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Sonia Inez Gonçalves Fernandez

Santa Maria, 2013.

ISSN 1981-6987

Mário de Andrade:escritor difícil?

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REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIAFelipe Martins Müller

PRÓ-REITOR DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISAHélio Leães Hey

DIRETOR DO CENTRO DE ARTES E LETRASPedro Brum Santos

COORDENADORA DO PPGLETRASMárcia Cristina Corrêa

EDITORAPrograma de Pós-Graduação em Letras

COMITÊ EDITORIALAmanda Eloina SchererMarcia Cristina CorrêaAndré Soares VieiraGraciela Rabuske HendgesLarissa Montagner CervoEnéias Farias TavaresSara Regina Scotta CabralPedro Brum Santos

PROJETO GRÁFICOLilian Landvoigt da Rosa

EDITOR RESPONSÁVELAndré Soares Vieira

EDITORAÇÃOJoão Moro de Oliveira

PREPARAÇÃO DE ORIGINAISAndré Soares Vieira

REVISÃOEnéias Farias Tavares

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Fernandez, Sonia Inez Gonçalves Mario de Andrade : escritor difícil? / Sonia Inez Gonçalves Fernandez. – Santa Maria : UFSM, PPGL-Editores, 2013. 64 p. ; 19 cm. – (Série Cogitare, ISSN 1981-6987 ; v. 12) 1. Literatura 2. Literatura brasileira 3. Crítica literá-ria 4. Escritores brasileiros I. Andrade, Mario de, 1893-1945 II Título III. Série CDU 821(81).09 869.0(81).09

A553F

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SUMÁRIO

Apresentação .......................................................................09

1.O Modernista brasileiro e o modernopensamento de Espinosa ....................................................14

2.O método de conhecer espinosano deMário de Andrade.................................................................30

3.A criação marioandradiana: um exercícioracional de liberdade ...........................................................43

4.Referências Bibliográficas ................................................57

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Mário de Andrade é um escritor que tem sua atuali-dade sempre posta em evidência, era assim na década de 1920, quando se debruçou e encabeçou, com outros artis-tas da época, o Movimento Modernista, foi durante todas as três fases do modernismo brasileiro e será assim a cada nova dissertação, tese, projeto de pesquisa acadêmica e não-acadêmica que lance luz sobre sua obra. Obra, a pro-pósito, vasta, heterogênea, complexa, que abarcou diversos gêneros discursivos e literários, como o conto, a rapsódia, a poesia, a epistolografia, a crítica literária, a poética, os ensaios sobre música e sobre arte, entre outros. O pre-sente ensaio, Mário de Andrade: escritor difícil? de Sonia Inez Gonçalves Fernandez, é um exemplo claro do que, aqui, se afirma. A autora, professora de Literatura Hispano--americana da Universidade Federal de Santa Maria (RS), apresenta uma aproximação interessante da obra de Mário de Andrade (1893-1945) com os pressupostos filosóficos de Baruch Spinoza (1632-1677), cujo principal ponto de con-tato é a opção pela “alegria”, como forma de configuração da modernidade. A noção de “alegria”, neste caso, está atre-lada ao entendimento da forma de pensar e de criar desses dois autores. Trata-se de formulações aproximadas “sobre a necessidade de se encontrar/escolher o melhor modo de conhecer, bem como conhecer a potência do entendimento

ApReSentAçãO

Mário de Andrade: um poeta,eternamente, a ser (re)descoberto

Adna Candido de Paula

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à defesa da ideia de tolerância, de liberdade de pensamento e da consciência (leis do entendimento)”, como indica a au-tora. Ambos, como aponta Fernandez, são escritores avant la lettre, visto que Spinoza antecipa, ainda no século XVII, os sentidos de “liberdade” e “consciência”, próprios da moder-nidade, e Mário de Andrade compreende e traduz os termos, no século XX, para a modernidade tardia dos brasileiros. A forma de o último absorver as referidas noções é de articulá--las com a prática da criação, da reflexão, da ação e do pen-samento, na concepção do fazer literário e da ontologia do brasileiro, seu habitus, seu modus operandi. Há, na tese da autora, uma aproximação entre o entendimento racional do mundo e do belo como forma de acesso ao conhecimento, acesso ético, em última instância.

É, nessa perspectiva, que Fernandez entende que a profusão de obras e a diversidade de interesses que as configuram evidenciam, em Mário de Andrade, o exercício racional da liberdade. O poeta paulistano exerceu a liber-dade na busca pela configuração de si (ipse), que passava pela interpretação de si como agente social e como artista. Mas essa adequação e constante reinterpretação da identi-dade, enquanto ipse e idem, não é descontextualizada, no presente ensaio, passa pelo entendimento do ambiente his-tórico da época de atuação do escritor. Fernandez mapeia o período histórico-cultural do Brasil e, em especial, de São Paulo, a fim de que o leitor perceba em que medida Mário de Andrade era um homem de seu tempo, antecipando, em muitos pontos, características de uma modernidade ma-dura, configurada. Não se trata de uma aproximação forçada entre os diferentes contextos vividos por Mário de Andrade e Baruch Spinoza, mas de uma justaposição baseada no procedimento empreendido por ambos ou, dizendo de outra forma, heuristicamente concebido por este e praticamente empreendido por aquele. O conceito de liberdade, para Spi-noza, está atrelado à atividade do intelecto, ao exercício da compreensão de si e do mundo. Em Mário de Andrade, essa compreensão ativa desemboca no desejo da utilidade e não do utilitarismo, como observa Fernandez. A questão é a utili-

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dade de si-mesmo através da utilidade da obra de arte; esse é o questionamento ontológico do poeta.

Nesse sentido, a prática epistolar de Mário de An-drade, por exemplo, esteve ligada, assim como as demais atividades artísticas que desempenhou, à atestação de que toda autoavaliação tem por necessidade o “outro.”1. Mário de Andrade assume essa necessidade e nisso consiste a mágoa que sente quando não é compreendido ou quando é, em sua opinião, mal interpretado pelos amigos2, no que consta das suas intenções enquanto artista.

A crítica literária erra em sua avaliação, afirma o po-eta, quando não considera a sua utilidade. Por isso, em outra carta a Manuel Bandeira, na qual afirma ter corrigido tanto Oswald de Andrade como Guilherme Figueiredo, Mário de Andrade, sem modéstia, constata:

1 “Le récit épistolaire de soi-même permet, en faisant coïncider le regard de l’autre avec celui qu’on porte sur soi, de transformer la vérité sur soi-même en technique de vie” (LAFFITTE, Jean-Paul e Jaqueline. “L’écriture de soi”. Prepas Scientifiques, programe 1996-1998, p. 8).

2 “A consciência é um oráculo tão obscuro!... Porém, e era nisto que eu queria falar, é justamente por causa da intenção que rege os atos, intenção pela qual a gente deve se magoar com os atos alheios, que o procedimento dos meus amigos daqui não digo que me ofenda por enquanto, mas me magoa e sobretudo me inquieta. Julgo perceber neles a intenção embora recalcada (refoulée) e não consciente, de me magoar e me diminuir. [...] Eu, pensando valores pessoais inatos, tenho a certeza que não sou maior que nenhum deles. Ao contrário. E o digo sem nenhuma humildade falsa. É certo que eles têm mais dotes que eu. Dotes inatos. Porém, e talvez mesmo seja a minha inferioridade a causa da minha maior dignidade (é quase certo que é), porém eu trabalhei. Eu me dei um destino (fundamento de felicidade, de dignidade, de masculinidade na vida do homem) e eles ficaram sem se dar destino. [...] E de diletantes e desabusados quando a gente estuda a palavra ‘apostolado’ pronunciada a meu respeito (e tenho a impressão de que contra mim) é mais que difícil a gente saber se essa palavra é sincera ou se não é sentida, depreciativamente. Eu tenho certeza de que estou num apostolado mesmo. Essa palavra readquiriu pra mim todo o sentido dela porque tive a coragem de reachar a minha ingenuidade. Mas eles?” (ANDRADE, Mário de; BANDEIRA, Manuel. Correspondência: Mário de Andrade & Manuel Bandeira. 2ª ed. Organização, introdução e notas de Marcos Antônio de Moraes. São Paulo: Edusp – IEB – USP, 2001, p. 246).

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Eis porque, seu Manu, sou o homem mais anti-patizado e mais irritante da literatura moderna brasileira. Mas sou também dos mais úteis se não for o mais útil. E eis também porque a crítica mais lúcida que se fez até agora de mim foi a que eu mesmo fiz quando falei que minha poesia[,] minha obra toda não é arte, é ação. Capisce?3

A correspondência, neste caso, funciona como o cen-tro da reflexão sobre a utilidade de ser e a utilidade da obra. Segundo Jaqueline e Jean-Paul Laffitte, a carta opera um trabalho sobre o si-mesmo, uma vez que ela é inicialmente um exame de consciência: elle permet de se constituer comme le propre juge de son existence, de se remémorer les règles de conduite qu’il faut toujours avoir présentes à l’esprit et de se convaincre de leur utilité4. Trata-se da uti-lidade de si-mesmo através da utilidade da obra de arte; esse é o questionamento ontológico do poeta. Como afirma Fernandez, para Mário de Andrade, “a ‘vontade de arte’, mais do que ‘vontade de verdade’, era a sua bandeira”, o que ela considera um ponto de aproximação com a filosofia de Spinoza, cujo axioma afirma que “quanto mais coisas a mente conhece, tanto melhor ela intelige as suas forças e as da natureza; quanto melhor, porém, estende as suas forças, mais facilmente pode abster-se das coisas inúteis. E nisso, consiste todo o método”.

Interessante notar, por outro lado, que a proposição de Fernandez, neste ensaio, se insere numa tradição de es-tudos sobre as obras do escritor paulistano e dialoga com a fortuna crítica já produzida a respeito. Em sua rede dialógica há autores de diferentes linhas teóricas que são aproxima-dos pelo fio condutor da “liberdade” e da “consciência”, como Eduardo de Moraes, Telê Ancona Lopez, Antonio

3 Correspondência - Mário de Andrade & Manuel Bandeira, 04/10/1927, p. 355.4 LAFFITTE, Jean-Paul e Jaqueline. “L’écriture de soi”. Prepas Scientifiques, programe 1996-1998, p. 8.

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Candido, Darcy Ribeiro, João Luiz Lafetá, José Miguel Wis-nik, Paulo Duarte, Joan Dassin, Sonia Sacks, Mário da Silva Brito, Elisa Kossovitch, Paulo Prado, Ligia Chiappini, Jorge Coli e Luiz Dantas. Por outro lado, no viés do conhecimento que se realiza com liberdade, e que, portanto, gera felici-dade, Fernandez aborda uma parte considerável das obras produzidas por Mário de Andrade, como Macunaíma, Clã do Jabuti, Amar verbo intransitivo, Paulicéia Desvairada e a A costela do Grão Cão. O ensaio se estrutura em três eixos (i) a aproximação entre Mário de Andrade, como “papa” do mo-dernismo brasileiro, e o moderno pensamento de Spinoza, (ii) a apresentação do método de conhecer espinosano que é identificado em Mário de Andrade e (iii) a interpretação da criação marioandradina como um exercício racional de liberdade.

O ensaio é, sem dúvida, provocador e traz uma nova percepção do processo criativo mariaondradino e, por exten-são, da figura desse autor que se fez persona e que, como tal, se deu um destino, o de acordar o segredo de seres e coisas, como ele cantou em “Carnaval Carioca”.

Eu mesmo... Eu mesmo, Carnaval...Eu te levava uns olhos novosPra serem lapidados em mil sensações bonitas,Meus lábios murmurejando de comoção assustadaHaviam de ter puríssimo destino...É que sou poetaE na banalidade larga dos meus cantosFundir-se-ão de mãos dadas alegrias e tristuras, bens e males,Todas as coisas finitasEm rondas aladas sobrenaturais.

