PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – MESTRADO E D OUTORADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICA S PÚBLICAS
Aline Burin Cella
CONSÓRCIOS PÚBLICOS INTERMUNICIPAIS COMO MECANISMOS DO
FEDERALISMO: A PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS TRIBU TÁRIAS DE
COMBATE À GUERRA FISCAL BASEADAS NA SOLIDARIEDADE S OCIAL
Santa Cruz do Sul, RS, dezembro de 2009
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Aline Burin Cella
CONSÓRCIOS PÚBLICOS INTERMUNICIPAIS COMO MECANISMOS DO
FEDERALISMO: A PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS TRIBU TÁRIAS DE
COMBATE À GUERRA FISCAL BASEADAS NA SOLIDARIEDADE S OCIAL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado – Área de concentração em Políticas Públicas – da Universidade de Santa Cruz do Sul, como requisito para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Hugo Thamir Rodrigues
Santa Cruz do Sul, RS, dezembro de 2009
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Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito
como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão
organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.
Bertold Brecht
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Aos meus pais, fontes de carinho,
inspiração, coragem e conforto. Com o amor de sempre.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus familiares pelo amor, incentivo e compreensão,
fundamentais durante todo o Mestrado e, especialmente, naquele momento em que
as adversidades pareciam insuperáveis, guiando-me pelos caminhos da serenidade.
Agradeço aos meus colegas de trabalho pela dedicação, apoio e tolerância nos
momentos em que estive ausente, que me permitiram concluir mais uma etapa de
aprendizado.
Agradeço ao professor Doutor Hugo Thamir Rodrigues, meu orientador, pelo
incentivo e seriedade na condução deste trabalho, qualidades que merecem respeito
e admiração.
Agradeço à professora Sandra Beatriz Koelling, pela criteriosa revisão do
trabalho.
Agradeço aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito –
Mestrado e Doutorado, pelo aprendizado oportunizado.
Agradeço aos colegas, pelas amizades construídas e pelas experiências
vividas.
Agradeço à Coordenação e Secretaria do Mestrado, pela presteza e dedicação
durante todo o curso.
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RESUMO
O estudo objetiva verificar a possibilidade de criação dos consórcios públicos intermunicipais como instrumentos de cooperação do federalismo, visando o combate à guerra fiscal, no âmbito da Constituição Federal de 1988 e da Lei 11.107/05. A abordagem centra-se na posição dos municípios como entes autônomos e as suas políticas tributárias, especialmente as extrafiscais, que através de incentivos, isenções ou imunidades podem modificar comportamentos para atrair investimentos privados, mediante renúncias fiscais, sob a falsa idéia de desenvolvimento econômico. A pesquisa parte da análise da realidade social, de conhecimento preestabelecido, buscando-se inicialmente o contexto municipal e sua caracterização como ente que possui organização própria, com capacidade de administração, de receita e de legislação. Estes aspectos reforçam a posição dos municípios como entes capazes de contratar consórcios e de realizar políticas públicas cooperadas, sem a necessidade de intensas ofertas de benefícios fiscais. Todo o arcabouço defendido assenta-se sobre o pano de fundo da solidariedade prevista no artigo 3º., III da CF/88, aplicado à matéria tributária, baseado na idéia de que todos, guardadas as devidas exceções, devem contribuir, pagando impostos, para a realização do Estado fiscal, pois não há Estado sem tributação. Sem o financiamento fiscal não haverá realização dos direitos fundamentais, nem a devida prestação dos serviços públicos. Apresentam-se, então, os consórcios públicos, que podem ser criados entre os vários níveis da federação, como meios de realização de políticas públicas para combate à guerra fiscal e de desenvolvimento nacional cooperado e não competitivo.
Palavras-chave: Consórcios; políticas públicas; guerra fiscal
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RIASSUNTO
Lo studio ha per oggeto controllare la possibilità della contratazione pubblici consorzi dei comuni come strumenti della cooperazione alla federazione per la bataglia contro la guerra fiscale, davanti alla Constituzione Federale de 1988 e della Lege 11.107/05 che ha creato i pubblici consorzi. L’abbordo ha come punto centrale la posizione dei Comuni come ente autonomo ed le fiscale politiche especialmente quelle che non cercano risparmiare soldi, ma che sopratutto attraverso gli stimoli, dispensa o immunità puossono stigare condotta ed investimenti privati contro sacrificio fiscale. Il lavoro parte del contesto sociale ed premesse logiche, essendo, soltanto, oggeto d’affronto iniziale i Comuni ed sue carateristiche come enti che hanno le proprie organizazione, capacità amministrazione, ricette ed legislazioni. Questi aspetti fanno riforzare la posizione dei Comuni come enti in grado di contrattare consorzi ed effetuare pubbliche politiche di cooperazione, senza la necessità di offrire intensi benefici fiscali. Tutta questa costruzione ha come sfondo il principio della solidarietà che sta nell’articollo 3°., III della Costituzione della Repubblica Federativa del Brasile applicato sull’idea che tutti, con le sue eccezioni, dovrebbe contribuire con il pagamento delle tasse alla realizzazione dello Stato fiscale, perchè non ha Stato senza le tasse. Senza i finanziamenti non ci sarà la realizzazione fiscale dei diritti fondamentali, oppure l'effettiva fornitura di pubblici servizi. Sono presentati, così, i pubblici consorzi, che potrebbero crearesi tra i diversi livelli di governo, come mezzo per realizzare politiche pubbliche, con l'accento nei Comuni, come un meccanismo per la lotta contro la fiscale guerra ed nazionali sviluppo cooperativo e non competitivo.
Parole-chiave: consorzi; pubblici politici; guerra fiscale
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LISTA DE ABREVIATURAS
IE Imposto de exportação
II Imposto de importação
IRPF Imposto sobre a renda de pessoa física
IRPJ Imposto sobre a renda de pessoa jurídica
IPTU Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana
ITR Imposto sobre a propriedade territorial rural
ISS Imposto sobre prestações de serviços de qualquer natureza
ICMS Imposto sobre operações de circulação de mercadorias e prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações
IPVA Imposto sobre a propriedade de veículos automotores
IPI Imposto sobre produtos industrializados
CIDE Contribuição interventiva no domínio econômico
COFINS Contribuição para financiamento da seguridade social
COSIP Contribuição para o custeio de serviços de iluminação pública
ITCMD Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens e
direitos
ITBI Imposto sobre a transmissão de bens imóveis
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
CF/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
CPMF Contribuição sobre as movimentações financeiras
IOF Imposto sobre operações financeiras
IGF Imposto sobre grandes fortunas
DF Distrito Federal
PPP Parcerias público-privadas
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................... 11
1 O FEDERALISMO BRASILEIRO E A AUTONOMIA MUNICIPAL..................... 14
1.1 Um sistema jurídico de princípios e normas................................................... 14
1.2 Os princípios federativo e republicano............................................................ 17
1.3 Conceito e função social do município............................................................ 22
1.4 A competência tributária.................................................................................. 28
1.5 A repartição da competência e da receita tributária........................................ 32
1.5.1 Tributos federais........................................................................................... 35
1.5.2 Tributos estaduais........................................................................................ 36
1.5.3 Tributos municipais...................................................................................... 37
1.5.4 Tributos do Distrito Federal.......................................................................... 37
1.6 O espaço local e a participação dos atores sociais........................................ 38
2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS TRIBUTÁRIAS DE INCLUSÃO SOB A ÓTICA DA
SOLIDARIEDADE SOCIAL................................................................................... 45
2.1 As políticas públicas e o cenário mundial no fim do século XX...................... 52
2.2 Política e políticas públicas: conceito e formação........................................... 60
2.2.1 O conceito de política................................................................................... 60
2.2.2 A formação das políticas públicas................................................................ 61
2.2.3 As dimensões das políticas públicas em seus aspectos conceituais........... 63
2.3 As políticas públicas tributárias ...................................................................... 65
2.3.1 Funções dos tributos: fiscalidade, extrafiscalidade e parafiscalidade.......... 65
2.4 Solidariedade social e políticas tributárias...................................................... 70
2.5 Guerra fiscal: o aprisionamento dos municípios............................................. 76
3 OS CONSÓRCIOS PÚBLICOS COMO VIA PROMOTORA DE POLÍTICAS
PÚBLICAS ............................................................................................................ 78
3.1 Consórcios públicos, convênios e operações urbanas consorciadas............. 80
3.2 A gestão associada dos serviços públicos: as dissidências sobre a
constitucionalidade da lei 11.107/2005................................................................. 84
10
3.3 A personalidade jurídica nos consórcios públicos: uma abordagem sobre a
associação pública e a pessoa jurídica de direito privado.................................... 86
3.4 Consorciados, área de atuação e objetivos dos consórcios públicos............. 89
3.5 As figuras contratuais dos consórcios públicos............................................... 91
3.5.1 Breves anotações sobre a teoria geral dos contratos.................................. 92
3.5.2 A teoria geral dos contratos administrativos................................................ 93
3.5.3 Os contratos consorciais em espécie........................................................... 94
3.5.3.1 O protocolo de intenções.......................................................................... 94
3.5.3.2 O contrato de rateio................................................................................... 97
3.5.3.3 O contrato de programa............................................................................ 99
3.6 Os consórcios públicos e a responsabilidade fiscal........................................ 100
3.7 A participação social nos consórcios públicos................................................ 102
3.8 Os consórcios públicos intermunicipais como via promotora de políticas
tributárias de inclusão social, baseados no federalismo e na solidariedade
social..................................................................................................................... 104
CONCLUSÃO........................................................................................................ 111
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 116
11
INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem a finalidade de estudar, limitada ao âmbito da
Constituição Federal de 1988, a formação de consórcios públicos intermunicipais
como instrumentos de combate à guerra fiscal mediante a ótica de federalismo
cooperativo, utilizando-se das políticas tributárias baseadas na solidariedade social
como dever de contribuir para a realização do Estado e dos direitos fundamentais.
Por muito tempo questionou-se, e ainda se questiona na doutrina, a inserção
dos municípios na estrutura organizacional da federação como entes autônomos e
federados. Essa celeuma deu-se sob os aplausos e constrangimentos da adoção da
federação trina no Brasil, por destoar do modelo federado tradicional.
Por terem sido contemplados pela Constituição, com a competência para
estabelecer suas próprias receitas, os municípios são considerados entes federados
dotados de autonomia para gerir os problemas no âmbito mais próximo dos
cidadãos. Entretanto, na consecução de tal autonomia, percebe-se a prática de
políticas tributárias incompatíveis com a ideia do federalismo, na medida em que os
municípios lutam entre si, egoisticamente, na busca de progresso econômico,
fomentando uma guerra fiscal.
Aparentemente, a guerra fiscal baseada na extrafiscalidade tributária favorece
a atração de investimentos econômicos através da instalação de empresas em
determinado município, onde as renúncias fiscais seriam superadas pela geração de
empregos que poderiam propiciar a redução das desigualdades e a melhoria na vida
dos cidadãos, o fortalecimento de empresas e arrecadação tributária. Porém, na
maioria das vezes, as consequências são evidentemente mais danosas que
benéficas. Economicamente, a guerra fiscal não passa de um artifício que, ao buscar
maior eficiência econômica, traz, sim, apenas custo social mais elevado, pois,
reflete-se na diminuição da qualidade dos serviços públicos.
Assim, a guerra fiscal deve ser combatida com mecanismos de ajuste e
cooperação entre os municípios, diminuindo as tensões regionais, eliminando a
necessidade de competição que prejudica os munícipes.
12
Os consórcios intermunicipais resultam da articulação de interesses específicos
e localizados, e devem ter como objetivo uma política pública. Para sua formação, é
elementar a identificação de um fator carecedor comum a todos aqueles que
pretendem se consorciar, bem como a oportunidade e a conveniência da atuação da
Administração Pública. A lei 11.107/05 que criou esta figura dos consórcios públicos
e foi regulamentada pelo Decreto 6.017/07 pode viabilizar esse ajuste entre os
municípios e outros entes federados.
O trabalho desenvolve-se a partir da constatação da posição dos municípios
como entes federados, tendo como marco temporal a Carta Constitucional de 1988.
Segue ao abordar a solidariedade social como princípio para a construção de
políticas públicas tributárias inclusivas e de combate à guerra fiscal, por representar
retrocesso ao federalismo, que se entende, deva atuar de forma coordenada e
cooperada para a construção do Bem Comum.
Na parte final, o trabalho visa a apresentar os consórcios públicos como
possíveis instrumentos para a coordenação federada em todos os níveis,
especialmente na forma intermunicipal, bem como as fases de sua elaboração.
Esta pesquisa adota o método dedutivo, considerando, especialmente, que o
estudo não parte de meras conjecturas abstrativas, mas da observação do contexto
social e jurídico real e atual, ou seja, há uma prévia concepção formulativa como
ponto de partida.
A problemática central aqui desenvolvida reside na viabilidade da adoção dos
consórcios públicos como ferramentas de combate à guerra fiscal, através da
modificação do comportamento tributário dos entes federados, com vistas à
cooperação nacional.
Para fins didáticos e metodológicos este trabalho encontra-se estruturado em
três capítulos, destinando-se o primeiro a análise do município como ente autônomo
e integrante do federalismo, enquanto no segundo abordam-se as políticas públicas
tributárias e a solidariedade social como princípio de dever de todo cidadão em
contribuir para as despesas do Estado, como realização da cidadania e meio hábil
13
ao controle da extrafiscalidade dos tributos. O último capítulo tem como objetivo a
análise da atual legislação sobre os consórcios públicos, suas modalidades e
especialmente, se podem servir mecanismos de combate à guerra fiscal pelo esforço
conjunto de diversos municípios através da modificação de políticas tributárias.
14
1 O FEDERALISMO BRASILEIRO E A AUTONOMIA MUNICIPAL
Ao incluir o município como parte autônoma da República Federativa, o
primeiro artigo da Constituição Federal de 1988 trouxe nova coloração jurídica a este
ente, suscitando discussão sobre a autonomia e soberania e os princípios
republicano e federativo.
Como princípios básicos ao atual sistema jurídico brasileiro, que a partir de
1988 emergiram com nova fundamentação, ambas, federação e república estão
estampados na Carta Constitucional, como forma de Estado e de governo.
Antecedendo a pesquisa ora proposta, convém delinear o modelo de
interpretação constitucional que acompanhará o presente trabalho.
1.1 Um sistema jurídico de princípios e normas
Privilegia-se aqui a compreensão de Joaquim José Gomes Canotilho1, ao
estabelecer que o sistema jurídico é composto por um modelo onde há
predominância do gênero chamado norma, de onde fluem os princípios e as regras,
revelando que considera a Constituição um “[...] sistema normativo aberto de regras
e princípios”2.
Para justificar esse conceito, o jurista português investigou alguns aspectos do
sistema jurídico. O primeiro deles denomina de jurídico, porque é um sistema
dinâmico de normas. Em segundo lugar, acredita-o aberto, pois, as normas podem
se adaptar a outras realidades, modificando-se internamente para englobar outras
estruturas sobre aquelas travadas no seio da sociedade facilmente adaptáveis à
dinâmica social, admitindo e alargando parâmetros de verdade e de justiça3. A
seguir o define como “[...] sistema normativo, porque a estruturação das expectativas
referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita através de normas”4. E,
1 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina,
[199-], p. 1123. 2 Ibidem, p. 1123. 3 Ibidem, p. 1123. 4 Ibidem, p. 1123.
15
por fim, o declara “[...] um sistema de regras e de princípios, pois as normas do
sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a sua forma de
regras”5.
Salienta Canotilho que, na utilização desse sistema, dúvidas poderiam emergir
em caso de conflitos entre princípios que estão no mesmo grau de valor. A solução
encontra-se nas características diferenciadoras dos princípios e regras, posto que
princípios não exigem exclusividade, podendo determinada situação fática agregar-
se a mais de um princípio, prevalecendo o mais valoroso, ou seja, aquele que
sopesado, encontra-se mais próximo da carga de valor atribuída a dito princípio.
Entretanto, o princípio “rejeitado” pelo caso fático não é excluído do ordenamento,
não deixa de existir juridicamente, justamente porque os princípios não se excluem,
mas admitem a conflituosidade, “[...] podem ser objeto de ponderação, de
harmonização, pois contêm apenas exigências ou standards que, em primeira linha,
devem ser realizados”6, pois os princípios são os grandes indicadores de direção, o
norte do sistema normativo.
Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, precisamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.7
Sobre o assunto, Eros Roberto Grau define que independentemente do fato de
princípios carecerem de concretização pela edição da regra jurídica8, eles estão
inseridos no Direito Positivo e vão além, ao constituírem o núcleo essencial das
regras, pois, em última análise, o magistrado poderá atribuir-lhes materialidade ao
sentenciar9.
5 CANOTILHO, op. cit., p. 1123. 6 Ibidem, p. 1125. 7 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 34. 8 “[...] Regra é aqui tomada em sentido diverso daquele adotado por Hans Kelsen”. OLIVEIRA,
Antonia Terezinha. Políticas públicas e atividade administrativa. São Paulo: Fiúza Editora. 2005, p. 48.
9 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 147-149.
16
De acordo com o prestigiado jurista10, carecem de verdade as afirmações de
que existem oposições ou contradições entre princípios e regras. Alerta, pois, que
compete ao juiz a análise da controvérsia, aplicando aquele que melhor se amolda à
situação concreta. Os princípios, exatamente pela sua condição de não
exclusividade, apenas cedem espaço àquele princípio considerado mais adequado
ao caso. Nesse diapasão, apregoa-se que a violação de um princípio,
[...] é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.11
As regras, por sua vez, quando conflitam dentro de um âmbito de validade,
causam a exclusão de uma delas, extirpam-na do sistema tornando-a inválida. Elas
“[...] não deixam espaço para a convivência antinômica. Se uma regra vale, deve
cumprir-se na exata medida das suas prescrições, nem mais, nem menos”12, pois
tornar-se-ia impraticável a credibilidade de um sistema em que regras contraditórias
permaneçam válidas. No entanto, lembra o respeitado autor português, que não é
possível o funcionamento de um sistema apenas constituído de princípios ou de
outro lado, um sistema só de regras, demonstrando essa inviabilidade no trecho
abaixo, que mesmo longo, merece ser transcrito.
Um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática. Exigiria uma disciplina legislativa exaustiva e completa – legalismo – do mundo e da vida, fixando em termos definitivos as premissas e os resultados das regras jurídicas. Conseguir-se-ia um sistema de segurança, mas não haveria qualquer espaço livre para a complementação e o desenvolvimento de um sistema, como o constitucional que é necessariamente um sistema aberto. Por outro lado, um legalismo estrito de regras não permitiria a introdução dos conflitos, das concordâncias, do balanceamento de valores e interesses de uma sociedade pluralista e aberta. [...] O modelo ou sistema baseado exclusivamente em princípios levar-nos-ia a conseqüências também inaceitáveis. A indeterminação, a inexistência de regras precisas, a coexistência de princípios conflitantes, a dependência do possível fático e
10 GRAU, 2002, p. 150. 11 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8. ed., São Paulo: Malheiros,
1996, p. 545-546. 12 CANOTILHO, [199-], p.1125.
17
do jurídico, só poderiam conduzir a um sistema falho de segurança jurídica e tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do próprio sistema.13
Assim, devem existir regras para organizar a convivência em sociedade,
definindo certos padrões como capacidade civil, eleitoral, putabilidade
inimputabilidade, para dar concreção aos princípios. Mas, também são necessários
princípios, aqueles modelos que permitem refletir os valores dessa sociedade
organizada em modelo constitucional. Tais valores são exemplificados através dos
critérios de liberdade, de igualdade, dignidade, democracia, dentre tantos outros,
próprios de um Estado de Direito e Justiça como largamente debatido por José
Joaquín Gomes Canotilho.14
E, as regras que dão suporte ao princípio desprezado - quando em conflito com
outro princípio, não serão válidas, não terão eficácia em relação àquela situação
diante da qual o conflito instalou-se, e pela qual o magistrado optou por outro
princípio.15
Assim, a interpretação constitucional, de acordo com Canotilho deve privilegiar
a leitura sistemática e aberta, em que nenhum princípio tem maior validade que
outro, onde todos devem ser interpretados conjuntamente.
1.2 Os princípios federativo e republicano
A definição do Estado brasileiro através do modelo federado foi inserto na
Carta Magna na condição de cláusula pétrea, ou seja, na qualidade daquelas
determinações que não podem ser modificadas ou excluídas, exceto em caso de
Revolução no País. Em razão disso percebe-se a rigidez16 da Constituição brasileira,
pois, especialmente rechaça qualquer forma de modificação no modelo federado e
da forma republicana. Por outro lado, ainda que “[...] o princípio republicano, embora
13 CANOTILHO, [199-], p. 1126. 14 Ibidem, p. 1127. 15 GRAU, 2002, p. 42. 16 “[...] Rigidez constitucional significa imutabilidade da Constituição por processos ordinários de
elaboração legislativa. Sob este aspecto, trata-se de problema de natureza puramente formal, jurídica: só as Constituições escritas entram nesse conceito.” SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 41.
