelas estagiárias de medicina, com o apoio dos ACS. Nesse espaço,
dentre os assuntos ligados à alimentação, além do aleitamento materno, cuja abordagem
será discutida mais adiante, foram incluídas questões relacionadas à alimentação da
gestante e do bebê, mas no geral de forma superficial e pontual (Diário de campo-
observação).
No que diz respeito à abordagem da alimentação com as gestantes, Baião &
Deslandes 261 lembram a necessidade de ampliação dos espaços nos serviços de saúde
para que as mulheres possam se expressar e “que os profissionais de saúde se sintam
preparados e seguros para agir”. Nessa direção, destacam a importância do
desenvolvimento da capacidade para “uma escuta autêntica para compreender as
demandas objetivas e subjetivas das mulheres grávidas que buscam as unidades de
saúde” para práticas voltadas à “promoção da vida”261.
Cabe evidenciar que na reunião que contou com a presença dos estagiários de
nutrição, eles participaram timidamente, por meio de orientações com predomínio da
linguagem acadêmica: “importante comer a clara do ovo, pois é proteica”.
Em pelo menos duas reuniões foram discutidas questões envolvendo a
amamentação. As abordagens desse assunto na “sala de espera” variaram conforme os
profissionais e os estagiários. Desse modo, observamos a coexistência de situações que
reforçaram a perspectiva da transmissão de conhecimentos e o foco na culpabilização da
mulher apontados anteriormente, com enfoques horizontais e dialógicos, envolvendo
dimensões mais ampliadas da questão, conforme demonstram as situações a seguir.
Na primeira reunião do grupo, coordenada pelas estagiárias de medicina, o
diálogo de uma das estagiárias com uma gestante demonstra o enfoque mais restrito e
verticalizado sobre a amamentação: - “Tem alguma dúvida”? E diante da negativa da
usuária gestante, exclamou ironicamente -“então está sabendo de tudo?! ” (Diário de
campo-observação).
No sentido de comprovar aquela informação, pediu para a colega fazer uma
pergunta à gestante : -“existe leite fraco”? Com assertividade, a gestante respondeu que
não! Essa abordagem pode inibir a participação das mulheres, considerando que não
favorece a interação e confiança com os estagiários/profissionais. Podendo interferir na
154
motivação para que as usuárias participem de outras atividades dessa natureza
implementadas pelo serviço de saúde (Diário de campo-observação)..
A partir desse “aquecimento” foi iniciada a discussão sobre o assunto, onde as
estudantes falaram sobre a amamentação e alimentação da criança. Perguntaram se a
gestante tinha amamentado a filha e ela contou que tinha amamentado até os dois anos,
relatando a dificuldade para introduzir outros alimentos. Em seguida as estagiárias
relataram um caso de um bebê com um mês que tinha tido alergia ao leite em pó e
repreenderam a opção da mãe da criança “ela trabalhava e teve que dar outro leite, mas
não pode, não é? Tem que priorizar a alimentação da criança”! Uma das mulheres do
grupo referiu que só amamentou a filha por um mês, dizendo que por isso sua criança
vivia doente (Diário de campo-observação).
Mediante uma abordagem que não levou em conta o conjunto de aspectos que
envolvem o ato de amamentar, atribuindo-o a uma escolha individual da mulher, não
foram discutidos a disponibilidade de apoio, as ambiguidades e subjetividades que
atravessam a mulher na amamentação, dentre outros pontos significativos reconhecidos
pela literatura 252, 253.
A ênfase voltava-se mais às informações e recomendações científicas do que à
valorização das condições efetivas de vida daquelas mulheres para obter êxito na
amamentação. A importância das informações para as mães sobre os benefícios da
amamentação é indiscutível , entretanto, conforme lembram Machado & Bosi 253 “a
informação, por si só, não parece suficiente para garantir a continuidade da
amamentação”.
Por outro lado o fato das atividades contarem frequentemente com a participação
de estagiários na linha de frente da condução poderia gerar insatisfação nas usuárias.
Assim, a gestante que participou de atividades ligadas à “sala de espera” demonstrou
pouca confiança no fato das reuniões serem coordenadas frequentemente por
estagiários, sugerindo a necessidade da participação de especialistas nas atividades, no
sentido de aumentar sua segurança e confiança quanto as informações disponibilizadas:
“[...] a questão da confiabilidade, pois lá nas atividades não tem tanta presença de especialistas [...] tem mais presença de de estudantes de medicina, de nutrição. E a gente sabe que quando ainda é estudante, está estudando para aprender. [...] o que falta é justamente isso, trazer mais especialistas que possam tirar as dúvidas assim mais claras [...] Porque às vezes nós perguntamos algo a alguns estudantes e eles ficam um olhando
155
para a cara do outro e vem com a resposta, mas você vê que não é muito segura”. (U5)
A partir dessas abordagens, Souza, Mello e Ayres 254 alertam que “os serviços e
profissionais criam ou deixam de reduzir vulnerabilidades para a mulher e para a
criança quando se mostram incapazes de perceber diferentes oportunidades de
conversa, nas quais possam ser criados diálogos efetivos sobre o assunto”.
Para tanto, enfoques orientados pelo modelo dialógico são considerados um
caminho promissor, com vistas a promover as mudanças nas relações entre os
profissionais e usuários, e favorecer as iniciativas em prol da amamentação262 . Dessa
maneira, as iniciativas coletivas tornam-se oportunidades que podem estimular as
reflexões sobre as dificuldades enfrentadas pelas usuárias e a complexidade que
envolve a amamentação 252,263 , auxiliando as mulheres a identificar e a lidar com as
influências culturais e familiares que envolvem essa prática 148.
Nessa direção, cabe sublinhar outros enfoques mais abrangentes e horizontais
que se distinguem da abordagem relatada anteriormente. A participação das duas ACS,
que colaboraram na discussão sobre a amamentação, explicitando suas experiências
como mães, problematizando o debate com questões ligadas à realidade do grupo
indicou uma abertura e disponibilidade desses profissionais para o diálogo e interação
com as mulheres (Diário de campo-observação/Conversas informais).
Em outra ocasião, as estagiárias de enfermagem também discutiram o assunto a
partir de uma perspectiva mais participativa. Apesar de haver apenas uma gestante na
espera, como a atividade foi no espaço do corredor, outras pessoas que aguardavam
atendimento também participaram - senhoras, homens e uma mulher que amamentava
seu filho (servindo como exemplo de pega correta), tornando a discussão rica e
ampliada (Diário de campo-observação).
O envolvimento dos usuários foi estimulado. Assim, demostraram interesse,
fazendo perguntas sobre o aleitamento e sobre a alimentação infantil. Algumas mulheres
já tinham tido experiências anteriores com o assunto e opinaram. Um aspecto
interessante foi o fato da visão masculina dessa questão ter sido contemplada por meio
da participação de um usuário e do docente do curso de medicina, que se integraram à
discussão. A participação da equipe Vermelha (responsável por essa atividade) se deu
por meio de uma ACS, apenas com o apoio logístico, visto que ela se manteve calada ao
longo das discussões (Diário de campo-observação).
156
Interessante notar a participação da docente de enfermagem, a qual se mostrou
bastante atenta, intervindo e estimulando a participação das estudantes e dos usuários
com questões e exemplos ao longo de toda a atividade. As estudantes de medicina que
já tinham discutido esse assunto anteriormente nesse mesmo espaço, chegaram apenas
ao final da atividade, reafirmando a frágil integração entre os estagiários dos diversos
cursos e instituições (Diário de campo-observação).
Araújo & Almeida 252 assinalam os desafios em torno da abordagem da
amamentação pelo profissional de saúde “uma vez que ele se depara com uma demanda
para a qual não foi preparado, e que exige sensibilidade e habilidade no seu trato”,
devendo para além das ações centradas nas dimensões técnicas e biológicas, abranger
os antecedentes culturais maternos e os seus contextos 263.
A academia pode ser uma forte aliada nesse processo, no sentido de propiciar o
aporte de novas abordagens e conhecimentos no cotidiano do processo de trabalho das
equipes de saúde, dinamizando e induzindo a reorientação das práticas. No entanto, na
medida que ainda reproduz práticas educativas marcadas pela transmissão de
informações, há uma tendência ao reforço desse tipo de enfoque junto às equipes de
saúde, produzindo um “círculo vicioso” no processo de interação ensino-serviço.
3.3.1.3 As visitas domiciliares dos ACS
As visitas domiciliares consistem em espaços de encontro dos profissionais,
especialmente dos ACS, com as famílias nos seus territórios, fora dos “muros” da
unidade de saúde, onde muitas vezes fluem assuntos que dificilmente surgiriam nas
salas e consultórios do serviço de saúde. Conforme a Portaria nº 648 do MS 264 dentre
as responsabilidades dos ACS estariam o desenvolvimento com as famílias “de ações
educativas individuais e coletivas” por meio de visitas domiciliares “visando à
promoção da saúde e a prevenção das doenças”264.
Portanto, como espaço privilegiado para o trabalho educativo 265entendemos ser
a ocasião da visita propícia para o diálogo em torno das questões alimentares, no sentido
de que se os ACS são bem preparados, podem contribuir no esclarecimento de dúvidas e
acompanhamento das dificuldades enfrentadas pela comunidade 248.
Nos últimos anos têm se intensificado a promoção de oficinas e eventos de
diversas natureza no âmbito nacional voltados ao debate da alimentação e nutrição,
além da produção de materiais especialmente pelo Ministério da Saúde com vistas a
apoiar ações e processos educativos relacionados às práticas alimentares saudáveis nos
157
contextos locais 12 . Dentre essas publicações destaca-se o Guia Alimentar para a
população brasileira do Ministério da Saúde 266.
O Guia consiste em um instrumento com diretrizes para as práticas educativas
em alimentação e nutrição, na perspectiva da promoção da saúde, sobretudo como
enfatiza Vasconcellos 242 “a partir dos serviços de atenção primária e no
desenvolvimento de ações e políticas intersetoriais que conformam a segurança
alimentar e nutricional”. Na opinião de Santos 83 essas iniciativas parecem indicar um
processo de:
“[...] estruturação em torno da educação alimentar e nutricional enquanto uma ação governamental (ou até como uma política de Estado conforme referido em um dos documentos), com vistas à promoção da alimentação saudável sob a perspectiva de diferentes políticas relacionadas ao tema: seja a Promoção da Saúde ou da Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada sendo, a depender do órgão formulador da política, a ênfase é maior em um campo ou outro”83. [grifos da autora]
Além disso, existe também o Guia Prático do Agente Comunitário de Saúde 267,
referência para subsidiar os ACS nas visitas domiciliares quanto a abordagem dos
principais temas do seu cotidiano de trabalho. As orientações sobre a alimentação estão
sistematizadas sob o enfoque dos “10 passos para a alimentação saudável” 203,
estabelecidos em diversos tópicos do Guia de acordo com o curso de vida. O
documento também propõe recomendações para as ações do ACS “diante dos
problemas nutricionais”, a saber:
“Estimular a participação comunitária para ações que visem a melhoria dos hábitos alimentares; Identificar casos de situação de risco nutricional (obesidade, desnutrição, bulimia, anorexia nervosa) e orientar para procurar a UBS; Identificar estratégias para melhoria do estado nutricional na comunidade e na família; Orientar para procurar a UBS nos casos em que há necessidade de orientação nutricional”267.
Nessa perspectiva, Vasconcellos 242 destaca o papel dos ACS e da sua
capacitação para qualificar a promoção da alimentação saudável “os estados e
municípios brasileiros são responsáveis pela contratação de cerca de 230 mil agentes,
158
e a implantação gradual de módulos de capacitação [...] já começa a ser
experimentada no Nordeste do país.”
Contudo, conforme assinala Santos 83 a consolidação dessa discussão ainda está
restrita à dimensão nacional, não sendo “devidamente representativa nos âmbitos
estaduais e municipais”. Apesar da existência de diretrizes, Silva 255 alerta que:
“[...] ainda é necessária a árdua tarefa de qualificar o profissional de saúde como um mediador da interlocução com a sociedade. Isso exige um profissional de saúde que consiga auferir conhecimentos e habilidades que potencializem seu papel de agente de saúde a partir do entendimento que o processo é biocultural, para que suas atitudes proporcionem o resgate da visão de que os alimentos não são apenas para a nutrição do corpo e das finanças, mas também nutrem o imaginário da vida humana”.255
Importa destacar também que os enfoques dos profissionais nas visitas
domiciliares refletem os processos decisórios da gestão municipal em torno das
prioridades quanto às metas a serem alcançadas pelos níveis locais da atenção.
Lembrando que em João Pessoa, a exemplo de outros municípios 268, tem sido
privilegiada a avaliação focada em resultados finais e mensuráveis por meio dos
indicadores quantitativos.
Concordamos com Fonseca, Machado, Bornestein, Pinheiro 223 que argumentam
que tal racionalidade não favorece a atuação dos ACS em prol do trabalho educativo. As
autoras compreendem que a concepção do trabalho do ACS vinculada “à difusão de
comportamentos específicos” baseados nos fatores de risco, “tem orientado uma
vertente de avaliação centrada na produção de atividades, identificadas com as
diretrizes dos programas verticais de saúde”. Os achados deste estudo reafirmam esses
aspectos.
“[...] nós somos obrigados a acompanhar todas as famílias, mas às vezes tem um empecilho, aí nós temos obrigação de acompanhar os hipertensos, os diabéticos, gestantes, crianças menores de dois anos, pessoas acamadas, com problemas mentais [...]”. (ACS3-Vermelha)
“[...] ele [ACS] chega e pergunta se está tudo bem, se eu estou tomando o remédio direitinho, se eu não senti nada, se o povo da casa está tudo com saúde. [...] a conversa é essa, sempre. A rotina do trabalho dele.” (U3)
159
Na realidade pesquisada, no decorrer das visitas, constatamos que a abordagem
da alimentação ficava a critério de cada ACS, variando conforme o seu interesse e
aproximação com o assunto. Em diversas ocasiões a questão da alimentação não era
enfatizada, sugerindo que possivelmente o ACS não estava atento e/ou preparado para
lidar com o assunto. Assim, observamos que, mesmo quando vinham à tona situações
que mereceriam explorar aspectos ligados à alimentação e nutrição, isso nem sempre
ocorria (Diário de campo-observação).
E quando acontecia geralmente não se levava em consideração a complexidade
que envolve as práticas alimentares, centrando-se em uma abordagem superficial, com
ênfase nos “grupos de risco” e na prescrição de nutrientes e de comportamentos
considerados saudáveis. A divulgação da presença dos estagiários de nutrição na
unidade, com sugestões para que os usuários buscassem atendimento era recorrente.
“[...] além da gente orientar a dieta do sal para o hipertenso, a dieta alimentar da gordura, do cigarro. Na visita, com os nossos hipertensos e idosos, algumas crianças, a gente também pede para que eles venham aqui para a unidade [...]e eles fazem esse acompanhamento aqui, com os nutricionistas, que estão quase formados [...]”. (ACS1-Azul) “[...] eu tento trazer o pessoal que eu acho que muitas vezes tem queixa [...] as vezes é o sobrepeso. Então, eu como agente de saúde, eu digo ‘como é que você está se alimentando’? [...] eu digo ‘olhe vá para o pessoal da nutrição para conversar, orientar. E muitos deles vêm. [...]” (ACS5-Azul)
Essas características foram corroboradas pelos eventos que observamos nas
visitas dos ACS, discutidos a seguir. Em uma casa, a senhora relatou que a sua filha,
com oito anos, com sobrepeso, costumava comer muito doce e o pai dela comentou “a
agua dela é refrigerante”, para indicar o consumo excessivo da bebida pela filha. A
ACS apenas orientou a mãe para levá-la na “equipe de nutrição que atende na
Unidade” (Diário de campo-observação).
Em uma família onde havia uma criança com três anos que tinha permanecido
internada no hospital por cinco dias com “fraqueza, vômitos e anemia”, a ACS não se
reportou ao assunto da alimentação em nenhum momento da visita. Em outra situação,
o ACS ao observar no cartão da criança que, além de algumas vacinas, faltava também
uma dose de Vitamina A, comentou “é importante a vitamina A”, mas sem justificar o
160
motivo, nem informar sobre as fontes alimentares do nutriente (Diário de campo-
observação).
Em outra ocasião, ao ressaltar a importância de procurar o nutricionista e a
senhora falar que esse profissional passava coisas que ela não gostava, a ACS então
tentou desconstruir a visão negativa dela sobre o nutricionista. Houve também uma
senhora que demonstrou bastante afinidade com o ato de cozinhar, conversando bastante
sobre as preparações que fazia para reunir a família e amigos. Indicando a potência das
visitas para se explorar a alimentação, a partir da culinária e da sua relação com a vida
cotidiana (Diário de campo-observação).
Garcia & Castro 269 argumentam que a culinária por ser uma prática social, que
mescla elementos individuais e coletivos articulados aos conhecimentos tradicionais e
contemporâneos “se apresenta como um espaço apropriado e promissor para
intervenções que visem promover a troca de experiências e um aprendizado holístico
sobre alimentação e nutrição”, apontando o seu potencial como experiência criativa
para as iniciativas voltadas às mudanças alimentares.
Por outro lado, as condições de muitas famílias eram marcadas por múltiplas
dificuldades. Nessas situações, a problemática da vida se impunha e o foco da visita
geralmente era a escuta do que as pessoas sentiam necessidade de falar 71. Assim, em
certa ocasião, ao sairmos de uma casa onde viviam apenas uma senhora idosa com sua
filha portadora de transtornos mentais, após escutarmos as fragilidades daquela família
para conduzir a vida, a ACS nos olhou de modo compadecido e comentou: “está vendo
essa situação”? acrescentando várias informações sobre a precariedade do contexto que
envolvia a família (Diário de campo-observação).
Nessa perspectiva, além da ACS manter uma forte interação e vínculo com as
famílias da sua área, demonstrava o incômodo pela sua limitada capacidade de ação
frente a esse tipo de situação. A complexidade dos contextos locais marcados pela
pobreza muitas vezes dificulta o manejo das situações pelos profissionais de saúde da
atenção básica.
Duarte, Silva e Cardoso 71, comentam que “norteados pelo referencial médico
biológico, os profissionais de saúde sentem-se impotentes diante da miséria,
desemprego, falta de higiene, fome”. Alertando que, apesar de não existir solução
imediata, esses problemas “são tão graves que precisam ser cuidados”. E apontam a
escuta como forma de acolhimento dessas questões “ouvir o que a comunidade tem ou
precisa dizer é acolher; o acolhimento é uma forma de cuidar. Talvez o primeiro passo
161
para ampliar um diálogo que pode gerar possibilidades e oportunidades”. Essas
inquietações e dilemas emergiram nas falas dos ACS, diante das dificuldades
financeiras da comunidade para aquisição de uma alimentação adequada:
“A gente costuma dar [orientação sobre a alimentação e nutrição] [...] mas quando se vê a realidade financeira da pessoa é que a gente não alcança, porque aí eles, ‘mas como vou comprar se só tem uma aposentadoria’, imagina 620,00 para pagar aluguel, pagar energia e fazer compra! A gente fala, mas a gente vê que é difícil para eles cumprirem a orientação que recebem”. (ACS10 – Amarela)
Nessa perspectiva, recorremos a Freire 80, que refletindo sobre o papel da escuta
no contexto educativo, diz que “somente quem escuta paciente e criticamente o outro,
fala com ele, [...] como sujeito da escuta de sua fala crítica e não como objeto de seu
discurso”. Nesse sentido, o autor problematiza “quem tem o que dizer deve assumir o
dever de motivar, de desafiar quem escuta, no sentido de que, quem escuta diga, fale,
responda” ressaltando o lugar do silêncio no processo comunicativo:
“[...] de um lado, me proporciona que, ao escutar, como sujeito e não como objeto, a fala comunicante de alguém procure entrar no movimento interno do seu pensamento, virando linguagem”; de outro, torna possível a quem fala, realmente comprometido com comunicar e não com fazer puros comunicados, escutar a indagação, a dúvida, a criação de quem escutou”80.
A precariedade das condições aliada ao excesso de peso e DCNT, afetando
inclusive crianças e adolescentes eram frequentes no território da USF Caleidoscópio,
reforçando o entendimento de que as manifestações de condições de insegurança
alimentar podem ser representadas pela situações de déficit nutricional ( desnutrição e
carências de micronutrientes), mas também pelo excesso (sobrepeso e obesidade) 31.
Os resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PENSE) 270, realizada
com os escolares do 9º ano do ensino fundamental evidenciam que na cidade de João
Pessoa, 20,6% desse grupo estavam com excesso de peso, sendo que destes, 14,9%
apresentaram sobrepeso e 5,7% obesidade. Para o Brasil, esses resultados foram mais
elevados, onde 16,0% estavam com sobrepeso e 7,2% com obesidade.
162
Tais aspectos reafirmam o papel da intersetorialidade como um recurso
promissor para promover desdobramentos efetivos quanto a criação das oportunidades
de enfrentamento dos problemas, particularmente aqueles vinculados a SAN no âmbito
da ESF 18, 29.
3.3.1.4 Os estagiários de nutrição
Tendo em vista as evidências apontadas, apesar de não ser objetivo deste estudo
analisar as práticas dos estagiários na unidade, entendemos ser pertinente discutir as
principais dimensões das abordagens da alimentação reveladas a partir da inserção dos
graduandos em nutrição na USF estudada.
Embora houvesse o envolvimento dos estagiários nas visitas domiciliares e em
algumas atividades coletivas na USF Caleidoscópio, tanto os depoimentos como a
observação no campo, indicaram que a abordagem individual, sobretudo com ênfase na
elaboração de dietas, consistia na dimensão privilegiada por suas atividades:
“Eles [os estagiários] atendem, fazem avaliação. O usuário retorna depois, pra pegar alguma orientação, algum plano alimentar, [...].” (A2) “[...] esse grupo [de estagiários] realiza as consultas individuais e vez ou outra, eles também organizam atividades educativas”. (A3)
O acompanhamento de sucessivas reuniões do grupo de idosos no decorrer dos
quatro meses que permanecemos na USF Caleidoscópio permite afirmar que enquanto
os estagiários de enfermagem participaram de diversas atividades do grupo, os
estagiários de nutrição estiveram presentes apenas uma vez. Além disso, o
acompanhamento das atividades na unidade pela docente supervisora de enfermagem se
dava cotidianamente, havendo forte interação entre ela e os profissionais de saúde. Por
outro lado, no período da coleta de dados não tivemos oportunidade de encontrar com a
docente responsável pela supervisão dos graduandos de nutrição no serviço (Diário de
campo-observação).
Mesmo levando em conta que hoje em dia os recursos de comunicação e de
ensino não se restringem a modalidade presencial, talvez esse fato possa ser um
indicativo de fragilidades na relação ensino-serviço e no próprio processo de supervisão
das atividades realizadas pelos estudantes.
163
A atividade do grupo de idosos que os estagiários de nutrição participaram no
período estudado, foi de responsabilidade da equipe Amarela. Assim, a primeira parte
foi desenvolvida pela odontóloga e alguns ACS da equipe mencionada, que
conversaram sobre os sentidos- paladar, audição, tato e olfato- por meio de uma
dinâmica, onde com uma venda nos olhos e diversas frutas e legumes, foram abordadas
de forma bastante criativa e participativa as modificações desses sentidos na velhice,
além de aspectos envolvendo a alimentação. Com exceção de uma estagiária que
participou de forma passiva, os estagiários não se fizeram presentes nesse momento
(Diário de campo-observação).
O segundo momento da atividade foi o que contou com a participação de todos
os estagiários, que abordaram a promoção da alimentação saudável com os idosos, a
partir da apresentação e explicação da pirâmide alimentar (reproduzida em um banner)
por uma estagiária, com a leitura e distribuição aos participantes de um folheto com
texto intitulado “10 passos para a alimentação saudável dos idosos” , adaptado do
material do Ministério da Saúde 203.
Porém, notamos que a qualidade da impressão do material não era satisfatória, o
tamanho da letra era pequeno e não constavam os devidos créditos da fonte de origem
das informações. Tais características podem não ter favorecido a leitura e apreensão das
informações pelos idosos. A utilização de impressos e outros recursos pedagógicos têm
sido recomendados no sentido de apoiar o desenvolvimento de processos educativos 271.
Porém para que esses recursos contribuam efetivamente à construção do conhecimento
e à autonomia nas decisões ligadas à saúde, devem ser adequados ao contexto dos
envolvidos nesses processos.
Nessa direção, de acordo com Moreira, Nóbrega e Silva 271 a comunicação
escrita nas atividades de educação em saúde teria as funções de “reforçar as
informações e discussões orais, de servir como guia de orientações para casos de
dúvidas posteriores e auxiliar nas tomadas de decisões”. Souza et al 272 a partir de
estudo realizado sobre a produção de material educativo impresso com trabalhadores de
escolas públicas do Rio de Janeiro, destacaram que esse tipo de material além de
possibilitar o acesso às informações claras, deveria ser “significativo da realidade
daquele segmento específico e que pudesse, além de informar, estimular a reflexão”272.
Outro ponto que nos chamou a atenção da abordagem dos estagiários no grupo
de idosos foi o fato de ser centrada na transmissão de informações. Desse modo, houve
a explicação superficial da pirâmide alimentar, com ênfase nos termos científicos, não
164
sendo estimulada a participação dos idosos e dos profissionais de saúde; alguns idosos
cochilaram, a ponto da estagiária comentar “tem gente dormindo, é importante prestar
atenção”, lembrando o comportamento de um professor em uma aula expositiva, nos
moldes tradicionais (Diário de campo-observação).
Percebemos pouca articulação dos estudantes com os profissionais, onde cada
segmento realizou a sua parte na atividade. Ressaltamos que a odontóloga da equipe
Amarela acompanhou o desenvolvimento da atividade atentamente, pedindo inclusive
que a estudante falasse mais alto para facilitar a escuta pelos idosos. Além dela, havia
alguns ACS. Ao final, as estagiárias serviram o lanche (composto por frutas, sucos
naturais, dentre outros alimentos considerados saudáveis) e saíram sem participar do
lanche com o grupo e sem despedir (Diário de campo-observação).
Compreendemos que essa oportunidade, além de ser válida para estimular a
interação ensino-serviço, poderia ter sido mais explorada para fomentar o envolvimento
dos usuários e dos profissionais com a temática da alimentação e nutrição. Porém o
enfoque utilizado pelos estagiários não favoreceu esses aspectos, realçando as
fragilidades da formação em nutrição que ainda tem mantido pouca aproximação com
perspectivas abrangentes, articuladas aos contextos dos grupos sociais envolvidos, no
sentido de lidar melhor com a complexidade que envolve a alimentação 30, 273, 274.