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1. O MOdeRnIStA bRASIleIRO e O MOdeRnO penSAMentO de eSpInOSA

Este texto tem uma história que teve início no curso “Espinosa e a cultura judaica”, explicado pela Profª. Mari-lena Chauí, na Faculdade de Filosofia da USP, em 1990. O que chamou a atenção naquela época pode ser resumido em três palavras: conhecimento, liberdade, felicidade. Pala-vras que trazem à tona conceitos que têm importância para a contemporaneidade, na medida em que as ideias de Espi-nosa, filósofo judeu-espanhol que viveu, pensou e escreveu na Amsterdam do século XVII, podem ser revisitadas nas obras de grandes pensadores modernos, especialmente, na de Nietzsche, Foucault e Deleuze. O curso, além disso, serviu como ponto de reflexão para a elaboração da tese de doutorado (FERNANDEZ, 1996), dedicada ao estudo da po-esia de Mário de Andrade mais voltada para a tradição, na perspectiva de captar as matrizes ibéricas da dicção poética de Mário de Andrade. Esta fase da produção de Mário de An-drade (os anos de 1920) teve também o Macunaíma, como resultado de sua pesquisa do caráter brasileiro e o Amar, verbo intransitivo, um exemplo de narrativa expressionista.

Já a história do texto, propriamente dita, começa anos depois, face à preparação de quatro encontros dedicados ao Seminário “Mário de Andrade: escritor difícil? Um pensar sobre a criação literária e a consequente formação do leitor” para o Programa de Pós-graduação em Letras da UFSM, em

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2009. Porque da releitura da obra de Mário emergiu com muita contundência a alegria relacionada à criação e ao pensamento, em consonância com a noção de felicidade de Espinosa. As aproximações que procuro desenvolver neste texto acrescentam, assim, uma nova linha na espiral: minha leitura de Mário de Andrade à luz de Espinosa, mais leituras de Espinosa, mais leituras de Mário de Andrade, novas re-lações Mário de Andrade e Espinosa. Ou seja, na busca de conhecimento da obra de Mário de Andrade, encontrei na tríade – conhecimento, liberdade, felicidade (pilares do pen-samento de Espinosa) – uma via de interpretação do Brasil, que tem na valorização da alegria um ponto comum entre Espinosa, Mário e eu.

O momento seguinte é o da escritura mesma deste texto para a coleção COGITARE, iniciada há pelo menos três anos, mas que só pôde ir se constituindo no caminho: entre o pensar mais detido a respeito de alguns livros de poesia, em especial, o Clã do Jabuti, sobre a rapsódia Macunaíma e, mais recentemente, sobre o idílio Amar verbo intransitivo e o refletir sobre alguns aspectos desses textos: o sincretismo e o dialogismo por um lado – elementos da composição – e o método de comunicação – a recepção por outro. Assim, dois momentos de materialização da obra: a criação e a re-cepção. A escolha do vocabulário adequado foi das tarefas mais difíceis no momento da escritura, posto que o Livro da Ética e o Tratado da Correção do Intelecto (TCI) de Espinosa são textos pouco conhecidos e o objeto de estudo resvala todo o tempo, dado às dificuldades de referenciarão de textos tão díspares e de interpretação do processo criativo/reflexivo de Mário, nessa perspectiva.

A história do texto se compôs, então, de três momen-tos em que a alegria assumiu papel de destaque e que, principalmente, se constituiu em meio e fim a uma só vez do trabalho intelectual, quer seja o exercício da leitura, o trabalho interpretativo e o ensaístico. Em palavras de Espinosa, equivaleria a dizer que: “O desejo que nasce da alegria, em igualdade de circunstâncias, é mais forte que o desejo que nasce da tristeza” (Proposição XVIII do livro Ética

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IV, 1973). Axioma que pode ser completado pela Proposição XXVI: “Tudo aquilo que nos esforçamos pela Razão não é outra coisa que conhecer; e a alma, na medida em que usa da Razão, não julga que nenhuma outra coisa lhe seja útil, senão aquela que conduz ao conhecimento” (Ética IV). Trata--se, penso eu, do mesmo tipo de alegria que salta da obra de Mário de Andrade – a alegria que impulsiona a busca do conhecimento deste homem “brasileiro que nem eu”. Con-tar essa história tem, para além dos objetivos do texto, um chamar a atenção para a obra de Espinosa, pensador pro-fícuo para o seu tempo (século XVII), como para a de Mário de Andrade, um dos escritores brasileiros mais produtivos de nossa história literária. Tem também uma expectativa de que sempre revisitadas, as obras desses pensadores aca-bem por revelar mais sobre nós mesmos, na perspectiva coletiva e individual da brasilidade.

Mário era esse escritor que se preocupava com varia-dos aspectos da cultura brasileira. Um homem que amava seu país e que tinha uma infinita curiosidade armada de imensa disciplina de estudo para tentar entender o cará-ter do brasileiro. Algumas produções são exemplos dessa tenacidade e empenho: de A Enciclopédia Brasileira (São Paulo, 1993) a Aspectos da Literatura Brasileira (São Paulo, 1974). No Prefácio a Mário de Andrade por ele mesmo (Du-arte, 1985), Antonio Cândido assinala a importância dos homens da geração de 20 e 30, da qual fez parte o próprio prefaciado Paulo Duarte e enfatiza o fato de que “é possível compreender que eles deixaram no seu país um sulco defi-nitivo, – na política, na educação, na literatura, nas artes, no movimento geral das idéias e [...] no estabelecimento de instituições culturais.” (p. XV).

Além disso, esse livro traz à luz a correspondência fas-cinante entre Mário e Sergio Milliet e entre Mário e Paulo Duarte, na qual apreendemos o relato de uma luta ombro a ombro pela cultura, cujo foco principal foi o Departamento de Cultura da cidade de São Paulo. O livro é a história desse Departamento – feito para pesquisar, divulgar e ampliar ao máximo a fruição dos bens culturais – desde o requinte dos

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quartetos de corda até o incentivo das manifestações fol-clóricas, desde a pesquisa sociológica e etnográfica até a recreação infantil pedagogicamente orientada (p. XVII). Esse Projeto foi cortado com o advento do Estado Novo em 1937 e causou um imenso dissabor a Mário. Mário não era um nacionalista, como muitos de seus coetâneos, porém nutria um grande sentimento de brasilidade. Segundo Victor Knoll (1983), o amor do poeta pelo Brasil - a procura de uma na-cionalidade retalhada que é incontestável em Clã do Jaboti (1927).

A atividade intelectual de Mário, tão intensa quanto variada, vai da profissão de professor de música, exercida com tenacidade, incluindo a preocupação com a formação dos pequeninos (criação dos Parques Infantis na cidade de São Paulo), quando diretor do Departamento de Cultura da cidade de São Paulo nos anos de 1930, ao exercício crítico em jornais e revistas dos anos 1920 aos anos 1940, pas-sando pela criação literária que tem em Macunaíma, seu expoente, para não falar da poesia, da crônica, do conto, das cartas, de livros como Namoros com a Medicina, Mú-sica de Feitiçaria no Brasil, Danças Dramáticas. Essa abran-gência de interesses evidencia-se como uma necessidade e exercício racional de liberdade, conforme pretendemos demonstrar ao longo deste texto, destacando para tanto o aspecto comunicacional de algumas obras, associado à busca das raízes ameríndias, ibéricas e africanas do povo brasileiro. No sentido do caldeirão a que se convencionou chamar a cultura brasileira, a forma sincrética foi o modo de garantir a comunicação mais abrangente possível, com vistas ao público brasileiro. Se, à época, não podia contar com um letramento significativo em termos numéricos e de competência leitora, Mário contou, em contrapartida, com seus conhecimentos do alcance das manifestações orais, feito que lhe permitiu, no plano da poiesis, integrar as várias formas de comunicação, quer a que dá lugar à leitura silen-ciosa e interpretativa, quer a que dá lugar à leitura em voz alta, acolhendo os ouvintes das diversas origens.

Não obstante, nem toda essa capacidade de mime-

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tizar o jeito brasileiro foi capaz de gerar uma empatia com o público leitor brasileiro. Verificamos que a dissonância entre os procedimentos de base popular e a sofisticação do resultado que constitui a obra propriamente dita não re-verbera em favor de uma compreensão ou uma apreciação de sinal positivo. A obra de Mário é dessas que desafia e encanta o pesquisador, no entanto, raramente seduz o leitor pouco iniciado, pelo menos é o que revelam os comentá-rios de professores de todos os níveis de ensino, inclusive o universitário.

Para adentrar à produção de Mário de Andrade, nos parece necessário sondar o contexto da década dos anos 1920, rico em novidades e transformações que sacudiram o país e geraram um novo panorama literário e artístico. Há que fazer referência ao quadro social, político e intelectual do Brasil, destacando-se a posição diferenciada e diferen-ciadora do nosso poeta, dentre os demais participantes desse processo de mudanças tão profundas e tão comple-xas. Os anos 20 foram particularmente importantes quando vistos de qualquer área das ações humanas, tal a prodigali-dade de acontecimentos que os caracterizaram. A 1ª Guerra Mundial pode ser um bom começo, posto que arrancasse o Brasil da sonolência do 2º Império e expulsou para cá milhares de imigrantes, possibilitando ao Brasil ingressar na modernidade de então: a industrialização e a economia de mercado. Finalmente, passávamos a existir no “descon-serto” das nações e esse não é um mero detalhe. O parque gráfico que se instalou em São Paulo na década dos 20 é de substancial importância para a criação e circulação de revistas especializadas, tanto sobre literatura como sobre educação, em sentido bem amplo. Exemplo dessa articula-ção entre as instituições produtoras do livro, de materiais didáticos e afins é o lançamento da Revista Nacional (1921-1923), pela Cia. Melhoramentos de SP, que circulou como publicação, destinada a especialistas, dos diversos campos da formação educacional.

Também tivemos a Revolução Tenentista de 22 e 24 e várias revoltas no Rio Grande do Sul. A crise econômica

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e a consequente alta do custo de vida, seguida de crise no setor industrial recém-nascido que acabou por atingir a emergente população urbana. O crescimento dos setores médios, justamente em decorrência dessa afluência para as cidades, gerou conflitos com o setor agrário – viga mestra da sociedade brasileira. Tudo isso ainda pouco estudado no entender de Nícia Vilela Luz (1969, p. 67) e uma vez já entrado o século XXI, não obstante, com consequências bas-tante visíveis nos aspectos político, social e intelectual do país. No balanço que faz Edgar Carone (1972) da situação das instituições e das classes sociais na República velha (recém “embonecada”, no dizer de Mário de Andrade, em “O poeta come amendoim”), verificamos que a burguesia é politicamente inoperante e que contra as forças agrárias há que lutar, dentre outras tantas coisas, pela expansão da instrução pública. Neste particular, destacaram-se os mais práticos e imediatistas como Olavo Bilac e Manuel Bonfim, respectivamente como inspetor escolar e diretor de instru-ção pública do Distrito Federal. Na época, editaram juntos obras dirigidas ao público infantil e juvenil, emergente das primeiras medidas republicanas de difusão do ensino ele-mentar. O Brasil da década dos 20 exibe a expansão das di-versas camadas da burguesia, porém sem ideologia própria, acabando por embarcar na glorificação vaga do civismo. É aí que entra em cena a campanha pelo culto à bandeira e pelo serviço militar obrigatório, na qual se destaca mais uma vez Olavo Bilac.

Organizam-se grandes campanhas nacionalistas que culminam na fundação da Liga de Defesa Nacional, na qual Olavo Bilac deseja congregar os sentimentos patrióticos dos brasileiros de todas as classes sociais (CARONE, 1972, p. 162). Na verdade revela-se aí a preocupação de Bilac com o que chama de “míngua de ideal” e que poderá ser compre-endido mais tarde, dentro do pensamento de Mário, como preocupação com o caráter nacional. São vários, neste mo-mento, os projetos de “retratos do Brasil”. Afonso Celso, com “Porque me ufano de meu país”, ajuda a pintar o quadro do nacionalismo da década dos 20. Paulo Prado realiza o seu

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e este, por sua vez, vai influenciar muitos outros. Porém, em Mário,

a elaboração do retrato do Brasil, a partir de meados da década dos 20, insere-se no projeto amplo do Movimento Modernista que pretende a tematização e a afirmação do particular – a parte Brasil – com vistas à inserção na ordem mundial (MORAES, 1990).