18
não tipifique mais uma "cláusula pétrea", continua a ser um dos mais importantes de
nosso direito positivo”17.
Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, precisamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico18.
No atual sistema constitucional, a forma de governo pode ser discutida e
alterada. Tanto é possível que o assunto foi objeto de plebiscito19 em passado
recente e consolidou-se como a forma de governo escolhida pelos brasileiros, donde
se recorda a agradável lição de Canotilho ao lecionar sobre a importância das
normas constitucionais.
Realizar a Constituição significa tornar juridicamente eficazes as normas constitucionais. Qualquer constituição só é juridicamente eficaz (pretensão de eficácia) através da sua realização. Esta realização é uma tarefa de todos os órgãos constitucionais que, na actividade legiferante, administrativa e judicial, aplicam as normas da constituição. Nesta ‘tarefa realizadora’ participam ainda todos os cidadãos - ‘pluralismo de intérpretes’ - que fundamentam na constituição, de forma direta e imediata, os seus direitos e deveres.20
Ao mencionar a federação, Ataliba define como “[...] a associação dos Estados,
para a formação de um novo Estado - o Federal21 -, com repartição rígida de tributos
e da soberania entre eles”22. O discurso federalista pressupõe o resguardo da
autonomia local, mas sempre com vistas à integridade territorial. O pacto federativo
deve respeitar a heterogeneidade, buscando através de uma soberania
17 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 27. 18 Ibidem, p. 34. 19 Foi realizado o plebiscito de 21.4.93 (Emenda Constitucional n. 2 de 25.8.92) que consagrou a
forma de governo republicana. Ibidem, p. 29. 20 CANOTILHO, [199-], p. 1164. 21 O termo federal tem origem no latim, foedus, que significa pacto, parceria. Uma espécie de divisão
de poder entre os parceiros, que buscam o reconhecimento de uma unidade entre eles. ABRUCIO, Luiz Fernando. A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do governo Lula. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. (Coord.) Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 187.
22 ATALIBA, op. cit., p. 37.
19
compartilhada, garantir um nível de autonomia e independência entre seus
membros, a tal ponto que não ameace o todo.23
Historicamente o Brasil, pela sua extensão territorial, teve problemas de
controle político sobre suas terras. Tal situação restou evidente na divisão de áreas
de solo no período das Capitanias Hereditárias, que marcou o início de uma
descentração de poder, a fim de garantir, ainda naquela época, a administração, as
finanças e os limites territoriais, tudo obviamente para assegurar a sagacidade da
metrópole portuguesa.24 Atualmente, o País tenta ser um aglutinador de variados
centros de poder político, através de uma estrutura federativa cuja base é o Estado
Federal, formado por um conjunto de estados-membros, com lastro jurídico na
Constituição, o que torna o federalismo brasileiro um dos casos mais complexos dos
modelos de federalismo existentes, face sua história política.25
Alijados em parte na sua soberania, os estados devem obediência à
Constituição Federal, que é o nascedouro das prerrogativas dos seus membros, bem
como a fonte de distribuição das competências que fixam as atribuições e os seus
limites. E os estados-membros não são soberanos, face o Estado Federal, que no
âmbito internacional aparece como um ente único. Já no plano interno, os centros
subnacionais26 mantém sua autonomia política, sejam eles os estados-membros, os
municípios ou o Distrito Federal, tendo em vista que atualmente não há Territórios no
Brasil.
A importância desses princípios traduz-se inclusive nas menores células
políticas autônomas, na base da federação, pois, é no município que a República
encontra o mais profundo e intenso grau de representação política por se refletir no
23 ABRUCIO, 2008, p. 17. 24 CINTRA. Marcos. Paradigmas tributários: do extrativismo colonial à globalização na era eletrônica.
In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. (Coord.) Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 17.
25 ABRUCIO, op. cit., p. 185. “[...] O federalismo brasileiro, conformando-se a partir do Estado Unitário erigido pela Constituição de 1824, acaba por criar o Estado-Membro, que surge com a construção exótica e artificial do constituinte e prossegue na história interna com insuperável déficit de legitimidade, o que repercute nas relações federativas.” PIRES, M. C. S.; NOGUEIRA, J. A. S. C. O federalismo brasileiro e a lógica cooperativa-competitiva. In: ______ BARBOSA, M. E. B. (Coord.) Consórcios Públicos. Instrumentos do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, p. 33.
26 “[...] Sejam eles estados, províncias, cantões ou municípios.” ABRUCIO, op. cit., p. 189.
20
grau mais próximo do seu povo. De igual forma, é baseado no conceito de federação
que os municípios asseguram sua participação nas relações entre os diversos níveis
políticos, tanto em relação aos estados–membros, como em relação à União.27
Os simpatizantes do Estado Federal destacam que além de favorecer a
democracia, esta forma de Estado28 propicia a integração regional promovendo a
solidariedade, que é um dos objetivos esculpidos no artigo 3º., I da Constituição
Federal. Aqueles que manifestam sua oposição, o consideram como um Estado
fraco, com ampliada possibilidade de conflitos jurídicos e políticos ante a quantidade
de centros autônomos. De toda sorte, a união soma forças e a federação, desde que
preserve características regionais, forma um Estado mais forte, ao mesmo tempo em
que exige cuidado e atenção, para não demonstrar apenas uma solidariedade
formal.29
A federação é a forma de realização da República e, tudo o que puder ser feito pelos escalões intermediários haverá de ser de sua competência; tudo o que o povo puder fazer por si mesmo, a ele próprio incumbe. Esta é a íntima relação entre república e federação. [...] a federação representa a descentralização política e assim melhor funciona a representatividade e de maneira mais enfática o povo exerce as suas prerrogativas de cidadania e autogoverno.30
O federalismo brasileiro mostrou suas primeiras nuances a partir do período
imperial, face às partições territoriais aplicadas pelos portugueses, que divididas em
capitanias hereditárias, obrigou certas descentralizações de poder, em face da
imensidão territorial. Para Maluf “[...] o federalismo brasileiro é o resultado fatal de
um movimento de força centrífuga, de dentro para fora, de origem natural e não
artificial”31. Talvez esse movimento tenha motivado Rui Barbosa a escrever em seu
discurso sobre a organização das finanças da república, na condição de Ministro da
27 ATALIBA, 1998, p. 47. 28 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 28. ed. São Paulo: Saraiva,
2009, p. 255. “[...] O Estado Federal é fenômeno moderno, que nasceu definitivamente com a Constituição dos Estados Unidos da América em 1787. [...] A união faz nascer um novo Estado e, concomitantemente, aqueles que aderiram à federação perdem a condição de Estado. No caso norte-americano como no brasileiro e em vários outros foi dado o nome de Estados a cada unidade federada, mas apenas como artifício político, porquanto na verdade não são Estados.” Ibidem, p. 258.
29 Ibidem, p. 256. 30 ATALIBA, op. cit, p. 43. 31 MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p.180.
21
Fazenda, ao dirigir-se ao Congresso, em 1890 “[...] eu era, senhores, federalista
antes de ser republicano”32.
A ideia de republicanismo assenta-se num movimento político que defende a
liberdade, a participação cidadã efetiva, protetora da res publica e divisada no
harmonioso convívio social. É um conceito inclusivo, que ostenta o cidadão ser
agente de uma coletividade, tornando-o igualmente responsável pelas decisões
políticas. É caracterizado por negar qualquer tipo de dominação. O republicanismo
tem apreço às virtudes cívicas, enaltecidas na sensação de pertencimento a
determinado lócus, pois, objetiva atingir um Estado de Direito onde a democracia
tenha a participação da sociedade civil, onde o governo seja legitimado e confirmado
pelos cidadãos e o desenvolvimento de todos seja alcançado mediante a elaboração
de políticas públicas voltadas à minimização de desigualdades sociais.33
As virtudes cívicas estão tão arraigadas como valores morais dos cidadãos em
respeito à coisa pública, que podem ser comparados à ideia de bem comum e de
participação nas decisões políticas para que sejam propiciadoras do máximo de bem
possível a cada cidadão. São esses ideais fortemente claros que deixam o interesse
individual em segundo plano e as decisões tomadas pelos mandatários públicos
eleitos, têm obrigação de considerar a coisa pública como algo sagrado ao exercitar
as suas funções voltadas ao atendimento das demandas coletivas. É através do
exercício eficiente da função pública que isso ocorre. As virtudes cívicas orientam-se
pela liberdade e pela dignidade, e busca na lei o elemento de regulamentação da
coletividade.34
Deveras, o princípio republicano não é meramente afirmado, como simples projeção retórica ou programática. É desdobrado em todas as suas consequências, ao longo do texto constitucional: inúmeras regras dando o conteúdo exato e a precisa extensão da tripartição do poder; mandatos; políticos e sua periodicidade, implicando alternâncias no poder; responsabilidades dos agentes públicos; prestação de contas; mecanismos de fiscalização e controle do povo sobre o governo, tanto na esfera federal como estadual ou municipal; a própria consagração dos princípios federal e da autonomia municipal, etc. Tudo isso aparece, formando a contextura
32 BARBOSA, Rui. Organização das finanças republicanas. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz (Coord.).
Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas. Porto Alegre: Saraiva, 2008, p. 163. 33 AGRA, Walber Moura. Republicanismo. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado: 2005, p.18. 34 Ibidem, p. 60.
22
constitucional, como desdobramento, refração, conseqüência ou projeção do principio, expressões concretas de suas exigências.35
Frente às características apontadas, não é exagerado afirmar que o Brasil,
embora tenha definido como forma de governo a república, ainda está distante do
ideal que o republicanismo exige, na medida de sua imensa desigualdade social. E,
baseado nessa realidade, o texto aqui produzido busca delinear uma ideia de
políticas públicas de cooperação entre os níveis da federação, passando a alinhar as
características do menor dos entes federados, o município.
1.3 Conceito e função social do município
O modo burocrático de administração adotado pelo Estado não têm sustentado
a viabilidade do sistema político como deveria, tanto que o federalismo brasileiro
segue na pauta dos estudiosos do direito e da ciência política. Aproveitando o
debate aberto, parece razoável considerar que, no momento, todos os “[...] desafios
e oportunidades para o Brasil implicam considerar a heterogeneidade do país, e
nesse aspecto pode-se também considerar equivocada a trajetória de políticas
públicas, por conta da visão centralizadora”36. A heterogeneidade deve ser vista e
trabalhada através da identificação dessas semelhanças, a fim de aproximar as
políticas públicas dos cidadãos de forma mais adequada, ou seja, aquelas políticas
capazes de atender o interesse coletivo. Nesse quadro, os municípios são peças
fundamentais da organização política e administrativa37 brasileira. São organizados
por normas próprias, bem como lhes cabe a organização das cidades38 aqui
compreendidas como “[...] a sede do governo, a área urbanizada e também a zona
rural, sendo que todas integram o Município”.39
35 ATALIBA, 1998, p. 27. 36 BACELAR, Tânia. As políticas Públicas no Brasil: heranças, tendências e desafios. In: SANTOS
JUNIOR, Orlando Alves. et al. Políticas Públicas e Gestão Local. Rio de Janeiro: Fase, 2003, p. 25. 37 O artigo 1º. da Constituição Federal expressa no caput que a República Federativa do Brasil é
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal [...]. Da mesma forma o artigo 18 determina no caput que a organização político-administrativa da República compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios [...].
38 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Municipal Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 34.
39 RODRIGUES, H. T.; RETTENMAIER, P. Convênios e Consórcios Municipais: instrumentos de harmonização das políticas públicas no Brasil. In: REIS, J. R.; LEAL, R. G. Direitos Sociais e Políticas Públicas. Tomo 8. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 2488.
23
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 atribuiu aos
municípios - que são considerados “[...] como integrantes do sistema federativo”40 -
certas capacidades. Dentre essas capacidades pode-se referir a de
autoadministração41 com autonomia e competência específica para gerir e legislar
acerca das questões locais, que são de interesse comum dos munícipes.
Da leitura do mesmo texto legal, pode-se depreender que, aos municípios,
também se permitiu a autonomia política,42 ganhando importância a articulação local,
através da participação popular na determinação das demandas do interesse
público.
Então, o município como ente federativo43 mereceu destaque na lição de
Bonavides, ao escrever a “[...] relevância nova e decisiva da Constituição [...] a qual
elevou a um grau qualitativo muito acima daquele a que juridicamente esteve cingido
em quase cem anos de constitucionalismo republicano”44. Da mesma forma, o
pensamento de Bastos, ao afirmar a autonomia municipal como “[...] um dos centros
de polarização da competência constitucional a ser exercida de forma autônoma
[...]”45.
Assim, referindo-se expressamente sobre as capacidades dos Municípios, tem-
se que são “[...] entes federados de terceiro grau, portanto, pessoas jurídicas de
40 MEIRELLES, 2001, p. 66. 41 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2001, p. 621. 42 Ibidem, p. 621. O autor estabelece que as “[...] quatro capacidades encontram-se caracterizadas: a
autonomia política (capacidades de auto-organização e de autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matérias de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da auto-administração)”.
43 Autores como Carraza e Silva discordam dessa ideia. RODRIGUES, H. T.; RETTENMAIER, P., 2008, p. 2488.
44 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 318.
45 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 302.
24
direito público interno, dotados das capacidades de auto-organização, autogoverno,
autolegislação e auto-administração”46.
Há que se anotar, todavia, como reconhece Rodrigues47 ao bem tratar do tema,
“[...] que os Municípios não possuem uma Constituição própria, mas sim Lei
Orgânica, assim como não possuem representação no Legislativo Federal nem
Poder Judiciário próprio”. Entretanto, tais circunstâncias não descaracterizam a
autonomia dos Municípios e sua importância no federalismo. Aliás, como bem
lembra Abrucio, compartilhar o poder dentro de uma federação – desde a sua
criação nos Estados Unidos – exige controles mútuos entre os níveis de governo.48
Nesse ponto, concorda-se com Rodrigues que acredita
[...] que o federalismo deva ter como fim o ser humano, seu bem-estar, e, se tal não ocorre, ou se para que alguns o tenham outros devem deixar de tê-lo, mister que seja adequado o modelo ao fim último que se entenda possui o Estado, ou seja, a busca do Bem Comum. [...] Pretende-se demonstrar que unidades federadas devem, para atingir seus fins constitucionais, valer-se da coordenação, da cooperação e da solidariedade, dispensando-se a concorrência entre pares49.
Difícil, no entanto, é a busca dessa “[...] interconexão e coordenação das ações
entre os níveis de governo autônomos, para compreender a produção de políticas
públicas numa estrutura federativa contemporânea”50.
E essa interdependência passa pelo município já que o mesmo é instituído
como organização administrativa, e que tem uma razão de existir, que
obrigatoriamente deve ser norteada, dentre outros, pelo princípio da dignidade
humana. Da mesma forma, para viabilizar a coordenação de ações, este ente
federado precisa orientar-se pela promoção de uma sociedade livre, justa e solidária,
46 RODRIGUES, Hugo Thamir. Harmonização solidária das políticas tributárias municipais: um
princípio constitucional geral, implícito, delimitador das ações tendentes ao cumprimento da função social do Município. 2003. 276 f. Tese (Programa de Pós-Graduação em Direito – Doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2003, p. 146.
47 Ibidem, p. 136. 48 Trata-se do conhecido sistema de checks and balances. ABRUCIO, 2008, p. 191. 49 RODRIGUES, 2003, p. 145. 50 ABRUCIO, op. cit., p. 190.
25
com olhar voltado ao bem comum dos seus munícipes.51 E também porque o
município é dotado de uma função social - diversa daquela atribuída
constitucionalmente como a função social da propriedade e das cidades – porque
ultrapassa aqueles limites ligando-se a uma finalidade maior, que é a realização do
bem comum.52
Além disso, a intensa busca do bem comum e a finalidade precípua da
existência dos municípios é a possibilidade de “[...] realizar aquilo que fora
democraticamente deliberado”53.
Essa discussão sobre a função social do município agrega-se ao conceito de
Estado Contemporâneo destacado por Pasold54 ao mencionar a condição
instrumental do Estado, ou seja, de mecanismo para a satisfação de algo, porque
ele nasce da Sociedade e se mantém vivo para atender os reclames que esta
mesma sociedade deseja que sejam atendidos. Mais importante ainda é destacar
que esta condição instrumental apenas se concretizará no atendimento dos anseios
sociais. O Estado deve ser útil à sociedade e tal utilidade deve primordialmente
considerar o bem comum, o interesse da coletividade.
Notoriamente, a passagem do Estado moderno ao contemporâneo é
identificada por algumas características que permitem vislumbrar o momento
diferenciador e introdutor de um novo modelo estatal. É possível destacar que o
Estado contemporâneo além de manter os direitos individuais, insere no rol de suas
garantias, no âmbito dos direitos fundamentais, também, os Direitos Sociais e
Coletivos. Bem como, define a forma de concretização desses direitos ao regrar a
intervenção do Estado no domínio econômico e social.55 Essa intervenção está
clarificada no campo da tributação, de modo que a realização dos direitos sociais
51 RODRIGUES, Hugo Thamir. O município (Ente federado) e sua função social. In: LEAL, R. G.;
REIS, J. R. Direitos Sociais e Políticas Públicas. Tomo 4. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004, p. 1027.
52 RODRIGUES, 2003, p. 146. 53 HERMANY, Ricardo. O Plano Diretor e a participação social na esfera pública municipal. In: REIS,
J. R.; LEAL, R.G. Direitos Sociais e Políticas Públicas – Desafios contemporâneos. Tomo 7. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007, p. 1941.
54 PASOLD, Cesar Luiz. Função Social do Estado Contemporâneo. 3. ed. Florianópolis: Diploma Legal e OAB/SC Editores, 2003, p. 46.
55 Ibidem, p. 57.
26
implica na necessidade de ingresso para os cofres do Estado, de periódicos tributos,
arrecadados junto aos cidadãos, a fim de viabilizar a criação de uma estrutura de
realização do bem comum.
Ao estudar o Estado contemporâneo, Pasold faz distinções prescritivas e
descritivas. Salienta que descritivamente, este modelo liga-se aos conteúdos
formais, juridicamente previstos nas Constituições dos diversos países em que
encontra semelhança. Tais conteúdos formais apresentam-se mais ou menos
correspondentes às realidades existentes, estreitando-se com a idéia de
democracia, pois suas disposições constitucionais - mesmo que com acentuadas
diferenças -, fundamentam-se na idéia de submissão à Sociedade, fixando-se que o
Poder Estatal emana do povo, garantindo-se um compromisso com o cumprimento
dos anseios da sociedade, perfectibilizado através de um aparato burocrático, a fim
de manter o funcionamento do Estado, cuja existência, custo social e financeiro tem
sido objeto de estudo da ciência política.56
Ao examinar a função social do Estado Contemporâneo, em relação às
características prescritivas, que são elaboradas a partir das características
descritivas antes comentadas, o autor traz a seguinte ponderação:
[...] sob o ponto de vista prescritivo proponho que tais características sejam compostas da seguinte maneira: a) as conformações jurídicas necessitam guardar relação fiel com a realidade que lhes cabe representar e regular; b) as colocações juridicamente estabelecidas quanto à submissão do Estado à Sociedade, pressupõem que sejam fixados e eficientemente operados os mecanismos políticos voltados para a realidade dos princípios que as sustentam; c) o reconhecimento constitucional e infra-constitucional dos compromissos do Estado para com a Sociedade que o mantém, não é suficiente quando desacompanhado do aparelhamento institucional e administrativo, necessário à sua consagração prática; d) os fundamentos e as modernas técnicas para um desempenho administrativo eficaz somente se justificam se todo o conjunto tentacular estiver submisso às demandas que, em função da realidade, a Sociedade reclama que sejam atendidas com presteza pelo Estado Contemporâneo; e) o Estado Contemporâneo deve comportar-se sob a égide da primazia do humano, submetendo o econômico à força social.57
Logo, a função social do Estado contemporâneo é atendida a partir da
interpretação de três fatores. O primeiro deles requer a existência de um sujeito
56 PASOLD, 2003, p. 62. 57 Ibidem, p. 62.
27
capaz de direitos e obrigações perante o Estado, considerado de maneira individual
e inserido na sociedade. Já o objeto é o campo de atuação do Estado, em todos os
setores, estimulando ou desestimulando ações ou políticas necessárias. E objetivo,
que é o terceiro fator, é o Bem Comum, cujo conceito abarca tudo aquilo que for
ventilado e decidido de acordo com as prioridades eleitas pela própria sociedade.