Sobre o debate acerca da formação em nutrição, a apoiadora nutricionista teceu
algumas críticas, destacando o reforço ao comportamento autoritário promovido pela
academia e apontando lacunas no ensino quanto a uma abordagem mais humanizada.
“[...] a gente passava os dois primeiros anos, vendo tudo, menos o que é nutrição. Aí no terceiro ano você só vê clínica, muita clínica e indústria. E aí quando chega no último ano joga o povo [se referindo aos estudantes] lá dentro de um hospital público, dentro de uma comunidade”. [...] ninguém me ensinou como é que conversa com o outro, como é que eu chamo a pessoa, se eu posso pegar na mão dela. Todo mundo me ensinou a ficar na cabeceira do leito e olhando o paciente que está lá na frente [...]”. (A1)
Nessa perspectiva, o campo acadêmico tende a favorecer um habitus 97 que
promove o distanciamento do outro e a desumanização do cuidado, havendo a
reprodução pelos estudantes nos serviços do que vivenciam no ambiente universitário,
reforçando os símbolos da suposta supremacia dos profissionais e do conhecimento
científico:
165
“[os estagiários] se colocam muito nessa posição do doutor, [...] enquanto estudante sempre fui muito criticada porque eu não seguia as normas. Então dentro do Hospital Universitário, eu não podia tocar no paciente porque eu poderia pegar escabiose [...]. [...]. Infelizmente a academia, ela bota isso na cabeça das pessoas e elas seguem. Alguns poucos, infelizmente, abrem o olho. [...]. E aí quando eles vão para a equipe, botam o jaleco, vão de salto, querem ir maquiada, os meninos com a chave do carro pendurada, com o estetoscópio no pescoço e aí é o doutor. E a comunidade vê como o doutor porque é assim que eles entram na casa das pessoas, com o jaleco”. (A1)
Nas visitas domiciliares com os estagiários de nutrição, ocorreram situações que
reforçam esses aspectos. Por exemplo, na abordagem do estagiário junto a um senhor, o
ACS argumentou “ele ouve muito os profissionais, bota o jaleco senão vai pensar que é
uma pessoa qualquer” e perante alguns usuários se referiu aos estagiários de nutrição
como os “doutores da comida” (Diário de campo-observação).Achado semelhante foi
verificado por Camossa et al 246 em cujo estudo um dos profissionais de saúde relatou
que os nutricionistas eram os “médicos dos alimentos” 246.
Torna-se válido problematizar esses aspectos levando em conta também que no
cenário das profissões de saúde, o curso de nutrição tem sido de certa forma
considerado de “segunda linha”. Como lembra Bosi 275 a nutrição “é, ainda hoje, uma
semiprofissão”, com indefinições na sua identidade profissional e quanto a sua
autonomia técnica diante de algumas atividades 275.
Nessa perspectiva, para esses jovens estagiários, às vezes procedentes de classes
populares, o ingresso em um curso universitário, mesmo sem tanto reconhecimento,
pode significar uma possibilidade de ascensão social, assim buscam reproduzir
elementos do comportamento de colegas de outras profissões que gozam de mais
prestígio e status na comunidade científica e na população, como os médicos, no sentido
de obter reconhecimento e distinção social 113.
Todavia, as abordagens dos estagiários nas visitas domiciliares, traziam outros
elementos que merecem ser explicitados. A aproximação com a comunidade por meio
das visitas reafirmava que a alimentação consistia um dentre tantos outros aspectos
daquele contexto. Assim, nos deparamos com algumas famílias vivendo situações
complexas, como a de um jovem ex-atleta portador de deficiência locomotora, que
consumia suplemento nutricional sem acompanhamento de profissional habilitado; uma
166
criança com sete anos, obesa, ainda usando mamadeira e com comportamento agressivo
decorrente de problemas familiares; um idoso hipertenso, desidratado e com diarreia,
dentre outras questões (Diário de campo-observação).
Frente a esse cenário, o enfoque dos estagiários, nas visitas que acompanhamos,
mesclava características ligadas a uma prática humanizada, baseada em relações
horizontais, predominando o diálogo e a escuta atenta aos problemas que emergiam,
com características de uma prática mais prescritiva e verticalizada. Ao final da manhã,
quando perguntamos a opinião dos estagiários sobre as visitas, um deles respondeu que
as questões que emergiram estavam mais ligadas ao âmbito da psicologia,
argumentando que nas visitas subsequentes iria trazer material (se referindo aos
impressos) “pois eles falam demais e se perde o foco” (Diário de campo-observação).
Esses comentários levam a crer que as questões ligadas às dimensões subjetivas
não seriam do escopo da área da nutrição e consequentemente estariam fora do seu
“foco”. Esse entendimento contraria o que vem sendo pautado mais recentemente nas
políticas e nas investigações, que têm destacado o papel dessas dimensões nas
abordagens educativas em nutrição.
Nessa perspectiva, importa reconhecer os avanços nas políticas de saúde e de
SAN, com a ampliação das ações de nutrição, das atribuições do nutricionista, dos
profissionais de saúde e à ênfase na interdisciplinaridade nesse cenário 3, 13. Pinheiro et
al 274 alertam para a necessidade da substituição das práticas pedagógicas verticais de
transmissão do conhecimento por enfoques orientados pelo diálogo,
interdisciplinaridade, problematização e análise critica, buscando dessa maneira
envolver também o campo da SAN:
“As inovações se constroem pelo reconhecimento de alternativas, saberes e práticas, nas quais se imbricam objetividade e subjetividade, saber popular e saber científico, teoria e prática, anulando dicotomias e gerando novos caminhos participativos e interdisciplinares. O processo de formação e trabalho em saúde precisa construir o novo perfil de formação de Nutrição em saúde pública: a ação profissional deve ser ampliada e estendida para o campo da segurança alimentar e nutricional”274.
167
3.4 Práticas educativas sob o enfoque da SAN na Unidade de Saúde da Família:
constrangimentos e possibilidades
Considerando os avanços das políticas e iniciativas voltadas à SAN no país,
cabe aprofundar como o setor saúde está operando esses processos, especialmente no
âmbito das práticas educativas nos contextos locais da ESF, buscando identificar os
aspectos que potencializam e que constrangem as dimensões envolvidas na SAN nessas
práticas.
3.4.1 A compreensão da SAN pelos agentes envolvidos
Levando em conta que as ações que são desenvolvidas no campo da SAN podem
estar relacionadas a como os sujeitos entendem a perspectiva da SAN 276, 277,
procuramos conhecer qual a compreensão dos entrevistados sobre a SAN e seus
determinantes buscando ampliar o entendimento sobre os elementos que configuram a
implementação das práticas educativas na USF Caleidoscópio.
Os relatos dos apoiadores trouxeram noções mais próximas do que vem sendo
defendido nas políticas e marco legal da SAN e do DHAA 2,3. Com relação aos
profissionais de saúde e usuários, ao serem indagados se já tinham escutado falar na
SAN, a maioria referiu não ter tido esse contato com o assunto. Muitos expressaram
surpresa ou estranhamento ao ouvir a pergunta, além de pausas, silêncios e reticências
no decorrer das falas, o que pode sinalizar o quanto a aproximação com os conceitos e
princípios que envolvem esse campo, ainda estava incipiente no nível local.
Com relação ao DHAA, os profissionais e apoiadores manifestaram maior
familiaridade com o assunto, alguns fizeram analogia com o direito à saúde, habitação e
remeteram ao texto da Constituição brasileira. Apesar de muitos terem afirmado que
esse direito não era efetivado para grande parte da população, as políticas públicas não
foram enfatizadas como instrumentos para a sua promoção, proteção e apoio. Dos
usuários entrevistados, nenhum demonstrou ter aproximação com o assunto, relatando
nunca ter ouvido falar do DHAA. Esses achados são similares aos de Ramos & Cuervo 277.
No depoimento abaixo a noção de SAN está associada ao que está estabelecido
na LOSAN e outros documentos normativos, emergindo a complexidade e a amplitude
das dimensões envolvidas no debate da SAN:
“É um mundo complexo que vai desde o solo, até dentro de sua casa, ou onde você estiver se alimentando. Então é um percurso
168
muito grande, que envolve não apenas o alimento, mas toda a questão de sustentabilidade, de biossegurança, de biodiversidade [...].[...] é todo um contexto maior que envolve aquela família”. (A1)
Seguindo a mesma tendência abrangente, a SAN foi remetida ao campo dos
direitos humanos e a parceria do setor público e privado para garantir a alimentação
adequada:
“[...] [a SAN] está no campo dos direitos humanos, que seria a garantia, para toda a população, pelo poder público ou em parceria com a iniciativa privada, de minimamente uma alimentação que consiga dar conta de manter um organismo vivo funcionando adequadamente [...]”. (A3)
No relato abaixo a compreensão da SAN distancia-se das perspectivas
anteriores, com ênfase nas dimensões biológicas, associando-a a noção de equilíbrio
nutricional do organismo por meio de uma alimentação adequada. O entendimento da
SAN pelos profissionais como garantia de uma alimentação adequada também foi
observado no estudo realizado por Alves 42.
“[...] segurança alimentar é ter condições adequadas de alimentação, condições nutricionais adequadas [...]”. (A2)
Alves 42 aponta a necessidade da difusão da relação entre a saúde e SAN “entre
gestores e profissionais ligados à ESF para que estes possam identificar melhor nas
ações dos serviços de saúde elementos promotores da SAN e compreender seu papel de
agentes promotores de SAN”. Nesse sentido, a promoção da SAN emergiu relacionada
as ações e iniciativas vinculadas a outros setores, para além da saúde, incluindo a
agricultura familiar, meio ambiente, transporte, abastecimento e consumo.
“[...] incentivar a agricultura familiar sem agrotóxico, de uma forma que o meio ambiente esteja contido nesse mundo do que seria segurança alimentar e nutricional. E aí vem toda a questão de transporte, da venda desse alimento até chegar realmente ao consumo do ser humano”. (A1)
Além disso, as ações para promover a SAN também foram relacionadas à
orientação para promover o equilíbrio nutricional, onde identificamos a noção das
desigualdades quanto ao acesso e ao perfil alimentar e nutricional nos territórios,
169
apontando para a necessidade do diagnóstico das condições do território pelas equipes
de saúde, no sentido de promover ações voltadas à SAN no âmbito da USF compatíveis
com essas condições.
“[...] promover o equilíbrio nutricional. [...] a população tem características alimentares, nutricionais, diferentes [...], até pelas condições de alcance dessa nutrição adequada. [...] como há essa diferença, cada equipe de saúde tem que identificar como está o seu território. [...] a partir dessa identidade do território, promover essa segurança de acordo com o que for possível ou de acordo com a alimentação que aquela família tem alcance, para que possa melhorar as condições nutricionais ou se não tiver alcance procurar formas de complementar isso, de acordo com as características tanto de cada território, como de cada família”. (A2)
Nessa direção, emergiu a centralidade dos ACS e dos espaços das visitas para a
identificação das situações e resolução dos problemas pelas equipes.
“[...][os ACS] têm um acesso à casa do usuário, então eles além dessas condições alimentares, eles identificam outras situações. Quando há alguma situação mais específica, que ele vê que a própria família não consegue resolver, então traz para equipe de saúde. [...] procura ver o que é que pode ser feito”. (A2)
Assim, as equipes costumavam recorrer à articulação com outros setores da
gestão municipal para intervenção de cunho emergencial frente às situações de maior
vulnerabilidade alimentar:
“[...] nas condições precárias e a gente tenta fazer articulação com outros setores, com a SEDES, para tentar ajudar, aquela família a receber pelo menos alguns alimentos adequados”. (A2)
“[...] a gente tem que mandar um bilhetinho [para a SEDES]. Várias vezes eu encaminhei famílias que estavam em situação de fome e a família foi atendida. [...]”. (ACS1-Azul)
Entre os profissionais, grande parte nunca tinha ouvido falar da SAN, e atribuiu-
lhe o sentido ligado ao alimento seguro e saudável, com ênfase para o conhecimento
sobre a composição nutricional dos alimentos, riscos e procedência, conforme mostram
os relatos:
170
“Diretamente com essa nomenclatura, não [ouvi falar]. [...] Segurança Alimentar e Nutricional? Seria vamos dizer assim, você ter direito a se alimentar de coisas que não fossem nocivas a sua saúde [...]”. (O2- Vermelha)
“Não ouvi falar [da SAN]. [...] é a pessoa está ciente do que ela está se alimentando, ela ter o conhecimento realmente do que está ingerindo. [...]”. (ACS10 – Amarela) “Não assim, diretamente [ouviu falar de SAN].[...] eu acredito que seja você está se alimentando de uma coisa que você saiba exatamente os nutrientes para que serve, que não vá lhe ofender no futuro, que tenha a nutrição certa [...] você saber o que está comendo, de onde vem. [...]”. (ACS3-Vermelha)
Entre os que tinham ouvido falar da SAN, os comentários expressaram diversos
sentidos ligados à alimentação saudável na perspectiva do equilíbrio e balanceamento
de nutrientes, da qualidade sanitária dos alimentos, da proteção dos riscos à saúde, não
incluindo outros aspectos relacionados ao conceito de SAN adotados na LOSAN 2 como
a sustentabilidade ambiental e cultural.
Além disso, não foram ressaltadas dimensões importantes que têm sido
apontadas na literatura atual como o sabor, o prazer e os aspectos simbólicos que
envolvem a alimentação e a SAN 20,130. Com exceção dos apoiadores, os depoimentos
de uma maneira geral remetem a uma aproximação ainda frágil e incipiente dos
entrevistados com os aportes teóricos acumulados ao longo da última década em torno
da SAN, sobretudo por algumas instâncias do governo federal e da sociedade civil. Tais
aspectos sinalizam um gap entre as instâncias gestoras, representadas pelos apoiadores e
as equipes locais e usuários, quanto à apropriação de questões envolvendo o assunto,
além de limitar a práxis efetiva dos profissionais da ESF 277.
No estudo desenvolvido por Ramos & Cuervo 277, na atenção básica de saúde em
Porto Alegre- RS, foi observado que os profissionais não visualizavam “os múltiplos
fatores” ligados a SAN, centrando sua atuação nos indicadores antropométricos,
repercutindo dessa maneira nas ações de promoção da SAN 277.
Nessa perspectiva, no relato do profissional médico emergiu a noção do acesso e
da alimentação associada à saúde, porém entendida como ração balanceada, com ênfase
na composição nutricional.
“[...] para que houvesse segurança alimentar, seria necessário que a comunidade tivesse a disponibilidade de acesso a uma alimentação balanceada, nutritiva e que atendesse as
171
necessidades humanas básicas. Quantidade de caloria, fibra, proteína, Ferro, carboidrato, lipídios, [...] isso aí faria com que houvesse uma perspectiva de saúde bem melhor”. (M1-Azul)
A perspectiva da prevenção da doença por meio da alimentação, mediante a
orientação da população também foi relacionada à SAN:
“[...] eu já ouvi falar [referindo-se a SAN]. É realmente em cima da orientação da alimentação, até onde a minha memória lembre agora, para que a população venha a ter mais saúde e a prevenir alguns problemas [...]”. (E1- Branca)
Por outro lado, nessa mesma direção do enfoque preventivo, a noção da SAN
também foi associada à necessidade de medidas de proteção individual e coletiva do
Estado contra os riscos e ameaças em torno dos alimentos e da alimentação.
[...] é saber se alimentar, ter cuidado no que você está comendo para não adoecer. Até a questão das pessoas que manipulam os alimentos, usar os equipamentos de proteção, gorro, luva, máscara para poder manusear esses alimentos [...]. A gente também não pode está comendo tudo, em todo canto, não é? Quando for pegar uma fruta tem que lavar, ter todo um asseio, eu acho que é por aí”. (E3-Vermelha) “[...] Não profundamente, mas já ouvi falar [em SAN] . [...] como se fosse a proteção individual, [...] o que ingerir, como ingerir e de onde esses alimentos estão vindo. Conservação, cultivo, hortifrutigranjeiro tem que ter inspeção da ANVISA, dos nutricionistas também.”. (ACS2-Vermelha)
Entre os profissionais entrevistados, apenas uma das odontólogas fez referência
aos programas sociais como lócus para a SAN, destacando iniciativas regulamentadoras
da promoção da alimentação saudável no âmbito escolar. Nesse sentido, o relato aponta
as estudantes de nutrição como veiculadoras de informações sobre o assunto,
possibilitando assim uma aproximação, ainda que superficial, do profissional
odontólogo e do serviço de saúde com essas ações.
“Já ouvi falar [de SAN], mas não tenho muito domínio assim, foi com as estudantes de nutrição, sobre os programas educativos, programas nas escolas com relação à merenda, que não podem ser vendidos os alimentos cariogênicos, com gordura, que seria preferível sucos, salada de frutas na cantina da escola,. Mas eu não conheço bem o programa não. [...]essa
172
lei, que tem que ter alimentação saudável ela é mais fiscalizada e vista nas escolas públicas”. (O1-Amarela)
Ainda que apenas dois dos usuários entrevistados tivessem ouvido falar sobre a
SAN, procuramos conhecer qual o entendimento que eles possuíam a respeito desse
enfoque. Nessa perspectiva, seguindo a mesma tendência dos profissionais, emergiram
noções relacionadas à alimentação saudável, à vertente da prevenção das doenças, à
higiene dos alimentos e medidas de controle dos riscos. Interessa notar que os
depoimentos refletem uma preocupação com os cuidados à saúde e à alimentação, do
ponto de vista da responsabilidade individual e dos preceitos dietéticos tradicionalmente
difundidos pelos serviços de saúde e pela mídia 278.
“Eu creio que [a SAN] seja alimentação saudável, [...]. (U9) “[...] uma comida enlatada que não esteja vencida. Uma comida bem lavadinha, bem escaldada. [...]. Já faço essas coisas para não pegar germe. [...] eu tenho o maior cuidado”. (U1) “[...] se você quer se cuidar e viver melhor você tem que fazer o seguinte, começar de muito cedo. Se alimentar com frutas, legumes, essas coisas assim [...]”. (U3) “[...] é fazer o nosso controle e se alimentar como elas [as nutricionistas] pedem. [...] é você se cuidar, procurar um nutricionista e se alimentar daquilo que realmente ela passa para gente, não comer toda besteira”.(U10)
Esses achados são compatíveis com o estudo de Ramos & Cuervo 277, cujos
resultados mostraram que a maior parte dos entrevistados tinha um entendimento
fragmentado e descontextualizado do assunto da SAN, predominando a noção de que “a
nutrição fundamenta-se apenas em uma abordagem técnica” 277.
Nesse sentido, as dimensões referentes ao enfoque de SAN adotadas nos textos e
documentos normativos das políticas públicas, bem como as ações e programas
relacionados à alimentação e a SAN não constaram nos relatos dos usuários, sinalizando
um descompasso entre o nível de formulação das políticas e a implementação das ações
ligadas à esse campo, no contexto local 83. Por outro lado, alguns depoimentos
realçaram a ausência da abordagem da SAN no espaço da USF:
173
“[...] Mas ter uma reunião sobre isso aqui, eu não tive não. Ainda não tive”. (U10) “[...] Eu escutava falar lá no [hospital do] Trauma, quando meu menino estava operado [...]. A nutricionista chegava, dava o cardápio do que ele ia se alimentar. Aí ela falava muito sobre a segurança alimentar, mas aqui no postinho não [...]”.(U11) “Eu já ouvir falar [da SAN], mas assim, escutar palestra, alguma coisa, ainda não...”. (U7)
São inegáveis os avanços quanto à produção de materiais informativos pelos
órgãos federais, especialmente o Ministério da Saúde, incluindo a temática da SAN e
DHAA, no sentido de subsidiar a implementação das ações no nível local. No entanto, a
existência desses materiais não garante o seu acesso e uso pelas equipes que estão na
ponta da rede de atenção à saúde.
Santos 83 ressalta a necessidade do envolvimento dos atores locais na produção
das publicações, sugerindo o fomento a uma produção descentralizada. A autora
também lembra que “um material qualificado pode não ser bem utilizado se não houver
formação educativa apropriada dos sujeitos que o utilizam”. O relato a seguir de um
ACS ilustra tais aspectos:
“[...] eu já ouvi falar [da SAN] em um Guia que a gente tem, que é o Guia do agente de saúde, tem uma abordagem falando justamente sobre isso e é até uma das necessidades ter a nossa orientação baseada nessa abordagem da segurança nutricional. Mas nada muito aprofundado, é tudo muito superficial. Até mesmo porque a gente ainda não participou do curso de formação do agente de saúde. Então é só curiosidade mesmo, aí a gente vai e lê. [...]”. (ACS 7- Vermelha)
Alves 42, aponta para “a necessidade de descentralização das discussões sobre
SAN, bem como sobre a amplitude de ações promotoras de SAN que são desenvolvidas
e que podem ser desenvolvidas na ESF junto aos diferentes atores”, destacando
também a reflexão do assunto na formação universitária e no serviço.
Considerando que as iniciativas de capacitação em serviço, abrangendo assuntos
relacionados à alimentação e nutrição, SAN, DHAA, eram pouco valorizadas pela
gestão e pelas equipes da USF estudada, visto que as atividades de EP também não
incluíam discussões relativas a essas dimensões, a presença frequente de estagiários
174
consiste em uma oportunidade para o diálogo sobre o assunto não somente com as
equipes de saúde, mas também com os usuários.
Excetuando-se os apoiadores, que tiveram uma compreensão na direção de
enfoques mais abrangentes acerca da SAN, a noção de SAN predominante entre os
entrevistados estava fortemente associada ao acesso a uma alimentação saudável,
principalmente do ponto de vista da qualidade sanitária e da composição nutricional dos
alimentos. Assim, o entendimento e a expressão dos determinantes da SAN, em grande
parte dos relatos tiveram como referência principal as dimensões para se alcançar as
condições para a efetivação de uma alimentação saudável.
Nessa perspectiva, no que tange aos determinantes da SAN, a apoiadora
nutricionista demonstrou possuir uma noção ampliada do assunto apreendida a partir
da sua experiência por meio de pesquisas, associando a SAN ao contexto ambiental,
econômico e cultural dos indivíduos e comunidades:
“[...] é o subjetivo de cada um, o eu, a cultura, de onde ele veio, e que meio é esse que ele vive [...]. [...] isso agora me remeteu totalmente à minha pesquisa [de mestrado], [...]. Segurança alimentar e nutricional em uma ilha onde tem uma fábrica e um porto enorme na frente com produto de um polo petroquímico do outro lado. [...] você ouvia as pessoas dizendo que o sustento delas era o mar. [...]E que eles hoje têm que comprar congelado, refrigerante, suco de pó, porque não dá mais a fruta, o peixe já não tem mais. [...] é por isso que essa segurança alimentar e nutricional está muito no contexto onde ele está inserido”. (A1)
Freitas & Pena 20 enfatizam a integração entre as “categorias macro e
microssocial que contemplem indicadores socioeconômicos, culturais e
epidemiológicos”, buscando desvendar a complexidade dos fenômenos que envolvem a
SAN. Assim, os autores defendem a abordagem sociocultural para incrementar “a
efetividade de políticas sociais”, no sentido de “fomentar debates que caracterizem a
maneira seletiva e desigual de comer, viver e morrer e suscitar caminhos de resolução
da problemática alimentar e nutricional do País”20.
Outras perspectivas foram referidas, onde os determinantes da SAN foram
associados a fatores individuais e coletivos, que poderiam afetar o equilíbrio do
indivíduo como os financeiros, ambientais, sociais, biológicos, emocionais,
educacionais. No depoimento a seguir, a SAN foi associada à noção literal de
175
segurança, vinculando-se ao sentido de provisão do equilíbrio e da adequação
nutricional:
“[...] as próprias condições de aquisição ou as condições de relação de convivência, em relação ao ambiente geral que a pessoa vive, condições financeiras [...]. Condições biológicas, algum acometimento, no qual pode prejudicar a pessoa [...] no que seria a sua segurança nutricional. Talvez eu esteja até misturando a nutricional com o alimentar. [...] mas se a pessoa está emocionalmente abatida, aquilo pode afetar suas condições de alimentação por algum acometimento em outra área. [...] se você está seguro você está bem provido de alguma coisa, você está equilibrado à algo adequado. [...] Se eu tenho uma dificuldade de relação, das minhas redes de apoio, da minha família, todo o contexto também influencia, [...] Esses fatores diversos, eles podem alterar essa segurança, esse meu equilíbrio”.(A2)
Percebemos certa “confusão” entre as dimensões nutricional e alimentar,
manifestada na fala acima. Silva et al 279 discutem as diferenças que atravessam os
campos dos Alimentos e da Nutrição, destacando as dimensões conceituais entre os
dois campos. Para as autoras os alimentos vinculam-se aos “aspectos químicos,
sanitários, políticos e econômicos”, constituindo-se em elementos externos ao corpo
voltados às necessidades biológicas das espécies quanto a sobrevivência, já a nutrição
“atribui um sentido ao comer”, a partir da perspectiva “biomédica da saúde” 279.
Dessa maneira “o alimento aparece abstraído em nutrientes e a Nutrição é
vista essencialmente como a Ciência dos Nutrientes”. Apontam ainda que a
“Alimentação corresponde às relações humanas mediadas pela comida (alimento
simbolizado) e a Nutrição, seu desfecho biológico”279. Para DaMatta 280 :
“alimento é tudo aquilo que pode ser ingerido para manter uma pessoa viva; comida é tudo que se come com prazer, de acordo com as regras mais sagradas de comunhão e comensalidade. [...] aquilo que foi valorizado e escolhido dentre os alimentos” 280.
Houve também a vinculação dos determinantes da SAN à garantia do acesso
aos direitos constitucionais e às políticas públicas, considerados como aspectos utópicos
e à renda, para garantia das condições básicas de existência, vista como questão ligada
ao plano concreto das intervenções sociais:
176
“[...] a palavra é acesso. Acesso às políticas públicas e às garantias mínimas constitucionais, no campo da utopia. [...] falando mais concretamente, é ter acesso à renda que garanta o mínimo de sustentação para satisfazer as necessidades básicas, pelo menos moradia, alimentação e o mínimo de lazer [...]” (A3)
Nessa perspectiva a transferência direta de renda por meio do PBF foi apontada
por vários entrevistados como intervenção relacionada à SAN. Alguns trouxeram o
programa como estratégia transitória, contrapondo à geração de trabalho, como
estratégia a longo prazo, mais sustentável:
“[...] as pessoas precisam ter acesso à renda, seja através de transferência direta, como é o exemplo dos programas sociais de transferência, o Bolsa Família é o carro-chefe deles e eu acho que é uma ação importante, que a curto prazo tem um impacto [...], a longo prazo isso não é viável, porque na verdade foi criado como uma estratégia transitória[...]. E a geração de trabalho, educação, economia solidária, trabalho regular, iniciativa privada, enfim, tem que ter renda, tem que ter recurso de algum jeito”. (A3) “[...] a garantia de uma renda [determina a SAN], por isso que eu digo que hoje o Bolsa Família melhora, porque a família que antes não contava com uma renda [...],tinha uma condição pior. Se hoje ele consegue saber que naquele dia vai receber aquele dinheiro e consegue pelo menos naquele primeiro dia se alimentar bem, ótimo. Mas precisa de trabalho que garanta a sobrevivência do dia a dia”. (ASB1-Azul)
Além disso, houve o reconhecimento do papel do PBF no sentido de incrementar
a renda e promover a SAN dos beneficiários, porém condicionando-o ao destino dado
pelas famílias aos recursos. Nesse sentido, foram apontadas situações que envolveram a
utilização da renda do programa:
“[...] a primeira coisa que determina [a SAN] de verdade é o trabalho, é o dinheiro. E assim, o Bolsa Família ele está ajudando algumas mulheres que sabem administrar, porque infelizmente tem alguns maridos que pegam o dinheiro e gastam todinho de cachaça, tem algumas mulheres que compram de produtos da Natura, não investe mesmo, mas tem outras mulheres que [...] sabem como usar. [...]”. (ACS1-Azul).