O projeto modernista é, no entanto, muito mais criativo do que didático, nos seus propósitos, ou seja, mais estético do que ideológico. Trata-se, em suma, muito mais de uma práxis do que de uma política. Por isso, enquanto Bilac e os imediatistas vaticinam “consciência, coesão e disciplina como a tríade necessária para a existência da pátria” (CA-RONE, 1972, p. 165), Mário,

através da análise do populário musical, quer de-terminar a existência das características musicais da raça. A raça é aqui designada como o fator to-talizador – a brasilidade – que é possível perceber em um plano subjacente à diversidade das mani-festações culturais examinadas no seu Ensaio de música brasileira, de 1928 (MORAES, 1990, p. 167).

Também nesse aspecto, os modernistas e, principal-mente, Mário, contestam o clássico triângulo étnico: luso, índio e negro opondo-lhe o cosmopolitismo que se podia observar em São Paulo. Percebe-se assim, que Mário cami-nha numa direção oposta à de Bilac, embora o nacionalismo fosse a questão que congregava marianos e ateus de todas as tendências políticas, nas décadas de 10 e 20, sem as dissidências que ocorrerão nos anos 30. Porque na década de 30 já há um maior amadurecimento no cenário social e político e também quanto às ideologias.

O Brasil adentra o século XX marcado pelo cientifi-cismo, pelo positivismo que cobriu de exagero a literatura,

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ou pelo lado do naturalismo que explorou os vexames da raça mestiça ou pelo lado do simbolismo que espiritualizou a literatura a ponto de torná-la ilegível, segundo alguns. À parte o individualismo de um lado e os determinismos de outro, restaram aqueles que, com mais penetração, hon-raram a veia nacionalista de José de Alencar e Alfonso de Taunay. Estamos falando de Afonso Arinos, Coelho Neto, Graça Aranha e Euclides da Cunha que, com seus livros Pelo Sertão, Sertão, Canaã e Os sertões, respectivamente, de-ram um passo no sentido de apresentar as concepções de brasilidade vigentes ou idealizadas no momento.

Há que considerar também o contato com as vanguar-das europeias através de revistas e das viagens que muitos de nossos modernistas fizeram à Europa – um verdadeiro quadro de alegria, que pode ser comprovada pela ampla e sempre renovada bibliografia disponível. Um exemplo da fecundidade daquele momento está no título de algumas obras recém-publicadas, por ocasião das comemorações dos 90 anos da Semana de Arte Moderna: 1922 – A Semana que não terminou (GONÇALVES, 2012), Victor Brecheret e a Escola de Paris (PECCININI, 2012) que trata da fecunda re-lação entre os modernistas brasileiros e os franceses. Entre a Vanguarda e a Tradição, que mostra através dos casos de Anita Malfatti e Brecheret a influência da ebulição da capital francesa e das novas inquietações estéticas em suas obras, além de Semana de 22 – entre vaias e aplausos, ambos de Márcia Camargos (2012). A Semana Sem Fim (COELHO, 2011), A Brasilidade Modernista (JARDIM, 2012), Os artista brasileiros na Escola de Paris: Anos 1920 (BATISTA, 2012). Sem falar na reedição de clássicos sobre o modernismo como Retrato do Brasil de Paulo Prado, Movimentos Moder-nistas no Brasil – 1922-1928 de Raul Bopp e o compendio de Gilberto Mendonça Teles, onipresente nos cursos de Letras do país desde 1972: Vanguarda Européia e Moder-nismo Brasileiro.

Como o Modernismo abrangia todas as artes, não po-deria faltar um trabalho de fôlego como Ítalo Campofiorito, moderno e mais: olhares sobre Arquitetura, Urbanismo e Pa-

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trimônio, organizado por Jardim, Osório e Leonídio (2012). A novidade, porém, fica por conta de O santeiro do mangue e outros poemas, de Oswald de Andrade (2012). Como se pode observar, esse período tão fecundo converteu-se ao longo do tempo (menos de um século) em um mito da his-tória cultural do Brasil, o que comprova a força da alegria que uniu e impulsionou a produção de tanta gente. O fato mais contundente, para nós, continua sendo a profícua cor-respondência entre Mário e os demais modernistas tanto daqui como de fora do país. Vale destacar ainda sua cor-respondência com os hispano-americanos, também ainda pouco estudada.

As crises sociais que marcavam os quadros interna-cionais e nacionais também foram contemporâneas dos movimentos literários que procuravam captar os sinais de mudança. A começar pelo futurismo de Marinetti que, desde 1909, apregoava o rompimento com o passado simultane-amente à exaltação da velocidade, da máquina: telefone, avião e supostamente um estilo consentâneo com esses valores, o da “palavra em liberdade”. Logo em seguida, em 1910, emergem o cubismo, que busca maior abstração da forma e o dadaísmo, que traz o infantilismo para a expres-são visual e verbal. Mais tarde, o surrealismo, influenciado pelas ideias sobre o inconsciente (Freud), a buscar a escrita automática e espontânea; e o expressionismo, voltado para o significado profundo e simbólico da expressão artística. Tudo isto muito bem compreendido por Mário e aproveitado nas suas escolhas.

O relevante dessas correntes na linha do antirraciona-lismo que chegaram ao Brasil, provocando na vida cultural o senso do relativismo formal e, principalmente, procurando diminuir a distância entre obra e público, o que nem sempre foi logrado é que o Modernismo hesitou entre o internacio-nalismo e o nacionalismo; “no primeiro caso, sofreu influên-cia evidente dos movimentos europeus, transplantados para cá às vezes com uma candura quase ingênua”, nas palavras de Antonio Cândido. No segundo caso, prolongou a tradição que vinha do século XIX, carregando ainda uma boa massa

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de equívocos acerca da expressão autenticamente nacional da obra literária” (LUCAS, 1984, p. 308). De um lado os mo-dernistas, empenhados em libertar as letras brasileiras da influência portuguesa, experimentam tornar a fala brasileira uma língua própria; de outro as obras a converterem-se em caboclismos explicitam a “última tentativa de defesa da era agrária em desagregação”, conforme Mário da Silva Brito (1978). Mas, bem ou mal o país embarca na modernidade. Já é bem conhecida a participação de outros estados do Brasil nesse anseio de modernidade, conforme mostram inúmeras teses publicadas sobre as relações dos escritores do Nordeste e os modernistas paulistas, bem como publi-cações das cartas trocadas entre eles. Sem falar, é claro, dos estudos já mais avançados sobre as relações entre os paulistas e os cariocas, mineiros e gaúchos.

São Paulo passa a ser o epicentro das mudanças, saindo aos poucos do acanhamento urbano. Na esteira da industrialização impulsionada pelos imigrantes, aliada ao acúmulo de capital oriundo dos negócios com o café, surge também um movimento editorial, suporte necessário para o surto de cultura que avança na década dos 20. Monteiro Lo-bato destaca-se como a figura que encurta a distância entre o livro e o público, com suas iniciativas pioneiras neste se-tor; não são apenas os livros, mas, especialmente, as revis-tas especializadas, que contemplam também as ilustrações. Grandes artistas plásticos da época: Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Victor Brecheret ilustram obras de escritores como Oswald de Andrade, Blaise Cendrars, Menotti Del Picchia. As revistas exemplificam bem o íntimo relacionamento entre as artes na década dos 20, como se observa no livro de Yone Soares de Lima (1985). Assiste-se a um fenômeno ímpar de integração das artes. A Semana de Arte Moderna, neste sentido, foi um encontro de tendências modernas trazidas da Europa por intelectuais como Oswald de Andrade ou aqui chegadas, via revistas estrangeiras lidas no original francês, inglês ou alemão, e a consolidação de todos os movimentos gráficos, editoriais, plásticos, que se traduziram em uma vida cultural vibrante e sem precedentes de aglutinação hu-

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mana, na História do Brasil.Para Mário de Andrade são anos agitados de estudo,

de amizades, de produção intensa: Paulicéia Desvairada, “Mestres do passado”, Losango Cáqui, escreve “A escrava que não é Isaura”, escreve e publica Amar, verbo intransi-tivo, Clã do Jabuti, Macunaíma, Ensaio sobre a música bra-sileira, escreve crônicas para o Diário Nacional, reunidas em O turista aprendiz e Táxi, Compêndio de História da música, além da composição de outros poemas que só sairão em li-vro na década dos 30, escreve as conferências da Vila Kyrial, colaborações para a Revista Klaxon, para A Revista de Belo Horizonte, para a Estética carioca, para a Revista de Antro-pofagia, Revista do Brasil, Terra Roxa e outras Terras, Re-vista Verde de Cataguases, faz crítica para A Manhã. Devem ter sido tão intensos esses anos que, ao findar da década, um fato que poderia ser irrelevante em outra circunstância, aparece então como muito significativo: o rompimento entre Mário e Oswald, que ao lado de Menotti Del Picchia puseram de pé a Semana de Arte Moderna de 1922.

A crítica é uma constante de relevo no diversificado cenário de atividades de Mário, escritor. Permanentemente atento aos fenômenos literários, ele os considerou em toda sua complexidade, tanto formal quanto ideológica. Sua pro-dução crítica está materializada em Aspectos da Literatura Brasileira, na imprensa, além de “Prefácio Interessantís-simo” (1922) e “A escrava que não é Isaura” (1924). Es-creveu desde 1921 no Jornal do Comércio, A Gazeta. Em 1923 no Correio Paulistano. Em 1926, na edição de SP de A manhã. De 1927 a 1932, no Diário Nacional. Em 1933, no Diário de SP e Estado de SP. De 1939 a 1940 foi crítico do Diário de Notícias do RJ. Depois de 1940 segui com o Estado de SP, Diário de SP e Correio da Manhã. No Diário da Manhã de Recife, publicou um artigo “Resposta a um inqué-rito”. Aquele que viveu da fé na arte e nos homens – como ele sempre repetia – encontrou na crônica jornalística um forte instrumento de ação, já que a frequência e a ligeireza dos artigos, além de suscitar a discussão, permitiam-lhe orientar de perto os escritores novos, em uma espécie de

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missão de vida. Tematicamente paralelos aos estudos, os artigos de jornal, os assuntos particulares e circunstanciais também contribuíram para o retrato do crítico.

O país adotava o estilo futurista na arte e na vida social, com todos os equívocos que derivam das grandes generalizações. Artistas e estilos os mais diversos foram também rotulados de futuristas, termo pejorativo na época, mas que fazia jus a pelo menos um dos traços que lhe eram atribuídos, pois abrigava todos os que se afastassem, pouco que fosse, dos padrões convencionais vigentes. Mário foi o que mais se incomodou com o rótulo outorgado a ele por Oswald de Andrade no artigo “O meu poeta futurista”, publi-cado no Jornal do Comércio em maio de 1921, e que trouxe muitos dissabores a Mário. Por causa desses dissabores, mais do que tudo, por uma questão de rigor teórico, Mário respondeu a Oswald com “Futurista?”, artigo publicado no mesmo Jornal do Comércio, no mês seguinte. A polêmica entre ambos seguiu por algum tempo até o rompimento, e os dois não voltaram a reatar relações.

Afonso Arinos e Coelho Neto, enquanto isto, “fixavam os tipos humildes do interior, as peculiaridades da vida e o lirismo da sua psiquê; Euclides da Cunha e Graça Aranha estudavam os grandes problemas étnicos e antropológicos do nosso país” (CARVALHO, p. 298). O sentimento de bra-silidade, como se costumava dizer naquela época, tomava conta também de historiadores, sociólogos e, na sequência, dos folcloristas que começaram a proliferar. O modernismo apresenta-se, ao longo da década dos 20, como um esforço teórico extremamente elaborado de retomada da análise do sentimento de frustração, em busca da originalidade nacional, assegurando-se na adesão aos pressupostos epistemológicos de uma Etnografia e de um Folclore que vi-savam a determinar as qualidades do elemento “primitivo”, definindo-as em relação ao elemento “civilizado” (MORAES, 1990, p. 70). A posição de Mário, contudo, era muito mais complexa que isso. Queria mais do que simplesmente en-contrar um denominador comum e subordinar todas as dife-renças a uma mesma bandeira, como pregavam os próceres

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da Campanha Civilista. Também, ao falar em “unidade sub-jacente”, Mário não pensa em impor uma unidade arbitrária, exterior aos traços da “raça”, como sugeria Coelho Neto em seu Breviário Cívico.