Aludindo-se aos municípios, este mesmo enfoque também pode ser sugerido,
na medida em que, se por um lado são considerados autônomos58 e não
soberanos59 e estão subordinados à Constituição, bem como as políticas públicas
por ele criadas e desenvolvidas, por outro lado, “[...] o Município, deve buscar
através de planos e programas [...] o equilíbrio social, que exige tratamento
diferenciado entre as diversas classes sociais,”60 como a diminuição das
desigualdades sociais e, dentro de suas políticas tributárias, voltar-se para a
redistribuição de renda, dentre outras ações. Logo, a função social dos municípios
não deve se distanciar dos princípios fundamentais, estabelecidos pela
Constituição.61
Da mesma forma, quando a Constituição se refere à competência dos
municípios para legislar sobre assuntos de interesse local, está se referindo à
predominância destes sobre os estados e a União, e não pontuando a exclusividade
da atuação do município face aos outros níveis da federação.62
Os Municípios, portanto, cumprem sua função social quando, determinando-se de acordo com a Constituição, levam a cabo a vontade dos cidadãos, expressadas através das manifestações políticas, que devem ser voltadas ao bem comum.63
58 Como bem lembra Carrazza, ao referir “[...] autonomia municipal e distrital, que as leis da União, aí
se incluindo as tributárias, não estão acima das leis dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, não há sobreposição. Para aclarar qualquer conflito de competência, deve-se verificar o que em primeiro lugar determinou a Constituição, pois os Poderes Legislativos estão em pé de igualdade não havendo hierarquia no Estado Federal”. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 402.
59 RODRIGUES, 2003, p. 168. 60 Idem, 2004, p. 1031. 61 Idem, 2003, p. 148. 62 MEIRELLES, 2001, p. 134. 63 RODRIGUES, 2003, p. 166.
28
E, em matéria de competência tributária, já distribuída na Constituição, segue-
se o mesmo critério de autonomia dos entes federados, com a discussão de
eventuais exceções.
1.4 A competência tributária
Como alhures apresentado, em decorrência da Constituição, no artigo 150, I,
do princípio federativo e da autonomia dos Municípios e Distrito Federal64, todos os
entes políticos foram providos de receitas para gerir aos seus gastos.
Tanto a União, os estados, municípios e Distrito Federal têm competência
legislativa65 para exigir tributos. Esse poder de tributar66 encontra seu limite na
própria Constituição, bem como a autonomia de cada unidade federada para legislar
sobre suas competências. Mas não se olvide, essa determinação de competência
também representa um sistema de repartição daquilo que for arrecadado a fim de
custear os serviços públicos e os investimentos sociais em todos os níveis
federados, ainda que os tributos não tenham destinação específica.
A competência tributária engloba a criação, arrecadação e administração do
tributo, incluindo-se o ampliação ou encolhimento de alíquotas ou mesmo as
isenções através da não tributação de determinado fato gerador. A competência
tributária pode abarcar até o perdão de débitos e parcelamentos, em caso de uma
infração tributária, desde que consideradas as disposições constitucionais.67
E por mencionar a competência tributária Carrazza identifica a existência de
seis características. A primeira delas é a privatividade68, onde o renomado autor
socorre-se no magistério de Ataliba que a chama de exclusiva, ou seja, retira a
competência de todas as demais pessoas políticas, o que implica numa oposição
64 CARRAZZA, 2009, p. 501. 65 Doravante a expressão competência legislativa tributária será utilizada apenas como competência
tributária, como faz Carrazza, op. cit., p. 503. 66 Ao referir “poder de tributar” Carrazza ressalta “[...] a inadequação desta expressão, tendo em vista
tratar-se de um poder absoluto, incontrastável, enquanto que a expressão mais adequada seria “competência tributária” que é regrada e disciplinada pelo Direito, como de fato ocorre na nação brasileira.” Ibidem, p. 503.
67 Ibidem, p. 507. 68 Ibidem, p. 519.
29
erga omnes. Aquele que detém a competência legislativa tributária pode opô-la
contra qualquer dos demais entes. A segunda é a indelegabilidade, pois aquele ente
político que recebeu essa competência da Constituição pode exercitá-la ou não, mas
não pode permitir que outro o faça em seu lugar. A pessoa política não tem a
disponibilidade da competência tributária69.
Como terceira característica tem-se a incaducabilidade, pois o decurso do
tempo não impede o exercício do direito de criar tributos por parte da pessoa política
competente. A incaducabilidade acompanha a perenidade da função legislativa e só
se extinguirá se assim for a vontade do constituinte70. Ao comentar a
inalterabilidade, que é a quarta característica indicada por Carrazza em relação à
competência tributária, lembra o referido jurista que a “[...] legitimação para criar
exações (aspecto positivo) e num limite para fazê-lo (aspecto negativo)”71, ou seja,
apenas é viável modificar, ampliar, restringir ou eliminar competência tributária
mediante emenda constitucional, pois, se de outra forma se der, certamente ocorrerá
uma invasão ao território das imunidades ou espoliará a competência de outra
pessoa política.
Não se olvide, porém, como bem o fez Carrazza72, ao alertar que se por meio
de emenda, a competência de um ser político for diminuída ou extirpada, que isso
não signifique a sua bancarrota, porque maculando sua autonomia estar-se–ia
fornecendo lastro para uma emenda constitucional em clara afronta ao artigo 60,
parágrafo 4º. da Constituição Federal, desconstituindo-se a forma federativa de
Estado. De outro lado, se a competência tributária extirpada se referir a um tributo
que não tem um significado financeiro maior, não haverá aviltamento de
competência, nem se ferirá o dispositivo constitucional citado73.
As duas últimas características são a irrenunciabilidade, que decorre
diretamente da indelegabilidade, porquanto só a “[...] reforma constitucional poderá
69 CARRAZZA, 2009, p. 669. 70 Ibidem, p. 673. 71 Ibidem, p. 674. 72 Ibidem, p. 675. 73 Ibidem, p. 676.
30
alterar o perfil das competências tributárias das pessoas políticas”74, e a
facultatividade, que deixa livres as pessoas políticas competentes para exercitarem
ou não seu direito de exigir tributos, sendo possibilidade política discricionária, não
restando nenhum controle externo nesse sentido, exceto é claro, a opinião pública,
pois o não exercício da competência tributária não autoriza, nem transfere essa
competência para nenhum outro ente, sob pena de inconstitucionalidade. O exemplo
claro disso é o imposto sobre as grandes fortunas, previsto como competência da
União e, até o momento, não foi instituído. E em razão disso, nenhuma das outras
pessoas políticas tem competência para fazer75.
Por outro lado, Paulo de Barros Carvalho76, avaliando estas características
delineadas por Carrazza, apontou concordância com apenas metade delas,
explicitando que são características da competência tributária a indelegabilidade,
irrenunciabilidade e incaducabilidade. Ao tratar das duas primeiras, questiona o
referido autor a necessidade do legislador constitucional de definir e firmar
competências a cada pessoa política se lhe fosse permitido delegar ou mesmo
renunciar essa competência, tomando tais características como “[...] inafastáveis do
exercício competencial, no sistema brasileiro”, acenando Carvalho positivamente em
relação à Carrazza. Da mesma forma, em relação à caducidade, salienta que o texto
constitucional é perene, não se admitindo que essas competências sujeitem-se à
instabilidade momentânea da sociedade.
Em relação às outras três prerrogativas elencadas por Carrazza, Carvalho faz
questão de discordar e utiliza os seguintes argumentos: quanto à privatividade,
sustenta a possibilidade da União legislar sobre “[...] impostos ditos “extraordinários”,
compreendidos ou não em sua competência tributária”77 como prevê o artigo 154, II
da CF, pois mesmo tratando de exceção, abre-se a brecha que liquida a
privatividade alçada por Carrazza. Outra é a posição de Regina Helena Costa, ao
explicitar que [...] a privatividade constitui regra da competência tributária, porquanto
74 CARRAZZA, 2009, p. 677. 75 Ibidem, p. 679. 76 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p.
216. 77 Ibidem, p. 217.
31
a exceção contemplada é a competência extraordinária em matéria de impostos,
outorgada à União”78, concordando, assim, com Carrazza.
Quanto à alterabilidade, Carvalho sustenta que ela está desenhada na
possibilidade de reforma constitucional, salientando a riqueza de exemplos dessa
natureza no cenário brasileiro, em face do poder constituinte derivado79.
Por fim, no tocante à facultatividade do exercício, mesmo sendo a regra geral,
e considerando o imposto sobre grandes fortunas e o Imposto sobre serviços que
muitos Municípios deixaram de legislar a respeito, Carvalho chama atenção ao
Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, aduzindo a prescrição do artigo
155, parágrafo 2º., inciso XII, letra “g” da CF/88, que refere a “obrigatoriedade”80 da
legislação sobre o mencionado imposto, pelos Estados, sob pena de tornar-se
inviável a federação, não sendo assim, facultativo o seu exercício.
Por fim, Barreto, lançando nova luz sobre a discussão da facultatividade da
competência para instituir tributos, propõe o exame sob a ótica do princípio da
78 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 44. 79 “[...] A reforma da Constituição decorre do poder constituinte derivado ou instituído, ocupando
posição diversa do poder constituinte originário e do Poder Legislativo ordinário. Não dispõe da plenitude criadora do poder constituinte originário e se sobrepõe ao legislativo ordinário. Tendo por objeto de sua atuação a norma constitucional, o poder de reforma, na ampla acepção do termo, apresenta-se como constituinte de segundo grau, subordinado ao poder constituinte originário, que é responsável pela introdução no texto da Constituição e autor das regras que condicionam o seu aparecimento e disciplinam sua atividade normativa. [...] No Direito Constitucional Positivo reforma, emenda e revisão ora se apresentam individualizadas, recebendo matérias distintas e enquadradas em procedimentos destacados, ora aparecem unificadas, em regulação comum e igual, que extingue a pluralidade das formas do poder constituinte derivado. A boa técnica constitucional recomenda, no caso de adoção do processo unificado, o emprego do termo correspondente, em linguagem do mesmo nível unitário, para afastar ambigüidades terminológicas.” HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 107.
80 “[...] Acontece que este tributo, recolhido historicamente em países de estrutura unitária, onde gravam de forma não-cumulativa, operações sobre mercadorias e serviços, foi transportado pura e simplesmente para a realidade brasileira e entregue às ordens normativas estaduais. Tratou-se então de preservar a uniformidade indispensável para o bom funcionamento de um imposto que se pretendia sobre o valor acrescentado, técnica difícil de ser implantada fora das peculiares condições de um país de administração centralizada. Sucederam-se medidas generalizadoras, numa tentativa de padronizar o fenômeno da incidência e evitar que a autonomia das pessoas competentes colocasse em risco a sistemática impositiva. Isso explica a expressiva participação da União no processo de elaboração normativa do ICMS, mediante regras de legislação complementar, ao lado de preceitos emanados do Senado da República, igualmente órgão legislativo daquela pessoa política. Como se vê, tudo foi produto de um ingente esforço de adaptação, para atender às exigências de nossa particularíssima organização jurídico-constitucional. E o custo dessa movimentação veio em detrimento do poder das entidades federadas que, ao menos nesse setor, ficaram sensivelmente diminuídas.” CARVALHO, 2000, p. 221.
32
isonomia traçando um paralelo ao questionar o fato de que se deixar de legislar
sobre o ICMS avilta o princípio federativo, da mesma maneira, se os municípios
deixassem de legislar sobre tributos de sua competência, a forma federativa também
não seria abalada?
Tome-se os impostos, será que relativamente a esta espécie de tributo, a Constituição tolera a chamada guerra fiscal, assim entendida a ampla liberdade, não apenas da instituição ou não de determinado tributo, mas da livre fixação de alíquotas, de molde a determinar êxodos significativos de contribuintes, com esvaziamento das receitas de certo Município em favor de outro? Seria possível, ainda nessa linha, que amanhã todos os Municípios Capitais (arrecadação mais expressiva) resolvessem livremente, autonomamente, não instituir ou revogar as normas instituidoras do IPTU, do ISS, das taxas de serviço, transformando estas comunas em verdadeiros “paraísos fiscais”, determinando, consequentemente um êxodo maciço de tantos quantos atuem nos demais Municípios brasileiros? Será que a Constituição tolera esta possibilidade? Ou, antes, é correto afirmar que a Constituição estabelece nos artigos 20 e 30, a autonomia municipal, especialmente quanto à decretação dos tributos de sua competência está a exigir a criação de tributos, como instrumento de viabilização da própria autonomia? Será que não está a impor que os Municípios obrigatoriamente instituam, criem os tributos cometidos à sua competência?81
O autor propõe um olhar especial sobre os municípios e a viabilidade
constitucional para - não se preocupando com os limites máximos da atuação
municipal - garantir uma exigência normativa mínima. Com este mínimo exercício da
competência tributária, deixa-se de falar em facultatividade de atuação e passa-se a
determinar uma obrigatoriedade82 de exercício, assemelhado ao dever-poder
comumente descrito por Celso Antonio Bandeira de Mello.
1.5 A repartição da competência e da receita tribut ária
É o direito financeiro que melhor trata da repartição de receitas tributárias,
posto que está ligado à atividade financeira do Estado e estuda como gerir os
recursos obtidos. Já o direito tributário se ocupa da distribuição de competências das
pessoas políticas, define os padrões gerais de incidência, classifica os tributos e
também cuida das leis complementares, mas é no campo das finanças que os
81 BARRETO, Aires F. Curso de Direito Tributário Municipal. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 17. 82 Ibidem, p. 18.
33
recursos obtidos, mediante a via coativa83, são distribuídos entre os entes
beneficiários.
Como já definido, a Constituição brasileira tem um sistema misto84 de
repartição de competência para instituir tributos, bem como um mecanismo de
repartição daquilo que arrecada. Essa competência serve para organizar a
existência de cada ente federado, como um ser político, tendo em vista que de nada
adiantaria a existência da pessoa política dentro de uma ordem federativa, se não
lhe fossem assegurados os meios para o próprio custeio.
Então, ajustado que a competência tributária envolve “[...] aptidão para criar
tributos – da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios – todos
também tem certos critérios de alcance do tributo e da divisão do produto”85. Mas é
preciso perceber, no entanto, que embora a criação de determinado tributo seja
função privativa, e de outra banda, o produto arrecadado seja divisível, não há
possibilidade de que o ente beneficiário da repartição do tributo arrecadado venha a
exercer a competência para instituir dito tributo, caso o ente competente não o faça.
Há, na lição de Carrazza, para o beneficiário apenas uma expectativa de direito à
arrecadação, que somente se concretizará após a “[...] criação in abstrato, do tributo
e de seu real nascimento, pois, não pode existir direito subjetivo à participação nas
receitas tributárias e a ocorrência de fato oponível”86se o tributo não foi sequer
gerado.
Os critérios de repartição da competência dos impostos estão nos artigos 153,
155 e 156 da Constituição. Já no artigo 154 encontram-se os pressupostos de
competência residual87 da União.
83 CARRAZZA, 2009, p. 692. 84 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 93. 85 Ibidem, p. 93. 86 CARRAZZA, op. cit., p. 688. 87 “[...] A chamada competência residual, para a instituição de outros impostos, traduz aplicação da
mesma técnica: arrolados os tipos atribuídos a cada um dos entes, os tipos remanescentes (residuais) são atribuídos à competência da União (art, 154, I). Disso resulta que a lista de situações materiais que ensejam a incidência de impostos da União (art. 153) não é exaustiva, dado que outras situações podem ser oneradas por impostos federais.” AMARO, op. cit.,p.97.
34
Em relação às taxas, as competências já estão bem definidas, mas não são
enumeradas. Essa ausência de taxatividade é explicada pela impossibilidade de
quantificar as atividades decorrentes do poder de polícia administrativa e os serviços
públicos específicos e divisíveis que são geradores da taxa. Se houvesse a
enumeração, com brevidade seriam desatualizados frente à dinâmica social.
As competências administrativas também têm lugar na Constituição,
reservando-se à União aquelas dispostas no artigo 21. No artigo 23, estão
enumeradas as competências comuns a todos os entes federados e no artigo 25,
parágrafo primeiro, estão definidas as competências dos Estados-membros. E as
competências reservadas aos Municípios estão alocadas no artigo 30, III e IX da
Constituição de 1988.
Da mesma forma ocorre com a Contribuição de Melhoria, que não comporta
enumeração no texto constitucional, tendo em vista que sua cobrança é autorizada
toda vez que uma obra pública valorizar um bem imóvel.
Por serem tributos vinculados, as taxas e as contribuições de melhoria estão
indexadas a uma prestação de serviço, que será concreta e relativa ao próprio
contribuinte.
Por sua vez, o empréstimo compulsório tem seus pressupostos enumerados no
artigo 148, II, da Constituição Federal, sendo passível de instituição nos casos de
investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional,
calamidade pública e iminência ou guerra externa.88
No corpo do artigo 149 encontram-se as contribuições sociais que também são
espécies tributárias dotadas de critério finalístico, porque o produto da arrecadação
deve reverter para o critério ao qual foi arrecadado. Atualmente as contribuições
figuram como as grandes responsáveis pelo aumento da carga tributária, tendo em
vista que a Constituição de 1988, face à maior autonomia dos estados e municípios,
desinteressou-se pelos impostos que deveriam ser partilhados e passou a instituir as
88 COSTA, 2009, p. 126.
35
contribuições cuja receita é exclusiva.89 A União pode instituir contribuições sociais,
nas modalidades: a) destinadas à seguridade social90; b) interventivas no domínio
econômico, conhecida como CIDE91; c) de interesse das categorias profissionais ou
econômicas.92 Assim, são considerados tributos os impostos, as taxas, as
contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as contribuições.93
1.5.1 Tributos federais
A União tem competência para estabelecer sete impostos e mais contribuições,
conforme os artigos 153 e 154 da Constituição Federal. São eles: o imposto sobre
importação e exportação – II e IE; Imposto sobre operações de crédito, câmbio,
seguro, ou relativos a títulos ou valores mobiliários – IOF; Imposto sobre a renda e
proventos de qualquer natureza – IR; Imposto sobre produtos industrializados – IPI;
e o Imposto sobre propriedade rural - ITR e o Imposto sobre as grandes fortunas, até
o momento não criado. A união ainda pode instituir impostos novos, com base no
artigo 154, I, da Constituição Federal de 1988.94
A União também poderá instituir contribuições, que terão já finalidade definida,
como aquela que financia a seguridade social, cuja incidência projeta-se sobre a
folha de pagamentos, a conhecida COFINS e, a agora extinta, CPMF que se
destinava ao custeio da saúde, e incidia sobre as movimentações financeiras.
A Constituição, percentualmente, determina a divisão do produto arrecadado. O
IOF sobre o ouro, quando ativo financeiro ou instrumento cambial é totalmente
repassado e, trinta por cento destinado aos estados e DF. Ao município de origem
serão entregues os demais setenta por cento. No imposto de renda que ficar retido
na fonte, quando os rendimentos de qualquer natureza forem pagos pelos Estados
ou pelos municípios, suas fundações ou autarquias, o produto pertencerá totalmente
89 SANTI, E. M. D.; CANADO, V. R. Direito tributário e direito financeiro: reconstruindo o conceito de
tributo e resgatando o controle da destinação. In: _____. (Coord.) Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 611.
90 Que estão previstas no artigo 149, parágrafo primeiro e 195 da CF/88. 91 COSTA, 2009, p. 133. 92 Ibidem, p. 47. 93 SANTI, E. M. D.; CANADO, V. R. op. cit., p. 617. 94 Os artigos da CF/88 estão referidos no corpo do texto, razão pela qual não serão novamente
referidos aqui.
36
a eles, como determinado pelo artigo 157 e 158, I da CF/88. Aquilo que remanescer
do IR, quarenta e sete por cento será destinado ao Fundo de participação dos
estados e do Distrito Federal, dos municípios e para programas de financiamentos
regionais.
Em relação aos impostos novos que a União pode criar pelo artigo 154, I serão
repartidos em vinte por cento para os Estados e o Distrito Federal. Em relação ao
ITR, os Municípios receberão cinquenta por cento do produto da arrecadação deste
imposto. Agora, há uma facultatividade dos Municípios em legislar sobre a
arrecadação e fiscalização deste imposto. Nesse caso, o artigo 153, parágrafo 4º.,
inciso III, permite que a totalidade deste imposto deverá ser repassada ao município.
Em relação ao IPI para produtos exportados, dez por cento voltará aos estados e
Distrito Federal.
Sobre a contribuição de intervenção no domínio econômico - que não é
imposto, mas uma espécie de tributo -, a regra da repartição de receita permite aos
estados receberem vinte e novo por cento da arrecadação desta contribuição, mas
desse montante, vinte e cinco por cento deverá ser repassado aos Municípios,
conforme determina o artigo 159, parágrafo 4º. da CF/88.
1.5.2 Tributos estaduais
Os estados têm competência privativa para instituir impostos sobre: a
propriedade de veículos automotores – IPVA; a circulação de mercadorias,
prestação de serviços de transportes interestadual e intermunicipal e de
comunicações – ICMS e sobre a transmissão de propriedade de imóveis causa
mortis e das doações – o ITCMD.95
Os estados devem ratear o produto da arrecadação do IPVA com os
municípios na proporção de cinqüenta por cento e, do ICMS, vinte e cinco por cento
se destina aos municípios, conforme artigo 158, III e IV da CF.