177
Por outro lado, emergiu uma perspectiva mais crítica perante a dimensão
assistencial das iniciativas emergenciais, como o PBF e outros programas de
distribuição de alimentos existentes em João Pessoa. Chamando atenção ainda para o
desrespeito à soberania alimentar gerado pelas ações que ofertam alimentos específicos
a grupos vulneráveis.
“E eu não sou a favor dos programas, Pão e Leite, Bolsa Família, porém eu acho que é emergencial, mas o emergencial hoje está se tornando rotina [...]Fica muito no assistencialismo [...] e eu como aquilo que eles dizem que eu tenho que comer. Então o Pão e o Leite, é o pão e o leite”.(A1)
O Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar realizado em Cuba em 2001
estabeleceu que a Soberania Alimentar seria “o direito dos povos definirem suas
próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de
alimentos que garantam o direito à alimentação para toda a população ” 281 . A
LOSAN institui que “a consecução do direito humano à alimentação adequada e da
segurança alimentar e nutricional requer o respeito à soberania, que confere aos países
a primazia de suas decisões sobre a produção e o consumo de alimentos” 2. Assim, no
entender de Maluf 281 a soberania alimentar consiste em um princípio que qualifica a
SAN.
Houve também quem valorizasse as iniciativas governamentais no sentido da
ampliação do acesso à alimentação equilibrada, fazendo referência a outros
equipamentos públicos relacionados à política de SAN, como os restaurantes populares:
“[...] por parte do governo, com os programas do Pão e Leite, acho que ajuda, essa parte do Bolsa Família de estar pelo menos dando um auxílio para que não falte alimentação, fazer os restaurantes populares com refeições mais baratas [...]”. (O3-Azul)
Para muitos entrevistados a renda de fato destacou-se como uma dimensão para
assegurar as condições efetivas de SAN:
“[...] também tem o custo, para você ter uma segurança alimentar, querendo ou não mexe muito com o dinheiro. Tem muita gente que não tem condições de comprar. [...]”. (U11)
178
“Eu acredito que seja um rendimento financeiro melhor para que as pessoas possam pelo menos se alimentar daquilo que eles têm vontade, daqueles que necessitam”. (E2-Amarela)
“[...] as pessoas comem o que elas podem, o que é mais barato, [...] é tanto que têm pessoas que só deixam para fazer a feira no final da tarde, porque as coisas estão mais baratas, pois já não têm uma boa qualidade. [...]” (ACS3-Vermelha) “[...] como é que pode ter uma segurança adequada na alimentação, se não tem às vezes um real para comprar de pão. [...] a segurança sobre o alimento é o custo de vida que está muito caro e a gente não pode manter esse padrão que os médicos nutricionistas passam para nós usuários”. (U12).
Alguns aliaram à renda, às condições educacionais e de geração de emprego
pelo poder público:
“[...] nível educacional para entender a importância de uma alimentação diversificada, rica em vegetais, proteínas, nutrientes realmente necessários [...] e além do fator educativo, seria o fator socioeconômico para poder adquirir também essas coisas, seria óbvio, não é? Da parte das instituições governamentais, é claro, sonhando, seria disponibilizar os meios necessários pra que as próprias pessoas possam trabalhar e conseguir se suprir”. (M1-Azul)
A preocupação com a saúde com destaque para o controle e vigilância das
dimensões higiênico-sanitárias dos alimentos também permearam o entendimento sobre
os determinantes da SAN.
“[...] a questão da saúde. Hoje em dia as pessoas estão se preocupando mais com sua saúde, então eles estão se vigiando mais no que comem. Estão dando prioridade à alimentação que seja saudável para o organismo. [...]”.(TE2- Branca)
“É comer alimentos em boas condições, com datas de validade corretas, em bom estado, alimentos não estragados”. (ACS4-Amarela)
Nessa direção o relato abaixo indica a noção da alimentação de qualidade
associada à alimentação segura, ideal para saúde, atribuindo a situação de insegurança
alimentar da comunidade à inexistência de um conjunto de elementos relacionados
sobretudo ao âmbito individual.
179
“[...] eu ter dinheiro não quer dizer que eu estou comprando as coisas ideais [...]. A segurança alimentar não é só ligada a qualquer tipo de alimentação, também tem que está ligada à alimentação de qualidade. [...] A gente está um pouquinho longe ainda do nosso povo aqui [cita o bairro da USF Caleidoscópio] está com uma alimentação ideal, segura para sua saúde. Porque falta educação em saúde, consciência, tempo, envolvimento, compromisso das pessoas com a sua saúde, com a sua vida. Porque informação existe, a gente vê em televisão, em rádio, em jornal, a gente vê os agentes de saúde falando, os nutricionistas falando, todo mundo falando. Mas a gente vê pouca gente agindo, pela praticidade, pouco tempo, essa série de outras coisas. E também pelo custo [...].” (ACS1-Azul)
Interessante notar que ao mesmo tempo que dentre as lacunas consta a educação
em saúde, o acesso à informação foi apontado como uma dimensão fortemente presente
no universo da comunidade, a partir de fontes diversificadas, incluindo os profissionais
de saúde. Em contrapartida a ação por parte das pessoas rumo a uma alimentação de
qualidade, foi relatada como sendo constrangida por diversas questões, estando ausente
do cenário local.
Tais aspectos reforçam que o acesso à informação seria um elemento entre
tantos outros, no contexto das práticas alimentares e da SAN, não sendo por si só
condição suficiente para a efetividade dos processos educativos, tornando-se necessária
a reflexão sobre como ocorre a comunicação dessa informação, no sentido de que ela
não deve se restringir à mera transmissão ou persuasão por meio de mensagens56.
Entretanto, a tentativa de convencimento mediante orientações recorrentes no sentido
de conscientização e mudanças das práticas foi mencionada frequentemente nos
depoimentos como recursos para promoção da SAN:
“[...] eles vão aos poucos [...] não é de vez, até se habituar, vai ser uma coisa que vai levar tempo. Aí se passar direitinho, começar a falar, aí vai ser aquela história ‘água mole em pedra dura’ [tanto bate até que fura], até que as pessoas possam se conscientizar”. (ACS10 – Amarela)
“[...] tem que ter orientação, tem que estar se falando muito nesse assunto [...]”. (E3-Vermelha)
Contudo, o direito ao acesso à informação também emergiu, no sentido de
proporcionar o conhecimento dos alimentos apoiado nas noções dicotômicas certo
180
/errado, bom/ruim, prejudicial/não-prejudicial, que têm atravessado o processo de
construção do conceito da alimentação saudável, difundido pela mídia e pela ciência 282:
“[...] é o direito a saber todas as informações básicas, do conhecimento do que é bom e do que é ruim, [...]”. (ACS2-Vermelha)
“Acho que teria que ter uma palestra, [...] através das informações que eles vão ficar por dentro, sabendo o que é certo e o que é errado. [...]”. (ACS 8-Azul)
“[...] conhecer o que prejudica e o que não prejudica [a saúde]”. (ACS10 – Amarela)
Conforme Azevedo 282 “os riscos alimentares quanto o conceito de dieta
saudável mudam em diferentes contextos históricos, a partir de diferentes formas de
construção social”. Assim, nos deparamos com uma miscelânea de recomendações
nutricionais. Como diz a autora “a cada dia surgem novos estudos questionando ou
contradizendo práticas alimentares que se estabeleceram como saudáveis ao longo do
desenvolvimento da ciência da Nutrição”, onde as investigações “sobre os efeitos
benéficos e maléficos dos alimentos inundam a mídia e os periódicos científicos”.
Nessa direção, como enfatizam Castro, Castro, Gugelmim149 “ a alimentação
passa a ser pensada sob o enfoque do nutriente e de sua capacidade de fornecer
energia para a sobrevivência e de prevenir doenças”. A partir das noções apontadas
anteriormente, há um entendimento sobre o papel do serviço e do profissional de saúde,
como veículos difusores do conhecimento científico nesse cenário.
“[...] daí a importância da gente ter esse grupo voltado só para alimentação onde a gente realmente vai trabalhar isso. E aí o profissional de nutrição, estaria trazendo para gente essas informações. [...]”. (E3-Vermelha)
“[...] precisa ter a confiança de um profissional para explicar e ele sentir confiança de que realmente aqueles alimentos fazem bem para ele, que eles podem ser substituídos. [...]”. (ACS6- Amarela) “[...] nesse caso de referência eu coloco a unidade de saúde como orientador”. (ACS 7- Vermelha)
181
No que tange ao DHAA, observamos em alguns relatos dos apoiadores certa
dificuldade inicial para verbalizar do que se tratava esse direito. O DHAA foi associado
a luta pela terra no sentido da subsistência, com referência ao papel dos movimentos
sociais nesse contexto.
“Vamos ver como é que eu consigo verbalizar. [...] porque assim, eu não consigo ver uma definição para o que seria esse direito humano, não é? [...] eu vejo como a luta pela terra. [...] veio agora na minha cabeça o MST, esses movimentos sociais, a população lutando pelo direito à terra, pelo direito à sobreviver com alguma terra [...]. [...] para ter onde plantar”. (A1)
Do ponto de vista dos profissionais de saúde, metade dos entrevistados não
tinha ouvido falar do DHAA:
“Para falar a verdade, eu não entendo do direito humano alimentar. Porque assim, qual o direito? como funciona esse direito? Quem tem direito, quando fala de direitos? Fica assim meio no ar”. (ACS 8-Azul) “Não tenho nem noção [referindo-se ao seu entendimento sobre o DHAA]”. (TE2- Branca)
“Esse Direito Humano eu não ouvi falar ainda não. Mas é como se fosse os dez passos para a alimentação saudável? [...]”. (E3-Vermelha)
Os relatos mostraram diferentes níveis e perspectivas de apreensão da discussão.
E mesmo entre aqueles que não tinham ouvido falar a respeito, houve alguns que
manifestaram opinião. A televisão se destacou como fonte de informação sobre o
assunto. A noção do DHAA como um direito de todos atravessou grande parte das
falas, estando o seu entendimento mais frequentemente relacionado ao acesso de uma
alimentação equilibrada, do ponto de vista dos nutrientes necessários para a manutenção
do organismo saudável.
“[...] todo ser humano tem esse direito, de se alimentar muito bem. [...] e muitas vezes mesmo a gente sabendo, a gente peca. [...]”. (ACS9-Branca)
182
“Inclusive está no SUS, se fala do direito também à alimentação. Todo mundo tem direito a ter uma alimentação com os nutrientes necessários[...]”. (E1- Branca) “[...] seria o acesso da alimentação a todos de forma mais saudável possível, não só o pão, mas o acesso a essa alimentação mais nutritiva, de forma mais igualitária para todo mundo”. (M2-Vermelha)
Alguns relatos trouxeram a compreensão do DHAA relacionado aos outros
direitos sociais, inclusos na Constituição brasileira. Havendo também a vinculação da
alimentação com a saúde. Porém, ainda que tenha havido essa referência, não houve
menção ao artigo 6º da Constituição, recentemente modificadoo e que trata
especificamente da alimentação como um direito:
“É um direito garantido pela constituição, o direito à alimentação, não é? Eu não sei se tem especificamente a qualidade. Mas é um direito constitucional”. (ACS 7- Vermelha) “Já ouvi assim, na nossa constituição que a gente tem direito a saúde, a alimentação e tudo mais [...]”. (O2- Vermelha)
“[...] como tem os direitos civis, tem o direito à alimentação, à escola, à moradia, saúde, eu acho que isso aí também inclui, [...] ter direito a uma alimentação digna, no mínimo 3 refeições no dia”.(ACS6-Amarela)
“[...] faz parte, eu não sei se é da constituição. Mas que todo o ser humano tem direito a moradia, a emprego e tudo. Provavelmente se entra moradia, entra alimentação também. [...]”. (ACS10 – Amarela) “[...] é como a constituição diz, todo mundo tem direito, pelo menos a vida, a saúde, segurança. Então eu vejo que a saúde também envolve a alimentação. [...]”. (ACS2-Vermelha)
Entretanto apesar do entendimento do DHAA como um princípio constitucional
por alguns, muitos também destacaram que não havia a efetivação desse direito,
ilustrando essa situação por meio da precariedade das condições da comunidade
vinculada à USF Caleidoscópio:
o Através da Emenda n° 64 de 4/02/2010, que altera o art. 6º da Constituição Federal, para introduzir a
alimentação como direito social.
183
“[...] a gente encontra muito por aí, que isso não acontece realmente. [...] devido a condição da comunidade, tem alguns que só fazem duas refeições. [...]”. (ACS6- Amarela)
“Já ouvi falar [do DHAA], mas funcionar, nunca. Já ouvi falar, porque para você ter saúde o que é que você tem que ter? uma boa alimentação, saneamento básico, água potável. [...]”. (ACS3-Vermelha) “Ah, isso aí todo mundo tem direito [referindo-se ao DHAA], só que nem todo mundo tem, não é?”. (ASB-Vermelha)
“Todo ser humano tem o direito. Agora, não sei se pode [...] uma pessoa que vive só do Bolsa Família, um casal com três filhos, eles se alimentam? Não. Porque para você comer feijão e arroz, tudo bem, mas só o feijão e o arroz não dá”. (E2-Amarela)
Além disso, foi ressaltada a existência de uma situação polarizada pelo
“excesso” versus “carência”, caracterizando a desigualdade no país quanto a efetivação
do DHAA:
“[...] o direito humano em um país como a gente vive, que a gente vê tanta desigualdade e a gente sabe que alguns têm, uns têm em excesso e acabam até extrapolando no que seria saudável e alguns simplesmente têm o direito, mas não tem a efetivação desse direito. [...]”. (A2).
Houve quem comparasse a garantia dos direitos dos detentos pela lei, com os
direitos das crianças que estariam sendo infringidos, sugerindo haver uma primazia
para os primeiros e reivindicando maior acompanhamento da sociedade quanto a
efetivação desses direitos:
“Ouvi na televisão [falar do DHAA]. [...] os detentos por exemplo, têm direito a isso a isso e a isso. E é um direito assegurado por lei. [...]Muitas vezes a gente vê crianças aí, sem direito a uma boa alimentação e a gente sabe que elas têm direito. [...] aonde é que a sociedade entra nesse direito dessa criança que tem que ser respeitado, para uma boa alimentação, para direito a diversão, direito a moradia, direito a isso, direito aquilo”. (ACS5-Azul)
“[ouviu falar do DHAA] Na televisão, na internet, cartaz. Mas eu nunca fui a fundo, nesse assunto. Mas sempre tem os direitos da alimentação”. (ACS4-Amarela)
184
A descrença observada em algumas falas dos profissionais quanto ao
provimento e exercício do DHAA também foi constatada no estudo de Ramos &
Cuervo 277. Por outro lado, apenas um relato referiu os tratados internacionais, como a
declaração da ONU e o papel do Estado na garantia do DHAA por meio de políticas
públicas.
“[...] faz parte do direito do ser humano, do direito à vida, à saúde, à educação, está na carta da ONU, dos direitos humanos de 1948, se eu não me engano, ter acesso a isso daí. As instituições do estado devem existir para proporcionar isso para o ser humano, saúde, educação, liberdade, são os direitos individuais garantidos e a nutrição é óbvio. [...]”. (M1-Azul).
Com relação aos usuários, nenhum dos entrevistados tinha ouvido falar sobre o
assunto. Os relatos são ilustrativos dessa lacuna:
“Direito humano? Não. Eu não entendo muito essas coisas não. Explica aí...”. (U13) “Não [ouviu falar do DHAA]. Não entendo desse negócio, não”. (U4) “Ainda não [ouviu falar do DHAA]. [...] Os direitos humanos... nem imagino assim. [...] direito humano alimentar não sei não...”. (U11)
Ainda que não tenha tido contato com o assunto, uma usuária identificou a
efetivação do DHAA mediante a garantia das condições financeiras para a aquisição de
itens alimentares considerados saudáveis:
“Eu nunca ouvi falar sobre o direito humano, [...] poderia envolver o custo de vida, também? como é que pode ter uma alimentação adequada se não tem condições de comprar um refrigerante light, um leite que não contenha gordura, uma carne boa, um arroz integral [...]” . (U12)
Ramos & Cuervo 277 problematizam sobre as questões relacionadas à abordagem
incipiente dessa temática no âmbito dos serviços de saúde. O modelo de atenção à
saúde brasileiro, ainda focado na dimensão curativa e especializada; o acesso e
participação desigual dos trabalhadores de saúde às discussões sobre o assunto, onde
geralmente uma grande parcela dos profissionais do nível local tendem a ficar à margem
do debate, foram os pontos que poderiam influenciar o fenômeno evidenciado.
185
Tendo em vista que as políticas públicas de SAN têm sido cada vez mais
reconhecidas como estratégias para a garantia do DHAA 283,284, ao mesmo tempo que
tem se intensificado o debate sobre esse assunto no país, esses achados reafirmam que
as reflexões nesse campo na USF pesquisada ainda se encontram em um patamar
bastante aquém do esperado. Tais evidências acompanham os resultados do estudo de
Ramos & Cuervo 277 que mostraram que “os profissionais de saúde têm pouca
aproximação com a problemática dos direitos sociais, seja no âmbito teórico, seja no
prático”277.
Nesse sentido, apesar dos avanços vivenciados, ainda permanecem muitos
desafios, sobretudo relacionados à implementação do SISAN e da PNSAN, aos
mecanismos de exigibilidade do DHAA, à ampliação da cobertura dos programas
públicos, à garantia de recursos orçamentários, dentre outros 1, 285.
A permanência de uma apoiadora nutricionista na USF Caleidoscópio por um
período de um ano (até dezembro de 2011), a existência de instâncias como o Grupo de
Trabalho (GT SAN) e o NASAN funcionando, respectivamente no nível distrital e
municipal da gestão de saúde, que teria o papel de acompanhar as ações ligadas à SAN
no âmbito da ESF; além da participação de nutricionistas na equipe do NASF/apoio
matricial da SMS e da inserção regular de estudantes universitários de nutrição na
unidade no decorrer de grande parte do ano, constituíam espaços e potencialidades para
a introdução e discussão das questões vinculadas à SAN e ao DHAA, com as equipes de
saúde da família e com os usuários no nível local.
No entanto, obviamente que esses aspectos por si só não bastam para provocar
rupturas com práticas mais tradicionais no cotidiano dos serviços. As razões para a
lacuna de um debate sistematizado da SAN no âmbito da USF em parte podem ser
explicadas pelas diversas variáveis contextuais e ligadas à organização do serviço e à
implementação dos processos educativos.
3.4.2 As dificuldades encontradas para a implementação das atividades
envolvendo a alimentação e nutrição
Dentre as dificuldades mencionadas pelos profissionais de saúde da
USF Caleidoscópio para a abordagem da alimentação e nutrição
nas atividades educativas, poderemos agrupá-las em dois blocos 1)
as vinculadas ao serviço de saúde 2) as decorrentes da percepção dos profissionais de
saúde sobre seu papel.
186
No entanto, mediante o referencial teórico adotado por este estudo, entendemos
que esses aspectos na realidade são interrelacionados a partir de uma configuração
dinâmica com o contexto. Assim, a divisão proposta foi tão somente no sentido de
facilitar a leitura.
Cabe ressaltar ainda que muitas das dificuldades para as abordagens da questão
alimentar e nutricional, sobretudo aquelas relacionadas à percepção dos profissionais de
saúde sobre seu papel, vão de encontro às questões que foram apontadas anteriormente
como determinantes das condições da SAN.
3.4.2.1 Dificuldades vinculadas ao serviço de saúde
A hegemonia dos atendimentos individuais no cotidiano da ESF e a necessidade
do cumprimento das ações com as temáticas pautadas pelo nível central tendiam a
consumir a maior parte do tempo dos profissionais, exigindo um esforço extra das
equipes para conseguir romper com essa dinâmica e implementar ações educativas
contínuas e regulares, inclusive aquelas que envolviam a alimentação e nutrição. As
restrições impostas pelo tempo para implementação dessas ações também foram
relatadas por outros autores 246, 255 .
“[...] Como fica muito preso a essa parte clínica, as atividades educativas têm que ser muito bem planejadas [...]. Então atividades frequentes voltadas a isso [alimentação e nutrição], a gente não consegue fazer, devido a essa barreira que a gente tem ainda. [...]”.(A2)
“[...] as equipes já têm uma demanda convencional, dos seus atendimentos, visitas, que já demandam praticamente todo o seu tempo, então às vezes fica difícil reservarem um certo tempo para planejar essas atividades, montar um material, pensar numa metodologia [...]”.(A3) “[...] São muitas coisas aqui que a gente faz, aí o tempo fica muito corrido. [...]”. (ACS 8-Azul)
Por outro lado, o fator tempo influencia notadamente as decisões dos
profissionais quanto à abordagem nos processos educativos. Os enfoques unidirecionais
e transmissivos exigem menos tempo, enquanto que as perspectivas participativas
demandam mais tempo, no sentido de que permite a manifestação de todos os
187
envolvidos, abrindo espaço para o diálogo, a escuta e consequentemente os conflitos e
opiniões divergentes 80.
Pinafo, Nunes e González 64, em estudo realizado na ESF no Paraná,
encontraram que a disponibilidade de tempo interferia na abordagem da prática
educativa, “ora como transmissiva/controladora, ora como possibilidade de se criar
uma atmosfera potencializadora de indivíduos autônomos”64.
Interessante notar as contradições no relato abaixo, pois ao mesmo tempo que a
apoiadora atribui ao usuário o desconhecimento sobre o papel da atenção básica,
sugerindo que ele seria responsável pela sobrecarga das equipes com as consultas, ela
aponta a precariedade do território e os determinantes sociais que levam aos agravos
que incrementam esses atendimentos.
“[...] os usuários talvez não tenham uma visão, ainda real, do que é a atenção básica. Então hoje, quando nós pensamos em desenvolver atividades de promoção em saúde, de prevenção, ficamos muito presos ao atendimento, porque nós temos uma demanda alta, que é dependente do SUS. A partir do momento que o profissional está aqui, sempre existem muitos usuários a serem atendidos e querendo uma consulta por motivos de doença, não por motivos de acompanhamento das condições de saúde. Por quê? [...] as condições de habitação, o tratamento da água, o território que não tem a pavimentação, problemas de vias aéreas, parasitose por conta de contaminação, da alimentação também, cuidados com o manuseio de alimento, cuidados com a água, cuidados com o ambiente que vivem. Então, como adoecem muito, sempre existem muitos atendimentos. [...]”(A2)
No entanto, nem sempre os profissionais consideram os elementos que compõem
a realidade da população e da própria racionalidade do serviço no sentido de ampliar a
compreensão sobre as razões dos usuários valorizarem a atenção curativa. Assim,
alguns profissionais responsabilizaram a comunidade por privilegiar as dimensões
curativas em detrimento das iniciativas educativas, como expressa o relato:
“[...] a população não dá valor a parte educativa, só quer ainda a parte curativa. [...] a gente motiva, convida, mas eu acho que é a acomodação mesmo da população. [...] eles dão mais valor a pegar medicação para hipertensão do que vir para uma atividade educativa no grupo”. (O1-Amarela)
188
O processo de trabalho é orientado em função da ênfase nas ações individuais e
clínicas, em detrimento das ações de promoção da saúde. Assim, emergiram vários
elementos ligados à dinâmica da organização do serviço voltada à operacionalização
dessa racionalidade, que interferem na implementação das práticas educativas em
alimentação e nutrição. A metáfora de “uma máquina rodando” utilizada pelo técnico
de enfermagem para ilustrar o seu trabalho, revela um cotidiano marcado por funções
programadas e mecanizadas para dar conta de atender às exigências da demanda,
sobrando pouco espaço para o diálogo e interação com as pessoas.
“[...] há aglomeração de pessoas no posto, o fluxo é muito grande. Então você não tem tempo, às vezes, nem de falar. É como se fosse uma máquina rodando, você está ali toda hora verificando pressão, fazendo glicemia, pesando menino. [...] Às vezes você tem até vontade de falar alguma coisa, mas não tem como por causa do fluxo que é muito grande. [...]”. [grifo nosso] (TE2- Branca)
As barreiras para a realização de ações de nutrição contínuas e consistentes
estimulavam a valorização do papel dos estagiários de nutrição pelas equipes, que
muitas vezes transferiam a responsabilidade para esses estagiários:
“[...] como essas ações voltadas à nutrição não são tão próximas, sempre ficam muito separadas em relação à data, a gente planta as orientações [...]. E o que a gente espera, como a gente não consegue fazer, é que esse acompanhamento, se precisa ser feito de uma forma mais próxima e mais frequente, ele fique de responsabilidade dos estagiários [de nutrição]”. (A2)
Outro aspecto apontado como obstáculo para as ações educativas em
alimentação e nutrição, consistiu na falta de apoio da gestão. A responsabilização dos
profissionais e usuários (no caso do grupo de idosos) pela infraestrutura das atividades
era um aspecto relacionado às ações educativas da unidade de uma maneira geral e que
provocava insatisfação entre os profissionais. Alguns diziam que haviam cobranças da
gestão para que realizassem as ações, mas não havia apoio para tal. Nesse sentido,
pudemos presenciar mais de uma vez o recolhimento de uma taxa dos idosos para
auxiliar a compra de materiais e alimentos para atividades do grupo (Diário de campo-
observação).
189
“[...] isso não acontece para fazer essa atividade [abordando a alimentação], para outras de artesanato, eles [profissionais] sempre que arcam com os materiais”. (A2)
Assim, o fato de terem que assumir as despesas exigiam esforços extra das
equipes no sentido de um planejamento e organização sistemáticos das atividades.