Ao longo da 2ª metade da década dos 20, Mário em vez disto, persegue a definição do elemento nacional e assume que é um analista da problemática da brasilidade. “Nacio-nal, aqui, significa expressividade, existência de um padrão característico e próprio de cultura” (FERNANDES, 1966, p. 30), o que se pode observar em poemas como “Tempo das águas”, “Poema”, “Sambinha”, do livro do Clã do Jabuti. Esta é, para nós, a marca fundamental da dimensão de sua obra e não é sem motivo que Eduardo Jardim trata em seu ensaio da “via analítica que, em Mário de Andrade, amadurece em contato com os estudos folclóricos e etnográficos” (FERNAN-DES, 1966, p. 75). Mais que isso: no Movimento Modernista brasileiro, principalmente Mário buscou compreender a es-pecificidade do nacional a partir do que não é nacional, o que só foi possível porque Mário reagiu contra o idealismo e a ideologização do nosso suposto primitivismo evidenciado, por exemplo, na obra de Graça Aranha e, principalmente, devido a um árduo trabalho de pesquisa, de catalogação, de criação, de reflexão e de crítica.

Inquestionável, pois, a proeminência da participa-ção de Mário numa geração nem sempre coesa, mas que definiu os rumos que a ação artística e cultural assumiria desde então no Brasil e que exerceu a influência que pode ser apreciada ainda hoje. Basta para avaliar a importân-cia desta influência mencionar as reformas educacionais, a fundação dos partidos revolucionários e os movimentos político-militares, mudanças que marcaram os anos 20 e que mostram que as transformações estéticas se deram em clima de transformações mais complexas e gerais, que podem ser analisadas dentro de uma perspectiva não ape-nas estética, mas também ética, para além da política. E é justamente neste âmbito que Espinosa ganha lugar. Porque, ao cotejar os fundamentos da modernidade com as concep-ções de Mário de Andrade sobre o papel do escritor e da

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arte modernos, nos damos conta de que ambos já estavam desenvolvidos no pensamento de Espinosa. Exemplo disso é o fato de que a originalidade de Espinosa no século XVII emerge do emaranhado de coordenadas que constituíram o quadro-berço da Modernidade, justamente por ter marcado uma etapa importante na dessacralização e na laicização da cultura que será também o ponto forte das Vanguardas do fim do século XIX e início do XX e do Modernismo brasileiro, do qual Mário de Andrade foi das vozes mais expressivas.

Porém, as razões mais abstratas estão no tipo de racionalismo de Espinosa, do qual se pode afirmar que “a liberdade e a bem-aventurança originam-se do uso do inte-lecto para adquirir idéias adequadas e, assim (resultam) na atividade e não na passividade que é inerente às emoções” (HAMLYN, 1987, p. 183). Aspecto, sem sombra de dúvida, concernente ao minucioso trabalho de Mário de Andrade, quer como leitor dos jovens que o procuravam, quer como escritor, como vamos ver. Assim, podemos deduzir que o afeto que resulta da alegria é prazer e regozijo pela recep-tividade da explicação, enquanto o resultado da tristeza se-ria dor e melancolia (GARCÍA, 1986, p. 191), que também assaltavam a Mário, mas convenhamos que não é o tom predominante da sua criação. Ao contrário, a obra de Mário é reveladora de uma busca do conhecimento que pode ser compreendida como “uma alegria pagã, como compensa-ção dialética de nossa vida azarosa e famélica”, como disse Darcy Ribeiro (ANDRADE, 1988).

Além disso e, mais especificamente, em sua obra Amar, verbo intransitivo, pode-se observar em concreto a perspectiva ética de Espinosa. Tomando-se o axioma: “não existe, na natureza, nenhuma coisa singular tal que não exista outra mais poderosa e mais forte que ela. Mas dada uma coisa qualquer, é dada uma mais poderosa pela qual a primeira pode ser destruída” (“Da servidão humana ou da força das afecções”, Ética IV), podemos compreender a oscilação do julgamento da personagem Fraulein, antes tão claras e assertivas. Diante de uma situação nova, desafia-dora ela vê tensionado o seu espaço de poder e liberdade, o

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que a impele à relativização de suas verdades que, no plano de sua subjetividade, a desestabilizam, acarretando novas consequências para o enredo. Assim, aquilo que parecia inamovível, ganha uma carga tão poderosa que torna inevi-tável a mudança.

Em um plano mais geral, acolhendo a ideia espinosana de que conhecer é conhecer pelas causas, observamos que Mário encontrou o conhecimento através da busca do co-nhecimento de si mesmo e de seu país, o que ao fim e ao cabo impulsionava suas ações no sentido da coletividade. Toda a sua biografia comprova a autonomia de suas ideias no conjunto das ideias da cultura brasileira e da adequação das mesmas em relação a outras culturas que também pro-curou compreender, especialmente, no contexto ibero-ame-ricano. Esse modo de ser demonstra ao final a utilidade da arte e não o seu utilitarismo, enquanto forma organizadora do pensar e do agir humanos. Suas obras mostram o co-nhecimento profundo que tinha do homem brasileiro na sua heterogeneidade e complexidade, o que dá uma ideia da im-portância que atribuía à liberdade, que pode ser apreendida na leitura dos poemas, da prosa, tantos dos romances como dos contos e crônicas. A felicidade, esta se expressa com todo vigor nos registros das viagens de estudo, na coleta de material para elaboração dos textos críticos e criativos, nas conversas com amigos, nas inúmeras cartas que trocou com eles, nos eventos dos quais foi idealizador, na vida que levou. O que não exclui seus momentos de reclusão e até de depressão.

É preciso, no entanto, considerar o método de Espi-nosa como subsídio para a compreensão dessa moderni-dade e destacar a esta altura que para ele a “interpretação das escrituras não necessitava nenhuma autoridade que restringisse a liberdade de interpretar”, visto que o ensino das Escrituras é moral e ideológico tanto no judaísmo, quanto no catolicismo, quanto no protestantismo. Sendo assim, a operacionalidade do seu método para buscar a verdade ou a essência objetiva das coisas é o ponto que nos interessa para tratar do “exercício racional para a liberdade”

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(JORDÃO, 1990), inflexão criativa que caracteriza Mário de Andrade e que, aliada à relevância da alegria, constitui uma via de interpretação que queremos explorar. Para este propósito, observamos que a reflexão de Espinosa sobre o método de conhecer propõe uma via reflexiva que vai em di-reção a uma ideia verdadeira e com isto valoriza a potência do entendimento, o que nos parece, perfeitamente verificá-vel na trajetória de Mário de Andrade. De tal forma que pro-mover a liberdade através de um método de conhecimento equivale à busca da própria liberdade e mais que isso indica um caminho possível, na medida em que outros possam ver expressados o seu (mesmo) desejo de busca da liberdade.

Importa pensar que o momento em que o Brasil está iniciando a construção deste novo país (república, indus-trialização) é o mesmo em que na Europa se publicam os textos de Freud e que Reich está iniciando suas experiên-cias com o corpo. Mário, por sua vez está atento tanto às manifestações que chegam da Europa via testemunhos e, principalmente através de revistas, quanto aos projetos de Brasil e projeções da brasilidade, da 1ª República. Porém, outro corpo clamava no início do século XX, por liberdade, haja vista as liberdades formais no plano da arte e o direito à pesquisa estética como projeto de expressão. A Semana de Arte Moderna de 22 é a referência máxima na sacudi-dela daquelas três noites e, principalmente no efeito que produziu anos mais tarde sobre os Movimentos Concretista (poesia) e Tropicalista (música).

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2. O MétOdO de cOnheceR eSpInOSAnO de MÁRIO de AndRAde

A ideia verdadeira de que fala Espinosa repousa na afirmação do corpo e da alma numa unidade e na nega-ção do antropocentrismo, o que por si só já constituía uma afronta para a época. Não é difícil, portanto, calcular o im-pacto dessa postura no século XVII, principalmente dentro da comunidade judaica. Além disto, no que diz respeito à existência do homem e ao direito natural, a filosofia de Es-pinosa era bastante incômoda, mas são justamente esses exercícios de racionalidade e de liberação dos preconceitos, superstição e ceticismo que a fazem tão moderna.

Compreender, portanto, o método de pensar (escre-vendo) de Mário de Andrade nos fez enveredar pelos regis-tros de suas leituras filosóficas; Fichte, Scheling e outros idealistas alemães, que constam do acervo do Instituto de Estudos Brasileiros-USP e constatar mais concretamente, através desses, a sua ligação com Espinosa. Neste sentido, o que mais chamou atenção foi o comentário de Mário, cre-ditando a Fichte sua reivindicação de haver ordem na “fúria desencadeada dos elementos” em oposição a Marinetti que fez da palavra liberdade, sistema. Mário negando seu futu-rismo versejou: “[...] Não sei que futurismo pode existir em quem quase perfila a concepção estética de Fichte. Fujamos da natureza! Só assim a arte não se ressentirá da ridícula fraqueza da fotografia... colorida.” (Prefácio Interessantís-

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simo, Paulicéia Desvairada, 1921). Fichte, por sua vez, na “Apresentação” da Doutrina da Ciência (1801) traçou ex-pressamente um paralelo com o espinosismo, ao declarar que seu sistema só podia ser esclarecido tomando o de Es-pinosa como ponto de referência. Portanto, Espinosa está de algum modo vivo no Fichte acolhido por Mário.

O que não é difícil de ser observado, uma vez que Espinosa valorizando mais o caminho para buscar a ver-dade como método verdadeiro, se atualiza em Mário que, ao longo do “Prefácio Interessantíssimo”, representa esse caminho, refletindo sobre tudo:

Você já leu São João Evangelista? Walt Whitman? Mallarmé? Verhaeren? [...] “Um pouco de teoria? Acredito que o lirismo, nascido no subconsciente,acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas, com acentuação determinada.” [...] “Já raciocinou sobre o chamado ‘belo horrível’ ”? [...] “Belo da arte: arbitrário, convencional,

transitório – questão de moda. Belo da natureza: imutável, objetivo, natural – tem a eternidade que a natureza tiver. Arte não consegue reproduzir natureza, nem este é seu fim” [...] (ANDRADE, 1987, pp. 61, 63-65).

E conclui por meio de afirmações “chorei, cantei, ri, berrei... Eu vivo!”, as quais exemplificam o quanto de liber-dade reside no poder do seu intelecto de transcender a pas-sividade e de adquirir compreensão da natureza das coisas em geral que são, para Espinosa, equivalentes à compreen-são e ao amor por Deus.

Neste sentido, rastrearemos a crítica dedicada à poe-sia de Mário para, tomando as contribuições já dispensadas a ela, apresentar nossas observações e argumentos, com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre a obra desse po-

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eta que, antes de fazer-se moderno, dominou como poucos os recursos da poesia em língua portuguesa atento, inclu-sive, à especificidade de uma sonoridade/musicalidade que distingue a língua portuguesa falada em Portugal da língua portuguesa falada no Brasil.

É sabido que a obra de Mário de Andrade tem pro-piciado além de um amplo conhecimento da língua portu-guesa falada, cantada e escrita por brasileiros, um saber estético e reflexivo tão enfático quanto é possível nestes ale-gres trópicos, posto que Mário domina a matéria e o fazer da poesia trovadoresca, transita pelos poetas coloniais como Domingos Caldas Barbosa, de cujas cantigas extrai a “mei-guice brasileira” e o gosto pelas modinhas. Ao passo que de Tomás Antonio Gonzaga, impressionaram-lhe as liras, de Silva Alvarenga apreciou os rondós e os madrigais, de José Bonifácio de Andrada e Silva, as odes. Toda a sua obra é resultado de um trabalho exaustivo de leitor apreciador das artes e comentador de literatura, cuja obra exige do leitor as mesmas etapas da criação: construção/desconstrução/reconstrução.