95 Conforme artigo 155 da CF/88.
37
1.5.3 Tributos Municipais
Os municípios podem instituir, privativamente, tributos sobre a propriedade de
imóveis urbanos – IPTU, sobre a prestação de serviço – ISS e sobre a transação de
imóveis, ITBI, desde que feito entre vivos, pois se for causa mortis, é da
competência dos estados.96
Aos municípios se aplica a regra constitucional para a criação de taxas e
contribuições de melhoria. Também compete a este ente federado instituir a
contribuição previdenciária que é exigível dos servidores municipais, nos limites do
artigo 149A, da Constituição Federal. Da mesma forma, foi introduzida pela Emenda
Constitucional 39 de 2002, a legitimação dos municípios para a instituição da
contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública, a Cosip.97
1.5.4 Tributos do Distrito Federal
A este ente federado aplicam-se as mesmas regras de competência tributária
relativas aos estados, pois a eles se equipara, nos termos do artigo 155 da CF. Além
disso, também se aplicam as competências permitidas aos municípios porque o
território do Distrito Federal não pode ser dividido98. Logo, o Distrito Federal poderá
instituir “[...] seis impostos, taxas, contribuição de melhoria em razão de sua atuação,
contribuição para custeio previdenciário dos seus servidores e a contribuição para
iluminação pública” 99.
De todo exposto, é possível perceber que a União detém vasta competência
para criar tributos. A ela são garantidas tanto as competências normais, ordinárias,
como lhe foi permitido a competência extraordinária e a residual. Possui ainda
possibilidade exclusiva para a criação de empréstimos compulsórios e
contribuições.100
96 Conforme artigo 156 da CF/88. 97 COSTA, 2009, p. 139. 98 Conforme artigo 32, caput da CF/88. 99 COSTA, op. cit., p. 47. 100 Ibidem, p. 47.
38
A repartição de competências, por seu turno, enseja viabilidade de conflitos
pela disputa de receitas, prejudicando especialmente os municípios, tendo em vista
que a tributação do ITR e do IPTU é repartida com a União. As receitas percebidas
através da prestação de serviços é partida entre municípios e estados-membros,
assim como acorre com o ITCMD e o ITBI.101
Com essa estrutura jurídica de divisão das receitas tributárias, é possível
apurar que a partilha é procedida em 40% para a União, 40% para os estados e 20%
para os Municípios. Com o advento das contribuições sociais e a inexigibilidade de
repasse por parte da União, as percentagens têm participação muito maior da União
e menor em relação a estados e municípios.102 Com este desenho da repartição das
receitas tributárias, cabe uma singela análise sobre o espaço mais próximo dos
cidadãos, o Município e suas singularidades.
1.6 O espaço local e a participação dos atores soci ais
Na busca de um espaço local como fonte da democracia é necessário que os
integrantes de cada município exerçam a cidadania. Tal direito constitucional é
caracterizado pela interação dos indivíduos “em situações menos complexas,
capazes de permitir a participação dos cidadãos na esfera em que estão diretamente
vinculados, ou seja, o bairro, a cidade ou a região”103.
Há necessidade de que os atores sociais atuem em verdadeira “[...] cidadania
governante e não como simples destinatários das decisões públicas, tomadas pelo
corpo de tecnocratas”104 buscando a consecução dos interesses públicos e, por
conseguinte, a efetivação dos direitos fundamentais, através de decisões conjuntas
entre administração pública e sociedade, como forma de crescimento e
concretização do Bem Comum.
101 COSTA, 2009, p. 48. 102 PAIM, Antonio. Redirecionar o debate sobre federalismo. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de.
(Coord.) Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: Saraiva, 2008, p.190. 103 HERMANY, Ricardo. (Re)discutindo o espaço local. Uma abordagem a partir do direito social de
Gurvitch. Santa Cruz do Sul: Edunisc/IPR, 2007, p. 252. 104 Ibidem, p. 197.
39
Ao se discutirem as crises do Estado e suas alternativas, surgem apelos à
democracia participativa e, nesse sentido, afirma Hermany:
[...] provada a incapacidade dos modelos autoritários e totalitários e verificadas as deficiências da organização liberal do Estado, há que se reconhecer que a democracia social – ou seja, a realização dos direitos sociais – não pode constituir-se em democracia participativa – democracia participativa entendida como complemento, não como sucedâneo da democracia representativa. As decisões políticas têm que competir sempre aos órgãos baseados no sufrágio universal, únicos capazes de definir o interesse geral; mas sua mais perfeita legitimação depende de instâncias e procedimentos participativos.105
Da mesma forma, como aduz Sartori, não se pode deixar de concordar que a
democracia ainda nos dias atuais, não diverge muito do passado, em que muitos
cidadãos - no ato da eleição - não sabem o que significam as propostas de solução
de problemas que sustentam os programas dos candidatos, muito menos, quais
serão as consequências dessas propostas de políticas. De forma bastante sucinta,
no entanto precisa, leciona que “[...] as eleições não decidem sobre políticas
concretas; estabelecem, ao invés, quem vai decidir sobre elas. As eleições não
resolvem problemas; decidem antes, quem vai resolver os problemas.”106 De acordo
com o referido autor, a preferência de um candidato sobre os demais não revela a
preferência pela política do referido vencedor.
É a partir dessas concreções, que se deve buscar a real participação cidadã e
não apenas a aquiescência a determinado candidato, pois para realizar as
necessárias modificações sociais, o espaço local deve ter destaque como um
ambiente “[...] capaz de permitir a concretização da participação, haja vista tratar-se
de esfera menor em que se mostra simplificado e concreto o âmbito de atuação dos
cidadãos”107.
É neste contexto que devem ser avaliadas as potencialidades do espaço local em relação à construção de um direito social, ressaltando-se o caráter subsidiário que deve estar presente nas relações entre as esferas de poder, assim como na interface entre Estado e Sociedade.108
105 HERMANY, 2007, p.11. 106 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo.
São Paulo: Ática, 1994. p.152. 107 HERMANY, op. cit., p. 261. 108 Ibidem, p. 258.
40
Quando se fala em alternativas às crises do Estado e o fomento do espaço
local, como forma de descentralização dos serviços públicos, surge a figura da
subsidiariedade “[...] definida como princípio segundo o qual as atribuições e
competências devem ser exercidas pelo nível da administração melhor colocado
para as prosseguir com racionalidade, eficácia e proximidade aos cidadãos”109.
A subsidiariedade pode proporcionar essa constatação, através de uma
harmonização nas relações entre os níveis de poder, uma lógica de coordenação,
além da ampliação do papel dos atores sociais no processo de formação das
decisões públicas.110
No exercício de suas atribuições, o governo das entidades federativas poderá promover ações que devem, pelo menos, mitigar a desigualdade social, criar condições de desenvolvimento e de qualidade de vida. A administração pública de qualidade, comprometida com as necessidades sociais e aberta à participação solidária da sociedade, pode melhorar as entidades federativas e os municípios. A partir desse nível, concretiza-se, necessariamente, a efetivação dos direitos humanos. A descentralização, nesse nível, deverá ser estímulo às liberdades, à criatividade, às iniciativas e à vitalidade das diversas legalidades, impulsionando novo tipo de crescimento e melhorias sociais. As burocracias centrais, de tendências autoritárias, opõem-se, muitas vezes, às medidas descentralizadoras, contrariando as atribuições da sociedade e dos governos locais. O melhor clima das relações entre cidadão e autoridades deve iniciar-se nos municípios, tendo em vista o conhecimento recíproco, facilitando o diagnóstico dos problemas sociais e a participação motivada e responsável dos grupos sociais na solução dos problemas, gerando confiança e credibilidade.111
Ao estabelecer-se este diálogo de participação ativa é possível pensar a
gestão compartilhada dos interesses públicos entre a Sociedade Civil e a
Administração Pública. No entanto, para implantar esta concepção de gerência, faz-
se necessário que “[...] a estratégia de fortalecimento do poder local esteja
associada a novas concepções de gestão, sem suplantar [...] estratégias
institucionais representativas,”112 que devem ter respaldo na Constituição, nos
princípios norteadores da Administração Pública que são principalmente a
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, nas formas de
109 MARTINS, Margarida S. D’Oliveira. O princípio da subsidiariedade em perspectiva jurídico-política.
Lisboa: Universidade de Lisboa, 2001, p.658. 110 HERMANY, 2007, p. 258. 111 BARACHO, José A. de Oliveira, O princípio de subsidiariedade.Conceito e evolução. Rio de
Janeiro: Forense, 1996, p. 19. 112 HERMANY, op. cit, p. 269.
41
fiscalização deste modelo de gestão. Ao referir o assunto, Leal faz a seguinte
observação:
[...] a terceira fase da gestão compartida é a interlocução política de todos os atores que são afetados pela Administração. Há necessidade de abertura de campos de interlocução entre sociedade civil organizada e as tradicionais instituições existentes [...].113
O início dessa “interlocução” pode acontecer com a participação nos Conselhos
Municipais, na destinação dos orçamentos, pois, para gerir as capacidades antes
referidas, os municípios precisam de receitas, considerando-se que tais entes
federados são basicamente financiados pelos tributos que recolhem, sejam eles de
competência municipal, compartilhados com a União ou com os estados. Cabe aqui
um questionamento acerca da autonomia e da dificuldade de se autogerir dos
municípios.
Para estruturar melhor resposta ao questionamento é preciso aduzir que, no
Brasil, há uma relação de autonomia entre os entes federados. Autonomia, mas não
independência. Assim, há uma relação de atribuições para cada nível federativo, que
necessitam de políticas governamentais para ser cumpridas, face às demandas
sociais sempre crescentes. Quando se fala em desenvolvimento local, faz-se a
referência incluindo municípios e regiões. Cardoso114 apresenta o Brasil como “[...]
um país subdesenvolvido que apresenta muitas disparidades regionais e que são
ainda, acentuadas por problemas do federalismo”. Salienta a referida autora que há
um paradoxo que deve ser analisado com cuidado, ao perceber que houve aumento
de responsabilidade dos municípios brasileiros para o atendimento de demandas
públicas e, em contraposição, diminuiu o repasse de recursos financeiros que
deveriam atender tais políticas.
Ao mesmo tempo em que os municípios assumiram maior responsabilidade na
execução de políticas públicas, através da libertação da centralização e da
coordenação da União, procurando alavancar o desenvolvimento local, acabou por
gerar mais endividamento dos municípios e estagnação do desenvolvimento local e
113 LEAL, 2006, p. 54. 114 CARDOZO, Soraia Aparecida. Sistema federativo brasileiro e limites ao desenvolvimento local e
descentralizado. Disponível em <http://www.sep.org.br/artigo >. Acesso em: 12 set. 2009. p.4.
42
regional.115 Isso, sem considerar as naturais diferenças regionais, sejam elas físicas,
culturais ou financeiras.
O problema da descentralização aparece no aumento da competência para
execução de políticas públicas, especialmente aquelas atinentes à saúde e
educação, onde os municípios têm assumido maiores responsabilidades.116
As receitas dos municípios são variáveis de acordo com uma série de fatores,
porque dependem da capacidade econômica, do tamanho do ente federado, do
quão desenvolvida é aquela região onde o município está inserido. Assim, a partir
dos anos 90 ampliou-se a possibilidade de gastos municipais, bem como da
participação da União na divisão de receitas.117
A situação dos anos 90 se deu em exata contradição àquelas reformas
perfectibilizadas nos anos 60118, época em que o sistema tributário era
absolutamente centralizador e a União detinha o poder de imposição de impostos e
de manipulação de alíquotas em todos os níveis, deixando os Estados e os
Municípios sem receita garantida, ferindo o sistema federativo, ao mitigar a
autonomia tributária dos entes federados. 119
Redemocratizado o país com a publicação de outra carta política em 1988, o
ponto de discussão voltou a ser a autonomia fiscal dos estados e municípios, a fim
de tornarem-se novamente aptos a criar impostos e alíquotas de seus próprios
tributos, já que ausente a receita, por experiência da década de 60, ressente-se
também de autonomia.
As mudanças introduzidas pela Constituição de 1988 institucionalizaram o aumento da participação dos estados na receita disponível do setor governo, o que vinha ocorrendo desde o início da década de 80, por intermédio das transferências negociadas. O governo federal detinha, então, o poder de alocar os recursos segundo as suas prioridades. Com a definição constitucional de critérios para a distribuição de recursos, as receitas de transferências adquiriram a conotação de receitas próprias.
115 CARDOZO, 2009, p. 5. 116 Ibidem, p. 6. 117 Ibidem, p. 6. 118 ABRUCIO, 2008, p. 185. 119 CARDOZO, op. cit., p.6.
43
Assim, apesar de não ter ocorrido necessariamente um aumento de participação na carga tributária, o agregado dos estados assistiu a uma elevação dessa receita.120
Como definido anteriormente, “[...] a CF/88 buscou reforçar o sistema
federativo, com a autonomia dos municípios, diminuindo a ingerência da União e
transferindo recursos sem qualquer vinculação dos municípios”121. Com a “[...]
retomada da autonomia devolveu aos entes federados as possibilidades de receitas
fiscais que haviam sido extirpadas naquele período político autoritário”122.
No início da década de 90, a União - passa a criar contribuições sociais,
especialmente a recém extinta CPMF, que incidia sobre as movimentações
financeiras e, a COFINS que serve para o financiamento da seguridade social -
retoma a concentração de receitas, porque tais contribuições não estão sujeitas ao
repasse aos estados e municípios. Evidenciou-se então, que a Constituição Federal
de 1988 descentralizou as receitas tributárias e, os entes federados, buscando maior
descentralização, assumiram a responsabilidade pela execução das políticas
atinentes à saúde, habitação, educação, segurança, etc, e a União voltou a
centralizar receitas, ao criar contribuições sociais que não são necessariamente
repartidas com os municípios.123
Possivelmente, foi neste ponto que a solidariedade federativa cedeu espaço à
concorrência entre os entes federados. O engessamento124 das receitas municipais,
“[...] a Lei de responsabilidade fiscal”125 entre outros fatores, como as dívidas dos
entes federados, abrem margem à concorrência que alberga os Estados e
Municípios naquilo que se convencionou chamar de “Guerra Fiscal”.
Se o sistema federativo é capaz de apresentar estas disparidades,
especialmente a dependência econômica da União, ainda que lhe seja garantida a
autonomia, é evidente que as políticas descentralizadas e coordenadas nos espaços
120 MORA, Mônica. Federalismo e dívida estadual no Brasil. Disponível em <http://www.cipedya.com>
Acesso em: 12 set. 2009. p. 17. 121 CARDOZO, 2009, p. 6. 122 Ibidem, p. 6. 123 Ibidem, p. 6. 124 Ibidem, p. 7. 125 Ibidem, p. 7-8
44
locais acabam não resultando no desenvolvimento aspirado, face às desigualdades
regionais.
A valorização do espaço local deve ser feito através do desenvolvimento
nacional. “[...] o Estado Nacional deve promover políticas de desenvolvimento que
incorporem todo o território nacional, considerando-se as disparidades e atuando no
sentido de sua redução.”126
A valorização do espaço local deve ser prestigiada como forma de participação
nas decisões políticas, como lócus de discussão de interesses a serem atendidos
mediante a execução de políticas públicas, mas sozinhos os municípios não são
capazes de proporcionar políticas públicas satisfatórias sem que antes haja a
retomada da cooperação entre os entes federados, pois a ideia de desenvolvimento
local autônoma e descentralizada apenas solidificará disputas que poderão levar à
ruína dos municípios ou do próprio sistema federativo.
Exatamente em atenção às políticas fiscais que devem ser cooperativas
evitando-se a concorrência entre os entes federados, é que serão abordadas a
seguir, as políticas públicas e políticas tributárias no âmbito brasileiro, com base no
cenário mundial do final do século XX e início do século XXI.
126 CARDOZO, 2009, p. 7.
45
2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS TRIBUTÁRIAS DE INCLUSÃO SOB A ÓTICA DA
SOLIDARIEDADE SOCIAL
As questões sociais estão no ápice das discussões jurídicas atinentes às
Políticas Públicas, à Sociedade e à Administração Pública. Ao abordar o tema das
políticas públicas, faz-se necessário pontuar esta tríade para a correta compreensão
do assunto.
A preocupação com o coletivo direciona o debate para a necessidade da
atuação do Estado, aqui entendido como a Administração Pública e a orientação
para desenvolvimento de estratégias, programas ou ações que causem efetiva
transformação na sociedade. Não raro, o desconhecimento sobre a conceituação de
políticas públicas traduz-se em ideias circunscritas ao território das ações sociais ou
meramente educativas.
Da mesma forma, a atuação da sociedade é entendida como a participação
nas urnas e quase nada mais, onde o “algo mais”, quando ocorre, não se distancia
de um percentual muito pequeno de processos de participação. Um exemplo da
pequena participação social na construção da própria sociedade pode ser verificada
na oportunidade de escolher as prioridades através do orçamento participativo, onde
os dados decorrentes dessa participação ainda não são expressivos. Isso se deve,
na mesma escala das políticas públicas, pelo fato do Estado e a Administração
Pública não representarem uma versão uníssona aos olhos dos cidadãos, na
medida em que são percebidos de modos distintos, como se atuassem separados e
desconexos perante o seu povo, sem a compreensão da legitimação dos
representantes como mandatários desse mesmo povo. Esse afastamento torna-se
evidente especialmente na exigência da atuação do Estado através de políticas
públicas, em que parece prevalecer o comportamento de exigir atuação ignorando
que a criação, perfectibilização e execução das políticas públicas depende de
planejamento e de recursos públicos obtidos por meio da arrecadação fiscal.
Modernamente o conceito de governo ou de sociedade está vinculado a idéia que se tem de democracia. É necessário um espaço político, com regras e participação dos interessados (cidadãos), onde os interesses da maioria sejam atendidos através de ações governamentais. Certo é que para atingir este estágio, necessário o debate
46
público voltado para as questões coletivas, garantindo-se o respeito aos direitos invioláveis conquistados até o momento.127
Partindo-se dessa ideia, a abordagem das políticas públicas pode ser
estabelecida de duas formas128: uma delas baseada na ordem jurídica e a relação
entre os deveres do Estado e os direitos dos cidadãos, associando-se as políticas
públicas aos direitos sociais e, de outro modo, é possível analisar as políticas
públicas em relação à avaliação e à efetivação dos serviços públicos prestados.129
O Constituinte de 1988, acolhendo as reivindicações dos movimentos organizados, consagrou amplos direitos fundamentais como condição de efetivação de igualdade, reconheceu garantia de acesso dos cidadãos aos serviços públicos sociais, consagrou a universalização dos benefícios da seguridade social, entre outros, traçando diretriz de participação da sociedade na concepção, na execução e no controle de políticas públicas. Propugnando, assim, pela superação do patamar de materialização de direitos, estabeleceu mecanismos de integração dos cidadãos na política e na processualidade administrativa, como forma de garantir crescente legitimidade às decisões.130
A Constituição Federal de 1988 garantiu materialmente em seu conteúdo, os
direitos e deveres individuais, alocando no artigo 5°, ao longo de 77 incisos as
garantias mínimas dos cidadãos individualmente considerados. Depois, atribuiu, no
artigo 7º, distribuídos em 34 incisos e ainda um parágrafo único, aqueles direitos
considerados coletivos.131
A nomenclatura utilizada para a definição de direitos humanos é bastante
vasta, utilizando-se como sinônimos “[...] direitos naturais, direitos do homem,
direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades
públicas, direitos da pessoa, direitos fundamentais do homem”132.
127 LEAL, Rogério Gesta. Estado, Administração Pública e Sociedade: novos paradigmas. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 27. 128 Para efeito deste trabalho, considera-se uma outra via entre essas duas possibilidades,
abordando-se as políticas públicas relacionadas aos direitos sociais, sem, contudo, afastar a importância dos serviços públicos.
129 BONETI, Lindomar Wessler. Políticas públicas por dentro. Ijuí: Editora Unijuí, 2006, p. 7. 130 PIRES, Maria Coeli Simões; NOGUEIRA, Jean Alessando Serra Ciryno. O federalismo brasileiro e
a lógica cooperativa-competitiva. In: PIRES, M. C. S. BARBOSA, M. E. B. (Coord.) Consórcios públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 47.
131 HORTA, 2003, p. 211. 132 OLIVEIRA, 2005, p. 30.
47
Mundialmente, os direitos individuais ganharam novo status a partir da edição
da Constituição do México de 1917 e da Constituição de Weimar em 1919. A alemã
é considerada a Constituição que separa o período do constitucionalismo liberal do
século XVIII e XIX do período do constitucionalismo social, gerado a partir do século
XX.133
No caso do Brasil, os direitos sociais vão se afastando dos individuais e
ganhando um espaço próprio dentro da Constituição. Eles desagregam-se dos “[...]
Direitos Fundamentais para situarem-se em novos títulos dedicados à Ordem
Econômica e Social, à educação e cultura, alargando a divisão material da
Constituição”134. Assim, na busca da efetivação destes direitos surgem conflitos e
dificuldades que merecem constante debate e aperfeiçoamento, especialmente
iniciando pelo conceito de cidadania que é marco inicial da participação dos
cidadãos voltados à organização de um Estado Democrático de Direito e da
efetivação dos direitos e garantias individuais e coletivos.