Considerando o contexto de uma unidade de saúde, cujo cotidiano é marcado por
diversas demandas e pressões de várias naturezas, tais aspectos tendiam a significar um
obstáculo para as decisões em prol da implementação de ações mais regulares e
frequentes voltadas à abordagem da alimentação.
“Porque a gente precisa se planejar muito [...], a gente não tem condições financeiras mesmo para arcar com aquela despesa toda”. (E2-Amarela) “Uma das dificuldades que nós temos no fato de não realizarmos de uma forma tão frequente, de ser restrito ao atendimento, porque a equipe gosta de se organizar, quando vai falar principalmente sobre alimentação, fazer uma mesa [...]”.(A2)
Observamos que há uma contradição entre o que se preconiza na proposta da
ESF, com a ênfase na promoção da saúde e nas atividades educativas 35, 61 e a oferta de
condições efetivas para a viabilização desses processos no cotidiano da USF. Nesse
cenário, foi bastante referida a necessidade da utilização de alimentos como um recurso
pedagógico para a abordagem da alimentação, revelando uma sensibilização dos
profissionais frente aos aspectos metodológicos, no sentido de potencializar as ações.
No entanto, foram apontadas debilidades acerca da disponibilidade desse tipo de
recurso:
“[...] se hoje eu vou trabalhar uma temática sobre a alimentação, [...] eu preciso também mostrar os tipos de alimentação ideal, isso aí, você vê, fica muito difícil. [....]”. (E2-Amarela)
“[...] no processo educativo, quanto mais prático for, melhor para compreensão. A nutrição envolve comida, o alimento estar ali na sua frente para poder você entender. [...] e toda essa parte de infraestrutura sai da equipe”. (A1)
190
“[...] Uma das dificuldades é a aquisição de alguns materiais, de alimentos para poder fazer de uma forma mais didática [...]”. (A2)
Essas dificuldades relacionadas aos recursos materiais podem contribuir para a
desmotivação dos profissionais. Porém merece cautela a tendência à supervalorização
desses recursos, no caso dos alimentos, onde às vezes foram considerados como
condição para a viabilização da abordagem da alimentação nas atividades. Cabe
lembrar que as tecnologias devem ser enfatizadas nos processos educativos sobretudo
como um meio para apoiar a construção do conhecimento e não como um fim em si
mesmo.
O perfil do profissional também emergiu como uma dimensão que influenciava
a sua disponibilidade e motivação frente às atividades educativas. Chamando atenção
para a questão da importância do processo seletivo da ESF e da capacitação em serviço,
no sentido de contornar essas lacunas.
“[...] porque se não tem os recursos materiais, se tu tentas uma vez, não tem o que precisa, tenta fazer outra vez, na terceira, tu já começas a perder um pouco da motivação. [...] às vezes, a gente percebe uma certa desmotivação da equipe seja por essa questão de faltar algumas coisas, seja por questões pessoais, eles não se identificam mesmo com a atividade. [...]”. (A3).
Por outro lado, em que pese às dificuldades relacionadas à infraestrutura do
serviço, era nítida a mobilização de esforços de grande parte dos profissionais para
atingir os objetivos e metas frente às atividades.
“[...] se hoje eu fosse fazer um tipo de atividade, eu teria que gastar do meu dinheiro. [...] eu comprei uma balança, para levar para área. [...] e se você quiser trabalhar, você tem que fazer assim, senão você fica uma coisa neutra, esperando... [...]”. (E2-Amarela)
Também foram relatadas dificuldades relacionadas à interação dos estagiários
com as equipes e a própria dinâmica de rodízio dos estágios. Nesse sentido, apesar de
pouco frequentes, ocorreram queixas dos profissionais quanto à integração da “equipe
de nutrição” às atividades da USF. Considerando que os processos educativos
pressupõem continuidade para a construção de vínculos e o devido aprofundamento e
191
problematização das questões, o aspecto da rotatividade não somente dos estagiários,
mas dos profissionais merece atenção.
Contudo, as inquietações que emergem nos depoimentos reforçam as
expectativas dos profissionais quanto à disponibilidade dos estagiários para a
abordagem das questões ligadas à alimentação no âmbito das atividades da USF.
Reforçando uma tendência do serviço, apontada anteriormente, a condicionar a
operacionalização dessas atividades aos atores externos, no caso à universidade, por
meio dos estagiários de nutrição.
“[...] [os estagiários] têm um professor responsável. Mas esse professor não se engaja com a equipe para trabalhar isso não. Eles ficam no cantinho deles e fazem a parte deles. [...]”. (TE3-Amarela)
“[...] Porque a gente começa a criar vínculos com as turmas, aí depois muda [os estagiários], eu acho que assim a dificuldade é mais essa. [...]”. (O3-Azul) “Porque é como se tivesse sido montado um consultório. A gente não trabalha em parceria [com os estagiários de nutrição], fica uma coisa bem isolada. [...] falta interação entre eles e os profissionais para gente está desenvolvendo atividades mais específicas. [...] Já foi muito trabalhada essa parte nutricional, quando a gente tinha essa parceria. Mas agora a gente está tendo uma dificuldade de interação profissional”. (ACS 7- Vermelha)
As limitações no que se refere ao conhecimento dos profissionais sobre as
temáticas envolvendo a alimentação e nutrição também foram apontadas, reforçando os
resultados de outros estudos 244, 246, vislumbrando-se o potencial da EP como ativador
das práticas educativas na USF:
“[...] algumas vezes até falta de conhecimento sobre determinados assuntos [...]. [...] se a educação permanente funciona bem, há chances das atividades de educação em saúde funcionar melhor, porque você constrói de um lado para ser desenvolvido do outro. Então eu acho que essas duas coisas caminham muito juntas, educação em saúde e a Educação Permanente”. (A3)
Os relatos a seguir reforçam a necessidade de acesso às informações sobre o
assunto, indicando que no processo de trabalho, os esforços quanto à apropriação das
192
questões relacionam-se à disponibilidade de cada profissional, que por conta própria
“corre atrás” de preencher suas necessidades de aprendizagem:
“[...] a gente necessita aprender mais para também poder passar a informação. Pois a gente passa o que sabe [...]. Então a gente geralmente quando vai fazer [a atividade] é que vai dar uma pesquisada. [...] o problema todinho é informação”. (ACS10 – Amarela).
“[...] nutrição sempre foi algo de muito interesse da minha parte. Sempre estudei. [...] Sempre fui autodidata mesmo. Não tive nenhum curso, ainda”. (M2-Vermelha)
É possível afirmar que o contato com o assunto via de regra se dava no cotidiano
da USF, de forma esporádica, superficial e diluída no conjunto de questões trabalhadas
no dia a dia. A participação de profissionais do NASF nesse processo não foi referida.
Eventualmente houve a menção sobre o envolvimento dos apoiadores da USF
abordando o assunto no âmbito das equipes.
“[...] eu nunca tive um curso específico de alimentação e nutrição saudável. Só assim, falando sobre a hipertensão por exemplo, aí faz uma fala sobre o uso abusivo de sal, de gordura. A gente teve um treinamento aqui com nosso apoiador, [...] e ele abordou hipertensão e diabetes, falou de alimentação, [...] E também a gente teve atividade com os dentistas sobre mastigação, o alimento ideal. [...]”. (ACS1-Azul)
“[...] eu já participei de uma reunião dentro desse projeto Saúde na Escola, que a gente abordou a necessidade de está falando sobre [alimentação], mas nada muito aprofundado. [...] Então na parte nutricional eu não participei ainda”. (ACS 7- Vermelha)
A participação da universidade por meio dos estagiários de nutrição e
professores ocorreu eventualmente, conforme referem alguns profissionais:
“[...] eu participei de algumas atividades aqui no PSF com os meninos da nutrição [estagiários] e só.” (ACS1-Azul)
“Houve palestras aqui na unidade com alguns professores de algumas universidades. Mas fora isso, não.[...]”. (ACS 7- Vermelha)
Embora constem no relatório de gestão de 2009 da SMS-JP entre os eixos
relacionados às ações de alimentação e nutrição o “desenvolvimento e capacitação de
recursos humanos em saúde e nutrição” e a “promoção da alimentação saudável”181, a
193
partir dos aspectos evidenciados quanto à dinâmica da abordagem da alimentação e
nutrição nos processos de capacitação das equipes de saúde na USF Caleidoscópio, e a
perspectiva descontinuada e superficial que predominava nas abordagens das práticas
educativas voltadas aos usuários, nos leva a inferir que os investimentos políticos e
gerenciais no sentido de promover o maior aprofundamento e consolidação do campo
da alimentação e nutrição não estavam incluídos entre as principais metas da gestão
municipal em João Pessoa.
Nesse sentido, analisando o relatório dos resultados dos programas e ações
vinculados à área técnica de saúde da criança e alimentação e nutrição do ano de 2012
observamos que esse documento é focado nas dimensões relacionadas à cobertura e
desempenho dos distritos e do município frente as metas do SISVAN, PBF, PSE;
Vitamina A e Ferro. Não inclui uma discussão aprofundada acerca das limitações e
perspectivas das ações. Além disso, não há referência às atividades voltadas à promoção
da alimentação saudável e da SAN pelas equipes da ESF 286.
3.4.2.2 Dificuldades decorrentes da percepção dos profissionais de saúde
sobre seu papel
Nos depoimentos dos profissionais destacaram-se a associação da pobreza, da
falta de informação e de aspectos socioculturais dos usuários aos obstáculos para a
abordagem da questão alimentar nas práticas educativas. Nessa perspectiva, as visões e
percepções dos profissionais tendem a ampliar o abismo entre o conhecimento técnico e
o saber das pessoas que buscam o serviço de saúde.
Reafirmando os achados de outros estudos 244,246, o baixo poder aquisitivo das
famílias foi apontado como um forte entrave para a abordagem da questão alimentar e
nutricional nas atividades:
“[...] Claro que a gente tenta dar as orientações necessárias, mas o fator socioeconômico, eu acho que é o que mais prepondera na dificuldade que a gente encontra. Como é que você vai dar orientação nutricional para pessoas que carecem do mínimo, como?”. (M1-Azul)
“[...] a gente trabalha em uma comunidade muito carente, as vezes até o poder aquisitivo já dificulta bastante aquela alimentação correta. Devido o dinheiro ser curto o pessoal as vezes não tem todo aquele amparo de chegar e de repente procurar alguns alimentos [...]”. (ACS6-Amarela)
194
Boog 244 reflete criticamente sobre o campo da saúde pública frente aos
problemas alimentares, ressaltando que a sua abordagem “ não fornece elementos para
se trabalhar a singularidade deste problema na vida de cada pessoa”. Assim a autora
argumenta que desconsiderar a multidimensionalidade dos problemas alimentares,
restringindo-os aos problemas sociais, provoca um “sentimento de impotência” nos
profissionais, refletido nas suas práticas 244.
Conforme outros estudos evidenciaram 255, constatamos forte ênfase dos
entrevistados aos aspectos de cunho econômico, educativo e cultural relacionando-os
aos entraves apontados para a abordagem das questões envolvendo a alimentação e
nutrição no âmbito da USF estudada. Silva 255 observou em seu estudo que os
profissionais de saúde relacionavam esses aspectos “com os imponderáveis humanos
com que o conhecimento científico não sabe lidar”255.
Diante dos limites relacionados à ação do setor saúde perante a complexidade
dos problemas que afetam as populações mais vulneráveis, os profissionais de saúde
recorrem aos recursos a que estão mais habituados, o atendimento clínico e as ações
educativas, enfatizando as dimensões curativas e preventivas 287. Para Herkovits 287
essas práticas são apoiadas “em valores que constituem sua identidade profissional e
que legitimam consequentemente sua posição no campo social e sanitário”, nos
remetendo a noção de campo em Bourdieu 97.
Nessa perspectiva, o fato de a alimentação saudável ser associada ao alto custo,
sendo vista como algo inviável para o orçamento de alguns usuários, foi apontado como
obstáculo para a abordagem do assunto na USF Caleidoscópio:
“Única e básica dificuldade é aquela da resistência de achar que a dieta vai ser cara ‘ah, eu não ganho bem como é que eu vou me alimentar bem’?” (ACS2-Vermelha)
Entretanto o cotidiano da vida desses usuários era de fato marcado por
constrangimentos econômicos e sociais, nem sempre considerados nas orientações dos
profissionais de saúde, que muitas vezes recomendavam alimentos não-convencionais e
de custo mais elevado, em detrimento de alimentos tradicionais presentes no repertório
cultural da comunidade. Por outro lado, esse enfoque reforça o entendimento pela
população de que uma alimentação saudável pressupõe incluir os itens mencionados e
portanto o incremento dos gastos.
195
“A dificuldade é porque você não vê o retorno, do próprio usuário. [...] você orienta, mas você vê que a situação dele não chega a ponto dele poder se manter nesse padrão que a gente orienta. [...]”. (ACS10-Amarela) “[...] nem todas as pessoas podem comer o que as médicas passam, por quê? tem pessoas que dependem de pensão [...]. [...] as pessoas têm dificuldade na alimentação. [...] do custo de vida, que é muito caro. [...]”. (U12) “[...] as condições que elas passam às vezes a pessoa não pode seguir. Porque a nutrição de um diabético é muito rígida. Os alimentos são caros, são light, diet, essas coisas”. (U10)
“[...] também tem algumas dificuldades financeiras. Porque tem gente que pega a dieta e vê uma alimentação saudável, mas compra o que está mais perto ou o mais barato. Porque fazer uma dieta também é uma coisa mais cara, o integral é mais caro, o desnatado também. Aí a pessoa faz uma semana e dali abandona[...]. [...] eu sou uma usuária que não cumpro a nutrição, já fui para muitos [nutricionistas]. Pego a dieta, leio, cumpro a primeira semana e dali abandono. [...]”. (ACS4-Amarela)
Interessa ressaltar que o último relato é de uma ACS obesa, que a partir de suas
experiências “mal sucedidas” ligadas às mudanças alimentares, atribuiu as dificuldades
que envolviam a reorientação das práticas às questões estritamente de ordem
econômica, não problematizando outras dimensões que poderiam influenciar esse
processo.
Nessa direção cabe destacar o contexto pouco favorável para escolhas
alimentares saudáveis, onde de um lado dispomos dos alimentos ultraprocessados e
densamente calóricos com preços cada vez mais acessíveis e de outro a ausência do
poder público no âmbito do abastecimento alimentar, incentivando a partir de feiras
direto do produtor, eliminando intermediários e com isso diminuindo o preço de frutas e
vegetais.
Nesse cenário foi enfatizado o papel do serviço de saúde na perspectiva voltada
para o estímulo, por meio de orientações, às mudanças das práticas alimentares dos
usuários. O relato abaixo apesar de revelar a abertura do profissional para o diálogo com
o usuário sobre seu cotidiano alimentar, também sinaliza uma tendência a desconsiderar
a complexidade que envolve a alimentação inserida na rotina doméstica diária, uma vez
que revela uma abordagem superficial, apoiada especialmente nas recomendações para
196
a permuta de alimentos. Assim aspectos como a questão das diferenças dos alimentos
quanto a saciedade e outras dimensões não eram levados em conta.
“A questão do financeiro. [...] Aí entra o trabalho da unidade de saúde, de incentivar esses pacientes, que muitas vezes dizem ‘ mulher não tenho dinheiro para isso’! ‘tem, o pouquinho de dinheiro que você tem, em vez de você comprar uma salsicha, você compra um alface, você compra uma fruta, aí você vai equilibrando, você vai se sentindo melhor’. Então a gente entra justamente na orientação. [...]”. (ACS5-Azul)
Além disso, conforme outros estudos no âmbito da ESF mostraram 246 grande
parte dessas orientações se dava a partir de uma perspectiva prescritiva e unilateral,
muitas vezes desconsiderando o contexto dos usuários:
“O que é que a gente deve comer, a bolachinha que só pode ser aquela continha certa. Elas dão aquele ensinamento para que a gente faça. [...] eu gravo tudo, tudinho e eu gosto de cumprir as coisas direitinho, porque quando a gente cumpre, a gente se sente melhor, principalmente a digestão”. (U1). “[...] elas falam ‘não coma isso’, falam que esse arroz comum engorda, ‘coma integral’, ‘não coma nada gorduroso’. ‘Se a senhora fizer um lanche come uma banana ou uma maçã’, ‘caminhe também’. Tudo isso ela indica para eu fazer.” (U2) “Aí vem aqui na unidade, está doente, passando por um desgaste, até mesmo às vezes mental, o médico diz: - ‘a senhora vai ter que comer isso e isso’. Como é que aquela pessoa vai comer ou comprar se não tem condições? [...]”. (U12)
O enfoque educativo tradicional predominante ao longo dos anos no campo da
saúde e da nutrição, enfatizando a supremacia do conhecimento científico e o papel do
indivíduo quanto aos comportamentos inadequados, valorizando atributos individuais
para a adesão às prescrições e normas, tendiam a influenciar na autoimagem dos
usuários, que tomavam a responsabilidade do cumprimento das normas dietéticas para
si próprios.
“[...] Eu nunca fui me consultar [...], é displicência da minha parte. Não que eu não precise, não que eu não queira, é porque eu levo para o lado ‘não tenho tempo’, porque dona de casa sempre alega essa parte [...]”. (U12)
197
“[...] porque quando a gente não tem muita orientação, a gente quer comer tudo de uma vez e passar um tempo sem ter fome, mas realmente é melhor você está comendo em menor quantidade e de três em três horas, [...]. Até hoje eu tento adaptar, porque às vezes a gente é meio displicente [...]”. (U5) “[...] [precisa] a gente ter força de vontade de fazer isso, porque não basta o outro que vai falando, fala, fala[...] e você não faz aquilo que era para fazer. [os profissionais] estudaram para aquilo e realmente é o que é para ser feito. No caso, é mais conscientização nossa, da pessoa que está precisando”. (U10)
Nessa direção, foram reveladas algumas dimensões do enfoque prescritivo do
serviço quanto à abordagem da alimentação, tendendo a não levar em conta os hábitos
alimentares dos usuários. Além disso, constatamos o constrangimento provocado pela
multiplicidade de informações tanto pelo serviço como pela mídia, muitas vezes
conflituosas, sobre o assunto:
“Vem uma: ‘olha, a senhora vai comer isso’, outra vem passa isso aqui, aí já vai a outra passa aquilo’. Como é que pode? Aí fica embaraçado. [...] coisa que você goste ou que não goste tem que comer. Pronto. [...]”. (U2) “Essa semana eu vi uma reportagem sobre os alimentos, eu descobri que aquele leite de soja tem muito mais caloria do que um leite comum [...] quer dizer, até já está virando um mix, o que é diet o que é light [...]”.(ACS9-Branca)
Ao longo da história, as diferentes perspectivas de construção social, envolvendo
as relações entre o conhecimento científico e o conhecimento popular, têm modulado as
concepções acerca da alimentação. Dessa maneira, a alimentação tem sido relacionada à
promoção da saúde, mas também tem sido considerada como uma ameaça ao bem estar,
um fator de risco 282.
Frente à profusão e difusão de informações nutricionais, Azevedo 282 assinala
que “não somente os leigos estão confusos, mas também os especialistas da área da
Nutrição e saúde”. Garcia 288 alerta sobre a diversidade de fontes de informações e de
recomendações a respeito da alimentação e nutrição, destacando o papel da mídia nesse
processo:
198
“[...] acabam vindo de diversas fontes e de diferentes formas: mais ou menos sutis, alarmantes, desacreditadas, científicas, receitadas etc. Pode ser uma recomendação médica, o relato da experiência de uma vizinha, uma reportagem sensacionalista, um anunciante de rádio, uma embalagem, um documentário, uma notícia, compondo um mosaico de informações. Experiências pessoais e a tradição cultural intercambiam-se com esse mosaico de informações”288.
Em vários depoimentos emergiram dimensões que apontam para a complexidade
em torno das práticas alimentares e consequentemente para as dificuldades quanto à
reorientação dessas práticas. Entretanto, predominou o entendimento na direção da
responsabilização da população, cuja resistência às mudanças, compromete a
modificação do comportamento alimentar:
“[...] Porque as meninas de nutrição [estagiárias] relatam que as vezes vão passar uma dieta e eles dizem ‘eu não tenho isso na minha casa eu não tenho aquilo’ , mas vai substituindo, se não tem um alimento rico em Ferro, tem outro, tem o cuscuz que é do nosso dia a dia aqui, da comunidade. Mas é a resistência mesmo de ter uma alimentação saudável, de querer a alimentação saudável [...]”.(O1-Amarela)
Nesse enfoque pelo próprio papel da mulher no cotidiano doméstico e do
cuidado com a família, incluindo as atribuições ligadas à alimentação, se destacou a
responsabilização da mulher no contexto das práticas alimentares da família:
“[...] Tem uma senhora na minha área, ela começou a fazer uma dieta e está super bem agora, mas no começo aquela criatura me deu tanto trabalho [...] a filha está com sobrepeso, o filho no mesmo caminho. E eu sempre dizia a ela ‘olhe você é o espelho da sua casa’. [...].” (ACS5-Azul) “[...] a criança vai se alimentar do que a mãe oferece. Então se a criança está se alimentando errado, quem está oferecendo é a mãe. E eu dou bronca, eu converso muito, eu pego no pé da alimentação. [...]”. (E1- Branca)
“[...] as pessoas morrem pela boca, não é? porque comem coisas erradas [...]. Então é muito difícil, você chegar para uma mãe e dizer ‘não dê biscoito recheado a ele não’, aí ela vai e diz pra você ‘mas ele só come isso’, aí você pergunta ‘mas quem é que faz a feira, é a criança’? aí a mãe diz ‘não, sou eu’ e fica morrendo de rir, [...]É uma dificuldade porque a mãe fica
199
triste, a criança chantageia e ela não sabe lidar com essa situação”. (ACS1-Azul)
Nesse sentido, ainda que uma ACS tenha destacado algumas lacunas do serviço
para a abordagem da alimentação, pontuando dimensões relacionadas à realidade
econômica da população e ao envolvimento da família no processo educativo, o sentido
da sua preocupação centrava-se mais na direção de adquirir a confiança da comunidade,
para o fortalecimento da atuação do serviço, voltada à orientação e prescrição de
condutas alimentares, do que na perspectiva de ampliação da participação e do
empoderamento da comunidade.
“[...] uma das fragilidades maiores é não se adequar à realidade da comunidade, não ir realmente para dentro da residência como profissional, e não conquistar, porque quando a gente conquista a gente tem as portas abertas. [...] para está entrando na questão de ‘o que você come, o que você deve
realmente comer, isso não está certo’. A realidade da comunidade na questão de renda mesmo, do que ele pode comer, o que ele pode comprar também. E na orientação do pai e da mãe, porque a gente sabe que quem compra são eles. [...] a gente orienta o filho, mas não orienta os pais. Não consegue abordar ou criar momentos para está orientando os pais. Por mais que eu oriente na visita domiciliar, mas ainda é muito discreta a orientação”. [grifo nosso] (ACS 7- Vermelha)
Essa perspectiva reforça a tendência da supervalorização do papel da informação
e do conhecimento científico para promover as mudanças das práticas alimentares,
ignorando o contexto e as outras dimensões que condicionam o consumo alimentar 111,
289.
“[...] só através de informação e educação mesmo que a gente vai reverter essa situação. Porque não é nem a questão financeira em si. Porque se ele não pode ter, a gente vai escolher os alimentos da época dele, a macaxeira que eles têm aqui, o feijão verde, mas eles preferem comprar o industrializado [...]”. (O1-Amarela)
Corroborando esse enfoque, muitos profissionais aliaram às restrições
econômicas dimensões ligadas à falta de educação, informação e conscientização dos
200
usuários, atribuindo as escolhas alimentares à responsabilidade exclusivamente
individual:
“[...] por ser uma população carente não tem como eles manterem. E aqui o pessoal prefere dar uma bolacha recheada, a dar uma fruta para uma criança. Eu vejo mais essa questão, das condições mesmo da educação da população, de não querer uma alimentação mais equilibrada e balanceada e fornecer qualquer tipo de alimento para as crianças”. (O2- Vermelha) “A base de tudo é a questão da educação, um indivíduo com acesso à educação, ele vai ter mais discernimento na questão do consumo. [...] hoje em dia as pessoas têm um maior poder aquisitivo, tanto é que já existe a tão falada classe C. Então as pessoas elas não estão sabendo lidar com essas facilidades. Elas já têm acesso a lanches em shopping, hambúrguer, não estão sabendo consumir adequadamente no que se refere a alimentação e a saúde. [...] não é porque você ganha pouco que você não vai poder comer bem, porque você também pode optar por comprar verduras. Mas eles optam por comprar refrigerante. Então entra a questão de esclarecimento, educação, poder aquisitivo”. (ACS 7- Vermelha) “[...] a gente fala muito em alimentação saudável, mas é uma população carente e muitas vezes eles falam ‘tia eu não posso tomar o suco’, mas compram uma Coca cola. É só questão de educação, de informação. Porque às vezes a gente vai falando de uma coisa mais saudável, e eles falam que por ser mais carente ‘eu não tenho um suco na minha casa’. Eles associam muito à parte industrial. [...] tem no quintal dele uma goiaba, mangaba, caju [...] e a mãe prefere dar o dinheiro para comprar a Coca Cola da escola. E a gente sempre fica batendo nessa tecla. Existe essa resistência da própria comunidade, da formação, da educação, que precisa ser revertido. [...]”. (O1-Amarela)
Por outro lado, a odontóloga que apontou na fala acima a informação e a
educação como estratégias para modificar as práticas alimentares, se contradisse, como
veremos no trecho abaixo, ressaltando a disponibilidade das fontes de informação para a
população, além de ter reforçado a responsabilidade estrita das decisões individuais no
âmbito das mudanças das práticas:
“[...] Falta de informação eu acho que não é, porque tem escola, tem visita domiciliar, tem grupos. É mais o ser humano
201
querer mudar. Eu acho que mudança de prática, mudança de opinião é o mais difícil, é o ponto fraco assim que eu acho”. (O1-Amarela)
A questão cultural também se sobressaiu como uma forte barreira para
abordagem da questão alimentar, como podemos observar nos relatos a seguir, a partir
dos quais emerge uma polarização de itens de consumo referentes aos hábitos
alimentares. Assim, de um lado estão as frutas “acessíveis” (“no quintal de casa”),
saudáveis e desvalorizadas pelos usuários e do outro inserem-se os refrigerantes, não-
gratuitos, não-saudáveis e valorizados pelos usuários. Observamos também um
enaltecimento das frutas e verduras como símbolos da alimentação saudável em
detrimento de alimentos tradicionais, como o feijão e arroz.