Diante disso, primeiramente, há que destacar o traba-lho de João Luiz Lafetá no tocante à “consciência da lingua-gem” que Mário demonstrava em seus escritos, desde os textos da juventude até os da última fase. Essa consciência traduzia-se, segundo Lafetá em:

1. preocupação constante em teorizar a utilização estética dos meios expressivos, não se esque-cendo de buscar as raízes da criação;

2. procurar fundamentar sua poética numa com-preensão ampla da natureza psicológica dos procedimentos;

3. premido pela consciência do papel funcional da literatura, acrescentar ao caráter de instrumento da comunicação humana, um papel socializador (LAFETÁ, 1974, p. 116).

Além da consciência da linguagem, o crítico aponta

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para a “consciência estética refinada” do autor, ao lado de constante preocupação social da arte, que o levou a uma “produção ‘nova’ que se distanciou, como nunca acontecera antes, do público para quem se dirige”; trata-se, segundo pode-se comprovar por sua ausência dos manuais didáticos, “de uma arte de elite, cujas exigências de repertório vão muito além das possibilidades do leitor comum” (LAFETÁ, 1974, pp. 151, 156). Outra questão, incluída em nossa linha de investigação aparece tratada por José Miguel Wisnik em O coro dos contrários (1977). Ali o crítico destaca a “ênfase sobre o papel pedagógico do artista e a subordinação de sua atividade às necessidades sociais de um meio precário” (WISNIK, 1977, p. 104). Essas duas questões que, sendo aparentemente contraditórias, posto que uma estética re-finada não deve ser necessariamente pedagógica, até pelo contrário, contudo, em um país como o nosso, nos colocam frente a frente com a essência da comunicação da obra de Mário. Pois, a questão do distanciamento que a obra de Mário produziu em relação ao leitor, por um lado, e o papel pedagógico do artista (sempre tão caro a Mário, que tendo exercido ao longo de sua vida literária uma docência con-tumaz), por outro, constituem um desafio enfrentado em termos neste texto.

Wisnik assinala também que a poética de Mário “chama a atenção sobre a experiência do poeta como componente do texto, enfatizando no ‘Prefácio Interessan-tíssimo’ o conceito de lirismo (impulso inconsciente que preside o fluxo das idéias) como núcleo da sua poética”. Ob-serva ainda “a forma dubitativa da linguagem admitida pela palavra poética, teorizando a ambigüidade na medida em que concebe a inclusão da experiência do leitor no texto, no caso da leitura, de modo a completar as lacunas deixadas pelo autor” (WISNIK, 1977, p. 118). O próprio Mário declara, em carta a Oneyda Alvarenga (1940): “Tenho alma de pro-fessor”, o que nos autoriza a falar de certo pedagogismo em sua poética, no que se refere às suas expectativas em rela-ção aos seus leitores. A modernidade de sua poesia levava em conta um leitor com memória, dentre outras das tradi-

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ções brasileiras de raízes várias e múltiplas que mereciam ser resgatadas. Lafetá já advertia que se a obra de Mário é uma obra que exige um leitor mais especializado, também é verdade que o próprio Mário trabalhava em seu tempo com a perspectiva pedagógica da arte, segundo Wisnik. É com base, pois, na complexidade da obra, por um lado, e da su-gestão de um leitor implícito, por outro, que tomamos para nós a função transgressora de Jauss, na medida em que ao ser compreendida e apreciada pelo seu destinatário, a obra atualiza o conceito de emancipação, desta feita para servir de avalista para a natureza comunicativa e libertadora da criação artística.

As “Notas para um estudo crítico sobre a poesia de Mário de Andrade” de Fernando Mendes de Almeida, to-madas entre 1943 e 1945, quando ainda vivia Mário, portanto, e, logo após sua morte, referiam-se a uma crítica que exigia dessa poesia “espontaneidade”. Além disso, as notas assinalam a pouca atenção que mereceu a poesia de Mário tanto de sua geração como da que lhe seguiu e apresenta sua contribuição no sentido da “busca do mate-rial de fundo que o escritor elegeu como substância de seu comportamento estético”. A esse respeito há que se levar em conta as distinções entre o sentir e o entender. Em qual delas situa-se a recepção da poesia de Mário, já que em seu tempo recebia a alcunha de “trabalhada demais”, “eivada de cacoetes eruditos” ou simplesmente “fria”? A resposta à questão da espontaneidade, Mário mesmo a dá no “Prefá-cio Interessantíssimo”, ao declarar “Penso depois” que, em um primeiro momento, equivale a uma confissão de espon-taneidade. Significava contrapor-se, em alguma medida, aos poetas da época, os parnasianos que só pensavam ou que pensavam demais.

Esta é a perspectiva que norteia nossa leitura. Reco-nhecer que a crítica da poesia de Mário dedica-se exaus-tivamente a investigar as leituras, as influências, a esmiu-çar os procedimentos modernos, a destacar rupturas e a destacar os traços tradicionais que colaboram efetivamente para a construção de uma ideia sincrética de brasilidade.

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Reconhecer também que toda a pesquisa do folclore e da poética popular é posta no âmbito estrito de mais uma ati-tude modernista, o que também é, mas o que nos importa, sobretudo, é dar lugar a uma investigação das leituras e das anotações que se moveram na direção da produção de uma consciência criadora, para a qual a tradição foi imprescindí-vel. Henrique L. Alves (1983) reserva à poesia o lugar mais importante da produção de Mário de Andrade, na medida em que nela exibe uma pesquisa do cotidiano e uma cons-ciência crítica capazes de construir um mundo lírico, pelo qual “comandou a revolução estética” (p. 40). Acrescenta ainda que “em todos os seus escritos havia necessaria-mente doses líricas porque a poesia, como a ciência, são dois processos verbais do conhecimento”. O ponto alto, entretanto, dessas observações reside na invenção de uma nova linguagem, consubstanciada pelas “buscas e rebuscas de um fim e de uma forma, a própria essência da poesia” (ALVES, 1983, p. 46); o que determina, ao fim e ao cabo, uma artesania – precisamente um dos traços marcantes da poesia modernista.

Por isto, é preciso destacar a posição diferenciada e diferenciadora do poeta, entre as suas demais personas literárias, bem como dentre os demais participantes desse processo de mudanças tão profundas e tão complexas. Do futurismo de Marinetti (1909) ao Surrealismo de Breton (1924) a palavra mais cara era liberdade. Para Mário, essa palavra contém um valor primordial desde o “Prefácio Inte-ressantíssimo” (1921):

Minhas reivindicações? Liberdade. Uso dela;Não abuso. Sei embridá-la nas minhas verdadesFilosóficas, religiosas, não são convencionaisComo a Arte, são verdades. Tanto não abuso!Não pretendo obrigar ninguém a seguir-me.Costumo andar sozinho.(ANDRADE, 1987, p. 67)

Além disso, é no “Prefácio Interessantíssimo” que o

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conceito de consciência, que tanto nos interessa, tem lugar. Mário distinguia inspiração e consciência ou imaginação e intelecto: “A inspiração é fugaz, violenta/ Qualquer empeci-lho a perturba e mesmo emudece/ [...] E, consciente não é defeito, mas meio legítimo de expressão” (ANDRADE, 1987, p. 63). Neste âmbito, a relação de Mário com Espinosa intensifica-se, quando levamos em conta que ambos com-partilham da autonomia da fé e da razão e da necessidade de compreender como uma atitude política, negando tanto o proceder circular como o do regresso ao infinito, daí a ên-fase no diálogo, para o qual a modernidade apelará, sempre que for necessário liberar preconceitos, superstições e su-perar misticismos.

Para demonstrar como o modo e o conteúdo do pen-samento de Mário e Espinosa têm semelhanças e como estavam voltados para uma questão mais ampla das razões do pensar e do fazer, do papel transcendente do exercício intelectual, nada mais procedente que a análise de texto. Es-colhemos para tanto o poema de 1928, o “Lundu do escritor difícil”, extraído do livro A costela do Grão Cão.

Eu sou um escritor difícilQue a muita gente enquisila,Porém essa culpa é fácilDe se acabar de uma vez:É só tirar a cortinaQue entra luz nessa escurez.Cortina de brim caipora,Com teia de aranha caranguejeiraE enfeite ruim de caipira,Fale fala brasileiraQue você enxerga bonitoTanta luz nesta capoeiraTal-e-qual numa gupiara.

Misturo tudo num saco,Mas gaúcho maranhenseQue pára no Mato Grosso,

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Bate este angu de caroçoVer sopa de caruru;A vida é mesmo um buraco,Bobo é quem não é tatu!

Eu sou um escritor difícil,Porém culpa é de quem é!...Todo difícil é fácil,Abasta a gente saber.Bagé, piche, chué, oh “xavié”,De tão fácil virou fóssil,O difícil é aprender!

Virtude de urubutingaDe enxergar tudo de longe!Não carece vestir tangaPra penetrar meu cassange!Você sabe o francês “singe”Mas não sabe o que é guariba?- Pois é macaco, seu mano,Que só sabe o que é da estranja.(ANDRADE, 1987, p. 306-307)

O eu-lírico não titubeia. Tomar para si a responsabili-dade da enunciação “Eu sou um escritor difícil”, assumindo as consequências que decorrem dessa radicalidade, o que corresponde, em outro nível, a assumir a capacidade de se-parar o verdadeiro do falso em relação a si próprio ou ao seu fazer literário e, mais que isso, isolar, a destacar para o in-terlocutor o que é essencial: “Fale fala brasileira”, pois quem “só sabe o que é da estranja” é macaco. Além disso, Mário tem consciência da opacidade de seu texto “que a muita gente enquisila”; mesmo assim, argumenta: se o público se valer do mesmo código que o poeta “[...] enxerga(rá) bonito”. É para a língua portuguesa do Brasil que converge todo o jogo construtivo do poema “singe” X “guariba”; é em sua de-fesa que se faz alteração nos trocadilhos “A vida é mesmo um buraco, Bobo é quem não é tatu!”, nas frases feitas e

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no aproveitamento das expressões regionais “Bagé, piche, chué, oh ‘xavié’”. O deixar-se influenciar mais pela opinião, pela moda “Você sabe o francês ‘singe’/ Mas não sabe o que é guariba” do que pela razão é algo que o poeta con-dena de forma peremptória: “– Pois é macaco, seu mano”, depois de argumentar literalmente: “Porém essa culpa é fá-cil/ De se acabar de uma vez/ É só tirar a cortina/ Que entra luz nessa escurez.”, ou eufemisticamente: “Cortina de brim caipora” e “Virtude de urubutinga”.

Se por um lado, o poeta se esforça por mostrar o que é essencial de diferentes maneiras, levando em conta as diferenças entre os leitores e os seus referenciais linguís-ticos, por outro, trata de reforçar e conservar o seu ser “Eu sou um escritor difícil”, verso que se repete na 3ª estrofe. Neste debate que o poeta trava com o leitor, destaca-se a constatação da passividade e imitação contidas em “De tão fácil virou fóssil” paralela à constatação de que “O difí-cil é aprender”, seguida de uma impaciência mesmo “Não carece vestir tanga pra [...]” e de uma crítica contundente: “Você sabe [...] X Mas não sabe [...]”. É impossível não notar que nesse embate de palavras e de modos de expressar, o tom paródico, os jogos de palavras, os brinquedos sintáticos cedem lugar ao discurso direto e afirmativo da 4ª estrofe que preparará o fechamento desse raciocínio.

Porquanto a “virtude de enxergar tudo de longe” não é exclusiva do poeta, virtude de urubutinga é virtude de urubu-rei. O poeta se esforça pela razão para demonstrar a relevância de uma forma consciente de se expressar. Essa forma já existe, basta que a retiremos do pote (cassange). Não mais uma forma imitativa, não mais uma forma símia, mas de urubu-rei, que vê tudo de longe, sem vestir tanga. Ou seja, não precisamos nos mascarar de índio para falar a lín-gua brasileira, “é só tirar a cortina”. Contudo, há um senão nesta argumentação. A relação: “Eu sou um escritor difícil” com “O difícil é aprender”. São duas afirmações muito sé-rias e radicais que se contrapõem ao fazer de “enfeite ruim”. Esta fala falsa, de cacoete, nos é contrária, ou contrária à nossa natureza, por isso é importante aprender. A abertura

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para o aprender tem fundamentação na própria natureza humana como diz o poeta “Todo difícil é fácil”, mas é preciso um método adequado “Abasta a gente saber”.