Ao estabelecer-se a análise da cidadania, é importante discuti-la pelo viés afeto
ao republicanismo135 como forma de governo através da qual se exaltam as virtudes
cívicas, “[...] que são o substrato de uma cidadania ativa, em que cada cidadão, além
de ser parte integrante da comunidade, é também ator das decisões políticas”136.
O Republicanismo democratiza o poder ao torná-lo acessível à população de forma indistinta, ao fazer com que cada cidadão se sinta co-responsável pelas decisões escolhidas e ao estabelecer o sentido da res publica como standard para a conduta dos agentes públicos. [...] Seus conceitos fundamentais, como res publica, virtudes civis, cidadania ativa, supressão de qualquer espécie de domínio, luta contra a corrupção etc., configuram-se como vetores, de conteúdo principiológico, para a regulamentação de uma forma de organização política que revalorize o homem como ser integral, esquecendo-se de sua vertente de homus economicus, que é uma das causas da sua opressão.137
133 HORTA, 2003, p. 220. 134 Ibidem, p. 221. 135 MARTÍN, Nuria Belloso. Os novos desafios da cidadania. Tradução de Clóvis Gorczevski. Santa
Cruz do Sul: Edunisc, 2005, p. 38. 136 AGRA, Walber de Moura. Republicanismo. Porto Alegre: 2005, p. 60. 137 Ibidem, p. 112.
48
A ideia de cidadania é conhecida desde a origem da cultura ocidental e, foi
juridicamente definida no direito romano, com a especial proteção aos cives138 que
gozavam do ius civile. Para Nabais, a cidadania deve ser entendida como a “[...]
qualidade dos indivíduos que, enquanto membros ativos e passivos de um Estado
nação, são titulares de determinados direitos universais”139. Segundo o referido
autor, a titularidade dessa universalidade de direitos consagra estes indivíduos num
patamar de isonomia.
O jurista português defende a existência de três elementos componentes da
ideia de cidadania, quais sejam:
[...] 1) a titularidade de um determinado número de direitos e deveres numa sociedade específica; 2) a pertença a uma determinada comunidade política (normalmente o Estado), em geral vinculada à ideia de nacionalidade; e 3) a possibilidade de contribuir para a vida pública dessa comunidade através da participação.140
Tal posição é também a da professora espanhola Núria Belloso Martín141
descrevendo como elementos da cidadania, os mesmos apresentados por Nabais,
ainda que em ordem diversa, o que, no entanto, não altera a linha de caracterização
da cidadania da referida autora.
A discussão acadêmica e a valorização da cidadania não é algo novo, no
entanto, ainda assim, na atualidade, seu debate é ampliado e incorporado a outras
características face ao reconhecimento dos direitos fundamentais e das
modificações do espaço global, obrigando o alargamento da cidadania, deixando os
limites territoriais, para transpor fronteiras e assumir outras nuances.142 O conceito
de cidadania adquiriu novas formas variando de acordo com a influência das
138 MACIEL, José Fábio Rodrigues. (Coord.). História do Direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.
66. 139 NABAIS, José Casalta. Solidariedade Social, Cidadania e Direito Fiscal. In: GRECO, M. A.;
GODOI, M. S. Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 119. 140 Ibidem, p. 119. 141 [...] uma conjunção de três elementos constitutivos: em primeiro lugar, pertencer a uma
comunidade política determinada (normalmente o Estado) onde se está vinculado geralmente a uma nacionalidade; em segundo lugar, a oportunidade de contribuir na vida política desta comunidade, através da participação. E, por último, a posse de certos direitos assim como obrigações de cumprir certos deveres em uma sociedade específica.” MARTÍN, Nuria Belloso. Os novos desafios da cidadania. Tradução de Clóvis Gorczevski. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2005, p. 45.
142 NABAIS, op. cit., p. 119.
49
diferentes culturas no decorrer da história. Para Vieira143, “[...] a concepção de
cidadania enquanto direito a ter direitos”, num contexto globalizado, tem várias
interpretações, sendo possível afirmar a sua existência plena mesmo existindo uma
desconexão entre os conceitos de nacionalidade e cidadania, distanciando-se do
conceito clássico de cidadania144.
Essa ruptura145 valorizou a cidadania como “[...] uma dimensão puramente
jurídica e política, afastando-a da dimensão cultural existente em cada nação”146. É
possível já perceber, no entanto, “[...] a tendência de alguns autores em afirmar o fim
da cidadania clássica de caráter político, surgindo uma outra cidadania, baseada em
razões econômicas e sociais”147. Nesse aspecto, existe a proposta de uma cidadania
supranacional ou transnacional, valorada como os direitos humanos e fundada nos
mesmos princípios que aqueles direitos.148 E a viabilidade desta posição consolidou-
se, com o surgimento de entidades supranacionais na Europa, cujas mudanças
inicialmente surgiram na dimensão econômica, através da assunção de uma moeda
própria, e que paulatinamente se amplia, chegando à instrumentalização da
discussão de um conceito de cidadania mais abrangente.149
A este respeito, convém mais uma vez, invocar a lição de Nabais ao afirmar
que o conceito de cidadania comporta certos temperamentos e desdobramentos,
cabendo fazer uma “[...] distinção em níveis ou graus de cidadania (graus ou níveis
143 VIEIRA, Liszt. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 22. 144 Idem. Os argonautas da cidadania. A sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro: Record,
2001, p. 239. 145 “[...] Tradicionalmente são cidadãos os nacionais de determinado país. A cidadania é vista como
relação de filiação, de sangue, entre os membros de uma nação. Essa visão nacionalista exclui imigrantes e estrangeiros dos benefícios da cidadania. De outro lado, temos a visão republicana, segundo a qual a cidadania é fundada não na filiação, mas no contrato. Seria inaceitável restringir a cidadania a determinações de ordem biológica. No plano jurídico há dois pólos opostos de definição de nacionalidade que determinam as condições de acesso à cidadania. O jus soli é um direito mais aberto que facilita a imigração e a aquisição da cidadania. [...] O jus sanguinis é um direito mais fechado, pois restringe a cidadania aos nacionais e seus descendentes.” Ibidem, p. 238.
146 Ibidem, p. 239. 147 Ibidem, p. 239. 148 Ibidem, p. 239. 149 “[...] O Tratado de Maastricht conferiu direitos políticos locais a todos os europeus. A Europa e as
regiões – e não apenas o Estado nacional – tratam doravante dos problemas da pobreza, emprego, educação, renovação urbana e rural, igualdade de sexos. Um comitê de regiões, junto ao Parlamento Europeu, pode conceder-lhes um direito legítimo à autodeterminação.” Ibidem, p. 240.
50
superiores e graus ou níveis inferiores ao da cidadania-padrão ou base)”150. Para
salientar a variação destes graus, destaca a existência de uma sobrecidadania, que
é o modelo assumido e exercido na União Europeia, emergindo como o melhor
exemplo de uma cidadania múltipla151. De outro modo, há que se descortinar o ideal
europeu e permitir o exame da subcidadania, onde estão colocados todos aqueles
indivíduos que estão abaixo de um padrão base, de um mínimo de cidadania
exigível, e que não deve ser tolerado como algo normal, sempre forçando, exigindo,
buscando a melhoria e adequação ao nível de cidadania esperado.
Decorrência disso, por extensão, a cidadania tem uma relação com a tributação
e que não pode mais ser negada, pois, dentro de uma visão humanista do direito
tributário, deve haver “[...] universalmente uma preocupação voltada ao exercício dos
direitos fundamentais”152, pois a atividade do Estado não visa apenas arrecadação
financeira para o custeio dos serviços públicos postos à disposição dos cidadãos,
mas apresenta a oportunidade, abre a possibilidade de incluir-se na tributação o “[...]
exercício de direitos públicos subjetivos”153.
A tributação – exatamente por ser o meio de arrecadação financeira - constitui-
se no meio para a consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil, consubstanciada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária;
na garantia do desenvolvimento nacional; na erradicação da pobreza e da
marginalização e na redução das desigualdades sociais e regionais; bem como na
150 NABAIS, 2005, p. 120. 151 Com efeito, se os direitos que operam face à própria União ou em sede da Comunidade
Internacional acrescem, de fato, à cidadania estadual, à cidadania-base, já os direitos que a cidadania da União desencadeia na esfera dos Estados-membros revelam mais uma situação de efetiva subcidadania, ainda que se trate de uma subcidadania qualificada ou privilegiada, do que de uma situação de sobrecidadania. O que vale relativamente às liberdades de livre circulação e de residência e ao direito de votar nas eleições locais dos estrangeiros, sobretudo dos imigrantes nacionais dos outros Estados-membros da União, que não traduzem um aumento real dos direitos da cidadania, antes se limitam a substituir esta e a substituí-la apenas em parte. Por isso, em vez de sobrecidadãos, em vez mesmo de cidadãos, temos afinal de contas subcidadãos, ou melhor, semicidadãos, se bem que semicidadãos privilegiados face aos apátridas e aos estrangeiros cidadãos de Estados não pertencentes à União. Ibidem, op. cit., p. 121.
152 COSTA, 2009, p. 4. 153 Ibidem, p. 4.
51
promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.154
Evidente então que as noções de cidadania e tributação estão unidas, na
medida em que ser “[...] cidadão também é ser contribuinte”155ou seja, ter
possibilidade de contribuir para as despesas e a administração do Estado também é
um modo de exercer a cidadania, logicamente respeitando-se as características de
cada um e a igualdade tributária, que permite o tratamento fiscal isonômico àqueles
que estiverem num mesmo patamar contributivo, respeitando-se as desigualdades,
como meio de cidadania e justiça social.
Por fim, é forçoso concordar com Liszt Vieira quando escreve que “[...] a
cidadania está sendo desafiada e remodelada pelo importante ativismo, em razão da
política transnacional e a evolução social”156 e, num mundo globalizado, a tributação
e a cidadania devem seguir juntas, seja numa visão clássica da cidadania ou na
moderna concepção de sobrecidadania, pois ela se equipara ao nível dos direitos
humanos. Nesse sentido, oportuna é a lição de Darcísio Corrêa que considera que
os:
[...] direitos de cidadania são os direitos humanos, que passam a constituir-se em conquista da própria humanidade. A cidadania, pois, significa a realização democrática de uma sociedade, compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude da vida. Isso exige organização e articulação política da população voltada para a superação da exclusão existente.157
Em relação à tributação, o que se propõe é o exercício da cidadania por meio
da idéia de solidariedade social, ou seja, da possibilidade de, enquanto sujeito com
capacidade contributiva158, que o cidadão possa, contribuindo, ser solidário àquele
outro indivíduo que está abaixo do mínimo de renda tributável, e que da mesma
154 COSTA, 2009, p. 5. Neste ponto, a autora refere-se diretamente ao artigo 3º, I a IV da Constituição
Federal de 1988. 155 Ibidem, p. 5. 156 VIEIRA, 2001, p. 252. 157 CORRÊA, Darcísio. A Construção da Cidadania: reflexões histórico-políticas. Ijuí: UNIJUÍ, 2000, p.
217. 158 O princípio da capacidade contributiva está positivado no art. 145, parágrafo primeiro da CF/88 e
refere-se à capacidade econômica do contribuinte. COSTA, op. cit., p. 73.
52
forma, utiliza os serviços públicos estatais custeados pela arrecadação dos
impostos.
Ainda neste capítulo, tratar-se-á da solidariedade enquanto princípio
constitucional atrelado às políticas tributárias, como um caminho às políticas
públicas de inclusão social, que podem ser efetivadas não apenas em relação à
arrecadação financeira, mas também por meio do manejo adequado da
extrafiscalidade.
2.1 As políticas públicas e o cenário mundial no fi m do século XX
Inúmeros são os interesses contrapostos que buscam, pela via judicial a
efetivação dos direitos fundamentais constitucionalizados. Essa temática é
amplamente discutida e revela uma dualidade que se confronta entre a garantia de
um mínimo de dignidade existencial159 e daquilo que é possível, viável ao Estado
proporcionar.
Para resolver os conflitos atinentes aos direitos sociais que buscam solução -
para dar efetividade aos direitos sociais, como os que se referem, via de regra à
educação, saúde, moradia, transporte - não se pode aceitar que permaneça a
necessária intervenção do Poder Judiciário, a obrigar o Administrador Público ao
cumprimento das determinações constitucionais.
O exercício dos direitos sociais e dos individuais, pode e deve, em caso de
injustiça ou abuso, buscar o abrigo do Judiciário para efetivar ditos direitos, mas o
caminho não pode ser mais e ainda, exaustivamente, apenas o Poder Judiciário.160
Essa realidade deve ser adequadamente valorada, bem como, deve permear as
estratégias sobre políticas públicas, tendo em vista que as demandas sociais serão
159 ‘[...] Não tendo o mínimo existencial dicção constitucional própria, deve-se procurá-lo na idéia de
liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal e da livre iniciativa, nos direitos humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão. [...] O problema do mínimo existencial confunde-se com a própria questão da pobreza.” TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. V III, 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 174.
160 LOPES, José Reinaldo Lima. Justiça e Poder Judiciário ou a virtude confronta a instituição. Disponível em: http://www.usp.br/revistausp/21/03-reinaldo.pdf. Acesso: 23 out. 2009.
53
sempre crescentes em razão do aumento populacional e da diminuição de recursos
naturais face à sua própria finitude.
De acordo com Lopes, é necessária a elaboração de uma política pública que
reconheça e exerça o provimento de determinado serviço público e, enquanto existir,
a execução de tal política deverá obedecer as determinações de continuidade,
eficiência, impessoalidade, moralidade, nos exatos limites dos princípios do direito
administrativo.
Na mesma medida há que se reconhecer a necessidade de que tais serviços
exigem receitas, capital humano e material para sua execução, pois na falta de
política pública, continuará a ser no Judiciário que essa efetivação será
permanentemente reivindicada, mantendo-se a constante insatisfação e pressão por
soluções que atendam a população, proporcionando-se apenas o mínimo de direitos
sociais em tese garantidos, reservando-se aos cidadãos apenas o que é
minimamente possível à Administração pública executar. Essa situação não trará
qualquer melhoria, senão alimentará o círculo vicioso das políticas públicas
ineficientes e dos direitos fundamentais minimamente garantidos.
A elaboração de políticas públicas, de acordo com Dias161, pode ser creditada
ao Poder Legislativo ou Executivo, mas não é encargo do Poder Judiciário criar
estas políticas. No entanto, alerta que se uma política servir para prejudicar ou violar
os direitos individuais ou coletivos, entrar-se-á em outra esfera que atinge o Poder
Judiciário, pois tal violência ou prejuízo maculará o direito, dando-lhe o caráter de
injustiça e, havendo conflito, poderá haver a atuação e o controle judicial.
Trata-se de uma intervenção derivada, pois depende da formulação prévia de uma política ou mesmo de uma omissão, quando evidentemente há um dever legal ou constitucional de produzi-la. [...] conquanto que se possa admitir que não haja uma intervenção originária e direta na formação de uma política pelos processos deliberativos típicos da atuação parlamentar e da formação da decisão executiva, não se deve deixar de reconhecer que cabe ao Judiciário o controle dessas políticas do ponto de vista da preservação de direitos.162
161 DIAS, Jean Carlos. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Método, 2007, p. 43. 162 Ibidem, p. 44.
54
Nos países periféricos163, especialmente aqueles situados na América do Sul, é
possível perceber claramente, como no Brasil, uma estrutura social e econômica
amplamente injusta, marcada por inúmeros programas e políticas ditas “sociais” que
são características indicativas de uma sociedade desigual, na medida em que tais
políticas têm caráter predominantemente clientelista164, enraizadas a partir de uma
ordem política pouco preocupada com os problemas reais de seu povo, diluídas
numa democracia marcada pela passividade de seus componentes165.
A importância de discutir políticas públicas de efetividade para direitos sociais
deve ser tratada com a maior relevância na medida em que, no atual cenário
brasileiro, o país apresenta estatísticas de pobreza que giram em torno de 30% da
população166. Dentre este percentual, a maioria encontra-se em condições de
indigência, ou seja, boa parte da população vive com renda abaixo de um dólar por
dia167, o que ofende, sem dúvida, o direito de existência humana digna, previsto
constitucionalmente.
A realidade brasileira tende a gerar concentração de renda, constituindo-se
numa economia capitalista, desenvolvendo no País níveis elevados de
desigualdade, desemprego, baixos salários e aumento do trabalho informal,168 que
aliados à estratégia de acúmulo de capital e informatização dos meios de produção,
fazem com que, num modelo neoliberal, o Estado acabe por “ceder” parte de sua
soberania - porque integrante de uma política globalizada -,169 acentuando ainda
163 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice. O social e o político na modernidade. 4. ed.
São Paulo: Cortez, 1997, p. 286. 164 SCHMIDT, João Pedro. Gestão de Políticas Públicas: elementos de um modelo pós-burocrático e
pós-gerencialista. In: REIS, J.R.; LEAL, R. G. Direitos Sociais e Políticas Públicas. Tomo 7, Santa Cruz do Sul: Edunisc, p. 1988 – 2032, 2007, p. 2000.
165 LIMA, João Vicente R.B. C; CAMPOS, Rosana. Desigualdades Sociais e pobreza: buscando novos enquadramentos. In: BAQUERO, Marcello. (Org.). Capital Social, desenvolvimento sustentável e democracia na América Latina. Porto Alegre: UFRGS, 2007, p. 57.
166 Ibidem, p. 58. 167 Ibidem, p. 59. “[...] A literatura sobre o tema classifica dois tipos de pobreza: a absoluta e a
relativa. A pobreza absoluta é aquela em que as pessoas estão abaixo de um padrão de vida considerado minimamente aceitável. Pobreza relativa é caracterizada pela situação de pessoas que tem um nível de vida baixo em relação à sociedade em que vivem.”
168 RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas tributárias de desenvolvimento e de inclusão social: fundamentação e diretrizes, no Brasil, frente ao princípio republicano. In: REIS, J. R.; LEAL, R. G. (Org.). Direitos Sociais e Políticas Públicas. Desafios Contemporâneos. Tomo 7, Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007, p. 1902.
169 DULCE. Maria José Farinas. Mercado sin ciudadania - Las falácias de la globalización neoliberal. Madrid: Biblioteca Nuova. 2005, p. 139.
55
mais as desigualdades e desestimulando a participação social efetiva. Em outras
palavras, pode-se dizer que “[...] la ideologia de la globalización y de la
desterritorialización pretende imponer, pues, una globalización política y económica
sin democracia y sin participación, sin ciudadanos, solo con clientes consumistas”170.
Ao fazer a análise do contexto mundial no final do século XX e as perspectivas
para o século XXI, Bernardo Kliksberg associa uma série de modificações na
estrutura mundial, globalizada, especialmente no tocante àquelas que alteram a vida
cotidiana, por representarem modificações nos meios de produção através daquilo
que denominou de revolução tecnológica, face às importantes transformações nos
campos técnico e científico.171
O cenário mundial aparece dominado por novos componentes eletrônicos,
biocombustíveis, e pela criação em larga escala de produtos geneticamente
modificados, que são apenas alguns exemplos das transformações que afetam todo
o planeta, pelo encurtamento de distâncias, o avanço nas pesquisas tecnológicas e
a comunicação em tempo real.
O século XXI vai iniciar-se dominado pela microeletrônica, a biotecnologia, as telecomunicações revolucionadas, a informática, a robótica e as novas linhas de trabalho para a produção de materiais que substituem as matérias-primas tradicionais. Paralelas a estas, ocorrem as mudanças geopolíticas: o desaparecimento da União Soviética, o término da guerra fria e as possibilidades de desarmamento modificaram o “habitat” político e junto com estas situações, outro movimento, que foi caracterizado pelo programa das nações unidas para o desenvolvimento (PNUD) como “impulso irresistível em favor da participação” ou seja, a vontade da população mundial de participar dos sistemas de governo. O povo quer democracias genuínas nas quais possa intervir e tenha o controle do seu destino.172
Em relação ao cenário econômico, Kliksberg173 destaca os grandes grupos
como “[...] a União Europeia; Estados Unidos, Canadá-México; Japão e seus
170 DULCE, 2005, p. 144. 171 KLIKSBERG, Bernardo. O desafio da exclusão. São Paulo: Fundap, 1997, p. 50. 172 Ibidem, p. 50. 173 Já Fiori, de forma menos pessimista que Kliksberg, destaca “[...] a presença do Brasil como
integrante do BRICS - sigla utilizada para designar Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - no novo cenário mundial do Século XXI, cujo papel ainda não está muito claro e depende de uma análise mais profunda sobre o mérito ou não do País em participar do núcleo dos países emergentes.” FIORI, José Luiz. A nova geopolítica das nações e o lugar da Rússia, China, Índia, Brasil e África do Sul. Disponível em: < http://www.revistaoikos.org>. Acesso em: 27 jun. 2008, p. 77.