“Ah, eu acho que o erro alimentar é muito cultural. Então assim, as crianças, os pais, os idosos não comem verdura aqui. Eu acho que isso é uma falha mais cultural mesmo. Comem muito carboidrato. Mas tem uma questão muito forte, cultural, que a gente não consegue chegar tão perto. Tenta abordar de uma forma mais médica, mas eu acho que esse é o empecilho mais forte. [...] comem muito carboidratos e pouca fruta e verdura. Às vezes eles têm fruta dentro de casa e vão comprar a Coca-Cola na esquina. [...].Porque para eles é mais importante a Coca-Cola do que a fruta. Porque a fruta não tem valor nenhum, porque é de graça, no quintal. [...] ”. [grifo nosso] (M2-Vermelha)
“A questão cultural pesa muito! Então a gente vai sensibilizar porque ninguém vai mudar a cabeça de ninguém. Eu falo aqui para o usuário ‘não posso abrir a sua cabeça e enfiar essa ideia, eu não posso colocar o pé no seu bucho e faça de qualquer jeito, faça como eu quero que você faça, não é assim’! É uma sensibilização, eu procuro mostrar, dou exemplos do que é que acontece. [...] é uma reeducação, na verdade. [...] porque o pessoal acha que tem que comer muito óleo ou muito sal. A coisa da verdura, da fruta, o pessoal não gosta e não quer ensinar em casa [...]”. (E1- Branca)
Também percebemos no relato do profissional médico a associação dos aspectos
socioculturais às noções de “erro”, “falha”, sendo vistos como um empecilho para a sua
aproximação com o universo do usuário e abordagem dos problemas alimentares. Para
tanto busca apoio nos aportes da medicina. Essa perspectiva diverge do entendimento
de vários autores, como Freitas 47, que diz que:
202
“Os aspectos socioculturais da educação nutricional serão conhecidos a partir do encontro real dos sujeitos sociais, estes atores que participam e conferem em conjunto uma determinada terapia, situando as interpretações, discutindo o estado de vida, desconstruindo padrões e reconstruindo outros, a partir do diálogo compreensivo e capaz de justificar mudanças”.47
Yepes 290 alerta que o enfoque educativo que valoriza os problemas de saúde
como responsabilizade individual , “isola o indivíduo das circunstâncias em que vive
dentro do seu grupo social, que o desconecta de sua cultura e das implicações que esta
tem para seu coletivo”.
Douglas & Isherwood 289 discutem a questão do consumo de bens, incluindo o
consumo alimentar, a partir de uma perspectiva dinâmica, considerando-o como algo
permanentemente redefinido. Dessa maneira, para os autores as decisões que envolvem
o consumo reafirmam a cultura contemporânea, com diversas mudanças ligadas às
dimensões culturais da vida “novas palavras, novas ideias, novas formas”, que
participam dessas transformações 289.
Assim, além de possibilitar a subsistência, o consumo também teria o papel de
construção e fortalecimento das relações sociais, tornando-se a “arena em que a
cultura é disputada” e configurada 289 . Por outro lado a experiência do consumo
também é concebida como atividade social não somente balizada por necessidades e
desejos, mas por significados e construção de identidades.
Nessa perspectiva os autores refletem sobre a “tecnologia do consumo”,
chamando a atenção para os processos engendrados pelos novos produtos e itens, o
fascínio exercido pelo novo, que passa a ser uma necessidade 289. Esses aspectos podem
nos ajudar a entender as questões que envolvem a construção das práticas alimentares
na atualidade, onde a cada dia são lançados novos produtos e opções, envolvidos sob
forte apelo publicitário.
Cabe trazer também a reflexão do habitus em Bourdieu 97 relacionando-o à
construção das práticas alimentares, para auxiliar a sua compreensão. Bourdieu113
explora as maneiras como o gosto é formado e reproduzido conforme a estrutura de
classe, afirmando que o gosto consiste no mais resistente e duradouro elemento do
habitus, sendo consequentemente o mais difícil de modificar.
203
Nessa perspectiva, Freitas, Minayo e Fontes 139 abordam a relação do habitus
alimentar com a cultura, ressaltando que mesmo que no decorrer do tempo em virtude
da necessidade do corpo para se adaptar ao mundo moderno, esse habitus seja renovado,
as suas bases histórico-culturais serão preservadas. Os autores destacam que o habitus
alimentar:
“[...] pode ser compreendido através da linguagem, das atitudes e práticas e se traduz em ritos, valores, mitos, crenças e tabus. Toda cultura tem sua comida, sua cozinha e base (staple foods): ritos de encontros para comer em que se dá a sociabilidade; valoriza mais uns produtos alimentares que outros; toda cultura desenvolve crenças a respeito do valor dos alimentos[...] e toda cultura tem tabus alimentares”139.[grifo dos autores]
Ainda tomando Bourdieu como referência, para Garcia 112, “a valorização de
alimentos doces, de preparações ricas em gordura, da fartura, da saciedade, de ‘sentir-
se cheio’ após uma refeição, pode ser explicada pelo conceito de habitus”. Aqui, vale
recorrer a Antonio Candido, quando no seu antológico “Os Parceiros do Rio Bonito”p
aborda a “fome psíquica” dos caipiras, definindo-a como “o desejo permanente das
misturas queridas” , o autor chama atenção para a “desejabilidade do alimento” no seu
aproveitamento pelo organismo afirmando que a privação desses alimentos poderia
levar a “insatisfações psíquicas” importantes.
No entender de Pacheco291 a formação dos hábitos se daria mediante “a
confluência dos habitus e a situação objetivamente vivida pelo indivíduo”, onde para a
constituição dos hábitos alimentares haveria:
“[...] um princípio unificador que, ao mesmo tempo, opera a nível objetivo das possibilidades e torna as escolhas alimentares práticas que exteriorizam sistemas de disposições incorporadas, atitudes de escolhas que não são pensadas antes de executadas e ainda assim ocorrem como atitudes ajustadas dentro da classe social”291.
Por outro lado, a articulação de uma teoria da distinção social 113 com a saúde
permite desvelar os valores de grupos em sociedades onde o consumo exerce um poder
classificatório relevante, pois determina os valores diferenciais entre esses grupos. O
p Candido A. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus
meios de vida. Ouro sobre Azul: Rio de Janeiro, 2010.
204
consumo alimentar traduz esse aspecto da distinção de forma bastante expressiva,
quando se analisa a relação das pessoas com a comida e se percebe que alguns
alimentos e tipos de preparações, demonstram ter um valor simbólico particular.
Cumpre ressaltar nesse contexto a influência do papel da publicidade de
alimentos e dos recursos midiáticos nas práticas alimentares, que têm sido cada vez
mais realçados no debate atual da promoção da saúde e da SAN e documentados na
literatura 278, 282, 288, 292. Nos relatos foi bastante frequente a valorização pelos usuários
de alimentos que são fortemente difundidos pela mídia, sobretudo os processados,
porém chamou a atenção que em nenhum momento deste estudo os entrevistados
mencionaram a publicidade.
Assim os refrigerantes foram citados recorrentemente pelos profissionais como
itens frequentes no repertório alimentar da comunidade. Entretanto, tomando como
exemplo a Coca Cola, além dos preços acessíveis está em questão nesse caso, a forte
propaganda que liga o consumo da bebida ao esporte, felicidade, bem estar, beleza,
influenciando o consumo da população.
Para além das limitações econômicas, educativas e culturais relacionadas aos
usuários mencionadas anteriormente, uma minoria dos entrevistados atentou para
outros aspectos que configuravam as escolhas alimentares e dificultavam as abordagens
da alimentação pelos serviços de saúde. Nessa perspectiva, os depoimentos a seguir
destacam elementos vinculados à valorização dos alimentos processados e “prontos”
para consumo, como ícones da praticidade e facilidade exigidos pela vida
contemporânea.
“[...] é difícil, porque às vezes a pessoa trabalha, aí não tem tempo de fazer [...]. Então eu vejo a praticidade, a falta de tempo das pessoas, a preguiça também para preparar o alimento, levam as pessoas a comer o mais fácil. Comprar comida pronta, lasanha, pizza. [...] esses sucos de tinta, que eu sou totalmente contra [...]. Por isso que a calabresa, a salsicha, as pessoas compram, porque é só aquecer e comer, também é gostoso o sabor”. (ACS1-Azul)
“[...] Também entra a questão da falta de tempo, muitas pessoas, elas trabalham e não tem a condição de está fazendo uma refeição adequada, então elas optam por lanches. Então tudo isso influencia”. (ACS 7- Vermelha)
205
Somando-se a isso outras dimensões relacionadas ao consumo alimentar
saudável foram observadas, como a questão das barreiras ligadas ao abastecimento
enfrentadas pela população do território da USF, frente às limitadas possibilidades para
o acesso às feiras livres e mercados, apontadas por apenas um profissional de saúde:
“[...] quem mora aqui para ir à uma feira livre comprar, já é mais complicado, mais distante. Tem que ir para o Mercado de Mangabeira, é o mais perto ou mesmo o mercadinho aqui próximo”. (ACS10 – Amarela)
No debate atual para uma abordagem mais abrangente da alimentação,
considerando a perspectiva da SAN e do DHAA, as ações ligadas ao abastecimento
alimentar têm sido apontadas como uma questão-chave, especialmente no sentido de
integração das iniciativas e programas em torno da intersetorialidade 281. Nessa ótica,
Maluf281 defende que o abastecimento deve conjugar a ampliação “do acesso dos
diversos segmentos da população a alimentos de qualidade, com a promoção de uma
alimentação adequada e saudável, [...] e a proteção e estímulo à diversidade de hábitos
alimentares”.
Entretanto, apesar dos avanços das políticas públicas no sentido de articular
programas e ações de alimentação com a dimensão do abastecimento, onde o PNAE tem
se destacado 27, no contexto do território estudado não houve referências às iniciativas
voltadas à melhoria do acesso a alimentos menos processados e ao estímulo das
tradições alimentares locais, como as feiras que comercializam alimentos
“diretamente” do produtor.
A partir das conversas informais com alguns ACS moradores do local, pudemos
constatar a escassez quanto aos pontos de abastecimento de produtos com atrativos
como variedade, qualidade e preços baixos, especialmente as frutas, hortaliças e
legumes (Diário de campo-observação). O depoimento do usuário reforça essa lacuna:
“Aqui perto tem mais o básico, mas para comprar algumas coisas, frutas, verduras, legumes, eu gosto de comprar fora, porque tem quantidade e a qualidade é melhor. Aqui perto não é muito boa não”. (U7)
Por outro lado, nas ações empreendidas pela ESF junto à comunidade, não
evidenciamos esforços voltados a esses propósitos. Assim, poucos profissionais
mencionaram o trabalho realizado pela creche municipal do território, por meio de uma
206
horta e outras ações, porém não havia um envolvimento efetivo das equipes nesse
processoq.
Alves 42 em estudo realizado no Rio de Janeiro detectou um elenco de
fragilidades relacionadas às dimensões estruturais e ao cotidiano dos serviços e das
práticas dos profissionais, as quais repercutiam nas ações promotoras de SAN na ESF.
Diante dos resultados evidenciados neste estudo, observamos influências de um
conjunto de dimensões que encontram-se relacionadas entre si e com o contexto local,
sobre as abordagens da alimentação pelo serviço e a implementação de processos
educativos efetivos, voltados à perspectiva da promoção da SAN, no âmbito da USF
Caleidoscópio.
Merece destaque a perspectiva reducionista que marcou grande parte dos relatos
dos profissionais entrevistados sobre o seu papel e do serviço de saúde, frente à
problemática que envolve a questão alimentar e nutricional. Assim, houve uma
tendência a fragmentação dessa questão pelos profissionais, no sentido da percepção dos
aspectos sociais, como dimensões situadas fora do âmbito de sua atuação e
competência. Possivelmente a formação universitária na área da saúde, que
tradicionalmente tem privilegiado a vertente biológica e a fragmentação dos saberes em
detrimento da interdisciplinaridade, tem contribuído para esse cenário.
3.4.3 O desafio para a intersetorialidade
A ação intersetorial tem sido bastante enfatizada nas políticas públicas de saúde
da atenção básica 35,61 e de SAN 3, 206 . Contudo, no âmbito da ESF o empreendimento
de práticas intersetoriais ainda tem se configurado como uma questão desafiadora 293-
295. Buscando analisar a dimensão da intersetorialidade no contexto da implementação
das práticas educativas voltadas à alimentação e nutrição, questionamos aos
entrevistados sobre as parcerias desenvolvidas para o desenvolvimento dessas
iniciativas. Sendo que a parceria neste estudo é entendida como um processo
colaborativo entre atores sociais que buscam potencializar a sua capacidade de intervir
conjuntamente na realidade 296.
Para Castro & Souza 296 a parceria consiste em uma estratégia que vem se
consolidando no cenário contemporâneo “nos processos de trabalho que buscam
q A odontóloga se disponibilizou a nos acompanhar à creche para que pudéssemos conhecer essas iniciativas, mas no dia agendado houve imprevistos na sua rotina de trabalho que impossibilitaram a sua saída da USF.
207
responder às novas demandas socioculturais e econômicas e, também, afetivas e
solidárias”296.
Na realidade estudada, as parcerias mencionadas se relacionavam sobretudo ao
contato motivado por objetivos e necessidades pontuais, que os profissionais
mantinham com os equipamentos sociais do território especialmente as escolas, creches,
entidades religiosas e comerciantes locais, além de outros setores e das instituições de
ensino universitário por meio dos seus estagiários.
“[...] a gente procura [as parcerias] mais nos eventos grandes, como por exemplo, quando a gente vai fazer o evento do São João dos idosos, aí a gente procura o pessoal de fora ‘ fulano tu vais me dar isso, porque é para o grupo de idoso’. [...]”. (ACS5-Azul) “[...] o pessoal da Zoonoses, que eles tinham os mosquitos, aí mostrava todas as etapas da dengue, [...]. Articulava, dependendo do momento, ou então do assunto que a gente tem maior dificuldade.[...]”. (O3-Azul)
Nesse sentido, considerando que a abordagem da alimentação e nutrição era
realizada em grande parte diluída nas atividades de saúde, não é de se estranhar as
poucas referências às situações envolvendo parcerias mais específicas voltadas a esses
assuntos. Assim, a reflexão realizada aqui será com relação as parcerias para as ações
educativas de um modo geral.
“[...] de nutrição que eu me lembre, ação educativa [nas escolas] a gente não fez. A gente faz mais com a dentista, com a enfermagem [...]”. (ACS4-Amarela) “[...] nas creches a gente só conseguiu conversar com a diretora [...], mas ação certa assim sobre nutrição não foi feita ainda. [...] a gente pesa as crianças, vê a carteirinha de vacina, avalia fisicamente. [...] mas não foi abordada a parte da nutrição dessas crianças ainda não. Só quando estava muito baixo o peso, aí a gente vinha para conversar individualmente com cada família. Mas abordar assim, de forma geral a nutrição ainda não. Mas na [creche] pública tem até uma horta. As crianças ajudam a fazer [...]eles plantam, colhem, então tem essa atitude mais alimentar. Eu achei bonito essa parte. Mas nutrição mesmo, falar só disso, não foi falado. [...]”. (M2-Vermelha)
208
A intervenção do profissional médico nas creches do território, conforme aponta
o depoimento acima, voltava-se, sobretudo, ao exame clínico das condições das
crianças, com o monitoramento da situação vacinal e nutricional. Mesmo reconhecendo
e se sensibilizando frente às iniciativas desenvolvidas pela creche pública, o profissional
foi enfático sobre a inexistência de uma abordagem por parte do serviço de saúde que
estivesse mais fortemente relacionada à questão alimentar, neste equipamento.
Coincidindo com os resultados de outros estudos 293, grande parte das parcerias
empreendidas pelas equipes da USF Caleidoscópio ocorria de maneira descontinuada e
fragmentada com a finalidade de obtenção de recursos (humanos, físicos, materiais)
e/ou serviços para a viabilização das iniciativas, conforme retratam os depoimentos:
“Todas as outras [parcerias com as políticas públicas] eram pontuais de acordo com demandas. As demandas surgiam e aí a gente corria atrás [...]”. (A1) “[...] a diretora [da escola] é muito legal, liga para gente ir lá. A gente manda o agente de saúde para falar com a diretora e a gente vai lá fazer a atividade com eles”. (ASB3- Amarela)
Por outro lado a articulação com outros setores foi referido como algo inerente
ao processo de trabalho na ESF, sobressaindo-se as parcerias com o setor da educação,
para a viabilização das atividades educativas nas escolas; e com a empresa de limpeza
urbana que foi bastante associada ao trabalho envolvendo o combate à dengue:
“Às vezes a gente quer falar sobre reciclagem, o pessoal da EMLUR disponibiliza gente para dar palestra, material sobre lixo. [...]”. (O3-Azul) “[...] esse contato com outros setores, ele faz parte do processo do trabalho da equipe. [...] principalmente com a educação isso é muito forte, por conta das escolas [...]. A EMLUR, também a gente fez vários trabalhos educativos com relação a lixo, principalmente por conta da dengue. [...]”. (A1)
Alguns exemplos ilustram como ocorria a dinâmica das atividades envolvendo
outros atores além da saúde: a ação promovida pela Equipe Amarela na ocasião das
comemorações do Dia Internacional da mulher, quando a comunidade católica da área
cedeu o espaço da igreja, o Lions Club participou com profissionais optometristas, além
de ter cedido óculos para os usuários e o serviço de saúde participou com profissionais
209
que realizaram exames citológicos, distribuição de materiais educativos, orientações,
dentre outras atividades (Diário de campo-observação).
Houve a participação dos estagiários de nutrição que fizeram a avaliação
nutricional dos usuários a partir do Índice de Massa Corporal (IMC) e, dependendo da
situação encontrada, recomendavam buscar o atendimento na USF para fazer “uma
dieta”. Não havia tempo para o estabelecimento de um diálogo mais aprofundado sobre
as questões e o foco da abordagem se dava a partir das orientações com ênfase na
restrição dos alimentos processados e refrigerantes e nas opções mais saudáveis (Diário
de campo-observação).
A reunião com a comunidade realizada pela Equipe Vermelha, que contou com a
participação de técnicas da Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDES), que
fizeram uma fala sobre o CRAS e uma extensa apresentação sobre o PBF e outros
programas sociais utilizando slides sobrecarregados de textos, Portarias, leis e
informações sobre a operacionalização do programa (Diário de campo-observação).
Ao final, muitas perguntas e dúvidas foram levantadas sobre o PBF pelos
usuários. Quando foi perguntado sobre quem daquelas pessoas recebia o Bolsa Família,
a maioria levantou a mão. A nosso ver se o formato da apresentação tivesse sido mais
adequado ao público, teria estimulado uma maior participação da comunidade. Um dos
ACS da USF comentou conosco que a SEDES se estendeu além do previsto na
exposição, “a gente queria que se falasse do Bolsa Família, o que é e como funciona,
não de Portarias e leis, foi muita coisa” (Diário de campo-observação).
Por outro lado uma das técnicas da SEDES comentou “pensei que a reunião
fosse apenas para os profissionais”, sugerindo que tinha programado a apresentação
para outro tipo de público, mas não tomou a iniciativa no sentido de adaptá-la à nova
situação que se apresentava, insistindo até o final no roteiro planejado (Diário de
campo-observação). O que denota também as fragilidades nos processos comunicativos
e articulação entre os setores da saúde e desenvolvimento social.
Considerando que a intersetorialidade é um processo marcado por relações
complexas e dinâmicas, com limitações condicionadas pela lógica setorial e relações
hierárquicas que caracterizam as instituições públicas brasileiras, a sua efetivação será
mais bem sucedida se estiver ancorada em uma política municipal e uma ação
governamental integradora, do que em intervenções pulverizadas e emergenciais 294 .
Além disso, na medida em que não exista uma política municipal voltada a
impulsionar a intersetorialidade, essa passa a ser uma dimensão cuja decisão para a sua
210
valorização nas iniciativas locais fica a critério da capacidade de articulação,
disponibilidade e vontade das equipes de saúde. Diante da limitada capacidade do setor
saúde para o enfrentamento dos determinantes de saúde, tais aspectos podem estimular
um sentimento de impotência dos profissionais frente à sua prática na ESF 295.
“Porque as [parcerias] que a gente faz, a gente faz ao nosso alcance, para não demorar tanto assim. Burocracia é horrível, aquele trâmite de papel vai, papel vem, demora muito”. (ACS2-Vermelha)
“[...] agora a gente está tentando entrar em contato com a igreja, porque a gente pode falar sobre saúde, mas se houver oportunidade [...] e a associação [de moradores] quando a gente entra em contato eles: - ‘vamos marcar, vamos marcar”. E nunca aparece”. (ACS9-Branca)
No que diz respeito às atividades ligadas ao campo da SAN, Burlandy 18 destaca
o papel do planejamento integrado, pois “possibilita a identificação de intervenções-
chave de alto impacto sobre um problema ou que tenham efeito simultâneo em
diferentes dimensões determinantes”18. Entretanto, o estabelecimento de agendas
integradas está condicionado ao desafio da manutenção das parcerias 52 .
O Plano municipal de saúde (2010-2013)180 atribuiu pouco destaque à questão da
intersetorialidade nas suas diretrizes e ações. Assim, observamos que a
intersetorialidade foi incluída na “política da gestão do trabalho e da educação na
saúde”, no que tange as parcerias da Rede Escola; em um dos objetivos referentes à
“saúde da pessoa idosa”; em uma das metas de “saúde mental” e na descrição do
perfil epidemiológico, vinculada ao processo de trabalho “pautado na
intersetorialidade, onde vários projetos inseridos nas unidades de produção da
epidemiologia estão edificados sob uma nova forma de trabalhar e de construir
políticas públicas [...]”180.
Nessa direção, no cotidiano da USF Caleidoscópio as evidências apontaram para
limitações quanto a um apoio político efetivo da gestão em direção a um planejamento
articulado entre os diversos setores voltado ao fomento de ações intersetoriais regulares:
“[...] ainda é muito incipiente em todos os campos, na verdade não existe uma política clara do município de parceria com outras instituições, com outros setores [...]. As parcerias por parte das equipes acontecem muito pouco. [...]”. (A3)
211
Assim, verificamos um conjunto de dificuldades apontadas pelos profissionais
para a viabilização das parcerias para as atividades educativas. Dentre essas dificuldades
destaca-se a sobrecarga dos profissionais em virtude das responsabilidades com os
procedimentos e consultas da rotina do processo de trabalho, expressando as exigências
de um modelo assistencial ainda bastante focado na dimensão curativa e individual.
As concepções dos profissionais podem não contribuir às mudanças nas práticas
ligadas aos modelos assistenciais hegemônicos, centrados nas ações setoriais, visto que
nem sempre eles reconhecem que diante da complexidade dos problemas da população,
impõe-se a necessidade da articulação intersetorial 293. É consenso na literatura que
uma das condições para a efetivação da intersetorialidade no campo da saúde seria a
mudança do paradigma biológico ainda vigente 297.
“Não ocorre [parcerias]. Não há tempo disponível. [...] no exercício das atividades assistenciais já vê uma certa dificuldade pra suprir a demanda de saúde da comunidade. Isso aí já dificulta demais o trabalho da gente. [...]”.(M1-Azul)
“[...] Porque não é chegar [na USF] e sair daqui pra ir para escola. [...] tem todo aquele processo de antes, tem as urgências que chegam, tem a escuta que tem que fazer, então a gente só sai depois da escuta. [...] todo dia a gente tem uma agenda meio difícil, então requer muito tempo. [...]”. (ASB1-Azul)
“[...] médico não pode estar saindo da unidade para fazer a palestra. A enfermeira também tem sua agenda. Eu também dependendo do dia não posso. Então a maior dificuldade é a disponibilidade de profissional. Porque nem todos podem ir fazer constantemente as palestras. [...]”. (O3-Azul)
Outros depoimentos reforçam a falta de integração e diálogo entre os setores
para o planejamento e realização das atividades, de forma a conciliar os interesses e
necessidades dos envolvidos. Assim, eram comuns esforços dos profissionais de saúde
no sentido da viabilização das atividades e do cumprimento das metas vinculadas aos
programas federais e às prioridades da gestão, se deslocando sucessivas vezes até à
escola e aproveitando os intervalos dos horários das atividades curriculares:
“[...] Muitas vezes a gente chega na escola, tem que esperar os alunos terminarem de lanchar para poder fazer a escovação.
212
[...]o horário está tão estipulado, que não dá mais tempo de fazer as salas que a gente pretendia [...]. [...] mas a gente tenta ir, se não der para fazer duas a gente faz uma, volta no outro dia e vai encaixando dentro do que pode”. (ASB1-Azul)
“[...] às vezes a [falta de] receptividade dos professores, porque tem que interromper a aula, eles têm plano de ensino, não pode está atrapalhando muito, então não dá sempre para fazer. [...]” (O3-Azul)
Considerando a fragilidade no diálogo intersetorial, a responsabilização pela
atividade tornava-se uma atribuição exclusiva do serviço de saúde, onde o papel da
escola, nesse caso, seria apenas permitir o acesso dos profissionais aos alunos,
subordinando-os à sua conveniência e interesse. Essas condições podem contribuir para
desmotivar os profissionais para realizar ações dessa natureza:
“[...] A dificuldade que eu acho maior, é quando você tem que sair daqui e depender de outro. [...] a gente depende do horário da escola. Então a gente muita vezes agenda, acha que está tudo certo, e a escola esquece que agendou conosco [...]”. (ASB1-Azul)
Portanto observamos que o território vinculado à USF estudada tem diversos
equipamentos sociais, oferecendo múltiplas possibilidades para ações intersetoriais
voltadas à promoção da saúde, com ênfase para as iniciativas ligadas à alimentação e
nutrição. Nessa perspectiva, para o sucesso dessas iniciativas é importante considerar
os diferentes significados e valores que os diversos atores/parceiros possuem com
relação à intervenção ou programa 169. Conforme lembram Silva & Rodrigues 293:
“[...] para que o serviço de saúde local possa efetivamente construir parcerias intersetoriais é necessário ir além da negociação de tarefas e da transferência de responsabilidades. É essencial construir espaços comunicativos que permitam a definição de conceitos e objetivos comuns viabilizando, assim, o planejamento participativo das ações que demandam contribuições de outras entidades”293.
213
3.4.3.1 O Programa Saúde na Escola e o Programa Bolsa Família:
iniciativas estratégicas para a abordagem da alimentação e nutrição na perspectiva
intersetorial
Tendo em vista a intensificação do debate da promoção da saúde e da SAN no
cenário contemporâneo brasileiro, dois programas inserem-se estrategicamente nesse
contexto, o PSE e o PBF, sobretudo em virtude da forte relação com o setor saúde, e
portanto da potencialidade para ativar as iniciativas intersetoriais. Nessa direção
refletiremos acerca dos principais desafios e perspectivas relacionados aos processos
educativos a partir da relação da USF Caleidoscópio com essas duas intervenções
públicas.