Deste modo, se considerarmos que há neste poema uma exaustiva busca pelo método, em última instância, de uma apologia à razão, enquanto verdade essencial a ser atingida, enquanto conhecimento do BEM, da alegria que deriva da consciência de si mesmo e do outro, poderemos interpretar a explicitação do desejo do poeta, neste poema, como um esforço por perseverar no seu ser. E, neste sen-tido, Mário lembra muito o Espinosa do Tratado da Correção do Intelecto, para o qual conhecer é a única perfeição. Espi-nosa afirma que o prêmio da virtude é a própria virtude que, em termos de Mário, se traduz em “O difícil é aprender”. E se a “verdade é como a liberdade: não são dadas no princípio, mas aparecem como resultado de uma longa atividade pela qual produzimos idéias adequadas, escapando ao encade-amento de uma necessidade externa”, no dizer de Chauí (1970). O discurso poético deste lundu é contundente.

Vale ressaltar que o poema não se constrói apenas por meio de procedimentos argumentativos e dialógicos, ele se constitui justamente pela estrutura do lundu; um gênero popular destinado a ridicularizar alguém ou alguma atitude, no caso, o jeito brasileiro de ser – contrário à natureza, no sentido de que não olha para o seu entorno, desconhece a si mesmo, apelando para a imitação pura e simples do outro – “virtude de urubutinga”. Se a literatura popular é uma das fontes mais pródigas para reconhecer os motivos e procedimentos da poética popular é também um posto de observação privilegiado para o conhecimento do povo brasi-leiro. É, portanto, essa combinação de renovação retórica e invenção poética que distingue a poesia de Mário. Um mo-vimento de originalidade-totalidade apontado por Moraes (1990) pode explicar o modo particular de Mário de dar a conhecer os traços característicos formadores da cultura brasileira, quer seja, reconstituindo-os artisticamente, atra-vés da fusão das formas de expressão da cultura popular brasileira com as novas técnicas vanguardistas. Pois, ao

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incorporar palavras, expressões e construções sintáticas da língua falada no poema, Mário demonstra uma vontade de incluir vozes e modos ainda não contemplados pela litera-tura brasileira, tão “cheia de aranha caranguejeira”.

Mário, principalmente, fez da poética do modernismo uma busca do caráter nacional; ele, mais que ninguém, mostra-se persistente no esforço para definir os contornos da alma brasileira e para fixar nossa identidade. Seu nacio-nalismo, contudo, “não é o nacionalismo das Ligas Patrió-ticas ou chorrilhos literários regionais. É qualquer coisa de mais literário e menos moda”, no dizer do próprio Mário, o que só vem confirmar que os propósitos do grupo, em geral, e do nosso escritor, em particular, eram precipuamente es-téticos. Para João Alexandre Barbosa, “o Modernismo não apenas criou a possibilidade de uma invenção no nível da produção como ainda uma crítica da tradição” que pode ser entendida, no âmbito da História Literária, como uma antecipação utópica, na medida em que projeta vivências futuras e preserva o passado, permitindo a redescoberta de acontecimentos esquecidos.

Em Mário de Andrade por ele mesmo, Duarte (1985) traça o perfil desse Mário que, no ofício de escrever e de atuar no palco da cultura brasileira concretiza o caminho aventado por Espinosa que é o de produzir obras como um reflexo da alegria interior por saber e por produzir saber. Esta alegria deve também alavancar o esforço de outros para que possam participar daquilo que na Ética se confunde com o próprio bem. De modo que o método essencialmente racio-nal que podemos recolher na obra de Mário vem revelar seu modo espinosano de compreender a consciência, que tem a experiência como ponto de partida. O recurso à experiência humana é o que garante a Mário a novidade e relevância de sua obra, no contexto do Modernismo e da História da Literatura Brasileira. Aliás, Lafetá (1986, p. 61) assinala que o movimento do poema descreve “como (que) um convite à penetração compreensiva no interior da linguagem”, como se lê no verso “Pra penetrar meu cassange” para demons-trar a tese da dialética entre máscara exterior e intimidade

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e, mais especificamente, o centro temático gerador da lin-guagem poética que é, para ele, a crise de identidade do “eu lírico”. Levando-se em conta que, no caso de Mário, essa crise não é apenas do indivíduo, mas da coletividade.

É ainda no livro A costela do Grão Cão que, segundo Lafetá, o poeta sonha

um modo de vida que não oponha indivíduo e so-ciedade, que permita a expansão do prazer sobre o princípio da realidade. O texto, portanto, realiza a aspiração ao repouso e à quietude [...] e simul-taneamente ultrapassa o nível do indivíduo para colocar-se no plano mais amplo da cultura (1986, p. 199).

Trata-se da felicidade a que vimos nos referindo e está contida na confissão do poeta, precisamente, nestes versos:

Na solidão perdi-meNunca me alegrarei...E confessando que sofro,Não sei se é pela coragem,Mas tenho como uma aragemE fico bem mais feliz.(ANDRADE, 1987, p. 302)

dos quais decorre a explicação à Espinosa: a tristeza pro-veniente de um bem que pereceu é mitigada no momento em que o homem que o perdeu considera que esse bem de forma nenhuma podia ser conservado. Assim, a força do conhecimento ou autoconhecimento em Mário corresponde à força da consciência de Espinosa. Uma alma e um corpo necessários para expressar o conhecimento. E tudo isto é expresso na mais pura síntese: “Lundu do escritor difícil”.

A consciência da linguagem na obra de Mário de An-drade é causa da busca da liberdade, que já se fazia pre-sente desde os textos da juventude e perdurou até os da última fase. Mário imprimiu um papel socializador para a literatura que não era nada fácil de alcançar, especialmente,

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no contexto da primeira metade do século XX, cheio de transformações em todos os âmbitos da vida, com amplos e profundos reflexos na arte brasileira, mas que Mário de Andrade soube sintetizar para deleite dos leitores de hoje que buscam conhecimento na sua poesia.

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3. A cRIAçãO MARIOAndRAdIAnA: UM exeR-cícIO RAcIOnAl de lIbeRdAde

Se considerarmos que desde o início deste século as correntes de teoria literária reconhecem como o maior valor estético de uma obra o fato de ela romper com o normativo, o estabelecido, e de gerar, por isso mesmo, conhecimentos novos, apesar e por causa mesmo dos efeitos de estranha-mento, quando não de choque nos receptores; se levarmos em conta esse fato importante, não se poderá esquecer, em consequência, que nos anos 20 e 30 o Modernismo assu-mirá, simultaneamente, com as pesquisas etnográficas (no caso de Mário), a conquista das liberdades formais, o direito à pesquisa estética, o projeto de compreender a realidade brasileira com os instrumentos fornecidos pelas técnicas da arte de vanguarda, uma arte cosmopolita, criada e apre-ciada nos grandes centros urbanos do final do século XIX e começo do XX, além do artesanato, já comentado.

Porém, é na cidade que o homem pode ser racional e livre (afirmou Espinosa no século XVII), e só na escola desde a tenra idade a criança pode vir a ser brasileira e livre ou livre e brasileira, se quisermos ser mais práticos, no sentido político que lhe conferiu Mário de Andrade. Este é um dos aspectos mais contundentes da modernidade de ambos. Como se antecipassem a antropologia urbana que só vem a se desenvolver, no Brasil, a partir da década de 1970. E é justamente na adesão ao papel pedagógico da arte que

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Mário confirma a subordinação de sua atividade às necessi-dades sociais de um meio precário (WISNIK, 1977, p. 104). Assim, liberdade, consciência da linguagem e papel pedagó-gico do artista, principalmente, são motivos que formam o escopo sobre o qual aproximamos a obra de Mário à filosofia de Espinosa, para quem o fim a alcançar é o sumo Bem, ou seja, o conhecimento da união que a mente tem com toda a natureza (TCI). O que equivale dizer, conforme a proposi-ção XXVIII do Livro IV da Ética (ESPINOSA, 1973) que o bem supremo da alma é o conhecimento de Deus, e a suprema virtude da alma é conhecer a Deus, porque Deus é substân-cia para Espinosa e podemos inferir que também o é para Mário, sem entrar na problemática de seu catolicismo. Os versos “Eu te levava uns olhos novos/ Pra serem lapidados em mil sensações bonitas.”, do livro Clã do Jabuti resumem, a meu modo de ver, a postura criativa de Mário: isto de levar “uns olhos novos pra serem lapidados”, de “olhos novos” se equipararem a “sensações bonitas”, da relação de “uns” para “mil” é próprio do modo de ver de Mário de Andrade que tem a ver, por sua vez, com a potencialidade do conhe-cer de Espinosa.

Estes axiomas transpostos para a vivência estética e convivência com as linguagens de parte de Mário de An-drade e lido por nós em face de sua refinada consciência artística e atitude conciliadora (do individual ao coletivo, do regional ao universal) dá-nos uma mostra de um raro intelectual, para quem a perfeição, a felicidade, a alegria, ou Deus era sinônimo de busca de conhecimento do ver-dadeiro, no que se referia ao caráter brasileiro. Podemos, assim, colher em vários de seus textos procedimentos, mais que argumentos, que corroboram essa tese. A provocante teoria expressa no “Prefácio Interessantíssimo” (ANDRADE, 1987), do qual já tivemos uma mostra é ilustrativa de sua tentativa de conceituar o nacional com toda a complexidade e isto nos leva na direção de outro axioma de Espinosa: co-nhecer exatamente a nossa natureza e saber da natureza das coisas tanto quanto for necessário (TCI). Neste sentido, estudar Espinosa significa não apenas tentar compreender

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filosoficamente a eclosão da consciência moderna, como tentar compreender a vigência de suas idéias na obra de pensadores modernos como é o caso de Mário de Andrade, que pensa através da criação literária.

Joan Dassin (1978) diz, a esse propósito, que Mário indo atrás da palavra brasileira estava comprometido com uma tarefa artística que, por definição, incluía uma dimen-são política. Antonio Cândido (1985), por sua vez, se referiu ao “culto da solidariedade humana” em relação à percepção ampla de Mário frente aos problemas nacionais: dos rurais e urbanos, dos civilizados e dos primitivos, ao que Lopez (1976) explicou como um misto de criatividade individual e responsabilidade coletiva. Pois na medida da sua constante e exaustiva busca da razão, enquanto verdade essencial a ser atingida e, enquanto conhecimento do BEM, da alegria que deriva da consciência de si mesmo e do outro, fica evi-dente o significado da busca da identidade nacional. Sua vir-tude é espinosana enquanto se esforça por procurar o que é útil, conservando o seu ser e o do outro que, segundo a proposição XX do Livro IV da Ética (ESPINOSA, 1973) é a pró-pria potência humana que se define pelo fato de o homem esforçar-se por perseverar no seu ser. Neste caso, esforço constituído de árduo trabalho de pesquisa, catalogação, criação e reflexão crítica. Algumas produções são exemplos dessa obstinação e empenho: A Enciclopédia Brasileira (1993) e a Gramatiquinha (1990), trabalhos que demanda-ram um esforço raro de se encontrar nas letras brasileiras.

Assim, retomando a ideia de Espinosa de que o prêmio da virtude é a própria virtude, compreenderemos melhor as colocações acima e verificaremos que, de certo modo, desde a fase egotista (INGARDEN, 1973) de leitura, passando pela fase de atualização dos significados, aquela em que tenta-mos captar o sentido intencionado do texto, até alcançar a fase de cognição estética, a obra de Mário de Andrade tem propiciado a inclusão da experiência do leitor no texto, fato ainda a ser melhor explorado. Essas considerações nos levam ao que dirá Octavio Paz (1914-1998): el hombre es un ser de palabras, como forma de compreender o modo

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de pensar da modernidade, através do exercício racional de liberdade. Este método pode ser apreciado também em ou-tros modernos como Borges e Fernando Pessoa, o que dá a medida da importância do pensamento de Espinosa para a Modernidade. O poema de Borges (1899-1986) “Espinosa”, cujo verso “Sigue erigiendo a Dios con la palabra” é prova dessa afirmação e no caso de Pessoa, suas ideias sobre consciência e matéria expressadas na fórmula: Deus e pen-samento = verdade; Deus e número = infinito se aproximam do conceito de substância de Espinosa.