56
vizinhos”174 e a existência de barreiras internas destes blocos, inibindo a participação
de outros países que não estejam de acordo com o modelo econômico que circula
naquele determinado bloco econômico.
Neste compasso, entre as décadas de 1960 e 1990 a diferença de renda entre
os 20% mais abastados e os 20% mais pobres do planeta aumentou
consideravelmente, o que gerou a migração dos países menos desenvolvidos para
os países centrais em busca de melhores condições de renda. Essa ocorrência
migratória acabou gerando níveis de desigualdade também nos países
desenvolvidos, especialmente pelas dificuldades de permanecer naqueles países
em condições legais de moradia e trabalho.175
Face às constatações de que os mercados econômicos livres geram
desenvolvimento e ao mesmo tempo concebem maiores desigualdades sociais, no
período do fechamento do século XX e início do século XXI, pela substituição dos
meios de produção em razão das modernizações tecnológicas, que deixaram sem
alternativa aqueles indivíduos substituídos por processos de produção
automatizados, muitos questionam os instrumentos pelos quais são estabelecidos os
índices de desenvolvimento social.
Nas extensas áreas do mundo não desenvolvido ou em desenvolvimento da América Latina, África, Ásia e Europa Oriental, um ponto fundamental ao papel do Estado é determinar em que consiste o progresso social. Diferentes organismos internacionais como Pnud, Unicef, a Unesco, OMS e outros têm questionado a utilização de critérios puramente economicistas para o exame da questão. Há consenso de que para uma sociedade avançar é preciso certos equilíbrios macroeconômicos básicos, eliminar a inflação, ter estabilidade. Contudo, embora sejam imprescindíveis, esses não são o fim último do progresso social. Pelo enfoque que o Pnud expõe sobre o Desenvolvimento Humano, para que haja progresso é preciso que se prolongue o tempo de vida das pessoas, que melhore a qualidade de vida nestes anos; que cada pessoa possa ter controle sobre sua vida; que todos tenham acesso a bens culturais e ao maior conjunto possível dos elementos que fazem a essência do ser humano como entidade pensante, livre e participativa.176
O problema é que o desenvolvimento humano não tem sido eleito como
prioridade dos governos, por isso, utilizar o quesito da renda per capita para medir o
174 KLIKSBERG, 1997, p. 50. 175 Ibidem, p. 54. 176 Ibidem, p. 55.
57
índice de progresso social serve para ocultar esse descaso. A análise social pela
renda apresenta valores irreais, que mascaram a realidade, pois, não revelam se
“[...] houve ou não melhora na vida das pessoas”,177 que é o que efetivamente
interessa ao real desenvolvimento social.
Diante disso, não é mais aceitável a afirmação de que crescimento econômico
significa desenvolvimento social. Para averiguar com maior exatidão o
desenvolvimento social, o melhor mecanismo é proceder à colheita de dados através
de critérios que incluem o Índice de Desenvolvimento Humano178, somente com a
análise dos resultados obtidos nesta coleta de dados é que se poderá verificar se
houve ou não progresso, “[...] inclusão social, sustentabilidade ambiental e qualidade
de vida”179. Como salienta Schmidt,
[...] inclusão social é um tema novo para um nome antigo, o tema da pobreza e das desigualdades sociais. A agudização das desigualdades provocada pela globalização conferiu a esse conceito um sentido de urgência, tornando-o um elemento prioritário na agenda política [...] há concordância crescente a respeito da imprescindível presença do Estado através de políticas públicas para viabilizar o desenvolvimento com inclusão social.180
Ao repensar o Estado depois das mudanças macroeconômicas, Kliksberg
sugere que as instituições governamentais passem da fase da administração e
invoquem a gerência pública com eficiência para enfrentar os novos tempos.
Ao tratar as possibilidades de redesenho do Estado para a melhoria de
serviços sociais Kliksberg apoia a descentralização da administração em favor das
regiões metropolitanas ou de Municípios. Cita como exemplo os serviços de saúde,
de educação, baseado no aspecto de melhor gerir tais serviços que serão prestados
em maior grau de eficiência, pois sendo administrados próximo das necessidades da
177 KLIKSBERG, 1997, p. 57. 178 SCHMIDT, João Pedro. Gestão de Políticas Públicas: elementos de um modelo pós-burocrático e
pós-gerencialista. In: REIS, J.R.; LEAL, R. G. Direitos Sociais e Políticas Públicas. Tomo 7, Santa Cruz do Sul: Edunisc, p. 1988 – 2032, 2007, p. 1988.
179 Ibidem, p. 1988. 180 Ibidem, p. 1989.
58
população, terão maior dinâmica e efetividade consubstanciando-se em melhor
prestação estatal.181
Ao referir o assunto, Schmidt chama a atenção para algumas ambiguidades
sobre o tema. Defende o referido autor, que a descentralização ganhou novo status,
no Brasil, pós 1988, como revelação do intuito da participação popular na
administração pública, isto é, como alternativa ao modelo centralizador. Salienta
ainda que “[...] foi a confluência do pensamento de direita e de esquerda acerca da
descentralização que conferiu um forte viés municipalista à Constituição de 1988”182.
E por identificar uma série de problemas, o autor não acredita apenas na
descentralização como solução para a efetividade das políticas públicas.
Fazendo um balanço da descentralização, Kliksberg e Schmidt concordam que
a descentralização trouxe benefícios e problemas. Como avanços, exemplificam o
progresso dos novos municípios183 e, como problemas, teorizam que eles podem
ocorrer no início da descentralização, pois, se não houver previsão orçamentária
definida, já estará inviabilizada a prestação do serviço.
Alinham, ainda, como situação problema, o fato de que a política escolhida
para a prestação do serviço público seja gerida no âmbito local e essa proximidade
poderá causar algumas dificuldades. Citam como exemplos de possíveis
inconvenientes a inexperiência do gestor, o despreparo dos agentes municipais e,
ao mesmo tempo, a gestão da política ainda poderá ser comprometida ante a
possibilidade de o administrador ceder à pressões, face a vulnerabilidade dos
governos locais, bem como, alto risco do clientelismo.184
181 KLIKSBERG, Bernardo. Repensando o Estado para o desenvolvimento social. Superando dogmas
e convencionalismos. 2. ed. Trad. Joaquim Ozório Pires da Silva. São Paulo: Cortez Editora, 2002, p. 62.
182 SCHMIDT, 2007, p. 2015. 183 Ibidem, p. 2015. 184 KLIKSBERG, op. cit., p. 67.
59
Posta dessa maneira, a descentralização185 por si só, parece não representar
uma solução ideal. Ocorre, no entanto, que se a descentralização da administração
dos serviços públicos não é a solução face aos riscos, a centralização tão pouco o é.
Se essas formas extremas apresentam problemas, é preciso então, pensar o modo
jurídico de quantificar a descentralização. A resposta, pois, aparece no próprio texto
constitucional, pois há que se mover o Estado através de “[...] soluções cooperativas
federativas, na medida que enfatiza a busca de um equilíbrio entre desenvolvimento
e bem-estar no contexto nacional”186, representados nos incisos II e III do artigo 3º.
da Constituição Federal de 1988, que são os objetivos fundamentais de garantir o
desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais. Assim, interessante é a posição apresentada por
Schmidt ao lecionar:
[...] o redesenho institucional requerido nesse terreno deve pautar-se pela visão sistêmica, visando a um equilíbrio entre a descentralização das políticas e a sua articulação vertical. O Sistema Único de Saúde é um exemplo que combina descentralização e articulação vertical: o financiamento é compartilhado entre União, Estados e Municípios; há mecanismos de controle em várias esferas; a gestão das atividades está na esfera local, cujo órgão deliberativo, o Conselho Municipal de Saúde contempla a participação da Sociedade Civil.187
Logo, a descentralização não pode significar apenas o repasse das
responsabilidades188 aos entes locais, mas exige cooperação189 e coordenação190
185 “[…] a descentralização é defendida no Brasil sob relativo consenso em múltiplas conotações, seja
como mecanismo político de reforço do federalismo e de fortalecimento da democracia e equilíbrio dos núcleos de poder, seja, ainda, como estratégia administrativa de gestão e de eficiência alocativa de recursos.” PIRES, M. C. S.; NOGUEIRA, J. A. S. C. O federalismo brasileiro e a lógica cooperativa-competitiva. In:______BARBOSA, M. E. B. (Coord.) Consórcios Públicos. Instrumentos do Federalismo Cooperativo. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, p. 39.
186 Ibidem, p. 43. 187 SCHMIDT, 2007, p. 2016. 188 “[...] Não há (sic) negar a imprescindibilidade da presença da União e dos Estados-Membros na
solução dos problemas metropolitanos, tamanhos os desafios que se apresentam nesse plano, consoante evidências que se colhem de dados do IBGE, reveladores da absurda concentração de cerca de 51% da população brasileira em área de 1,8% do território nacional, compondo um quadro metropolitano caótico que alia a maior acumulação do PIB nacional às mais profundas deseconomias de escala do País. Sem a presença suficientemente forte do Estado no espaço da unidade regional administrativa, por ele mesmo titularizada, e ao mesmo tempo, subsidiária da ação municipal não se vislumbram perspectivas de reversão dos desequilíbrios e do desenvolvimento de uma gestão integrada e eficaz de funções públicas de interesse comum.” PIRES, M. C. S.; NOGUEIRA, J. A. S. C. 2008, p. 45.
189 ‘[...] Não há que se entender por ações cooperativas de equilíbrio em plano nacional apenas soluções “compreensivas” ou globais, mas, antes, as possíveis alternativas parcializadas que possam convergir para a consecução dos objetivos. Mesmo porque peculiaridades regionais e
60
entre as esferas federadas para a gestão e aperfeiçoamento das políticas públicas.
Essa cooperação poderá exigir maior capacidade de articulação, ou seja, maior
capacidade política em nível nacional, que deverá ser considerada pelos vários
níveis da federação. Havendo esta articulação, por consequência, haverá a
efetivação dos direitos através da prestação de serviços públicos de qualidade
prestados mediante políticas públicas.
2.2 Política e políticas públicas: conceito e forma ção
2.2.1 O conceito de política
O termo política pode ser usado para designar uma variedade de situações,
sem significar, contudo, a análise ou vinculação a determinada estratégia
governamental ou algum processo político específico. Política pode ser entendida
como um objetivo a ser alcançado, como por exemplo, a busca da estabilidade
econômica; pode ser uma determinada proposição específica como a de baixar ou
zerar os níveis inflacionários; pode representar um ato decisório de governo diante
de situações especiais ou de emergência; pode ser um programa que contemple um
determinado projeto de organização e recursos; política pode ser, também, sinônimo
de resultado.191
O conceito de política também é variado e pode ser definido como “[...] uma
teia de decisões que alocam valor”192 ou “[...] como um conjunto de decisões inter-
relacionadas, concernindo à seleção de metas e aos meios para alcançá-las, dentro
de uma situação especificada”193.
outros fatores assemelhados podem desafiar formatos e estratégias distintas de colaboração, assim como recortes setoriais específicos.” Ibidem, p. 43.
190 “[...] Parece que para a não pulverização da própria forma de Estado, que tal coordenação deve caber à União, bem como que tal coordenação exige sua intervenção.” RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias e Federalismo: uma leitura possível do caso brasileiro. In: LEAL, Rogério Gesta. Direitos Sociais e Políticas Públicas. Tomo 3, Santa Cruz do Sul, EDUNISC, 2003, p. 909.
191 GOMES, E.; SCALCO, T; STEFENUTO, G. Metodologias para análise e Implementação. Sine Loco: GAPI/Unicamp, 2002, p. 159.
192 EASTON, 1953, apud GOMES, E.; SCALCO, T; STEFENUTO, G., 2002, p. 159. 193 JENKINS, 1978, apud GOMES, E.; SCALCO, T; STEFENUTO, op. cit, p. 159.
61
Assim, na definição de políticas deve-se ter em conta que, por ser uma teia, a
política assume diversos conceitos e envolve ações e omissões, comportamentos e
intenções, grande número de atores sociais e governamentais e não é, como pensa
a maioria, ato isolado apenas dos gestores públicos.194
2.2.2 A formação das políticas públicas
Conceituar políticas públicas não é uma tarefa das mais simples, porque
variados são os conceitos e, num primeiro momento, o tema parece ajustar-se mais
ao campo da Ciência Política195 e não tanto ao meio jurídico. Mas essa dúvida logo
se esvai ao manejar-se o conceito de Estado como um prestador de serviços
públicos, cujas funções devem estar voltadas à realização dos direitos sociais,
incluindo-se os direitos econômicos.196
A partir da ideia anterior, alinha-se o entendimento sobre políticas públicas de
Maria Paula Dallari Bucci buscando-se maior compreensão do tema. De acordo com
a referida autora,
[...] políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Políticas Públicas são metas coletivas conscientes.197
Nessa conceituação, Bucci coloca a política como atividade que tenha
consciência da estrutura e do modo organizacional do poder198. Já Cristiane Derani
separa os termos “políticas” e “públicas” para analisar distintamente, expondo que o
194 JENKINS, 1978, apud GOMES, E.; SCALCO, T; STEFENUTO, 2002, p. 160. 195 BONETI, 2006, p. 75. Para este autor “[…] é possível compreender como políticas públicas as
ações que nascem do contexto social, mas que passam pela esfera estatal como uma decisão de intervenção pública numa realidade social, quer seja para fazer investimentos, ou para uma mera regulamentação administrativa. Entende-se por políticas públicas o resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelece no âmbito das relações de poder, relações essas constituídas pelos grupos econômicos e políticos, classes sociais e demais organizações da sociedade civil. Tais relações determinam um conjunto de ações atribuídas à instituição estatal, que provocam o direcionamento (e/ou redirecionamento) dos rumos de ações de intervenção administrativa do Estado na realidade social e/ou de investimentos. Nesse caso, pode-se dizer que o Estado se apresenta apenas como um agente repassador à sociedade civil das decisões saídas do âmbito da correlação de forças travada entre os agentes do poder [...]”.
196 OLIVEIRA, 2005, p. 71. 197 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002,
p. 240. 198 Ibidem, p. 242.
62
primeiro termo significa “[...] atos oriundos das relações de força na sociedade”199, e
se concretizam materialmente nas mais diversas formas. Já em relação ao segundo
termo, considera que públicas são “[...] as ações quando comandadas por agentes
estatais e destinadas a alterar as relações sociais existentes”200.
São políticas públicas porque são manifestações das relações sociais refletidas nas instituições estatais e atuam sobre campos institucionais diversos, para produzir efeitos modificadores na vida social. São políticas públicas porque empreendidas pelos agentes públicos competentes, destinadas a alterar as relações sociais estabelecidas. Evidentemente, tratando-se de ações promovidas pelo agente público, destinadas à sociedade, as finalidades destas políticas serão sempre – para serem aceitas pelo direito – em função do interesse coletivo.201
As políticas públicas são complexas e dependem de vários elementos que
serão reunidos a fim de atingir um objetivo comum, previamente determinado.
Quando são fixadas as ações para dar materialidade aos dispositivos
constitucionais, perfectibilizados através de programas, eles exigem a demarcação
do seu objeto, bem como o limite que a tais objetivos - quando alcançados - devem
se prestar, como por exemplo: fiscalizar, orientar, comandar ou mesmo
supervisionar.
Por outro lado, é preciso combater as interações das quais derivam as políticas
sociais em que os objetivos não sejam convergentes ao interesse comum. Essas
políticas não podem “[...] derivar para a proteção de elites, de minorias organizadas,
de interesses econômicos de grupos influentes, sem qualquer ganho social e com
agressão aos direitos fundamentais dos cidadãos”202. Assim, políticas públicas,
[...] configuram decisões de caráter geral que apontam os rumos e linhas estratégicas de atuação governamental, reduzindo os efeitos da
199 DERANI, Cristiane. Privatização e serviços públicos: as ações do Estado na produção econômica.
São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 239. 200 Ibidem, p. 239. 201 Ibidem, p. 239. Para Maria Paula Dallari Bucci “[...] o adjetivo “pública” justaposto ao substantivo
“política’, deve indicar tanto os destinatários como os autores da política. Uma política é pública quando contempla os interesses públicos, isto é, da coletividade [...] com realização desejada pela sociedade. Mas uma política também deve ser expressão de um processo público, no sentido de abertura à participação de todos os interessados, diretos e indiretos, para a manifestação clara e transparente das posições em jogo. Nesse sentido, o processo administrativo de formulação e execução das políticas públicas é também processo político, cuja legitimidade e cuja “qualidade decisória, no sentido de clareza das prioridades e dos meios para realizá-las, estão na razão direta do amadurecimento da participação democrática dos cidadãos.” BUCCI, 2002, p. 269.
202 DIAS, Jean Carlos. O Controle Judicial das Políticas Públicas. São Paulo: Método, 2007, p. 47.
63
descontinuidade administrativa e potencializando os recursos disponíveis ao tornarem públicas, expressas e acessíveis à população e aos formadores de opiniões as intenções do governo no planejamento de programas, projetos e atividades.203
Bem salienta Oliveira204 ao comentar o conceito de políticas públicas com um
olhar além de metas e programas determinados na Constituição, mas considera que
o conceito serve “[...] para abarcar as próprias ações concretizadoras ou
implementadoras do agente público estatal em esforço conjunto, coordenado e
cooperativo com a iniciativa privada”.
Assim, concorda-se com Oliveira no sentido de que Políticas Públicas podem
ser conceituadas como ações ou programas desenvolvidos pelo Estado, ou pelo
Estado em cooperação com outras pessoas físicas ou jurídicas, que visem a
promover a dignidade humana em todos os níveis.205
Por fim, serão de inclusão social aquelas políticas articuladas no âmbito estatal
ou mediante parcerias para promover a cidadania com dignidade humana, buscando
a construção daqueles ideais estabelecidos no artigo 3º. da Constituição Federal de
1988, qual sejam, aqueles ideais que tiverem por finalidade a edificação de uma
sociedade livre e solidária, aqui se incluindo como instrumentos, as políticas
tributárias, que adiante serão pontuadas.
2.2.3 As dimensões das políticas públicas em seus a spectos conceituais
Existem diferentes termos para distinguir as diversas dimensões das políticas
públicas. De acordo com Schmidt, são respeitados aqueles conceitos estabelecidos
na doutrina escrita originariamente em língua inglesa, que os dividiu em três: “a
polity, politics e policy. Tais expressões designam, respectivamente, a dimensão
institucional da política, a processual e a material”206.
203 SCHMIDT, João Pedro. Para entender as Políticas Públicas: aspectos conceituais e
metodológicos. In: REIS, J. R., LEAL, R. G. Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8, Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008, p. 2313.
204 OLIVEIRA, 2005, p. 69. 205 Ibidem, p. 69. 206 SCHMIDT, op. cit, p. 2310.
64
São afeitos à dimensão da polity os aspectos que servem de estrutura da
política institucional, como o funcionamento do Executivo, Legislativo e Judiciário, os
sistemas de governo e o todo esquema burocrático.207
Já a dimensão denominada politics abrange toda a disputa pelo poder. É
composta pelos processos que formam a organização da política e os embates da
competição pelo poder. De acordo com Schmidt, além das relações de poder entre
os três poderes, são características da politics, “[...] o processo de tomada de
decisão nos governos, as relações entre Estado, mercado e sociedade civil, a
competição eleitoral e parlamentar, a atuação e a relação dos partidos [...]”208.
A última medida da política é a policy, expressão que abarca as ações do
Estado, compreendendo os conteúdos concretos das políticas, ou seja, as políticas
públicas propriamente ditas.209
As políticas se materializam em diretrizes, programas, projetos e atividades que visam a resolver problemas e demandas da sociedade. Pertencem à dimensão da policy as questões relativas às políticas de um modo geral: condicionantes, evolução, atores, processo decisório, resultados, etc.210
Como é possível perceber, o estudo compartimentado das dimensões das
políticas, torna o entendimento menos complexo, na medida em que todas as
dimensões caminham juntas, na formação das políticas públicas.
O pesquisador gaúcho Lindomar Wessler Boneti lembra que a construção das
políticas públicas é entremeada de várias etapas que vão desde a elaboração até a
operacionalização.211 Já João Pedro Schmidt, analisando as fases das políticas
públicas, preleciona que boa parte da doutrina identifica cinco, quais sejam:
percepção e definição de problemas, inserção na agenda política, formulação,
implementação e avaliação.212
207 SCHMIDT, 2008, p. 2310. 208 Ibidem, p. 2310. 209 Ibidem, p. 2310. 210 Ibidem, p. 2311. 211 BONETI, 2006, p.73. 212 SCHMIDT, op. cit., p. 2313.
65
Existem ainda, outras classificações, baseadas em distintos critérios, tais como
a que distingue políticas sociais de políticas econômicas ou macroeconômicas. As
políticas econômicas “[...] são compostas basicamente por políticas fiscais e
monetárias, abrangendo questões como o controle da taxa de juros, a inflação, a
taxa de câmbio, o comércio internacional, os incentivos [...]”213.