3.4.3.1.1 A ESF e o Programa Saúde na Escola
O espaço escolar tem se tornado cada vez mais propício para as abordagens
educativas voltadas à promoção da saúde e à SAN. A implementação de diversos
programas e iniciativas públicas têm corroborado para o fortalecimento da vocação das
escolas frente a esse cenário. Nesse sentido, destacam-se o PNAE e o PSE, além da
Portaria 1.010 dos Ministérios da Saúde e da Educação, como dispositivos importantes
para favorecer a articulação do setor saúde com a comunidade escolar, sobretudo
através da atenção básica em saúde 298.
A experiência do PSE constitui uma oportunidade para o exercício da
intersetorialidade e foi apontado como um exemplo dentre as iniciativas empreendidas
por meio de parcerias no âmbito da ESF, que abrangia a discussão relacionava a SAN:
“[...] exceto algumas questões pontuais, como o Programa Saúde na Escola que também trata desse tema de segurança alimentar e nutricional, de alimentação adequada, eu não conheço muito outras iniciativas que procuram fazer essa parceria”. (A3)
Todavia, os aspectos apresentados no tópico 3.1.2 retrataram algumas questões
desafiadoras para a implementação das atividades ligadas ao programa no âmbito local,
que serão analisadas a seguir. A dificuldade para a integração nas ações, com a
participação ativa da escola no processo foi uma queixa recorrente das equipes de saúde
envolvidas.
“[...] a escola não precisar aceitar aquilo que a gente propõe. Seria ideal planejar com a gente, a gente teria assim, realmente
214
o que é esperado no Programa Saúde na Escola, uma parceria [...]”.(A2)
Havendo relatos inclusive de episódios de desinteresse frente às ações,
hostilidade e falta de receptividade por parte dos trabalhadores da escola para com os
profissionais de saúde:
“[...] eu acho muito interessante a unidade de saúde está com parceria com a escola, pena que muitas vezes a escola não tem tanto interesse assim, a escola está fazendo porque ela tem que fazer mesmo. E aí a saúde fica em cima, como por exemplo a semana passada foi desmarcada uma atividade que a gente já tinha se planejado porque a diretora tinha uma reunião, então já desconcentrou a gente de tudo[...]”. (ACS5-Azul)
“[...] às vezes a gente encontra uma certa barreira de funcionários. [...] tinha um funcionário lá [na escola] que gritou comigo [...] , tem raiva porque está incomodando. Não querem trabalhar. [...]quando tem uma ação que exige que eles estejam presentes, aí eles ficam com raiva. Mas a escola em si, a maioria está recebendo a gente bem. Ainda tem assim uma certa barreira, não na Direção, mas nos outros funcionários. E não é o PSF na escola, é uma parceria com a escola. A gente tem que ter o auxílio daquele professor, daquele diretor, daquele funcionário. [...]”. (ACS3-Vermelha)
Assim, a noção que o programa impõe o envolvimento dos agentes dos dois
setores para operar satisfatoriamente emergiu nas falas de grande parte dos
profissionais. O depoimento abaixo destaca o quão desafiador se tornava trabalhar
efetivamente em parceria e aponta para a falta de envolvimento do professor nas
atividades, reconhecendo a sua importância para o alcance de resultados favoráveis no
programa. A participação dos professores tem sido realçada por diversos autores como
um dos elementos para atividades efetivas em promoção da saúde no espaço escolar 299,
300.
“Mas infelizmente, as pessoas ainda não pegaram o objetivo principal desse programa [do PSE], que é a interação entre os educadores e as pessoas da saúde. Então fica muito assim, ‘hoje é o pessoal da saúde que vai trabalhar’. Não tem a participação efetiva dos professores, por exemplo. [...]”. (ACS 7- Vermelha)
215
Contudo, apesar de não ter sido a noção que predominou, observamos
divergências dentro da mesma equipe de saúde, quanto à percepção sobre o
envolvimento dos profissionais da escola nas atividades do programa, conforme mostra
o relato abaixo:
“[...] esse ano foi que começamos a trabalhar nesse programa, PSE. Já houve uma atividade na escola e a gente contou com a ajuda dos profissionais da escola, os professores de educação física e os alunos de nutrição. [...]”. (ASB-Vermelha)
Além disso, quando perguntamos aos usuários sobre a existência de atividades
desenvolvidas pela unidade de saúde nas escolas do território, apenas um entrevistado
demonstrou ter algum conhecimento relacionado a quais seriam essas atividades,
ressaltando as iniciativas ligadas à área da saúde bucal, particularmente a escovação
supervisionada. Tais evidências apontam para a necessidade do serviço de saúde
imprimir maior visibilidade para a comunidade das ações implementadas nos
equipamentos sociais do território, especialmente nas escolas.
“[a unidade de saúde] dá curso de escovação. Sempre estão presentes lá também, os agentes de saúde, ensinando, escovação de dente. E sempre indicando para ir ao posto”. (U6)
O fato de incluir múltiplas ações, com prazo pré-determinado, demandando a
atuação multiprofissional e interdisciplinar foi um complicador no entender de alguns
profissionais. A ausência da enfermeira na equipe e o não envolvimento do médico nas
ações do programa, sobrecarregou a odontóloga, que recorreu a arranjos para dar conta
de cumprir as metas estabelecidas pela coordenação do programa, no âmbito federal e
municipal, como por exemplo dispondo da participação dos estagiários de enfermagem
e de nutrição.
“[...] o que eu tenho achado mais dificuldade é porque esse é um projeto [o PSE] que não depende apenas da parte do dentista. [...] o projeto é muito amplo”. (ASB1-Azul)
“[o PSE] No começo foi um pouco atordoado porque como [a equipe] não estava com enfermeira, eu tive que assumir tudo. [...] e o médico, como ele se retém muito ao consultório porque a demanda é muito grande, então, eu com os ACS, a gente articulou para fazer as atividades que eles mandaram, porque
216
essas primeiras tiveram um tempo determinado. Então a gente foi correndo articular [...].” (O3-Azul)
“[...] eu achei desorganizado, não sei se é porque estava sem enfermeira... [...] Acredito que as próximas atividades serão melhores. Porque a gente conversou e a equipe agora está completa, tem a enfermeira, que é muito importante o papel dela na equipe. [...]”. (ACS3-Vermelha)
Acompanhamos a realização de algumas das ações a que se referem os relatos
acima, ligadas à Semana Anual de Mobilização Saúde na Escola, cujo tema principal no
ano de 2012 foi a prevenção e o controle da obesidade de crianças e adolescentes.
Bombardeados pelas exigências para a realização de um sem-número de ações verticais
com metas nada modestas, que envolvia avaliação nutricional, preenchimento da ficha
de saúde do escolar com informações clínicas e sociodemográficas, além de ações
educativas, o atordoamento mencionado pela odontóloga foi expressado nos relatos
abaixo, assim como foi notado pela pesquisadora mediante a observação.
“[...] porque foi muito de repente [referindo-se ao PSE], está um pouco desorganizado ainda. Faltou mais comunicação. No primeiro dia que eu fui à escola, eu não sabia o que seria a minha função lá, como é que eu deveria agir. [...]”. (ACS3-Vermelha)
“O PSE, Programa Saúde na Escola, acho que é essa sigla, é um programa novo que chegou aqui. Eu ainda não estou nem sabendo falar muito do programa, porque a gente teve uma reunião apenas com a proposta do programa. A gente está fazendo, mas eu acho que foi dado pouca informação para os profissionais. [...] eu ainda não sei o suficiente desse programa. [...]”. (ACS1-Azul)
Evidenciamos pelos depoimentos acima, a falta de apropriação dos profissionais
sobre o programa, no início da sua implementação, o que poderia contribuir para
dificultar a realização das ações e a obtenção de resultados efetivos. Nessa perspectiva,
o planejamento das ações ocorria de forma centralizada nos níveis federal e municipal,
sem o envolvimento dos agentes locais e a implementação das ações se dava mais no
sentido de atender ao que era recomendado pelas instâncias gestoras do programa,
realizando as ações muitas vezes de forma “mecânica”.
Esses achados foram semelhantes aos resultados do estudo de Gomes 301 e
contrariam a perspectiva do emporwerment defendida por Fetterman 127, que destaca a
217
importância de um planejamento horizontal das ações, orientado pelo diálogo, pelas
responsabilidades de cada um na implementação e necessidades para alcançar os
resultados almejados pelos envolvidos. Tais questões na opinião do autor auxiliariam a
evitar “obstáculos desnecessários ou identificar e esclarecer padrões de falta de
comunicação” na implementação das ações 127.
Nesse contexto marcado por metas, prazos e atividades pontuais, a abordagem
da questão alimentar e nutricional foi bastante incipiente e superficial, restringindo-se à
avaliação antropométrica, algumas palestras rápidas sobre alimentação saudável
realizadas pelos estagiários de nutrição com os pais dos escolares, além de um
diagnóstico efetuado pelos ACS com os escolares por meio do formulário de
marcadores do consumo alimentar do SISVAN (Diário de campo-observação). A
participação dos estagiários de nutrição foi ressaltada por alguns profissionais:
“A gente planejou, agendou na escola e convidou a parte da nutrição, que são os alunos daqui da unidade [...]. [...] fizemos um trabalho com eles no mesmo instante que a gente fez o cadastro [...], tinha um prazo, do dia 5 ao dia 9 de março, pra gente fechar, então a gente tinha que saber alguns dados sobre a alimentação das crianças [...]”. (ASB1-Azul)
“[...] a gente entra um pouco na prática alimentar. A última vez que a gente teve na escola, a gente fez uma avaliação do que os escolares se alimentavam, preencheu um questionário onde a gente perguntava o que eles gostam de comer. [...]”. (E3-Vermelha)
“[...] a aluna foi lá na escola, falou um pouco da alimentação saudável. E preenchemos uma ficha com os alunos. Muito pouco, né? [...] a gente nem se organizou, a gente esperou que os alunos [de nutrição] fizessem essa parte nutricional. Eles que foram. Olhe, para falar a verdade, a equipe mesmo nesse lado aí, se acomoda, espera por eles”. (ASB-Vermelha)
Interessa notar que esse último depoimento reforça a tendência dos profissionais
da USF, já apontada anteriormente, quanto à transferência de responsabilidades das
ações mais ligadas à alimentação para os estagiários de nutrição.
Conforme vimos anteriormente, a ausência do médico permeava as atividades
educativas empreendidas pela USF Caleidoscópio, de um modo geral. Os relatos a
seguir confirmam o não envolvimento desse profissional no âmbito das ações do PSE.
Ainda que a sua ausência pareça ser naturalizada pelos colegas de equipe, os quais a
218
justificam a partir da elevada demanda dos atendimentos individuais, em diversas
ocasiões no trabalho de campo observamos queixas e inquietações dos profissionais
com relação à tímida participação dos médicos nas ações educativas.
“[...] já articulei com a enfermeira que tem mais disponibilidade do que o médico e dependendo dos assuntos que a gente achar que os próprios alunos estão querendo, articular com o médico para ir”. (O3-Azul) “[...] a gente sempre vai na escola, faz as atividades, então vai eu, o dentista, Falta ainda a Dra. [menciona o nome da médica da equipe] ir por conta da demanda aqui dos pacientes dela [...]”. (E3-Vermelha)
Por outro lado, apesar das dificuldades apontadas, uma fala se destacou com a
ênfase nos pontos favoráveis da parceria do serviço de saúde com a escola por meio do
PSE, emergindo expectativas positivas com relação às atividades dessa natureza:
“Está sendo bem produtivo [as atividades do PSE], [...] é muito válido esse momento, porque você tem o espaço, você tem o momento de está trabalhando com as crianças e eu ainda acredito que esse é o segredo, a gente está trabalhando com essa geração que está se formando ainda. [...]”. (ACS 7- Vermelha)
Em que pese as fragilidades referidas, entendemos que o PSE pode representar
uma oportunidade para a dinamização de ações de educação em saúde na escola,
induzindo os profissionais a se mobilizarem para a construção de possibilidades de
iniciativas nessa esfera, conforme sinalizam os depoimentos abaixo. Nessa perspectiva,
importa esclarecer e discutir os papéis dos setores envolvidos, como um aspecto para a
consolidação da parceria, conforme evidencia o relato da apoiadora:
“Mas nós estamos caminhando, tentando construir essa parceria, tentando pedir a colaboração, que eles [profissionais das escolas] entendam que a gente precisa da colaboração, que não é apenas uma função da equipe de saúde, uma responsabilidade só da equipe de saúde”. (A2)
Ressaltamos a existência em João Pessoa do Grupo de Trabalho Intersetorial
(GTI), que articula representantes de diversas instituições municipais e estaduais, como
219
as secretarias de saúde, educação, dentre outras. Todavia, para o estímulo da parceria
como uma iniciativa construída a partir de esforços bilaterais (unidade de saúde e
escola), torna-se necessário que além dos fóruns promovidos pelo nível central de
gestão para discussão sobre o programa, sejam viabilizados espaços de diálogo e
concertação no nível local, envolvendo as equipes de saúde e a comunidade escolar. A
dinâmica das ações, além do que foi demonstrado em alguns depoimentos, nos levam a
constatar que esses espaços ainda não estavam implementados no contexto estudado:
“[...] o ideal seria que [o planejamento das atividades] fosse junto com a escola. [...] a gente entra em contato primeiro com a escola. [...] quando a gente pensa em alguma atividade, a gente vai até a escola, propõe e vê qual seria a data possível”. (A2)
3.4.3.1.2 O Programa Bolsa Família na ESF
Evidencia-se que programas como o PBF, embora expressando na sua
concepção e desenho operacional avanços significativos do ponto de vista da SAN e do
DHAA, ainda apresentam fragilidades relacionadas à implementação das suas ações,
ao estabelecimento de mecanismos efetivos de controle social, além das limitações
ligadas à provisão e qualidade dos serviços prestados aos seus beneficiários 21.
A integração do PBF com outras iniciativas públicas torna-se fundamental para
o alcance de resultados efetivos do programa 21, 22, 281. Nesse contexto, o papel do setor
saúde, por meio da ESF, ganha destaque. No que se refere às políticas de saúde,
considerando o amplo leque dos determinantes da SAN e os determinantes sociais da
saúde, ressalta-se que a sinergia do programa com as ações de saúde é uma condição
para maximizar as suas repercussões nos beneficiários. O foco da USF Caleidoscópio
nas atividades voltadas à tomada das medidas antropométricas, descrito no tópico 3.1,
foi corroborado pelos usuários:
“[...] Teve a questão do peso, que sempre a gente tem que estar lá para se pesar, medir altura, do Bolsa Família”. (U13)
“[...] teve o peso dos meninos, aí teve como se fosse um evento aqui, as mães que não pesavam as crianças,vieram [...]”. (U11)
[...] Os enfermeiros mandam chamar a gente. O agente de saúde vem, marca o dia de pesar as crianças [...] o mês passado teve, aí é enviado para lá para a Ação Social. Agora só em setembro, todos os meses tem que pesar [...]”. (U9)
220
Ante a atuação da ESF em João Pessoa com ênfase nas medidas antropométricas
dos beneficiários, o relato da apoiadora nutricionista sinaliza para as iniciativas
empreendidas pelo núcleo de nutrição do DSIII no sentido de sensibilização das equipes
para reorientação da dinâmica de ação frente ao programa, buscando substituir o “dia
do peso” pelo acompanhamento das famílias na rotina diária das atividades do serviço
de saúde:
“[...] uma atividade muito forte que o núcleo de nutrição planejou, para fazer com que as equipes vissem que tem que ser um acompanhamento e não o dia do peso. [...] e a gente fez essa discussão no distrito III e lançou para o nível central com o NASAN [...], então a gente tentou e aí foi aonde eu comecei isso dentro das equipes [...].[...] a gente começou a fazer, a nível distrital, reunião com todos os apoiadores dando a ideia, como é que eles poderiam fazer para que as equipes incorporassem isso dentro do processo do trabalho. Como é que seria esse fluxo. E depois ia começar a implementar.[...]”. (A1)
Entretanto as tentativas de implementação de novas práticas não foram bem
sucedidas na USF Caleidoscópio. Conforme aponta o relato da apoiadora que participou
do processo, a sua saída, juntamente com a de uma enfermeira da USF foi suficiente
para haver um retrocesso à antiga dinâmica do acompanhamento das famílias ligadas ao
PBF. Tais aspectos sinalizam a resistência dos profissionais às mudanças nas práticas.
Por outro lado, observamos ainda informações conflitantes sobre o funcionamento das
atividades na unidade, o que pode levar ao descrédito do serviço junto a comunidade,
contribuindo para o seu distanciamento das iniciativas empreendidas pelas equipes.
“[...] a [Caleidoscópio] foi uma das unidades que a gente começou a implementar, porém com a saída de uma enfermeira e quando eu fui me afastar, aí infelizmente as pessoas fazem o que é mais fácil para elas. E aí colocaram de novo o dia do Bolsa. E estava tendo confusão porque os ACSs estavam colocando para comunidade o que a gente tinha combinado, mas quando chegava lá tinha uma pessoa que emperrava e dizia: - Não, o Bolsa é dia tal”. (A1)
A literatura sobre a implementação de programas tem destacado a forte
influência das condições ambientais sobre os componentes dos programas, chamando
atenção para os resultados não previstos que ocorrem no processo de operacionalização
221
das ações no contexto local 50. A rotatividade dos profissionais tem sido um dos
gargalos da ESF, repercutindo na implementação de diversas ações nesse âmbito. Nesse
sentido, Magalhães et al 21, em estudo sobre o PBF no Rio de Janeiro, apontaram a
rotatividade de profissionais de saúde dentre as dificuldades para o acompanhamento
das condicionalidades pela ESF,
A atuação centrada nas medidas antropométricas e na prestação semestral de
contas à gestão foi evidenciada em outros locais 277. Cabe destacar que alguns
profissionais da USF Caleidoscópio manifestavam inquietação com essa dinâmica,
referindo que precisavam aproveitar a oportunidade da “pesagem” para realizar ações
educativas ou que seria importante realizar a aferição dessas medidas na rotina diária do
serviço (Diário de campo-observação).
Nos depoimentos das enfermeiras das equipes Vermelha (recém-admitida na
USF) e Branca, percebemos esforços voltados ao acompanhamento mais sistemático e
ampliado dos beneficiários, a partir dos atendimentos no cotidiano da USF,
extrapolando a noção centrada apenas na tomada do peso e altura, que prevalecia na
maior parte dos profissionais.
“[...] quando eu cheguei aqui, [o PBF] estava um pouquinho complicado porque eles [os beneficiários do PBF] vinham de seis em seis meses para fazer só o peso. [...] aí eu lancei a proposta para que a gente pudesse está acompanhando mais de perto. [...].”. ( E3-Vermelha).
Emergindo nessa perspectiva mais ampliada do acompanhamento, a abordagem
da alimentação, com destaque para a promoção do aleitamento e da alimentação
saudável da criança:
“[...] um cuidado que eu procuro ter com o usuário, é dizer que ele não venha só pensando no dinheiro do Bolsa Família, que ele procure a unidade para ser avaliado na sua saúde, que a gente oferece um serviço para acompanhar e prevenir problemas, que eles venham para isso. E há um momento também que a gente fala da alimentação. A questão do aleitamento materno. [...]”. (E1- Branca)
Por outro lado, há que se considerar a influência das críticas veiculadas na mídia
acerca do PBF na opinião pública, interferindo no entendimento dos profissionais de
222
saúde sobre o programa e na forma como realizam as atividades ligadas às
condicionalidades 277 . A fala do ACS abaixo corrobora esses aspectos, mostrando a sua
preocupação em identificar se a renda estaria sendo utilizada para o público-alvo do
programa.
“[...] o Bolsa família está sustentando muitas famílias, foi uma coisa muito boa e como eu gosto muito de ver a reportagem, algumas pessoas se acomodam. A Bolsa Família é para melhorar o rendimento [...] muitas famílias não têm emprego, nem nada, mas não cabe a ela só esperar pela Bolsa Família. Tem que procurar alguma atividade para fazer, para melhorar muito mais”. (U1)
“A gente tem só o acompanhamento das pessoas, para saber como é que está o peso das crianças, até mesmo da mãe, se está no peso ideal. Se o benefício está sendo para ele mesmo. Porque muitas vezes a gente vê a reportagem na televisão que tem muitos pais que tomam o dinheiro da esposa para comprar droga, cachaça. Então a gente procura saber se o recurso está sendo utilizado com as crianças [...]”. (ACS 8-Azul)
Os vínculos das equipes, especialmente dos ACS, com as famílias
beneficiárias, lhes conferem uma posição privilegiada para o acompanhamento das
condicionalidades e a abordagem das questões ligadas à alimentação, envolvendo
dimensões ligadas ao DHAA, da cultura e da promoção da SAN no território 277.
Carneiro et al 128, argumentam que:
“A promoção da SAN e a Promoção da Saúde estão postas no mesmo lócus de intervenção: a família e a comunidade. Atualmente, o Programa Bolsa Família (PBF) configura-se como um dos espaços que traduzem de modo mais concreto essa interlocução da SAN com a saúde, no cenário da ESF”128.
Pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Análise Social e Econômica
(IBASE)24 com os beneficiários do PBF mostrou que a maior parte dos recursos
transferidos do Programa era gasta pelas famílias com alimentação, que passaram a ter
maior estabilidade no acesso aos alimentos e maior quantidade e variedade de alimentos
consumidos. O estudo ainda apontou que o incremento na renda nem sempre vem
acompanhado de opções alimentares mais saudáveis 24.
223
Saldiva et a l302, estudando o consumo alimentar infantil em município do
semiárido nordestino, reafirmam esse aspecto, evidenciando que as famílias do PBF, ao
incrementarem a renda mensal, passaram a consumir alimentos com baixo valor
nutricional, como biscoitos doces, balas, doces e chocolates. Ressalta-se que a discussão
da alimentação, sobretudo na perspectiva do DHAA nos grupos sociais empobrecidos
do contexto urbano é bastante desafiadora, na medida em que o acesso aos alimentos
ocorre principalmente por meio de relações mercantis, influenciadas pela mídia, com o
estímulo ao consumo e a alimentação conjugando a tradição com novos padrões
globalizados 303.
O acesso à alimentação saudável se traduz tanto na dificuldade em obter
alimentos saudáveis, como também na ampliação do acesso a alimentos de baixo teor
nutricional (ricos em gorduras saturadas, açúcares e sódio). A análise de pesquisas de
orçamento familiar realizadas em 2002-03 e 2008-09 revela tendência crescente de
substituição de alimentos básicos e tradicionais do cardápio brasileiro (como arroz,
feijão, farinha de mandioca e hortaliças) por bebidas e alimentos industrializados (como
refrigerantes, cerveja, pães, biscoitos, embutidos e refeições prontas), acarretando o
aumento do sobrepeso e da obesidade, e de doenças relacionadas à má alimentação,
principalmente nos segmentos mais pobres da população 304.
Maluf 281 argumenta que a natureza dos programas de transferência de renda
como o PBF não abrange os aspectos “socioculturais, nutricionais e ambientais”
ligados à alimentação. Assim o autor afirma que apesar de “indispensáveis para saciar
a fome”, esses programas “podem funcionar como ‘porta de entrada’ para a questão
alimentar na medida em que ultrapassem os limites da visão do ‘combate a fome’ ou do
‘acesso a comida”281.
Nessa perspectiva, as ações educativas em alimentação e nutrição são
recomendadas por vários autores 302, 305 e pelo Manual de Orientações sobre o Bolsa
Família na Saúde do Ministério da Saúde 241. Uchimura, Bosi, Lima 305 defendem que
as ações educativas no âmbito da alimentação com as famílias do programa devem ser
“adaptadas ao repertorio cultural dos distintos segmentos sociais”, alertando também
para a limitada capacidade dos processos educativos frente aos determinantes estruturais
da situação.
No entanto, apesar da potencialidade da ESF para a aproximação com o
contexto das famílias e realização de iniciativas educativas voltadas para a
alimentação, ainda existem muitas lacunas nessa dimensão 128 . Na USF estudada, as
224
atividades voltadas para explorar essas questões com o público do programa ainda eram
bastante incipientes.
Aliado a isso muitos profissionais utilizavam o PBF como estratégia coercitiva
para aumentar a adesão dos usuários aos procedimentos e atividades ofertados pela
USF Caleidoscópio. Tais estratégias são frequentes nos serviços de saúde e também
foram observadas por outros estudos 277, expressando a desvalorização da autonomia do
usuário frente às decisões, além de não favorecer o diálogo entre os profissionais e a
população no sentido do estímulo à sua criticidade 64, consistindo em barreiras
comunicativas, que poderiam contribuir para o afastamento do usuário do serviço.
Trapé & Soares 72 problematizando a práxis dos ACS, alertam que diante da
impotência desses profissionais para assumir as responsabilidades “de atender todas as
demandas da comunidade” e sem saber como enfrentar essa situação eles “lançam mão
de estratégias de convencimento e amedrontamento que condicionem a população a
seguir suas orientações”72.
Constatamos que existia um tensionamento entre os ACS e técnicos de
enfermagem acerca das atribuições sobre a coleta do peso e altura dos beneficiários do
programa. Sugerindo que as discussões e esclarecimentos sobre as responsabilidades
frente a esse programa no âmbito da equipe ainda não tinham sido suficientes (Diário
de campo-observação). Por outro lado, os enfermeiros e ACS foram os profissionais
mais associados ao processo de acompanhamento das famílias do PBF.
“[...] a gente faz a busca ativa para a enfermeira fazer o controle na consulta, [...].[...] para a pesagem e só. A gente só faz isso. (ACS4-Amarela)
“[...] eu não tenho muito envolvimento [se referindo ao PBF] porque eu não acompanho diretamente como é o cronograma, a questão de como eles [os ACS] se articulam. [...] quando tem a época de pesar, os agentes de saúde se articulam para ir avisar[...]”.(O3- Azul)
Os relatos abaixo reforçam esses achados. O depoimento do ACS sinaliza a sua
aproximação com os aspectos da operacionalização do programa, assumindo a
responsabilidade de informá-los às famílias no cotidiano das visitas. Ao passo que a
fala do ASB aponta para o seu desconhecimento sobre o funcionamento do programa,
além reafirmar a ligação do ACS com o PBF:
225
“Isso aí de Bolsa eu não sei te falar nada. Porque na verdade isso é entre os agentes de saúde, é quem sabe falar melhor sobre o Bolsa Família. [...] eu sei que existe o projeto, e muita gente é beneficiada, mas não sei como funciona”. (ASB-Azul) “[...] o agente de saúde quando chega a época do recadastramento, tem a obrigação de informar às pessoas, para que elas não venham perder esse auxílio que o governo dá. [...] como é que é feito o cadastramento, o que é que tem que ser feito, a gente sempre está passando isso aí no dia a dia das visitas [...]”. (ACS6- Amarela)
Estudo realizado sobre programas de SAN em municípios do nordeste revelou
que um contingente significativo dos responsáveis pelas crianças vinculadas ao PBF
desconheciam as regras gerais do programa 306. Na USF estudada, ainda que alguns
profissionais estivessem mais diretamente envolvidos com as ações ligadas ao
programa, entendemos que todos os profissionais da equipe interagiam com as famílias,
tornando-se agentes importantes na socialização e difusão de informações sobre o
funcionamento do programa. Portanto, a apropriação das dimensões conceituais e
operativas do programa deveria se estender às equipes de saúde de um modo geral.