Mas é na afirmação de que

o método nada mais é do que o conhecimento re-flexivo ou a idéia da idéia; e porque não existe uma idéia da idéia a não ser que exista previamente uma idéia, logo o método não existirá se não hou-ver antes uma idéia. Donde será bom o método que mostre como a mente se deve dirigir, segundo a norma de uma idéia verdadeira existente (GAR-CÍA, 1986, p. 84),

que reside a aproximação mais contundente com o modo de criação de Mário de Andrade, pois a sua pesquisa da forma na poesia é a causa das suas ideias e das ações da crítica literária que também exerceu com grande interesse, sendo a contrapartida do criador e a complementaridade desse exercício.

A crítica de Mário é exigente e nem mesmo nomes célebres são poupados à honestidade dos julgamentos e à franqueza dos comentários. Inclui-se aí Machado de As-sis, Castro Alves, Bilac, Silvio Romero (ANDRADE, 1987, p. XI). Em sua declaração de princípios “Começo de Crítica” (Diário de Notícias, 1939), Mário define a intenção de “ser de alguma forma útil” através de uma diretiva “nem exclu-sivamente estética nem ostensivamente pragmática”. Uma crítica liberta, sem enquadramentos, que alcance a base da criação, na singularidade de cada obra. Da proposta à prática, Mário procurou, nas obras focalizadas, o equilíbrio entre a beleza e a consciência social. Consequentemente, a

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técnica foi o “cavalo de batalha” do crítico no Diário de No-tícias, num tempo de “liberalismo artístico” que confundia o experimentalismo modernista com ignorância e negligência. Nessa ocasião, Mário comenta: “Sei bem que a complexi-dade atordoante do fenômeno artístico não implica apenas forma, porém sei também que é especialmente da técnica e da forma que vem o prazer da beleza.” (apud SACHS, 1993, p. XII). Além da técnica literária, a crítica de Mário de An-drade exige dos escritores uma verdade artística capaz de garantir à obra coerência e autonomia. Talvez se encontre aí o impasse da sua comunicação com o leitor não iniciado.

Tanto o trabalho literário quanto a crítica literária se norteiam por esse binômio: Arte/verdade e beleza/utilidade. “Vontade de arte”, mais do que “vontade de verdade” era a sua bandeira, mas apesar da sua vontade, ele alcançou a verdade dentro do racionalismo e, consequentemente, a relação com a filosofia de Espinosa. Pois o fio ideológico que amarra suas convicções – compreensão da função social da arte e do papel da crítica – levaram-no a uma autoavaliação: o princípio de utilidade regeu sempre a minha vida pública (apud SACHS, 1993, p. XIV). O pensamento de Mário movi-menta-se em reflexão incansável e apoia-se em uma hones-tidade intelectual muito clara. Os princípios permanecem sem se cristalizar, e a todo instante o crítico se questiona.

De fato, a inquietação de espírito e a disposição de mudança em Mário sempre se destacam e encantam pelo que revelam de humanidade. Para ele, a crítica é uma inven-ção sobre um determinado fenômeno artístico e a obra de arte é uma invenção sobre um determinado fenômeno na-tural (SACHS, 1993, p. XIII). Língua e cultura, portanto, são aspectos de uma mesma verdade. O crítico João Luiz Lafetá mostra ainda em seu livro 1930: a crítica e o Modernismo (1974) que o caminho dessa busca de consciência da lin-guagem por parte de Mário de Andrade, em última análise, é a busca mesma da essência humana, posto que a autocons-ciência, o conhecer-se como arte, o saber-se linguagem são os traços comuns e definidores da modernidade de Mário. De certa maneira, a mesma de Espinosa, na medida em que

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foi ele quem iniciou a crítica filosófica pela análise da lingua-gem, isto é, pela análise dos textos bíblicos e sobre os textos bíblicos. Suas posições, no âmbito da metafísica, se pren-dem aos sistemas filosóficos e não a credos e engajamentos dogmáticos. Numa outra perspectiva, Mário, considera que na vida individual e coletiva o saber e, mais que tudo, o co-nhecer se confunde com impulsos na direção da liberdade humana; muito semelhante por sinal à ética de Espinosa. Consideração esta que aponta para uma solidariedade, no melhor estilo espinosano, por um lado:

[...] tendo a adquirir uma natureza assim (união mente/natureza) e esforçar-me porque muitos a adquiram comigo, isto é, pertence também a minha felicidade fazer com que outros entendam o mesmo que eu, a fim de que o intelecto deles e seu apetite convenham totalmente com o meu intelecto e o meu apetite (ESPINOSA, TCI, p. 78).

E, por outro, em compensação, ele dá razão ao indivi-dualismo que lhe atribuíram ao tecer o seguinte comentário:

Abandonei, traição consciente, a ficção, em favor de um homem-de-estudo que fundamentalmente não sou. Mas é que eu decidira impregnar tudo quanto fazia de um valor utilitário, um valor prá-tico, de vida, que fosse alguma coisa mais terrestre que ficção, prazer estético, a beleza divina. Mas eis que chego a este paradoxo irrespirável: tendo deformado toda a minha obra por um anti-individu-alismo dirigido e voluntarioso, toda a minha obra não é mais que um hiperindividualismo implacá-vel. (ANDRADE, 1931, p. 254).

Para os leitores, uma mostra da sua contradição, que também havia, mas que é complementária e identitária.

A diversidade da obra de Mário não deixa dúvida, portanto, sobre a alegria que, paradoxalmente, se exprime numa busca incansável de conhecimento, de sistematiza-ção, de tomada de consciência do conhecimento em si e de

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seu modo de conhecer, traduzido em reiterados e declara-dos estados, não de uma alegria fácil, porque, para ele nada era fácil. Além disso, a obra de Mário de Andrade demons-tra entender ou ter apreendido outro axioma espinosano: “quanto mais coisas a mente conhece, tanto melhor intelige as suas forças e as da natureza; quanto melhor, porém, es-tende as suas forças, mais facilmente pode abster-se das coisas inúteis. E nisso, consiste todo o método” (ESPINOSA, 1973, p. 59) e toda possibilidade de confrontação do pas-sado com o presente que, em Mário constitui o princípio fundante de seu pensamento. O poeta norte-americano T. S. Eliot (1888-1965), outro escritor moderno, explica essa atitude da seguinte maneira: alargamos nossa concepção do passado e, à luz daquilo que é novo, vemos o passado de um jeito novo.

Porém é no “Prefácio interessantíssimo”, mais uma vez, onde Mário comenta “a nós compete esquematizar/metodizar as lições do passado” e em seguida fornece uma riqueza de exemplos, cujo objetivo é separar as ideias falsas da verdadeira. O discurso do “Prefácio”, em última instân-cia, se constitui numa apologia ao método, ou seja, não julgar nenhuma coisa útil, senão aquela que conduz ao co-nhecimento verdadeiro, no melhor sentido espinosano, pois acrescenta: “Parece que sou todo instinto. Não é verdade./ Há no meu livro e não me desagrada, tendência/ pronun-ciadamente intelectualista.” (ANDRADE, 1987, p. 73). Trata--se de uma confissão de fé, em última instância, pois este “Prefácio (realmente) interessantíssimo” forma com “A cos-tela do Grão Cão” textos privilegiados para esclarecerem a sutileza de seu pensamento ao estabelecer diferença entre inspiração e consciência, por exemplo, ou entre imaginação e intelecto. Assim: “A inspiração é fugaz, violenta/qualquer empecilho a perturba e mesmo emudece/E, consciente não é defeito, mas meio legítimo de expressão” (ANDRADE, 1987, p. 63). Em face dessa profunda convicção de Mário de Andrade é inevitável aproximar seu conteúdo da proposição XXI (Livro IV da Ética): “ninguém pode desejar ser feliz, agir bem e viver bem que não deseje ao mesmo tempo ser, agir

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e viver, isto é existir em ato”. No nosso entendimento, o fazer poético de Mário como de resto o dos modernistas em geral está em acordo com essa proposição, porém, Mário podia, na opinião de Mário da Silva Brito (1978), ser reduzido a um só; o ser moral que foi dominante em sua personalidade.

No entanto, Mário era múltiplo, pois da poesia saltava para a crítica e desta para a música, conto e romances, libretos de óperas, poemas corais, crônicas e ensaios. A sociologia interessava-lhe tanto quanto o folclore e a polí-tica, quando vista do ângulo da teoria; da estética musical, literária, das artes plásticas. Foi historiador e biógrafo, cola-borador de jornais e revistas. Também fazia digressões con-cernentes à técnica literária, à criação poética, à psicologia nacional. Professor do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e da extinta Universidade do Distrito Federal. E escreveu coisas do tipo: “Namoros com a Medicina: terapêu-tica musical e a medicina dos excretos”. “Um despropósito de atividades” – como ele gostava de dizer ou ampliar como em “Eu sou trezentos, sou trezentos e cinquenta”. Também para Kossovitch (1990), todos esses esforços e inquieta-ções especulativas unificavam-se na consciência ética que lhe avassalava o espírito.

Brito e Kossovitch concordam então, que, para Mário de Andrade, a arte era igual ao processo de conhecimento muito mais efusivo que a ciência. O exame estético, linguís-tico, folclórico, ético e mais a análise psicológica são meios para chegar a uma conceituação moral da inteligência. Para Brito, em especial, Mário era um moralista, no melhor e mais rico sentido da palavra, tendo em vista suas preocupações com os problemas formais e muitas são as suas alusões às questões pertinentes à fatura literária e suas consequên-cias. Chama a atenção seu apelo ao valor do artesanato e ao cumprimento das exigências seletivas da arte. No enten-der de Kossovitch, por sua vez, a obra de Mário obedece à seguinte equação: a obra participa da técnica do intelectual – o artesanato + as técnicas tradicionais adquiridas pelo es-tudo + a técnica pessoal + o processo de realização do indi-víduo – tudo advindo da moralidade profissional. Em suma,

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Mário amava a estética e não o esteticismo. Em O Banquete (1989), livro inacabado de Mário de

Andrade, por causa da morte do autor em 1945, também aparece indicada que a forma do texto era a de “um diálogo estético-filosófico” e ao mesmo tempo “é quase um conto filosófico”, segundo Coli e Dantas (apud ANDRADE, 1989, p. 12). Essas afirmações de dois bons estudiosos da estética e da cultura brasileira confirmam que as reflexões filosóficas sempre acompanharam a criação de Mário e, estas sempre se valeram do profundo conhecimento dele sobre as con-quistas estéticas, tanto do ponto de vista mais geral da arte ocidental como de um ponto de vista mais específico – o do sistema literário brasileiro.

Neste sentido, observamos que Mário, dando continui-dade à formação do romance brasileiro, herda de Machado de Assis a percepção da complexidade do leitor (GUIMA-RÃES, 2004), já intuída por outros escritores do século XIX e o subssume no interior do texto de Amar, verbo intransitivo, conferindo-lhe particular tratamento. A narrativa, por sua vez, se constrói no entrelaçamento de quadros com formas dialogadas, quer seja entre personagens ou através dos co-mentários retóricos do narrador com o leitor ficcionalizado, ou as inúmeras e complexas digressões; a estrutura expres-sionista semelhante à linguagem cinematográfica, baseada numa concepção de arte que opõe “técnicas do acabado” e “técnicas do inacabado” – as primeiras, afirmativas e dogmáticas, indiscutíveis; as segundas, insatisfeitas, “mal-tratam, excitam o expectador e o põem de pé, prestes para o combate” (COLI; DANTAS, 1989, p. 31). Concepção, aliás, bastante explorada por Mário de Andrade no conjunto de sua obra e muito rentável do ponto de vista da formulação de uma ética particular ou a caminho da construção de um caráter – o brasileiro – por opor antinomias nuas e cruas, sem comentários, deixando que o leitor tire suas próprias conclusões.