Sobre as políticas tributárias se tratará a seguir. Mas a questão que desde já
desperta o interesse é saber de que modo as políticas públicas ligadas à tributação
podem servir para realizar a solidariedade social e a cidadania.
2.3 As políticas públicas tributárias
O Estado tem na tributação a sua essência. Essa capacidade de buscar na
sociedade, de forma legítima, os recursos necessários para formar a base material
de um Estado de Direito, denominada fiscalidade. Ela é, também, um centro
nevrálgico do poder do Estado.214 Por sintetizar numa palavra a viabilidade da
efetivação de todas as outras formas de poder, a fiscalidade e as suas variações
representam um desafio e importante ferramenta de organização de políticas
públicas, voltadas à inclusão social.
2.3.1 Funções dos tributos: fiscalidade, extrafisca lidade e parafiscalidade
Ao referir a função dos tributos, a doutrina é sucinta sobre o assunto, fixando
rapidamente os conceitos de fiscalidade e extrafiscalidade. Já a parafiscalidade é
observada em relação ao sujeito ativo da obrigação tributária. Leciona Carvalho que
tais termos são utilizados “[...] para representar valores finalísticos que o legislador
imprime na legislação tributária, manipulando as categorias jurídicas postas à sua
disposição”215.
213 SCHMIDT, op. cit., p. 2313. 214 COSTA, Wilma Peres. Conflito e convergência na construção do centro político: repensando a
questão da centralização no Império. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de. (Coord.) Curso de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: Saraiva, 2008, p.87.
215 CARVALHO, 2000, p. 228.
66
Para maior clareza, transcrevem-se algumas lições, como a de Luciano Amaro,
Carvalho, Costa e Machado, dentre outros, no intuito de aclarar as funções dos
tributos, que servem de instrumento às políticas tributárias216.
[...] segundo o objetivo fixado pela lei de incidência seja (a) prover de recursos a entidade arrecadadora ou (b) induzir comportamentos, diz que os tributos tem finalidade arrecadatória ou (fiscal) ou finalidade regulatória (ou extrafiscal). Assim, se a instituição de um tributo visa, precipuamente, a abastecer de recursos os cofres públicos (ou seja, a finalidade da lei é arrecadar), ele se identifica como tributo de finalidade arrecadatória. Se, com a imposição não se deseja arrecadar, mas estimular ou desestimular certos comportamentos, por razões econômicas, sociais, de saúde, etc., diz-se que o tributo tem finalidades extrafiscais ou regulatórias.217
De acordo com Paulo de Barros Carvalho, estar-se-á diante de uma situação
de fiscalidade sempre que os tributos “[...] estejam voltadas ao fim exclusivo de
abastecer os cofres públicos, sem que outros interesses – sociais, políticos ou
econômicos – interfiram no direcionamento da atividade impositiva”218. De outro lado,
se a situação a ser prestigiada é social, financeira ou de grande valor político, à qual
o tratamento dispensado é mais ou menos gravoso “[...] perseguindo objetivos
alheios aos meramente arrecadatórios”219 estar-se-á, então, falando em
extrafiscalidade, que consiste
[...] no emprego de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade não poderia deixar de ser aquele próprio das exações tributárias [...].220
Relacionando com a competência tributária, Costa distingue fiscalidade como a
“[...] exigência de tributos com o objetivo de abastecimento dos cofres públicos, sem
que outros interesses interfiram no direcionamento da atividade impositiva [...] como
meio de geração de receita”221. Extrafiscalidade, por outro lado, coloca-se como a
216 “[...] O uso extrafiscal do tributo significa o alcance de fins distintos dos meramente arrecadatórios
mediante o exercício das competências tributárias (poder de criar e alterar tributos) outorgadas pela Constituição Federal às pessoas políticas União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Nesse sentido, será possível através do exercício de competências (poderes limitados, prerrogativas) tributárias outorgadas às pessoas jurídicas de direito público mencionadas, atingir objetivos relevantes de natureza social, econômica e até mesmo, política.” BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos, Extrafiscalidade e não-confisco. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 40.
217 AMARO, 2008, p. 89. 218 CARVALHO, op. cit., p. 228. 219 Ibidem, p. 229. 220 Ibidem, p. 230. 221 COSTA, 2009, p. 48.
67
utilização de instrumentos tributários visando a finalidades “[...] incentivadoras ou
inibitórias de comportamentos”222 para realização daqueles valores que foram
garantidos constitucionalmente.
Por fim, Machado223, alinhando de forma direta, demonstra que a função de um
tributo é fiscal quando “[...] seu objetivo é a arrecadação de recursos financeiros para
o Estado”. Considera, ainda, o tributo extrafiscal quando o “[...] seu objetivo principal
é a interferência no direito econômico, buscando um efeito diverso da simples
arrecadação de recursos financeiros”. Define Coelho224 que a extrafiscalidade é a
“[...] utilização dos tributos para fins outros que não os da simples arrecadação de
meios para o Estado. Nesta hipótese, o tributo é instrumento de políticas
econômicas, sociais, culturais, etc”.
É de salientar, no entanto, que a extrafiscalidade não se desenvolve apenas
diante da imposição de tributos, mas se realiza também por meio de isenções,
imunidades e incentivos225 de acordo com o interesse público, que sempre deve se
sobrepor aos interesses particulares como lembra Berti:
[...] sempre que os interesses da comunidade como um todo estejam em discussão, os interesses particulares deverão ceder espaço a fim de que os primeiros sejam preservados e, com isto, a segurança como um todo seja resguardada. Assim, por exemplo, o combate ao desemprego, ou a preservação do nível de emprego a utilização racional da propriedade a fim de que a mesma cumpra com sua função social, a preservação do meio ambiente e de condições fito-sanitárias mínimas para a sobrevivência do homem [...] o desenvolvimento da indústria, os interesses individuais, difusos e coletivos dos consumidores, o aumento do saldo da balança comercial no comercio exterior, estímulo ou desestímulo às importações [...].226
222 COSTA, 2009, p. 49. 223 MACHADO. Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 48. 224 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.
130. 225 “[…] vários instrumentos podem ser empregados para dirimir caráter extrafiscal a determinado
tributo, tais como as técnicas da progressividade, a seletividade de alíquotas e a concessão de isenção e de outros incentivos fiscais.” COSTA, op. cit, p. 48.
226 BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos, extrafiscalidade e não confisco. 3.ed. Curitiba: Juruá, 2009, p. 41
68
Pode-se falar em extrafiscalidade sempre que se verificar um fim visado pelo
Estado que vá além da mera arrecadação financeira.227 A finalidade extrafiscal dos
tributos se realiza quando a legislação estimula ou reprime comportamentos na
economia, através de incentivos ou de tributação mais elevada para, por exemplo,
reprimir o mau uso dos espaços urbanos através da progressividade do IPTU ou
para incentivar a contratação de deficientes físicos, ou mesmo diminuir diferenças
regionais através da concessão de incentivos.228 Tais providências ou
comportamentos orientam-se por normas que objetivam o alcance de melhor justiça
social.229
Adverte, todavia, Nabais, ao confirmar a extrafiscalidade como característica
social do direito econômico ou financeiro230, que a mesma deve ser manejada com
muito cuidado, pois, o uso indiscriminado das possibilidades extrafiscais dos tributos
também pode gerar um fenômeno que acirra a competição entre os entes federados,
que
[...] por seu turno, no concernente ao critério destas medidas de fomento econômico-social, ele reduz-se à proibição do excesso e ao princípio geral da igualdade: [...] há que se apurar se cada benefício fiscal em concreto é necessário, (mais) adequado e proporcional para a realização do objetivo econômico-social pretendido [...].231
A guerra fiscal, esse fenômeno propiciado pelo federalismo competitivo, na
lição de Rodrigues, é entendida como “[...] uma política pública que se utilize
basicamente de isenções (parciais ou totais) de tributos para atrair empresas já
existentes, mas localizadas em Municípios diversos daquele que a promove [...]”232 e
que acaba apenas por modificar o local dos empregos, pois não há, no final das
contas, outra modificação senão a rotatividade do desemprego e, que para o referido
autor, a sua vedação não fere o artigo 60, parágrafo 4º. da Constituição Federal.
227 GOUVÊA, Marcus de Freitas. A extrafiscalidade no direito tributário. Belo Horizonte: Del Rey,
2006, p. 80. 228 YAMASHITA, Douglas. Princípio da Solidariedade em Direito Tributário. In: GRECO, M. A.;
GODOI, M. S. Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 62. 229 Ibidem, p. 56. 230 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 694. 231 Ibidem, p. 696. 232 RODRIGUES, 2003, p. 255.
69
O fenômeno ocorre sempre que os municípios, buscando a instalação de
determinadas empresas privadas no seu território, oferecem através da manipulação
da extrafiscalidade, toda sorte de benefícios fiscais para essas empresas. Ao
deixarem os Municípios onde estão instaladas - e já modificando o contexto local,
produzindo, gerando empregos e algum desenvolvimento econômico – pois
vantagens econômicas melhores são oferecidas por outro município, faz com que
aquelas mesmas empresas suspendam ou diminuam as atividades no referido
município e se instalem no município novo.
Tais migrações entre municípios raramente trazem benefícios à população,
pois acabam por desperdiçar os recursos públicos na medida em que, para gerar
empregos no novo Município, necessariamente trabalhadores serão demitidos no
velho.233 Essa constatação torna a guerra fiscal inócuo aos desígnios do
desenvolvimento, servindo apenas para alimentar a disputa fratricida.
No tocante à parafiscalidade, interessa abordá-la pelo aspecto da
complementariedade às funções do tributo, não se enquadrando nas aqui discutidas
políticas tributárias. Assim, examina-se a parafiscalidade sob o aspecto da
capacidade ativa. Para existir sujeito ativo capaz de cobrar tributos, deve haver
competência para tal. A competência para este fim é das pessoas políticas, quais
sejam: União, estados, Distrito Federal e municípios, que são aquelas pessoas que
têm poder legislativo e são capazes de elaborar leis que criem tributos e regulem
sua instituição e arrecadação.234
Mas existem situações em que outros sujeitos ativos surgem, são outras
pessoas que não a União, estados, Distrito Federal ou municípios, que passam a
arrecadar as contribuições. É nestas situações que brota a parafiscalidade.
A parafiscalidade, portanto, distingue-se da fiscalidade e da extrafiscalidade
porque não está relacionada com a competência tributária, mas, sim, ao sujeito ativo
que venha a pretender o cumprimento da obrigação tributária.
233 RODRIGUES, H. T.; RETTENMAIER, P. 2008, p. 2506. 234 CARVALHO, 2000, p. 230.
70
Traduz a delegação, pela pessoa política, por meio de lei, de sua capacidade tributária ativa, vale dizer, das aptidões de arrecadar e fiscalizar a exigência de tributos de outra pessoa, de direito público ou privado. Às pessoas delegatárias, em regra, atribui-se, outrossim, o produto arrecadado. Quaisquer espécies tributárias podem ser objeto de parafiscalidade, embora as contribuições do art. 149 CR, por sua natureza finalística, revelem-se mais apropriadas a esta delegação.235
Para Machado, há parafiscalidade quando se objetiva principalmente buscar a
“[...] arrecadação de recursos para o custeio de atividades que, em princípio, não
integram as funções próprias do Estado, mas este as desenvolve através de
entidades específicas”236. Já Carvalho reforça dois aspectos dos tributos parafiscais,
sendo o primeiro deles a necessidade de que o sujeito ativo deverá constar
expressamente na lei que instituir o tributo e que deverá ser diverso daquela pessoa
política a quem se estabeleceu a competência. O segundo aspecto é o de que
deverá o produto arrecadado ser do sujeito ativo que buscou o cumprimento da
obrigação tributária.237
2.4 Solidariedade social e políticas tributárias
A solidariedade tem fundamento filosófico mais antigo no segundo
mandamento cristão: “amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. De acordo com
esse argumento, a solidariedade é medida pela proximidade. Quanto maiores forem
as características que identificam as pessoas, maior será a solidariedade,
assumindo um caráter social e um valor moral com sentido fraterno.238
Da mesma forma a tríade francesa: igualdade, liberdade, fraternidade do
século XVIII foi marcada pela ideia de filantropia e caridade, mas no início do século
XX, quando a acumulação capitalista mostrou seu poder com muita intensidade,
essa concepção doce e caritativa de solidariedade foi relegada a um segundo
plano.239 Nesse período - final séc. XIX e início do séc. XX – o centro de estudos da
235 COSTA, 2009, p. 49. “[...] Assinale-se que a EC n. 42, de 2003, introduziu uma nova possibilidade
de delegação de capacidade tributária ativa referente ao ITR, segundo a qual o imposto será fiscalizado e cobrado pelos municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal”. COSTA, 2009, p. 49.
236 MACHADO, 1997, p. 49. 237 CARVALHO, 2000, p. 232. 238 YAMASHITA, 2005, p. 59. 239 GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e solidariedade social. In: GRECO, M. A.; GODOI, M. S.
Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 143.
71
ciência jurídica passa a ser a sociedade e é nesse momento que a solidariedade
social adquire um caráter jurídico. Abandona-se aquele sentido puro e simplesmente
fraterno e a solidariedade passa a ser um dever para a subsistência do Estado.240
Esse pensamento foi de tal modo arraigado, que são exemplos disso, as
Constituições contemporâneas, que fazem referência à solidariedade social, como a
Constituição Italiana de 1947; a Constituição Brasileira de 1988 que traz no
preâmbulo a indicação de sociedade fraterna e no art. 3º. I, a construção de
sociedade livre, justa e solidária, como objetivos da República e que, nesse ponto,
parece ter sido influenciada diretamente pela Constituição Portuguesa de 1976. Ou
seja, isso demonstra que a solidariedade social está presente no ideal político das
sociedades ocidentais contemporâneas e não se pode deixar de mencioná-la
quando se discute cidadania e políticas públicas em relação ao Estado.241
Ao escrever sobre a solidariedade na Constituição italiana, Claudio Sachetto242
afirma que o início do interesse fiscal do Estado é que fundamenta a solidariedade.
No momento em que a comunidade resolveu colocar o próprio desenvolvimento nas
mãos do Estado e que, para isso, necessitava arrecadar dinheiro para custear as
atividades sociais, nasceu o interesse fiscal. Então, aquilo que era imposição243 –
obrigação de pagar tributos -, torna-se um dever solidário, um dever para construir
objetivos comuns. O autor conclui que a solidariedade faz nascer direitos e os
direitos geram, da mesma forma, solidariedade.244
Assim, a solidariedade social só será realizável, em relação ao Estado Fiscal
Social, se houver receitas periódicas cobradas dos cidadãos, que possam viabilizar
uma estrutura de bem comum.
240 YAMASHITA, 2005, p. 53. 241 GODOI, 2005, p. 142. 242 SACHETTO, Claudio. O dever de solidariedade no Direito Tributário: o ordenamento italiano. In:
GRECO, M. A.; GODOI, M. S. Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005. 243 “[...] A medida em que iam se formando os Estados Modernos, os monarcas percebiam que as
receitas espontâneas arrecadadas da nobreza e os recursos eventuais obtidos em pilhagens e assaltos já não se mostravam suficientes para o custeio da expansão territorial de seus domínios. Abria-se assim o caminho para a instituição de prestações constantes e obrigatórias a serem exigidas dos cidadãos, o que contudo, tropeçava na filosofia política antiga e medieval, na qual o tributo era sinônimo de sujeição e espoliação de um povo por outro.” GODOI, op. cit. p. 152.
244 SACHETTO, op. cit., p. 21.
72
Mas a solidariedade jurídica possui dois vieses: a solidariedade genérica e a
solidariedade de grupo. A primeira é aquela que se refere à sociedade como um
todo, aquela que reflete a repartição racional de encargos públicos. Ela decorre
diretamente do dispositivo constitucional conferido pelo art. 3º. I, dentro daquela
ideia de que cada cidadão deve participar para financiar o Estado fiscal.
O Brasil, como Estado de Direito, é um Estado fiscal,245 arrecadador, na
medida em que a sua existência e a efetivação das atividades sociais dependem dos
recursos financeiros arrecadados pelos tributos. E a solidariedade genérica está
intimamente ligada à cidadania porque vinculada à capacidade contributiva dos
cidadãos. E se concretiza, por exemplo, no Imposto de Renda conforme a
capacidade econômica. Mas não se configura objeto deste estudo, discutir se tais
alíquotas são adequadas ou não. Importa, aqui ressaltar que
[...] o princípio da capacidade contributiva protege o mínimo existencial. Enquanto a renda não ultrapassar o mínimo existencial não há capacidade contributiva. O mesmo resulta da dignidade humana e do princípio do Estado Social. O princípio da capacidade contributiva atende a ambos os princípios. Num Estado liberal, não é permitido que o mínimo existencial seja subtraído pela tributação, parcial ou totalmente, e uma compensação seja dada em benefícios previdenciários. O Estado não pode, como Estado tributário substituir aquilo que o Estado Social deve resolver. [...] Aliás, as necessidades financeiras de um Estado não são sequer atendidas, se os ricos não devem pagar mais do que aquilo que os pobres podem contribuir, ou se sobrecarregaria completamente as classes mais pobres. Mas também dos pobres pode-se tirar apenas aquilo que eles têm.246
E também há solidariedade entre aqueles cidadãos sem capacidade
contributiva. Aqueles que estão abaixo do mínimo tributável, que não têm como
participar do financiamento das atividades do Estado fiscal. Nesse ponto, a
solidariedade genérica não perde a sua eficácia, mas apenas muda de enfoque:
abandona o lado passivo que é o lado da responsabilidade pelo pagamento da
obrigação tributária e começa a incidir de modo ativo, em razão da limitação do
poder de tributar, pois, é proibido tributar o mínimo existencial a partir do art. 150, IV,
da Constituição Federal. Da mesma forma, não é admissível que um tributo tenha
245 Esta expressão, “Estado fiscal”, é utilizada por José Casalta Nabais. 246 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça Social e Princípio da Capacidade Contributiva. São
Paulo: Malheiros, 2002, p. 28 e 34.
73
efeito confiscatório, a ponto de tornar qualquer ação produtiva sobremaneira
onerosa, que a omissão seja mais valiosa.247
A solidariedade genérica opera-se também por meio da finalidade extrafiscal.
Esta é uma postura de solidariedade diversa daquela que busca obter receitas. A
extrafiscalidade, como forma indutora de política tributária se realiza quando
estimula ou reprime comportamentos na economia através de incentivos ou de
tributação mais elevada para, por exemplo, reprimir o tabagismo, o alcoolismo ou
para incentivar a contratação de deficientes físicos. Essas são normas orientadas
pela justiça social, que encontram abrigo na cidadania, através da inclusão.248
Outro exemplo de extrafiscalidade são os incentivos concedidos às empresas
instaladas na Zona Franca de Manaus que buscam diminuir as diferenças regionais,
que também são objetivos da solidariedade genérica. O que define a aplicação da
extrafiscalidade é o princípio do mérito, ou da necessidade e não da capacidade
contributiva. Assim, como a extrafiscalidade não visa a arrecadação, são estes
critérios que são adequados para fazer a comparação entre contribuintes, com base
na igualdade em matéria fiscal, tendo em vista que o desaparecimento desses
princípios implica na não incidência da norma extrafiscal.249
O elo entre solidariedade social e o direito tributário está naquele ponto que a
solidariedade justifica o Estado Fiscal, porque como afirma Ricardo Lobo Torres, ao
lembrar Nabais, “[...] pagar tributo é um dever fundamental, pois o Estado fiscal
decorre necessariamente dos tributos arrecadados”250 bem como das normas
extrafiscais dele decorrentes.
Da mesma forma, afirma José Casalta Nabais251 “[...] o imposto não pode ser
considerado só mero poder do Estado, nem apenas sacrifício do cidadão, mas
constitui contributo indispensável à vida organizada do Estado”. Isso é dever
247 YAMASHITA, 2005, p. 60 248 Ibidem, p. 61. 249 Ibidem, p. 61. 250 TORRES, Ricardo Lobo. Existe um princípio estrutural da solidariedade? In: GRECO, M. A.;
GODOI, M. S. Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 201. 251 NABAIS, 2004, p. 134.
74
genérico de solidariedade econômica, política e social, na medida que todo
contribuinte tem um dever de contribuir para a sociedade a qual está integrado, bem
como o direito de exigir que todos os outros membros da comunidade também
contribuam para esta comunidade, resguardadas as exceções previstas na lei.252
A solidariedade de grupo, por sua vez, refere-se a direitos e deveres de um
número específico de indivíduos e encontra fundamento no fato de cada pessoa
pertencer a determinado grupo social, distinto dos demais grupos sociais, o que lhe
acarreta uma responsabilidade social maior, e especificamente, só atinge aquele
grupo.