Ramos & Cuervo 277 argumentam que:
“[...] ao desconectar a realidade social em que as famílias beneficiárias estão inseridas dos objetivos do programa, colabora- se para a simples mecanização dessas práticas. Nesse sentido, acredita-se que os profissionais de saúde precisam entender as proposições do programa como estratégias político-sociais, as quais, para além do alívio imediato, visam a gradativa superação dos problemas relacionados à pobreza, à fome e à miséria. Por isso, evoca-se o protagonismo consciente no exercício da prática profissional como alternativa ao cenário atual”.277
Reforçando esses aspectos, evidenciamos que os usuários que não eram
beneficiários do programa não estavam informados suficientemente sobre as questões
que o envolviam, revelando limitações do serviço de saúde frente à divulgação e difusão
do PBF na comunidade:
“[...] Sinceramente eu nem sabia que tinha essas atividades sobre o Bolsa Família”. (U8) “Eu não conheço porque eu não tenho ninguém [no programa], aí não sei nem como é esse Bolsa Família”. (U10)
226
“Que eu saiba eles pesam as crianças aqui, as mães parece, e fazem uma ficha. Não sei, porque eu não tiro Bolsa Família, não procuro saber muito essas coisas”. (U7) “[...] não sei se tem uma pessoa que orienta lá na unidade, para mim nunca veio orientação nenhuma quanto a isso, a quem procurar, quando procurar”. (U5)
Nessa direção, a capacitação dos profissionais da atenção básica tem sido
apontada no sentido de qualificar o acompanhamento das condicionalidades e a
promoção das práticas alimentares saudáveis 277, 306. Conforme sublinham Carneiro et al
128, além de “uma ação coletiva da equipe para conseguir mudar perspectivas de
atuação e interação no cuidado em saúde e na relação com os usuários”, importa
valorizar iniciativas no âmbito da USF, “ não apenas para ensinar conteúdos aos ACSs,
mas escutar também suas experiências e saberes, para provocá-los a refletir
criticamente a sua realidade e gerar atitudes rumo ao enfrentamento da insegurança
alimentar e nutricional em seu território”128.
As atividades de educação permanente no âmbito da ESF em João Pessoa,
articuladas à perspectiva da educação popular constituem um recurso promissor para a
indução dos processos envolvendo as questões ligadas ao PBF com todos os
profissionais da equipe.
3.4.4 Aspectos que podem contribuir para a qualificação das ações de alimentação
e nutrição
Diante das dificuldades apontadas para a abordagem da alimentação e nutrição
no âmbito da USF, indagamos aos entrevistados quais os aspectos que poderiam
melhorar as ações envolvendo a alimentação e nutrição.
Alguns aspectos relacionados às dimensões político-operacionais da ESF, de
modo geral, foram apontados como indutores para a melhoria das práticas educativas
ligadas à alimentação e nutrição. Assim foi mencionada a necessidade de realização do
redimensionamento do número de famílias por equipes como condição para
implementar ações de modo satisfatório e compatível com os princípios e diretrizes da
ESF:
“[...] para o Saúde da Família funcionar como ele foi pensado várias reformas precisam ser feitas e uma delas é o dimensionamento de responsabilidade por quantidade de pessoas das equipes [...] a gente não vai conseguir realizar as
227
atividades a contento com uma população desse tamanho para atender, com o perfil epidemiológico que a gente tem hoje [...]”.(A3)
Dimensões ligadas ao modelo assistencial da ESF foram destacadas como
fortalezas para estabelecer maior vínculo e aproximação com as famílias,
potencializando as oportunidades para as abordagens educativas em alimentação e
nutrição.
“[...] a beleza desse Saúde da Família está aí, em você conseguir essa aproximação, essa intimidade numa visita, porque ali você está observando tudo, não só o que ela está relatando. [...] a visita ela permite a gente ter esse vínculo [...]”. (O1-Amarela)
Diante das fragilidades enfrentadas pelas equipes quanto ao subsídio de recursos
materiais para as atividades educativas, a necessidade de suporte material foi enfatizada
em diversos relatos:
“[...] maior disponibilização por parte dos gestores, dos três níveis, de recursos para educação em saúde [...]”. (A3) “[...] o que falta mesmo é material para gente trabalhar, uma organização melhor, que não depende de nós, depende lá de cima, de gestão, de secretaria, de distrito [...]”.(ACS3-Vermelha)
“Apoio também da prefeitura em materiais, para gente continuar fazendo as ações [de alimentação e nutrição]”. (ACS4-Amarela)
“[...] tem que ter um grande incentivo da prefeitura, dos profissionais que trabalham na área de saúde. [...] Do que precisa? informações, panfletos, não só a palestra. [...]”. (ACS 8-Azul)
A necessidade de infraestrutura mais adequada para possibilitar a diversificação
das abordagens, envolvendo a discussão sobre a preparação dos alimentos, do ponto de
vista prático, foi referida, demonstrando preocupação e abertura dos profissionais para
novos enfoques:
“[...] A gente tem as informações na teoria, mas vamos botar na prática [...]. Ficaria bacana um laboratório dentro da unidade,
228
para mostrar como é que você poderia fazer o manuseio de cada alimento ali para aproveitar. [...]”. (ACS9- Branca)
“[...] disponibilidade de alimentos saudáveis, [...]mostrar os benefícios e ensinar, fazer oficinas de manuseio dos alimentos, de higienização, do preparo, de como aproveitar os nutrientes [...]”. (A3)
Algumas iniciativas já existentes foram ressaltadas como potencialidades para a
abordagem da alimentação. Por outro lado também foram propostas ações que poderiam
ser implementadas no sentido de qualificar a abordagem da alimentação e nutrição na
USF, diversificando os recursos pedagógicos. As atividades envolvendo a culinária e a
produção de alimentos por meio de hortas, as parcerias com as escolas e creches, estão
entre as sugestões:
“[...] a escola está com uma alimentação bem saudável. Tem algumas escolas que proíbem a entrada de alguns tipos de lanche [...]”. (ACS1-Azul)
“Poderia ser mais trabalhado dentro da unidade, mais ações nesse tema [alimentação e nutrição], ou até mesmo dentro da comunidade. Tem as escolas, as creches, que podem ser trabalhadas também [...]”. (TE2- Branca)
“[...] talvez até uma horta comunitária, algo nesse sentido assim, que as pessoas possam produzir esses alimentos. [...]”. (M2-Vermelha)
“ [...] trazendo essas coisas [aulas de culinária saudável] para o posto, a gente consegue repassar para quem frequenta nossos grupos. [...]”. (ASB1-Azul)
“[...] projetos, através de cartilhas, alguma coisa que a gente tenha como repassar para essas pessoas carentes, como elas devem reaproveitar, os alimentos que elas têm em casa [...]”. (ASB1-Azul)
Todavia, para o fortalecimento desses empreendimentos, o incremento de ações
voltadas à qualificação e aprendizagem dos profissionais para abordagem da temática da
alimentação foi um aspecto citado de forma recorrente:
“Se tivesse uma oficina bem feita, porque a gente ficava mais seguro e tinha uma noção do que era o miolo da coisa”. (E2-Amarela)
229
“[...] abordagens trazendo profissionais capacitados, que já tenham experiências para estar trabalhando com as equipes, porque com referências e embasamento a gente trabalha bem melhor. [...] ”. (ACS 7- Vermelha) “[...] a gente tem que estar sempre buscando mais conhecimentos, estar sempre lendo sobre o assunto, porque é uma coisa que sempre está mudando, surgindo coisas novas [...]”. (E3-Vermelha)
Portanto, constatamos que no geral os profissionais não se sentiam seguros o
suficiente para abordar o assunto de maneira mais aprofundada e consistente,
especialmente os ACS. Muitos deles tinham sido admitidos na ESF sem ter participado
da formação específica, se apropriando das suas atribuições a partir da prática. Nessa
perspectiva, a superação das lacunas quanto à preparação dos ACS para lidar com a
complexidade relacionada à alimentação da comunidade no seu cotidiano de trabalho
no território foi enfatizada.
“Mais formação do agente de saúde em Segurança Alimentar. [...] porque tem muita coisa que o agente de saúde não sabe, que ele precisa saber. [...] Tem pergunta que o pessoal faz que a gente não sabe responder, porque a gente não teve aquela formação. [...] tem que ter uma formação e está seguro do que está falando em relação a alimentação, porque é muito difícil trabalhar isso”. (ACS5-Azul)
As limitações quanto à existência de espaços e processos que valorizassem a
abordagem da questão alimentar com as equipes reforçam as lacunas referidas pelos
profissionais na direção de oportunidades regulares para a reflexão do assunto. Nesse
sentido, algumas estratégias emergiram para potencializar os processos educativos sobre
a alimentação e nutrição com os profissionais.
A EP e os estagiários de nutrição foram apontados como recursos para essas
situações. Assim o relato abaixo enfatiza o papel dos estagiários de nutrição no
processo de qualificação das equipes, reafirmando a sua centralidade perante a
abordagem da questão alimentar na USF:
“[...] os estudantes de nutrição estão aqui para ajudar na comunidade, nessa área. Então eu acho que tinha que começar com a gente. [...] uma primeira conversa ensinando a como
230
fazer o trabalho com a comunidade. Por exemplo, se eles saírem daqui? [...]” (ASB-Vermelha)
Por outro lado, a parceria com os estagiários de nutrição foi valorizada quanto ao
apoio as abordagens dos profissionais sobre as questões ligadas à alimentação no
cotidiano do trabalho:
“E a facilidade maior é a parceria com os estudantes de nutrição, porque mesmo se a gente passasse o que a gente pouco sabe, não é como uma pessoa especialista da área”. (ACS2-Vermelha)
“[...] como temos essa facilidade de ter aqui o pessoal da nutrição, sempre que eu tenho alguma dúvida eu falo com eles. Eles têm ajudado bastante a gente”. (E1- Branca)
“[...] falta só uma forma de organização melhor em relação a isso, onde a gente pudesse realmente voltar para o lado só nutricional e a gente chamar o pessoal da nutrição [ estagiários] para formar esse grupo com a gente. [...]”. (E3-Vermelha)
A potencialização da EP foi referida como um recurso importante nesse
contexto. Percebemos também uma preocupação com o estímulo das abordagens
coletivas e participativas:
“[...] qualificação dos profissionais para essa temática [alimentação e nutrição], [...] técnicas de trabalho em grupo, metodologia participativa e fortalecimento da educação permanente [...]”(A3)
O NASF não foi mencionado como ferramenta de apoio no cenário da
qualificação das equipes, sinalizando que talvez os profissionais não o identifiquem ou
reconheçam como um dispositivo credenciado para assumir tais atribuições. Dentre as
diversas sugestões para melhorar as atividades educativas em alimentação e nutrição
apontadas pelos profissionais de saúde e apoiadores, a inserção do nutricionista na
equipe foi mencionada frequentemente. O que nos leva a indagar sobre o papel efetivo
do apoio matricial/NASF para a implementação dessas ações. Quais têm sido as frentes
de trabalho priorizadas no cotidiano dos apoiadores? Como têm sido pautadas as
atividades envolvendo a alimentação, nutrição, SAN?
231
Chamou a nossa atenção que as equipes da USF Caleidoscópio não tenham
considerado o profissional de nutrição do NASF como um aliado potencial para auxiliá-
las na implementação das atividades educativas envolvendo a alimentação.
Especialmente se levarmos em conta que a USF Caleidoscópio dispôs de um apoiador
nutricionista por dois anos. Alguns aspectos ligados à operacionalização e
funcionamento do NASF em João Pessoa podem contribuir na reflexão sobre a tênue
identificação das equipes com os nutricionistas (apoiadores) vinculados ao NASF.
A rotatividade dos apoiadores repercutia na organização do núcleo de nutrição
e no apoio mais efetivo voltado a essa área na USF Caleidoscópio:
“Atualmente, não [sobre a existência de apoiador de referência em nutrição para a USF Caleidoscópio]. Porque ela [a apoiadora nutricionista da USF Caleidoscópio] saiu e também outros nutricionistas saíram [do NASF]. [...].” (A2)
Nesse sentido, mesmo quando a unidade contou com o apoio direto de um
profissional nutricionista, o trabalho da apoiadora na USF demandado pelo arranjo do
NASF em João Pessoa não enfatizava a dinamização das ações envolvendo a
alimentação. Nessa direção o relato da apoiadora nutricionista sugere a inserção da
nutricionista no âmbito da equipe mínima:
“[...] em João Pessoa, o NASF ele tem outra configuração que não é apenas essa parte do atendimento. Fazemos atividade de núcleo e também essa parte do matriciamento. [...] o nutricionista seja na equipe mínima ou nessa configuração de ter um nutricionista como referência para um número X de equipes, tem uma referência maior porque ele vai estar lá enquanto nutricionista para poder desenvolver e incentivar essas atividades [educativas em alimentação e nutrição]. [...] a última coisa que eu era, era ser nutricionista dentro da equipe”. (A1)
Os depoimentos abaixo também destacam a presença da nutricionista na equipe
como recurso para melhoria do desenvolvimento das atividades individuais e coletivas
envolvendo a alimentação:
“[...] se tivesse a presença de um nutricionista, com certeza a gente poderia desenvolver melhor as atividades, tanto no campo
232
individual, como coletivo. Teria um impacto na segurança alimentar da comunidade [...]”.(A3)
“[...] A maioria das doenças que são tratadas no PSF é consequência dos hábitos alimentares errados e assim, o nutricionista era para estar inserido dentro de todas as equipes do PSF”. (ACS1-Azul)
“[...] a introdução de algum nutricionista na equipe para poder trazer para gente mais ações relacionadas a isso. [...] para poder a gente manter uma qualidade de informação sobre nutrição e alimentação”. (O2- Vermelha)
Apesar de a alimentação atravessar os vários núcleos de saberes/profissionais,
especialmente da área da saúde, tradicionalmente o nutricionista é o profissional que
tem uma formação mais direcionada para lidar com essa temática. Contudo, a ESF não
contempla o nutricionista nas equipes mínimas, preconizando a vinculação desse
profissional no escopo das ações do NASF.
Alguns estudos têm debatido a inserção do nutricionista na ESF, argumentando
sobre a importância desse profissional para a consolidação das ações de nutrição no
âmbito da atenção básica 12,143,144,246. Camossa et al246 discutindo a ausência do
nutricionista na equipe, em análise realizada na ESF de São Carlos-SP evidenciou que
“quando há outro profissional para o qual possam encaminhar, mesmo que este não
seja exclusivo e nem mesmo integrante formal da equipe de saúde da família, como o
residente, isso é o suficiente para suprir a necessidade de atendimento à população”246.
Mas em que pese os avanços das políticas de SAN e de saúde, o entendimento
do papel do nutricionista pelos profissionais de saúde ainda tem sido bastante limitado,
sendo relacionado à elaboração de dietas, onde sua atuação muitas vezes é percebida
como coadjuvante ao trabalho médico 246 . Além disso, observamos uma tendência à
valorização da fragmentação do conhecimento, não havendo o reconhecimento da
interdisciplinaridade do campo da alimentação e nutrição.
Para Camossa et al246 essa visão não favorece a compreensão de que esse
profissional “pode contribuir mais amplamente para a promoção da saúde”. Ferreira
& Magalhães 30 alertam sobre os avanços e desafios da discussão da alimentação e
nutrição na perspectiva da promoção da saúde:
“[...] por um lado temos a possibilidade de repensar nossa prática enquanto profissionais de saúde e nossa atuação no campo da saúde pública, de outro temos importantes percalços
233
a serem superados. O desafio, portanto, está em superar práticas convencionais e fragmentadas, decorrentes desse modelo de formação profissional”30.
Apesar das fragilidades ligadas à formação em saúde, têm ocorrido mudanças
curriculares em alguns cursos da área no sentido da inserção mais precoce dos
estudantes nas comunidades e da reorientação das práticas. Por outro lado, tem havido
também diversas experiências ligadas à extensão universitária com ênfase em uma
formação ampliada e crítica 7, 234.
Aliado a isso, o governo federal, por meio do Ministério da Saúde, tem apoiado
à formação para o SUS com iniciativas relevantes como, por exemplo, o Programa
Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) e o
Programa de Educação para o Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), na direção do
fortalecimento das ações da atenção básica.
Por outro lado alguns relatos trouxeram a ênfase na abordagem interdisciplinar e
integral, destacando o envolvimento de todos os membros da equipe multiprofissional
para o fortalecimento das ações educativas em alimentação e nutrição:
“[...] O ideal da equipe de saúde da família, é que essa equipe realmente participe das atividades, sendo da sua formação ou não. [...] temos que ver o usuário de uma forma integral. Ali de acordo com os nossos limites de conhecimento, podemos dar algumas orientações e se for preciso uma abordagem mais específica, encaminhar, articular, ver o que pode ser feito”. (A2)
“[...] precisa é envolvimento mesmo e abrir o olho que saúde não é só aquilo e isso, é aquilo outro também. Assistência de saúde não é só uma coisa limitada, é uma coisa flexível, complexa demais [...]”. (ACS1-Azul)
É inegável a disponibilidade e compromisso de muitos profissionais, que mesmo
diante das inúmeras dificuldades materiais e operacionais do cotidiano de trabalho,
mobilizavam esforços no sentido de contornar as limitações buscando alternativas para
a implementação de práticas educativas. Nesse sentido, dentre as potencialidades
presentes na USF para a realização de atividades envolvendo a alimentação e nutrição,
a disponibilidade e os esforços de grande parte dos profissionais foram relatadas:
“[...] a gente sempre consegue fazer alguma coisa, porque quando as equipes resolvem fazer elas fazem. [...]Tudo que a
234
gente faz dá certo, com dificuldade mesmo, mas dá certo”. (ACS3-Vermelha) “[...] a maior facilidade realmente é a equipe querer. Eu acho que tem uma boa interação. Se o profissional tiver dedicação, responsabilidade, comprometimento, eu acho que tudo acontece. [...]”. (E3-Vermelha) “[...] sempre que a gente busca trabalhar o tema alimentação saudável, a equipe topa [...]”. (ACS1-Azul)
Por outro lado o apoiador apontou a necessidade de mais organização por parte
da equipe visando conciliar os atendimentos individuais com atividades educativas
coletivas mais regulares e bem planejadas.
“[...] poder dedicar um tempo maior as atividades [educativas], sem que cause tanto transtorno na visão do usuário, pelo fato de não ter o atendimento. [...] o ideal seria que a equipe conseguisse se organizar para participar mais, para desenvolver agendas fixas de atividades educativas, organizar pontos específicos que precisam ser abordados com os usuários. E que não ficasse tão presa nesse contexto de atendimento que os usuários tanto procuram”. (A2)
Com relação aos usuários indagamos sobre o que poderia melhorar nas
atividades educativas em saúde de modo geral. Questões ligadas ao cumprimento do
horário e a realização das atividades em horários mais adequados à sua rotina doméstica
foram mencionadas :
“[...] se tivesse essas reuniões à noite eu poderia participar sempre, mas durante o dia eu não tenho como. [...]”. (U13) “A organização, porque eles marcavam uma hora, mas atrasavam para começar. [...]”. (U11)
Além disso, um usuário destacou a necessidade de maior integração entre o
serviço e a comunidade, buscando maior participação da população na identificação dos
problemas locais. Na USF Caleidoscópio não existia CLS à época da pesquisa, fórum
que, em tese, deveria fazer esse papel de representar os usuários nas decisões cotidianas
da USF.
“[...] era para existir um Conselho de bairro. [...] em cada unidade eleger uma pessoa para ir acompanhando, trabalhando
235
junto com a comunidade. Falta trabalhar junto com a comunidade, [...] se puxar a comunidade pode ajudar tanto a gestão como a população. [...]”. (U8)
A análise da implementação das práticas educativas em saúde e nutrição no
âmbito da USF Caleidoscópio apontou para diversos aspectos ligados à gestão
municipal em saúde, à dinâmica das equipes, à população e ao território estudado, que
interrelacionados contribuíram para a configuração de um contexto bastante complexo
fortemente vinculado aos processos educativos em saúde e nutrição. Foram observadas
potencialidades, como a capilaridade da ESF mediante à aproximação das famílias e da
realidade do território, a disponibilidade de grande parte dos profissionais e usuários
para a participação nas iniciativas, a existência de equipamentos sociais e espaços
estratégicos para as ações intersetoriais como o PBF e o PSE, além de dispositivos de
apoio como o NASF e as ações voltadas à EP.
Nessa perspectiva as iniciativas educativas permeavam a rotina das equipes, por
meio de diversas atividades desenvolvidas tanto no âmbito dos atendimentos
individuais, como nas atividades coletivas. Por outro lado, a análise dos resultados
revelou a predominância de práticas orientadas pela perspectiva de mudança individual
de comportamentos e de hábitos alimentares. Embora houvesse tentativas e esforços na
direção de abordagens mais participativas, as experiências dos usuários ainda eram
pouco valorizadas.
Também evidenciamos limites e inconsistências no processo de consolidação da
PNSAN tais como a tímida aproximação dos profissionais com a temática da
alimentação e nutrição, dificuldades decorrentes da percepção das equipes sobre o seu
papel e do serviço de saúde, diante da problemática envolvendo a questão alimentar e
nutricional, e dificuldades ligadas à gestão e à infraestrutura.
Dentre os espaços privilegiados para as práticas educativas, existiam os grupos
operativos, onde o grupo de idosos era a principal referência; visitas domiciliares;
atividades nas salas de espera, em equipamentos do território, como as escolas públicas
e privadas, igrejas e outros espaços da comunidade, além dos “dias D”, realizados
geralmente em horários alternativos no sentido de facilitar a captação daqueles usuários
que não podiam frequentar a unidade nos horários “úteis” . As atividades voltadas para
a educação permanente com os trabalhadores eram realizadas com regularidade.
Apesar de existirem espaços voltados para o planejamento das ações, a agenda
para a construção mais efetiva de processos educativos continuados e permanentes
236
tendia a ser capturada por diversas questões, incluindo aí desde as atividades no formato
do “dia D” para ampliar a cobertura das ações, às demandas de campanhas educativas
ou outro tipo de iniciativa municipal e federal, que muitas vezes chegavam de modo
verticalizado, com prazos previamente estipulados e desconsiderando o contexto local,
a exemplo das atividades realizadas na Semana da Obesidade do PSE; a pressão
cotidiana para o alcance de metas, que eram atreladas às vantagens salariais para os
trabalhadores, estabelecidas em função de indicadores quantitativos; a
operacionalização das condicionalidades do PBF, centrada na aferição das medidas
antropométricas em dias específicos (“dia do peso”), dentre outras questões que
tendiam a mobilizar o foco e os esforços das equipes.
Além disso, a dinâmica da organização do processo de trabalho e das práticas
educativas acarretava algumas “barreiras comunicativas” que dificultavam a integração
dos usuários ao serviço e às ações educativas. O arranjo da USF integrada, aglutinando
profissionais de equipes diferentes e usuários de áreas distintas, tornava o processo de
gestão mais desafiador.
A estrutura física bastante ampla da unidade propiciava a dispersão dos
profissionais e usuários, dificultando muitas vezes o entendimento da população sobre a
lógica do funcionamento da “integrada” e acarretando falhas nos processos de
comunicação. Por outro lado, nesse formato os interesses e conflitos cotidianos também
eram mais diversos e complexos, tendendo a desfavorecer a aproximação e
comunicação com os usuários. Além disso, algumas atividades, como o grupo de
idosos, eram organizadas a partir de um sistema de rodízio entre as equipes, não
favorecendo o vínculo e a continuidade das ações no grupo.
A rotatividade dos profissionais e dos apoiadores consiste em outro aspecto que
poderia fragilizar os mecanismos de interação entre o serviço e a comunidade. Por outro
lado, a dinâmica da operacionalização das ações ligadas ao PBF na unidade, sendo
relatada por alguns profissionais a vinculação do programa à estratégias persuasivas
para atrair as famílias para os procedimentos e ações da USF, tende a reforçar uma
postura policialesca do serviço de saúde, podendo estabelecer uma barreira
comunicativa para a expressão dos usuários, indo na contramão da promoção do capital
humano preconizada pelas diretrizes do PBF.
No que tange ao envolvimento dos profissionais nas atividades educativas,
evidenciamos que nem sempre havia uma definição no âmbito das equipes acerca das
atribuições dos profissionais quanto às práticas educativas. Havendo uma tendência de
237
alguns profissionais assumirem a liderança para a viabilização das ações, enquanto
outros ficavam mais à margem. Assim, havia aqueles que se viam ‘investidos’ da
função educativa, seja porque o próprio perfil profissional era mais associado a essas
ações, ou mesmo por questões ligadas à identificação pessoal com o trabalho educativo.
Dessa maneira, os odontólogos, ASB, ACS e enfermeiros eram os profissionais
que protagonizavam grande parte das ações educativas empreendidas na USF. Em
contrapartida o envolvimento dos médicos e técnicos de enfermagem era aquém do
esperado, principalmente se considerarmos os pressupostos da ESF que preconiza ações
integrais mediante a interdisciplinaridade e a multiprofissionalidade.
A precariedade das condições de vida de grande parte da população usuária da
USF Caleidoscópio e o contexto desfavorável para a aquisição de alimentos saudáveis;
aliados ao quadro nutricional da população, configurado por múltiplas questões que
incluíam as DCNT e sobrepeso, coexistindo com as manifestações de carências
específicas de nutrientes, exigia iniciativas integradas à essa realidade.
As perspectivas adotadas na USF estudada, com ênfase na transmissão das
informações para a prevenção das doenças e na valorização das decisões individuais
sobre o comportamento alimentar, não favoreciam a problematização de outras
dimensões que influenciavam o consumo alimentar no contexto local, como as
condições do abastecimento no território, a concepção do acesso a uma alimentação
adequada como um direito humano, e tantos outros elementos que envolviam o
fortalecimento do diálogo intersetorial e da promoção de ações voltadas à SAN da
comunidade.
238
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Completou-se uma jornada. Chegar é cair na inércia
de um ponto final. Na euforia da chegada,
há um convite irrecusável para uma nova partida.
Helena Kolody
Esta investigação buscou trazer contribuições à implementação da PNSAN no
âmbito da atenção básica em saúde a partir da análise das práticas educativas em saúde
e nutrição em uma USF no município de João Pessoa. A opção teórico-metodológica
pelo estudo de caso, mediante a conjugação de diferentes procedimentos de coleta de
dados se mostrou adequada, tendo em vista que permitiu a apreensão do fenômeno
estudado em profundidade, sob a perspectiva de diferentes atores, articulada às
condições contextuais.