No dizer de Darcy Ribeiro, a liberdade está represen-tada em Macunaíma, num “acesso de alegria incontida”. A propósito, sugeriu em seu texto “Liminar Macunaíma” que

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a “qualidade maior de Macunaíma é dar expressão à ale-gria brasileira” (apud ANDRADE, 1988, p. XX) e do mesmo modo se referiu ao erudito leitor, viajador, exilado (Mário de Andrade) que constrói sua rapsódia gozando, mentindo, maliciando, enganando e, mais que tudo, expondo a cons-ciência popular brasileira “inviolável, insubordinável”, que não se deixa invadir e dominar. Os comentários de Darcy funcionam neste texto como glosas para o meu mote: felici-dade e liberdade cavadas na leitura, nas viagens e na me-ditação, ou seja, no conhecimento. Nesta circunstância ou situação é que encontramos vazios para empreender uma discussão sobre o sentido da alegria na cultura brasileira, tendo a obra de Mário de Andrade como posto privilegiado de observação.

Tendo a concordar com Darcy Ribeiro, apesar de toda a produção sobre a tristeza do brasileiro, que teve seu ponto alto com o Retrato do Brasil (1928) de Paulo Prado, o con-traponto ensaístico à ficção de Macunaíma. As razões são de caráter filosófico. Mário tem plena consciência da pro-blemática da inércia, da vacuidade do brasileiro represen-tada por Macunaíma, mas seu livro recusa-se a antecipar soluções, como se a este tempo correspondesse apenas isto: aceitar a preguiça como uma forma original de ser e de estar no mundo. Se Paulo Prado, em sua ilusão de revolu-ção, não chega a colocar o problema em termos de classes sociais e nem fala do proletariado, conforme comenta Ligia Chiappini (2000, p. 308), é porque não há proletariado que mereça esse nome no Brasil de 1920 e Mário atento a esse momento de crítica possível sobre o Brasil dá a solução pos-sível para o Macunaíma. Quer seja a não solução, marca mesmo de sua especificidade e de sua abertura (CHIAPPINI, 2000). O fato de transformar em ação, a dissertação de Paulo Prado, Mário já aponta na direção de uma alegria de compor que não há em Retrato do Brasil. Ao contrário, como afirma também Chiappini: a saída do livro é romântica, em relação a tudo o que Prado esteve combatendo. Já a de Ma-cunaíma é expressionista, se nos detivermos, por exemplo, nas grotescas situações (episódio da piscina de Venceslau

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Pietro Pietra), tão bem recriadas por Joaquim Pedro de An-drade, em seu filme homônimo.

Nossa posição segue o argumento de Chiappini de que a preguiça, mesmo sendo apresentada como defeito, acaba por exercer uma sedução “ao ponto de insinuar-se como valor novo de uma civilização sob novas bases”. Ao aceitar, portanto, a tensão das características tanto psico--fisiológicas da personagem como dos diversos tipos de discursos constitutivos da narrativa, Mário acena para uma atitude mais positiva que negativa. Olha para frente, não subordina, nem lamenta, mostra a ambiguidade, deixa que ela apareça; com isto cria ao modo popular – criatividade coletiva – e valorizando esse modo lúdico, aparentemente despretensioso reafirma a alegria, abrindo, no meu modo de ver, a perspectiva do leitor. Pois, a tensão inerente ao homem e, neste caso, mais especificamente, a tensão entre os dois tipos de mentalidade a lógica e a alógica, constata-das por Mário, podem ser experimentadas pelo leitor como uma manifestação da alegria de ser quem somos e aí vai uma dose de esperança, por parte de Mário, que reforça a alegria de conhecer.

Aceitando mais uma vez que a alegria leva à felici-dade, enquanto a tristeza leva à melancolia, não me parece que esta constitua traço predominante de nossa gente, por-que em oposição a essa tendência interpretativa também há a contrária, a do brasileiro cordial. Para Mário, nem uma nem outra, ambas estão em tensão. Daí a importância do Modernismo, inequivocamente, um momento afirmativo da cultura brasileira, no qual é possível expressar essas contra-dições e ao mesmo tempo ter espaço para a valorização dos traços indígenas e africanos, sem anular os europeus. Por-que a mestiçagem é isto, são todos os elementos reunidos. Cada uma das forças se impõe em seu momento, em outros, elas se tensionam e, desses movimentos da história, sur-gem estados predominantemente de alegria ou de tristeza. Com base, portanto na predominância podemos dizer que o brasileiro está mais para alegre do que para triste e Mário, além de ter sabido captar essa dualidade, como bom bra-

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sileiro, expressou-a com uma felicidade indiscutível. Mário confessou-a mais de uma vez e, embora se possa seguir dis-cutindo o porquê de Macunaíma virar estrela – fato que, por si só, não é positivo nem negativo –, o leitor pode constatar o mesmo que Darcy Ribeiro: o “[...] visível o prazer com que ele (Mário) compôs sua rapsódia – muito sorri escrevendo, confessou – se dando liberdades inimagináveis antes dele, tanto para fantasiar, brincalhão, como para questionar, im-plicar, ironizar.” (ANDRADE, 1988, p. XX). Nisto, parece não haver discordância entre os críticos, porque sua arte é de oposição ao que havia. Sua expressão subjetiva e interiori-zante da realidade revela um expressionismo à brasileira, desesperado sim, mas portador de uma potencialidade es-tética e de reflexão ainda por explorar.

As semelhanças, portanto, entre esses dois constru-tores da modernidade se estendem à recepção, ao que Mi-guel Batista Pereira comentou: “a história da recepção de Espinosa distingue-se pela pluridimensionalidade. Por isso a compreensão de sua obra não deve padecer de leituras limitativas, que lhe sacrifiquem universalidade.” (apud JOR-DÃO, 1990, p. 19). Husserl, por sua vez, chamou a ética de Espinosa de “a primeira ontologia universal” e Jaspers de-finiu Espinosa como “um metafísico que pensa a partir da origem”. Quanto à fortuna crítica de Mário, ela nos revela esta mesma variedade e heterogeneidade dos estudos, nos quais não é difícil destacar a atenção com o rigor moder-nista relacionado às origens, o que nos instiga a compre-ender melhor a recepção de sua obra, além da imanência, já bastante estudada e com muito ainda por estudar. Daí decorre a pergunta: Mário de Andrade: escritor difícil? A res-posta, cada leitor encontrará a sua, a partir da necessidade de aceitar a dificuldade e a insegurança da escolha inter-pretativa. O impulso resultante fará o resto, bastará vibrar a necessidade de encontrar o melhor método se a virtude da mente for mesmo o conhecer. Quanto à felicidade, Mário declara em Aspectos da literatura brasileira: “Não tenho a mínima reserva em afirmar que toda a minha obra repre-senta uma dedicação feliz a problemas do meu tempo e mi-

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nha terra” (p. 252), ao que Espinosa completaria: de minha gente.

Isto posto, verificamos que a obra de Mário tem essa marca da inquietação e que a sua obra se não é prima, é desafiadora, naquilo que tem de esforço de criação, de exer-cício de conhecimento e que a mensagem está justamente em que o difícil é o aprender, pois todo difícil é fácil, mas se houver uma determinação, o conhecimento será alcançado. O mais curioso é que no poema “O lundu do escritor difícil”, a parte as brincadeiras (jogos de palavras: sons e sentidos) que justificam o lundu, as sugestões para o destinatário são muito simples “é só tirar” e diretas “fale – enxerga” e expressam uma confiança na vontade, na capacidade de conhecer desse destinatário “Abasta a gente saber”. O sen-tido de “abasta” – esse vocábulo popular, muito usado pela fala inculta da gente brasileira carrega uma força de pré--condição inquestionável para o aprender, também subver-tido pelo uso do verbo saber em seu lugar, e que pode estar escondendo, além disto, o sentido de querer. Isto é: para aprender, basta querer.

Desta maneira, “se a virtude da mente é conhecer” (Espinosa), então basta querer (Mário de Andrade). Essa premissa nos permitiu, portanto, chegar à compreensão de que o leitor previsto pelo texto modernista tem estreita relação com a proposição espinosana da prevalência da ati-vidade sobre a passividade, o que reforça também a noção, difundida, hoje, pelas várias teorias sobre a recepção, de que o leitor é partícipe, portanto agente do ato de constru-ção de sentido do texto. Exemplos não faltam na obra de Mário. Já os epítetos de alguns livros chamam atenção para uma chave de leitura que vai além das convenções preconi-zadas pelo gênero romance e instigam o leitor a lançar mão de algo ao mesmo tempo antigo e inusual (idílio, rapsódia), se quiser dar conta das disposições modernistas, por si só, transgressoras.

Daí acreditarmos em uma profícua investigação sobre o leitor, uma vez que no contexto do Modernismo não ape-nas a postura dos escritores e sua relação com a criação é

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alterada, mas, acima de tudo, espera-se que o leitor seja sacudido. Desse modo, a preocupação com os três elemen-tos envolvidos no processo literário (criador - obra - público), como Antonio Cândido assinala em Formação da Literatura Brasileira, faz do Modernismo não só um momento de avanço e adensamento do sistema de produção literária no Brasil, mas também de um avanço na direção de uma maior participação do leitor na malha mesma do texto.

Concluindo, em comum com esses dois grandes pen-sadores (cada um a sua maneira) temos “por bem, entender aquilo que sabemos com certeza ser-nos-útil” (ESPINOSA, Ética IV). Daí a emulação, que nada mais é do que o desejo de alguma coisa engendrando em nós, em virtude do fato de imaginar que outros semelhantes a nós têm o mesmo desejo. Desejo de conhecimento que se realiza com a liber-dade que, por sua vez, gera felicidade – um processo de conhecimento: difícil e prazeroso. E chega de urubutinga, vamos é ler Mário de Andrade.

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pOlítIcA edItORIAl

A Série Cogitare foi criada com o objetivo de divulgar a contribuição de pesquisadores que tenham participado de atividades junto aos cursos de Mestrado e Doutorado em Letras da UFSM, na forma de palestras, conferências e outros trabalhos de pequena extensão. Também visam à produção de textos teóricos ou críticos produzidos por professores vinculados às linhas de pesquisa do PPGL - UFSM.

Esses trabalhos devem ser resultado de projetos vinculados às linhas de pesquisa do Programa de Pós- Graduação em Letras, permitindo, assim, a divulgação de alguns resultados produzidos pela investigação nas áreas de Estudos Lingüísticos e Literários da UFSM.

A publicação de traduções deverá complementar os textos já pertencentes ao domínio público, relacionados à pesquisa desenvolvida pelo Programa, e que contribuam para fomentar novas perspectivas. Devem apresentar prefácio que justifique a importância do texto e sua vin-culação com o trabalho de pesquisa desenvolvido pelo tradutor.

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VOlUMeS pUblIcAdOS

Volume 1A Dama, a Dona e uma outra SórorMaria Lúcia Dal Farra

Volume 2Sartoris:A História na Voz de quem Conta a HistóriaVera Lucia Lenz Vianna

Volume 3A Fronteira e a Nação no Séc. XVIII: Os Sentidos e os DomíniosEliana Rosa Sturza

Volume 4O Outro no (In)traduzível / L’Autre dans l’Intraduisible (Edição Bilingüe)Mirian Rose Brum-de-Paula

Volume 5Pero Sigo Siendo el Rey: Referente e Forma de RepresentaçãoFernando Villarraga Eslava

Volume 6Aquisição, Representação e AtividadeMarcos Gustavo Richter

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Volume 7Da Corpografia: Ensaio Sobre a Língua/Escrita na Materia-lidade Digital Cristiane Dias

Volume 8Perspectivas da Análise de Discurso Fundada por Michel Pêcheux na França: Uma Retomada de PercursoAna Zandwais

Volume 9Mitos, Héroes y Ciudades: ecorridos Míticos por Algunas Ur-bes LiterariasPablo Molina

Volume 10Mário Peixoto: O Escritor de Permeio com a CríticaAndré Soares Vieira

Volume 11Manuscritos de linguistas e genética textual : quais os de-safios para as ciências da linguagem? : exemplo através dos “papiers” de BenvenisteIrène Fenoglio

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIAPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

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97105-900 – Santa Maria, RS – BrasilFone: 55 3220 8359

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UFSM - 2013


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