Nessa direção, procuramos conhecer a percepção de atores inseridos em
posições distintas da atenção em saúde, envolvendo a ótica da gestão por meio de
apoiadores do DSIII, além da visão das equipes de saúde e da população usuária dos
serviços da ESF. O fato de termos acompanhado sistematicamente as ações e interações
no contexto local por um período de quatro meses proporcionou uma aproximação com
a realidade pesquisada, corroborando as informações procedentes das entrevistas e da
consulta documental, fortalecendo portanto a validade do estudo.
A proposta inicial do estudo era privilegiar as informações dos usuários que
estivessem vinculados aos grupos e atividades mais regulares da unidade. Contudo, com
a extinção do grupo de gestantes antes do início do trabalho de campo, a unidade
dispunha apenas do grupo de idosos como referência de atividade educativa coletiva
regular. Diante dessas alterações na dinâmica das atividades, buscamos realizar
adaptações no sentido de minimizar esses aspectos e abranger as dimensões da pesquisa.
Assim, procuramos entrevistar usuários que estivessem inseridos em diversos
espaços/atividades da USF, a saber: grupo de idosos, atendimento com os estagiários de
nutrição e atendimento de rotina pelos profissionais, pré-natal e “sala de espera” das
gestantes. Com exceção de alguns usuários, sobretudo os idosos do grupo, que foram
extremamente acolhedores às entrevistas, pois já havíamos construído um vínculo com
eles, nos deparamos com dificuldades para conseguir captar os usuários.
239
O contato com as gestantes da “sala de espera” foi limitado considerando que a
atividade à época da coleta de dados ainda estava em processo de implantação. Quanto
aos demais usuários, apesar de termos tentado adaptar a entrevista a sua conveniência
quanto ao local e horário, algumas vezes alegavam falta de tempo e outras questões de
ordem pessoal, pois na verdade estavam ali na unidade motivados principalmente para a
resolução de algum problema de saúde.
Por outro lado, o fato de grande parte dos usuários entrevistados não serem
vinculados às atividades educativas regulares, limitava a interação para que o curso da
entrevista fluísse de modo satisfatório, dificultando a apreensão das informações. Nesse
sentido, tivemos necessidade de retornar ao local após o término do trabalho de campo
para ampliar as informações, a partir da realização de entrevistas com mais usuários.
Tais aspectos podem refletir as fragilidades envolvendo a relação do serviço com
a população e suas necessidades. Ainda que existisse uma forte vinculação de muitos
profissionais com os usuários, especialmente os ACS a partir das visitas domiciliares,
no cotidiano do processo de trabalho da USF os espaços para a problematização das
demandas da comunidade eram restritos, o que limitava a disponibilidade e abertura dos
usuários para um contato mais estreito com o serviço.
Além disso, o fato de não termos incluído como sujeitos do estudo,
profissionais-chave do nível central da gestão municipal, vinculados à Diretoria de
Atenção à Saúde e à Área técnica de saúde da criança e alimentação e nutrição, também
pode ter limitado os resultados desta pesquisa. Procuramos contornar esse aspecto,
mediante a participação em reuniões promovidas pelo nível central (relacionadas ao
PSE) e buscando acessar relatórios de gestão e outros documentos normativos. Porém
obviamente que essas fontes são complementares, não substituindo as informações
apreendidas por meio das entrevistas.
Embora seja consenso na literatura que a atenção básica tem avançado nas
últimas décadas no país, a implementação da ESF ainda tem sido marcada pelo desafio
da ampliação da cobertura com qualidade e respeitando as demandas e necessidades da
população. A precarização do processo de trabalho dos profissionais das equipes, a
fragilidade dos canais de participação popular, as limitações para um cuidado
humanizado, a incipiência das iniciativas intersetoriais e os obstáculos para a garantia
da assistência integralizada, dentre outros, são aspectos que continuam exigindo fortes
investimentos gerenciais, financeiros e políticos.
240
No município de João Pessoa tem havido esforços a partir de 2005 na esfera
institucional e operacional do sistema de saúde, sobretudo na atenção básica, na direção
da ampliação da cobertura pela ESF, na construção e estruturação da rede básica de
saúde. Aliado a isso também foram adotadas diversas iniciativas voltadas ao
aperfeiçoamento da gestão e à qualificação do processo de trabalho das equipes por
meio da implementação de mecanismos voltados à gestão participativa, com a criação
de grupos de trabalho nos níveis distritais e do apoio matricial às equipes da ESF, a
partir do NASF, além da organização das ações acadêmicas e parcerias com as
instituições universitárias por meio da Rede Escola.
Entretanto, os resultados deste estudo mostraram diversas limitações no processo
de implementação da PNSAN. A dinâmica cotidiana do serviço marcada pela
multiplicidade de questões e demandas geradas pelas precárias condições dos usuários
e seus territórios, exigia esforços interdisciplinares e intersetoriais e profissionais
capacitados.
Contudo, o modelo assistencial ainda era fortemente marcado pela dimensão
curativa e individual, engendrando práticas voltadas para atender a essa concepção.
Havia uma tensão entre as propostas educativas horizontalizadas e dialógicas e as
abordagens mais tradicionais, que no geral predominavam, buscando as mudanças de
comportamento na direção da adoção dos hábitos e práticas saudáveis.
O formato da USF integrada, agregando quatro equipes sob uma mesma
estrutura física, como é o caso da USF Caleidoscópio, dificultava o acesso das famílias
de algumas áreas situadas mais distantes aos serviços e o vínculo com a USF. A
existência de uma população flutuante no território e a expressiva rotatividade dos
profissionais e apoiadores comprometiam a longitudinalidade do cuidado, refletindo no
vínculo entre comunidade e serviço. Os parâmetros quantitativos valorizados nos
processos avaliativos da gestão municipal influenciavam o cotidiano das equipes, que
priorizavam o alcance das metas e indicadores estabelecidos.
A dinâmica do planejamento das atividades carecia de mecanismos que
assegurassem maior participação, tanto do ponto de vista dos profissionais que muitas
vezes tinham que desenvolver ações concebidas por outros níveis de decisão, adaptando
a programação local à agenda municipal e federal da gestão; como dos usuários que
também não dispunham de canais formais para uma participação mais efetiva nas
decisões ligadas às iniciativas do serviço. A participação popular nos processos
decisórios tem sido um forte desafio da ESF. O fato da USF Caleidoscópio ainda não
241
dispor de um espaço de diálogo formalizado para a vocalização dos interesses da
comunidade, tornava esse processo ainda mais complexo.
Tais questões tendiam a repercutir negativamente na motivação e protagonismos
dos envolvidos frente à operacionalização das ações. No entanto, mesmo diante desse
conjunto de questões, vários profissionais se sobressaíam pela capacidade de liderança e
compromisso com os empreendimentos educativos e com a qualidade das ações
realizadas.
Assim, evidenciamos esforços para a implementação das atividades educativas,
não somente na unidade, mas em diversos equipamentos sociais e espaços do território,
buscando a diversificação e inovação dos recursos e abordagens pedagógicas. As
atividades voltadas à EP e o grupo de idosos se destacaram como as iniciativas mais
regulares e sustentáveis no âmbito da USF Caleidoscópio, pois embora as ações
educativas estivessem presentes ainda eram fragmentadas e descontinuadas.
A abordagem das questões ligadas à alimentação e nutrição geralmente estava
diluída no cenário das práticas educativas mais gerais, com ênfase no enfoque da
prevenção das doenças, sobretudo as DCNT. A parceria com a universidade, por meio
dos estagiários de nutrição consistia uma forte referência nesse cenário. A incipiente
aproximação dos profissionais com a temática, especialmente com as noções ligadas ao
campo da SAN; além das dimensões ligadas ao apoio logístico e infraestrutura
influenciaram fortemente a maneira como as equipes abordavam e se relacionavam com
o assunto.
Nesse sentido, dimensões como a intersetorialidade, o empoderamento, a ótica
da cultura como patrimônio alimentar e da alimentação como direito humano, não eram
enfatizados no cotidiano dos processos educativos voltados à alimentação. O PSE e o
PBF representavam espaços estratégicos para o desenvolvimento de ações voltadas à
promoção da saúde e da SAN. No entanto a implementação desses programas era
marcada por diversos aspectos mencionados anteriormente e pelos desafios para a
construção de parcerias e de ações intersetoriais.
As lacunas para um debate consolidado da alimentação e nutrição no âmbito da
USF sob uma perspectiva mais ampliada, incluindo os aportes teórico-conceituais em
torno da SAN em parte podem ser explicadas pelas variáveis contextuais e ligadas à
organização do serviço e à implementação dos processos educativos. Acrescentamos a
esse cenário as limitações relacionadas à formação dos profissionais de saúde, que ainda
tem sido marcada pelo predomínio das dimensões biológicas, carecendo de maior
242
aproximação e diálogo com as ciências sociais e humanas, para dar conta dos desafios
impostos pelo contexto socioepidemiológico e político brasileiro.
Nesse sentido, o reconhecimento da complexidade e abrangência da alimentação
e da necessidade de se pensar em novas formas para a sua abordagem, especialmente
pelo campo da saúde torna-se uma condição para se avançar na implementação de
medidas e ações efetivas na área. Tais questões pressupõem transformações no âmbito
da formulação e especialmente da implementação das intervenções em saúde, tendo a
valorização das práticas educativas, intersetorialidade e a participação popular como
eixos estratégicos.
A dinamização e qualificação dos processos educativos tanto no que se refere à
formação universitária como à capacitação profissional nos serviços são aspectos-chave.
A inclusão de referenciais e abordagens mais amplas pode repercutir no desenho e
implementação de ações intersetoriais, participativas e transformadoras, contribuindo
para a consolidação de novos perfis de interação entre usuários e profissionais dos
serviços de saúde capazes de relações sociais que estimulem a autonomia, o exercício
da cidadania e melhoria da qualidade de vida.
A EP e o NASF são espaços que podem ser potencializados nesse cenário.
Contudo, torna-se necessário apostar na reconfiguração das bases de funcionamento
desses processos. Urge aprofundar as reflexões sobre como vem se dando o apoio
matricial nas unidades de saúde, avaliando com o coletivo das equipes e apoiadores,
quais têm sido as lacunas, obstáculos e pontos fortes desse dispositivo, buscando
ampliar o seu papel pedagógico e fomentando os mecanismos que estimulem o
protagonismo dos profissionais e da comunidade
Além disso, o fortalecimento da parceria das Equipes de Saúde da Família com
universidades, instituições de pesquisa e intervenções intersetoriais como o PSE e o
PBF podem favorecer o desenho de iniciativas mais abrangentes e participativas no
campo da alimentação e nutrição na atenção básica e consolidação da PNSAN em João
Pessoa. Entendemos que a operacionalização do PLANSAN anuncia novas indagações
e imprime outras necessidades e desafios do ponto de vista da promoção da SAN e do
DHAA no âmbito da PNSAN, exigindo uma produção de conhecimento articulada com
essas questões.
Nessa perspectiva, apontamos a necessidade do fomento aos estudos que
enfatizem a valorização dos processos políticos, sociais e culturais relacionados ao
campo da SAN, estimulando as pesquisas sobre as abordagens e iniciativas envolvendo
243
o campo da alimentação no cenário da ESF, assim como as análises voltadas à
compreensão dos obstáculos e potencialidades para o estabelecimento efetivo do
diálogo intersetorial no SISAN. Nesse contexto, cabe ainda fortalecer os processos
avaliativos voltados à compreensão da dinâmica em torno das mudanças sociais
ocorridas e dos desafios para a maior efetividade das ações de promoção da saúde e da
SAN.
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267
APÊNDICES
268
APÊNDICE A – Carta de anuência nos Termos do Comitê de Ética da Escola Nacional em Saúde Pública- ENSP
269
APÊNDICE B- ROTEIRO DE ENTREVISTA COM PROFISSIONAIS DA USF
1. Identificação
Nome: Formação: Profissão: Desde quando exerce essa atividade profissional? Desde quando trabalha na USF ****? Já trabalhava na área antes da USF ****? Onde? 2. Práticas educativas em Saúde
- Quais são suas atividades nesta Unidade? Você desenvolve ações de educação em saúde? Quais e como são organizadas essas atividades? (quem participa, foco, avaliação dos possíveis alcances).
- Quais as principais dificuldades encontradas no seu cotidiano para o desenvolvimento dessas ações educativas? Como você enfrenta essas dificuldades?
- Vocês dispõem de informações sobre qual o número de pessoas que participam das atividades educativas e dos possíveis impactos dessas atividades?
3. Percepções sobre as Práticas educativas em Alimentação e Nutrição, SAN e DHAA
- Como a questão da alimentação e nutrição tem sido trabalhada nas ações de educação em saúde, no cotidiano da equipe?
- Existe alguma ação educativa ligada à questão da alimentação/nutrição? Qual?(is)
-Quais os principais pontos fortes e pontos fracos encontrados na abordagem da questão alimentar e nutricional (nas atividades educativas), no cotidiano da equipe?
- Você conhece alguma experiência bem sucedida no PSF de João Pessoa, com ações educativas, envolvendo as questões da alimentação e da nutrição? Em sua opinião, o que contribuiu para o resultado?
- Você conhece alguma experiência que não foi bem sucedida no PSF de João Pessoa, com ações educativas, envolvendo as questões da alimentação e da nutrição? Em sua opinião, o que contribuiu para o resultado?
- Você já ouviu falar em Segurança Alimentar e Nutricional (SAN)? E no Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA)?
-Você poderia me dizer o que entende por SAN?
-Para você, o que determina a SAN das pessoas?
270
- Você participa ou participou de alguma atividade envolvendo os direitos dos usuários,
no seu cotidiano de trabalho no PSF? Poderia dar um exemplo ou falar de alguma
situação específica?
- Em sua opinião, o que poderia contribuir para melhorar as ações educativas que envolvem as questões da alimentação e da nutrição, realizadas por você e sua equipe?
Você já participou de algum curso/seminário/conferência ou outro fórum sobre alimentação e nutrição, SAN e DHAA? Qual? Onde? Quando?
4. Intersetorialidade
- Em quais situações os profissionais procuram parcerias com outros setores /instituições / comunidade para o desenvolvimento das atividades educativas que envolvem a questão da alimentação e nutrição? Como isso é feito? Poderia dar um exemplo ou contar uma situação específica?
- Além destas parcerias, como são desenvolvidas as ações com usuários dos demais programas e políticas públicas na área? (exemplo Bolsa Família, Programa Saúde na Escola, Peja, etc..)
- Pra finalizar, você gostaria de fazer mais algum comentário?
271
APÊNDICE C- ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS APOIADORES MATRICIAIS
1. Identificação
Nome: Formação: Profissão: Desde quando exerce essa atividade profissional? Distrito Sanitário que está vinculado: Desde quando está como apoiador nesse Distrito (mês/ ano): Desde quando apoia a USF **** (mês/ano)? ___________ Apoia outras Unidades além da USF ****? Quais?
2. Percepções sobre as Práticas educativas em Saúde
- Quais são as atividades que você realiza no seu cotidiano aqui nesta Unidade?
- As equipes da USF **** realizam ações educativas? Quais?
- Vocês dispõem de informações sobre qual o número de pessoas que participam das atividades educativas e dos possíveis impactos dessas atividades?
3. Percepções sobre as Práticas educativas em Alimentação e Nutrição, SAN e DHAA
- Como a questão da alimentação e nutrição tem sido trabalhada nas ações de educação em saúde, no cotidiano das equipes da USF ****?
- Existe alguma ação educativa ligada à questão da alimentação/nutrição? Qual?(S)
- Poderia descrever como ocorrem essas ações que envolvem a alimentação e a nutrição?
- Você participa dessas ações? Como ocorre essa participação? Poderia contar um exemplo?
-Poderia descrever as dificuldades que você tem percebido no cotidiano das equipes da USF ****, para a realização de ações educativas que envolvam a alimentação e nutrição?
-Poderia descrever quais as ações educativas das equipes da USF **** que envolvem a alimentação e nutrição, têm sido bem sucedidas?
- Em sua opinião, o que poderia contribuir para melhorar as ações educativas que envolvem as questões da alimentação e da nutrição, realizadas por você e sua equipe?
- Você poderia me falar o que entende por Segurança Alimentar e Nutricional (SAN)? E
272
o Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA)?
- Para você, o que determina a SAN das pessoas?
- No seu cotidiano de trabalho como apoiador (a) na USF ****, você participa ou participou de alguma ação envolvendo os direitos dos usuários? Poderia dar um exemplo ou falar de alguma situação específica?
- Você já participou ou participa de algum curso/seminário/conferência ou outro evento sobre alimentação e nutrição, SAN e DHAA? Qual? Onde? Quando?
4. Intersetorialidade
- Em quais situações você e/ou os profissionais que desenvolvem as ações educativas em alimentação e nutrição da USF **** procuram parceria com outros setores/instituições/comunidade? Como isso é feito? Poderia dar um exemplo ou contar uma situação específica?
- Além destas parcerias, como são desenvolvidas as ações com usuários dos demais programas e políticas públicas na área? (exemplo Bolsa Família, Programa Saúde na Escola, Peja, etc..)
- Pra finalizar, você gostaria de fazer mais algum comentário?
273
APÊNDICE D- ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS USUÁRIOS
1. Identificação
Nome: Data de Nascimento: Profissão: Quanto tempo faz uso dos serviços da USF? 2. Percepções sobre as Práticas educativas em Saúde
- Para que você costuma usar esta Unidade?
-Você já participou de alguma atividade educativa realizada por essa Unidade? Quais?
- Você participa ou participou de alguma atividade nessa Unidade ou em outros locais aqui da área, com assuntos ligados aos seus direitos? Poderia dar um exemplo recente?
Quais as dificuldades encontradas por você para participar dessas atividades educativas realizadas pela Unidade? Como você enfrenta essas dificuldades?
-Quais as facilidades encontradas por você para participar dessas atividades educativas realizadas pela Unidade?
- Alguém da equipe dessa Unidade costuma visitar sua casa? Quem? Quando? Para quê?
- Você poderia descrever como ocorrem essas visitas? Quais os assuntos são conversados?
3. Percepções sobre as Práticas educativas em Alimentação e Nutrição, SAN e DHAA
-Nas atividades educativas que você participa, são discutidos assuntos ligados à alimentação e nutrição? Poderia contar um exemplo?
-Poderia descrever como ocorrem essas atividades educativas que envolvem a alimentação e nutrição? Onde são realizadas? Quem participa? Quem convida você para participar? Como se dá a sua participação e a dos outros usuários?
-Essas atividades têm provocado algum efeito no seu dia-a-dia, quanto à escolha, consumo e outros aspectos da sua alimentação e de sua família?
- Você já ouviu falar de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN)?
- Como você entende o significado da Segurança Alimentar e Nutricional?
- Para você, o que determina a Segurança Alimentar e Nutricional das pessoas?
4. Intersetorialidade
274
- Poderia informar se existem ações realizadas por essa Unidade que envolvem vários setores / instituições na defesa de interesses da comunidade ? A comunidade participa dessas ações? Como?
- Além desta parcerias, como são desenvolvidas as ações com usuários dos demais programas e políticas públicas na área? (exemplo Bolsa Família, Programa Saúde na Escola, Peja, etc..)
- Pra finalizar, você gostaria de fazer mais algum comentário?
275
APÊNDICE E TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO- USUÁRIO Você está sendo convidado para participar da pesquisa “Práticas educativas em
Segurança Alimentar e Nutricional: a experiência da estratégia saúde da família em João Pessoa-PB” que está sendo desenvolvida por Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos, aluna do curso de Doutorado em Saúde Pública, sob a orientação da Profa. Dra. Rosana Magalhães. O objetivo deste estudo é analisar as atividades educativas em saúde e nutrição, desenvolvidas em uma Unidade de Saúde da Família, no município de João Pessoa. A sua participação será através de entrevista sobre sua experiência na Unidade de Saúde ****, não causará nenhum risco e não é obrigatória . Você pode desistir de participar e retirar seu consentimento a qualquer momento da pesquisa. Sua recusa não causará nenhum prejuízo ou impacto nos serviços utilizados na Unidade de Saúde. As informações obtidas através dessa pesquisa serão gravadas e serão divulgadas em eventos e/ou publicações científicas, sem identificação de seu nome. Após a conclusão do estudo, as informações ficarão guardadas com a pesquisadora, de forma segura, sigilosa e estarão protegidas contra revelação não autorizada por você. Sua participação será importante para a melhoria das atividades educativas em saúde e nutrição nesta Unidade. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço da pesquisadora, podendo esclarecer suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, a qualquer momento.
_______________________ Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos
Doutoranda em Saúde Pública Ensp/Fiocruz
Endereço e telefone do Pesquisador Principal: Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos- Departamento de Nutrição/Centro de Ciências da Saúde/Universidade Federal da Paraíba. Campus I- Cidade Universitária. João Pessoa-PB. Tel: 3216-7499/ Cel: 8825-9967. [email protected] Endereço e telefone do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública - CEP / ENSP- Rua Leopoldo Bulhões, 1.480 - Andar Térreo. Manguinhos - RJ / CEP. 21041-210 Tel e Fax - (21) 2598-2863. [email protected] ou http://www.ensp.fiocruz.br/etica Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar.
_________________________________________ Sujeito da pesquisa
João Pessoa, ___/____/___
276
APÊNDICE F TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO- PROFISSIONAIS DA USF Você está sendo convidado para participar da pesquisa “Práticas educativas em
Segurança Alimentar e Nutricional: a experiência da estratégia saúde da família em João Pessoa-PB” que está sendo desenvolvida por Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos, aluna do curso de Doutorado em Saúde Pública, sob a orientação da Profa. Dra. Rosana Magalhães. Você foi selecionado por atuar como profissional na Unidade de Saúde****. A sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com a pesquisadora ou na assistência que vem recebendo da Unidade de Saúde. O objetivo geral deste estudo é analisar a implementação de práticas educativas em saúde e nutrição, desenvolvidas em uma Unidade de Saúde da Família, no município de João Pessoa, buscando identificar os desafios, limites e alcances da experiência no contexto local, para a consolidação do enfoque da Segurança Alimentar e Nutricional. Sua participação nesta pesquisa consistirá em conceder entrevista sobre as práticas educativas em saúde e nutrição desenvolvidas na USF que você trabalha. Sua participação pode contribuir para a análise das práticas educativas em saúde e nutrição e para a identificação dos aspectos relevantes à melhoria dessas práticas para a consolidação do enfoque da Segurança Alimentar e Nutricional. As entrevistas serão gravadas. As informações obtidas através dessa pesquisa serão divulgadas em eventos e/ou publicações científicas, sem identificação de seu nome. A referência às informações fornecidas pelos entrevistados eventualmente será feita somente com menção ao cargo/ função que ocupam na rede. Contudo, há risco de identificação indireta devido à função exercida. Após o término do estudo, as informações ficarão guardadas com a pesquisadora, armazenadas de forma segura e protegidas contra revelação não autorizada. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço da pesquisadora, podendo esclarecer suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, a qualquer momento.
_______________________ Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos
Doutoranda em Saúde Pública Ensp/Fiocruz Endereço e telefone do Pesquisador Principal: Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos- Departamento de Nutrição/Centro de Ciências da Saúde/Universidade Federal da Paraíba. Campus I- Cidade Universitária. João Pessoa-PB. Tel: 3216-7499/ Cel: 8825-9967. [email protected] Endereço e telefone do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública - CEP / ENSP- Rua Leopoldo Bulhões, 1.480 - Andar Térreo. Manguinhos - RJ / CEP. 21041-210 Tel e Fax - (21) 2598-2863. [email protected] ou http://www.ensp.fiocruz.br/etica Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar.
_________________________________________ Sujeito da pesquisa
João Pessoa, ___/____/___
277
APÊNDICE G TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO- APOIADORES MATRICIAIS Você está sendo convidado para participar da pesquisa “Práticas educativas em
Segurança Alimentar e Nutricional: a experiência da estratégia saúde da família em João Pessoa-PB” que está sendo desenvolvida por Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos, aluna do curso de Doutorado em Saúde Pública, sob a orientação da Profa. Dra. Rosana Magalhães. Você foi selecionado por atuar como apoiador da Unidade de Saúde****. A sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com a pesquisadora ou com a Ensp/Fiocruz. O objetivo geral deste estudo é analisar a implementação de práticas educativas em saúde e nutrição, desenvolvidas em uma Unidade de Saúde da Família, no município de João Pessoa, buscando identificar os desafios, limites e alcances da experiência no contexto local, para a consolidação do enfoque da Segurança Alimentar e Nutricional. Sua participação nesta pesquisa consistirá em conceder entrevista sobre as práticas educativas em saúde e nutrição desenvolvidas na Unidade de Saúde que você é apoiador. Sua participação pode contribuir para a análise das práticas educativas em saúde e nutrição e para a identificação dos aspectos relevantes à melhoria dessas práticas para a consolidação do enfoque da Segurança Alimentar e Nutricional. As entrevistas serão gravadas. As informações obtidas através dessa pesquisa serão divulgadas em eventos e/ou publicações científicas, sem identificação de seu nome. A referência às informações fornecidas pelos entrevistados eventualmente será feita somente com menção ao cargo/ função que ocupam na rede. Contudo, há risco de identificação indireta devido à função exercida. Após o término do estudo, as informações ficarão guardadas com a pesquisadora, armazenadas de forma segura e protegidas contra revelação não autorizada. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço da pesquisadora, podendo esclarecer suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, a qualquer momento.
_______________________ Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos
Doutoranda em Saúde Pública Ensp/Fiocruz Endereço e telefone do Pesquisador Principal: Ana Claudia Cavalcanti Peixoto de Vasconcelos- Departamento de Nutrição/Centro de Ciências da Saúde/Universidade Federal da Paraíba. Campus I- Cidade Universitária. João Pessoa-PB. Tel: 3216-7499/ Cel: 8825-9967. [email protected] Endereço e telefone do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública - CEP / ENSP- Rua Leopoldo Bulhões, 1.480 - Andar Térreo. Manguinhos - RJ / CEP. 21041-210 Tel e Fax - (21) 2598-2863. [email protected] ou http://www.ensp.fiocruz.br/etica Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar. _________________________________________
Sujeito da pesquisa João Pessoa, ___/____/___
278
ANEXOS
279
ANEXO A – PARECER DO CEP/ENSP
280
ANEXO B – FORMULÁRIO DE MARCADORES DO CONSUMO ALIMENTAR
(SISVAN) (Frente)
281
ANEXO B – FORMULÁRIO DE MARCADORES DO CONSUMO ALIMENTAR
(SISVAN) (Verso)
282