A família é um clássico exemplo de grupo social homogêneo protegido pela
Constituição no art. 226 e seguintes. É da solidariedade entre os indivíduos deste
grupo que decorre a obrigação de pagar alimentos aos filhos. O mesmo ocorre com
grupos sociais maiores como as empresas em que os empregadores têm parcela de
responsabilidade social com seus empregados.253
Assim, deve-se construir políticas públicas tributárias objetivando a cidadania
fiscal e a inclusão social, baseada na solidariedade social dentro de cada
enquadramento, seja genérica ou de grupo. Tais políticas deverão ser executáveis
mediante cooperação entre os municípios como, por exemplo, através dos
consórcios públicos intermunicipais, que são figuras capazes de combater a guerra
fiscal e fomentar o desenvolvimento econômico, social, cultural, construindo-se uma
cidadania emancipadora com participação social no local mais próximo do cidadão,
aperfeiçoando-se as políticas atuais, que não são eficazes.
E a construção da solidariedade, em nível tributário, passa pela elaboração de
políticas públicas de inclusão social perseguindo a justiça social, mediante a
“redistribuição de renda”254 e concretização dos direitos fundamentais dos
munícipes. Mas, nesse aspecto, não se pode pensar em políticas tributárias fiscais
252 NABAIS, 2004, p. 135. 253 YAMASHITA, 2005, p. 59. 254 RODRIGUES, Hugo Thamir. Políticas Tributárias de desenvolvimento e de inclusão social:
fundamentação e diretrizes, no Brasil, frente ao Princípio Republicano. In: REIS, J. R., LEAL, R. G. Direitos sociais e políticas públicas: desafios contemporâneos. Tomo 8. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2008. p. 1902.
75
apenas, pois, para atribuir a estas políticas verdadeiro caráter inclusivo através do
Direito tributário, faz-se necessário também, a exposição do alcance da
extrafiscalidade dos tributos, como via inclusiva e não excludente, como ocorre na
guerra fiscal.
A fiscalidade pressupõe mera preocupação com a arrecadação, de modo que seja possível a manutenção da máquina estatal, o que é essencial para a continuidade de um sistema econômico baseado nas idéias liberais ou neoliberais, pois tal sistema seria inviável sem a tributação, uma vez que assim se impede a estatização dos meios de produção, mantendo-os nas mãos de particulares.255
De outra forma, a extrafiscalidade é uma forma de solidariedade diversa
daquela que busca obter receitas. De acordo com Schoueri, “[...] o gênero
“extrafiscalidade” inclui todos os casos não vinculados nem à distribuição equitativa
de carga tributária, nem à simplificação do sistema tributário.”256
Por fim, a Constituição Federal de 1988 orienta em seu artigo 3º, I, a
construção de uma sociedade solidária. A solidariedade, enquanto princípio, orienta
o dever fundamental de pagar tributos, que vai além de uma mera obrigação legal257
posto que o Estado considerado fiscal é basicamente financiado pelos tributos
arrecadados, o que corresponde à possibilidade de concretização dos direitos
fundamentais consubstanciados na prestação de serviços públicos e na realização
dos direitos constitucionalmente assegurados. A solidariedade, portanto, fortalece os
laços entre os indivíduos, estabelecendo vínculos de fraternidade, concebendo uma
sociedade pluralista e em harmonia social,258 na responsabilidade pela realização
dos fins sociais do Estado259 e deve, como princípio, orientar políticas públicas,
especialmente as tributárias na busca de uma harmonização que possibilite o
desenvolvimento não apenas econômico, mas também o desenvolvimento humano
de seu povo.
255 RODRIGUES, 2008, p. 1905. 256 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas Indutoras e Intervenção Econômica. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 32. 257 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. V. II. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005, p. 181. 258 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Guerra Fiscal, Fomento e Incentivo na Constituição Federal.
São Paulo: Dialética, 1998, p.275. 259 TORRES, op. cit., p. 182.
76
2.5 Guerra fiscal: o aprisionamento dos municípios
A guerra fiscal ocorre basicamente na oferta, por diversos municípios ou
estados, de incentivos e benefícios fiscais para atrair empresas.260 Essa prática de
concorrência nociva é praticada por 49,5% dos municípios brasileiros, de acordo
com a pesquisa Perfil dos municípios brasileiros - Gestão Pública 2006, divulgada
pelo IBGE. Os “[...] benefícios mais utilizados entre 2004 e 2006 foram doações de
terrenos, redução de taxas e isenções de Imposto predial e territorial urbano e
Imposto sobre serviços”261.
O desenvolvimento dessas práticas262 tem revelado no decorrer do tempo, um
problema que merece ser estudado e combatido, iniciando pelos questionamentos e
ponderações acerca de quais são, efetivamente, os benefícios que essas renúncias
fiscais trazem ao desenvolvimento dos municípios. Imagina-se, à primeira vista que
a resposta seja a oferta de empregos e a redução das desigualdades. Porém, as
conseqüências são evidentemente mais danosas que benéficas.
Economicamente a guerra fiscal não passa de um artifício que, ao buscar maior
eficiência econômica, traz, apenas custo social mais elevado, pois há um
deslocamento de empresas toda vez que houver proposta de melhores incentivos
em outros municípios, obrigando aquele que é a sede da empresa a ampliar os
benefícios já concedidos, sob pena de perder o investimento privado no Município.
Tais situações, via de consequência, refletem em aumento do desemprego,
empobrecimento, maior desigualdade social e maior atenção do Poder Público, que
não teve a contraprestação tributária.263
A concessão desses incentivos com fim único de criar empregos e riquezas deve ser visto com reservas. Afinal, esta é uma ótima oportunidade para empresas deixarem de investir seu capital para utilizarem dinheiro público.
260 TORRES, 2005, p. 275. 261 Dados do site Espaço Público. [S.l.] Disponível em: <http://www.espacopublico.blog.br/?p=153>.
Acesso em: 15 de out. de 2008. 262 Como o mercado tem por princípio o egoísmo, e não a busca do bem-estar social, jamais será
possível legitimá-lo como democrático – pois os valores perseguidos são os próprios de cada indivíduo -, ou como republicano – porque tudo o que existe é passível de apropriação. MASTTRODI NETO, Josué. Pressupostos da Intervenção do Estado na Economia. In: CAMPOS, Djalma (Coord.). Revista Tributária e de Finanças Públicas. São Paulo: Dialética, n. 54, jan-fev 2004.
263 RODRIGUES, H. T.; RETTENMAIER, P. 2008, p. 2504.
77
Essa intervenção estatal é, no mínimo, contraditória, levando-se em consideração o modelo de Estado Liberal em que justamente se busca a diminuição do papel do Estado.264
Por outro lado, não se pode negar, que determinados incentivos fiscais podem
gerar mais investimentos. Porém, ao promover a migração de empresas para os
Municípios que oferecerem maiores incentivos ou isenções, a guerra fiscal produz,
no final das contas, apenas variações de empregos, dentro de um mesmo território,
o que não implica em progresso econômico ou expansão de produção.265 Na “[...]
guerra fiscal os concorrentes competem desigualmente e as desigualdades premiam
a ineficiência, em prejuízo da instituição federativa”266.
Assim, os consórcios públicos são apresentados a seguir, como uma possível
alternativa de cooperação e progresso entre os entes federados e, uma forma de
combater a odiosa guerra fiscal que se constitui em falsa ideia de melhoria social.
Como possibilidade de agregar soluções à utilização da extrafiscalidade, dentro
de políticas tributárias capazes de trazer cooperação entre os municípios e balizadas
pela coordenação da União, explora-se - através da regulamentação ao art. 241 da
Constituição da República Federativa do Brasil - a Lei 11.107/2005 que trata dos
Consórcios Públicos e, no próximo capítulo, serão abordados de modo menos
genérico, com vistas à formação de consórcios entre entes federados, como forma
de harmonização de políticas e combate à guerra fiscal.
264 RODRIGUES, H. T.; RETTENMAIER, P. 2008, p. 2504. 265 Idem, 2003, p. 255. 266 FERRAZ JUNIOR, 1998, p. 281.
78
3 OS CONSÓRCIOS PÚBLICOS COMO VIA PROMOTORA DE POLÍ TICAS
PÚBLICAS
A expressão consórcio tem origem no latim consortiu de consors, cujo
significado denota ideia de associação, ligação, união.267 Há algumas décadas, os
consórcios são instrumentos utilizados no Brasil e sua primeira previsão legal
aparece na Constituição da República de 1937, no art. 29268, como possibilidade de
prestação de serviços públicos.
Com o aumento das funções estatais, a demanda de mais e melhores serviços,
o custo e a complexidade aumentam a movimentação estatal de modo que a
Administração Pública clássica vem sendo abalada. E tais exigências passam
também pela política, a ponto dos cientistas políticos referirem que o País passa por
um período de renovação, considerado como período pós-neoliberal269 exigindo,
assim, novos meios de gestão pública especialmente no concernente à prestação de
serviços pelo Estado. A discussão se amplia com aumento da abrangência das
necessidades comuns e na busca de instrumentos de colaboração, pois pela sua
intrincada abrangência, muitas demandas não cabem mais na circunscrição de um
único ente federado.
Além disso, não é apenas em relação à renovação política que os consórcios
públicos tomaram fôlego. Há muito já se utilizavam outras formas de políticas
cooperadas, com fito de agrupar capital humano e financeiro no intuito de realizar
determinado objetivo público, especialmente em relação àqueles entes cujos
orçamentos eram menos privilegiados.
Dados apresentados por Caldas traçam o contorno da evolução dos consórcios
no Brasil de 1994 a 1998. No final daquele ano, o país contava com 267 CALDAS, Eduardo de Lima. Formação de agendas governamentais: o caso dos consórcios
intermunicipais. Disponível em: < http://www.teses.usp.br/teses >. Acesso em: 30 jul. 2008, p.52. 268 Constituição de 1937, artigo 29 – Os municípios da mesma região podem agrupar-se para a
instalação, exploração e administração de serviços públicos comuns. O agrupamento, assim constituído, será dotado de personalidade jurídica limitada a seus fins. MACHADO, Gustavo Gomes. PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.407.
269 SCHMIDT, 2008, p. 2024.
79
aproximadamente 1700 municípios participando de algum tipo de consórcio, sendo
12 consórcios formados no ano de 1994, com a participação de 160 municípios.
Esse número passou para 143 consórcios no final de 1998 com a vinculação de
1740 entes federados. O banco de dados do IBGE possui levantamento da
participação de municípios em 14 tipos setoriais, classificados pelos serviços ou pelo
tamanho dos municípios, mas ainda não há dados precisos sobre a participação de
municípios em mais de um tipo de consórcio e a composição de cada consórcio.
Ainda, as ocorrências de relatos de experiências de consórcios intermunicipais pelo
IBGE são incipientes. De qualquer forma, os dados obtidos traçam um perfil da
preferência da gestão associada, revelando que a saúde, reciclagem de lixo,
aquisição de máquinas e equipamentos e a educação são os mais procurados.
Outro dado pertinente é o que mostra que as Regiões Sudeste e Sul apresentam
maior número de consorciamentos. Por exemplo, na saúde, estas regiões
apresentam 56% dos municípios consorciados, ao contrário da Região Centro-Oeste
com 21%, da Região Nordeste com 12% e da Região Norte, com apenas 10% dos
municípios associados para a gestão da saúde.270
Como reflexo desses dados, inicialmente, pode-se afirmar que essa figura do
consórcio otimiza o aproveitamento dos recursos financeiros, humanos e materiais e,
maximiza esforços na busca do bem comum, refletidos especialmente em
saneamento básico e saúde pública. Sob a ótica dos municípios, pode-se afirmar
que
[...] os consórcios intermunicipais, estabelecendo a parceria entre as várias prefeituras, aumentam a capacidade de um grupo de municípios solucionar problemas comuns sem lhes retirar a autonomia. Trata-se, portanto, de um recurso administrativo e, ao mesmo tempo, político.271
O maior valor destes consórcios é o incremento propiciado em relação aos
serviços públicos para os quais são destinados. Há melhor e maior coordenação dos
recursos financeiros, dos materiais e dos profissionais envolvidos entre os
270 CALDAS, 2008, p. 71. “[...] Não existem dados precisos sobre a razão da maior incidência dos
consórcios na Região Sul e Sudeste, mas hipoteticamente acredita-se, isso ocorreu pela maior aglomeração de municípios, pelo tamanho territorial e pelo acúmulo histórico de capital social.” Ibidem, p. 74.
271 VAZ, José Carlos. Consórcios Intermunicipais. Disponível em: <http://www.polis.org.br/publicacoes/dicas/dicas_interna>. Acesso em: 30 jul. 2008.
80
municípios consorciados, evitando a dispersão de recursos e a obtenção de
resultados que os municípios, isoladamente, não produziriam.
Os exemplos dessas práticas são os convênios públicos, os consórcios
administrativos, a quem não é permitido constituir personalidade jurídica272, as
parcerias público-privadas273 e agora, com o Decreto 6.017 de 17.1.2007 que
regulamentou a lei 11.107/2005, estão definitivamente postos a serviço da
administração, os consórcios públicos.
3.1 Consórcios públicos, convênios e operações urba nas consorciadas
O conceito de consórcio, por muito tempo, esteve próximo ao de convênio, no
entanto, são institutos que apresentavam algumas diferenças, sendo, portanto,
merecedores de rápida análise. Convênio significa, de acordo com Gasparini274, um
tipo de “[...] ajuste administrativo, celebrado por pessoas públicas de qualquer
espécie ou realizado por essas pessoas e outras de natureza privada, para a
consecução de objetivos de interesse comum dos convenentes”. Já os consórcios
administrativos, na lição de Medauar275 consistiam “[...] em acordos de vontades
celebrados entre entidades estatais da mesma espécie ou do mesmo nível,
destinados à realização de objetivos de interesse comum”. Essa era a perspectiva
dos consórcios, sob a forma de associações privadas.
Inicialmente a diferença entre os institutos encontrava-se na qualidade de quem
os integrava e nos níveis de realização dos acordos celebrados, pois nos convênios
podiam participar entes públicos diversos e particulares. De outra forma, nos
consórcios a participação era exclusiva de entes públicos de mesma espécie.
272 “[...] Consórcio administrativo é o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas jurídicas
públicas da mesma natureza e mesmo nível de governo ou entre entidades da administração e indireta para a consecução de objetivos comuns. Os consórcios administrativos não adquirem personalidade jurídica.” DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 342.
273 São modalidades de contratos administrativos instituídas pela lei 11.079 de 30.12.04. Ibidem, p. 303.
274 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 375. 275 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, p. 272.
81
A falta de regulamentação específica sobre essas figuras de gestão associada
causava certa apreensão, ressentindo-se da indispensável segurança jurídica, que
somente uma legislação mais adequada poderia oferecer. Entretanto, tal receio foi
superado pela edição da Lei Federal 11.107/05276, que permitiu a formação de
consórcios entre entes federados diversos, mediante a celebração de um contrato.277
São exemplos dessa espécie os consórcios públicos intermunicipais, interestaduais
e os interfederativos, realizados entre estados e municípios.
A formação através da participação exclusiva de entes públicos não retira dos
consórcios a possibilidade de participação dos cidadãos, pelo contrário, o exercício
da cidadania, através da atuação ativa na formulação do problema e na discussão
da solução, no debate prévio da decisão sobre a política pública que será objeto do
consórcio, pode ser fundamental para a obtenção do objetivo pretendido, mediante a
contratação dos consórcios públicos.
Os consórcios públicos são figuras que não se confundem com os consórcios
administrativos e, tampouco, com os consórcios empresariais privados.
Para o enfoque aqui pretendido, é necessário, também, diferenciar a figura do
consórcio público, previsto na Lei 11.107/05 e regulamentada pelo Decreto 6.107 de
17.01.2007, da figura das operações urbanas consorciadas permitidas pela Lei
10.257/01, o Estatuto da Cidade, no artigo 32, parágrafo 1º., que tem a seguinte
redação:
Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público Municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.
Nesse caso, objetiva-se “[...] promover a recuperação de ambientes
degradados e a adequação da infra-estrutura [...] às inovações tecnológicas [...] de
276 “[...] Essa lei passou a ser chamada de “Lei dos Consórcios Públicos” porque apenas faz
referência aos convênios de cooperação, não trazendo nenhuma alteração de cunho prático, em relação a estes últimos.” FERRAZ, Luciano. Consórcios públicos: ensaio sobre a constitucionalidade da lei 11.107/2005. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 64.
277 MEDAUAR, O; OLIVEIRA, G. J.; Consórcios Públicos. São Paulo: RT, 2006, p. 15.
82
adaptação das cidades aos atuais processos de transformação social e
econômica”278 melhorando o aproveitamento do espaço urbano, adequando-o à
função social da propriedade e também da cidade, realizando-se a função social do
município, na medida em que busca proporcionar o Bem Comum.
Os consórcios públicos, diferentemente das operações urbanas consorciadas,
são mais amplos, pois, visam a estabelecer objetivos que sejam importantes para
todos aqueles entes que, mediante um contrato, se consorciarem. As atividades dos
[...] entes consorciados são desenvolvidas em sua área de atuação, correspondente ao território dos entes que os compõem (espaço interfederativo). As operações urbanas consorciadas pretendem instrumentalizar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental em uma área de um determinado município (espaço intramunicipal).279
As operações consorciadas - a par do Estatuto da Cidade, como se pode
perceber - visam a organização do solo urbano, que é, neste país, grande fonte de
demandas sociais, mas com realização no exclusivo território municipal. Para aclarar
perfeitamente a distinção entre consórcios e operações consorciadas, utiliza-se da
lição de Hely Lopes Meirelles em relação à figura dos consórcios públicos que são:
[...] pessoas de direito público, quando associação pública, ou de direito privado, decorrentes de contratos firmados entre entes federados, após autorização legislativa de cada um, para a gestão associada de serviços públicos e de objetivos de interesse comum dos consorciados, através de delegação e sem fins econômicos.280
Esse tipo de associação propicia a forma de gestão que procura os fins
cooperativos apregoados pela Constituição Federal, através da reunião de entes
federativos “[...] para a reunião de recursos financeiros, técnicos e administrativos –
278 BECKER, Evandro Luís. As operações urbanas consorciadas como instrumento de participação
popular na gestão democrática da cidade e para implementação de projetos e programas de planejamento, desenvolvimento e regularização do espaço urbano no Brasil. 2008. 199 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado) – Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2008, p. 131.
279 MEDAUAR, O; OLIVEIRA, G.J. 2006, p. 17. 280 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.
378.
83
que cada um, isoladamente, não teria -, para executar o empreendimento desejado
e de utilidade geral para todos”281.
Caso a Administração Pública tenha interesse na celebração de um contrato plurilateral com outro ente público [...] ela tem duas alternativas: ou celebra um convênio de cooperação tradicional, o qual não constituirá pessoa jurídica autônoma; ou obtém autorização legislativa para a celebração de um tipo específico de convênio, denominado consórcio, o qual constituirá uma nova pessoa jurídica [...].282
É preciso esclarecer, todavia, que consórcios e convênios são semelhantes,
mas tem, pelos menos, três pontos de distinção: a) os consórcios são estabelecidos
apenas entre entes públicos, já os convênios podem ser realizados entre o Estado e
instituições privadas; b) a criação do consórcio acarreta a formação de uma pessoa
jurídica com personalidade distinta dos entes consorciados, e no convênio não há
criação de pessoa jurídica nem de qualquer outro ente; c) a celebração de
consórcios depende de autorização do Legislativo e o convênio independe dessa
autorização.283
Ante estas distinções, os consórcios públicos podem ser apresentados também
como instrumentos do federalismo visando à atividade cooperada propiciando a
execução de políticas públicas, pois abre-se a possibilidade de ligação com todos os
níveis federados.
Os consórcios são, ainda, importantes mecanismos para a melhoria municipal
e regional, sem onerar sobremaneira um determinado ente, ou seja, através da
gestão associada de serviços públicos alcançar o Bem Comum.
281 MEIRELLES, 2008, p. 378. 282 ARAÚJO, Florivaldo Dutra de; MAGALHÃES, Gustavo Alexandre. Convênios e consórcios como
espécies contratuais e a Lei 11.107/2005. In: PIRES Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 136.
283 MEDAUAR, O; OLIVEIRA, G.J. 2006, p. 36.
84
3.2 A gestão associada 284 dos serviços públicos: as dissidências sobre a
constitucionalidade da lei 11.107/2005
As bases constitucionais dos consórcios públicos estão no parágrafo único do
art. 23, determinando a fixação de Lei Complementar para cooperação entre União,
estados e municípios e, no art. 241 da Constituição Federal de 1988. Esses
dispositivos autorizam a gestão associada dos serviços públicos, prevendo a
transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à
continuidade dos serviços transferidos.
A opção do Legislador parece, de acordo com Medauar285, enquadrar-se
melhor no art. 22, XXVII, da Constituição Federal de 1988, pois a 11.107/2005 é Lei
de normas gerais de contratação de serviços públicos. A União foi o ente prestigiado
com competência privativa, pelo artigo 22, XXVII286, para legislar sobre licitação e
contratação em todas as modalidades da administração pública, respeitada a
previsão do artigo 37, XXI, do mesmo texto legal. Com a Emenda Constitucional
19/98 introduziu-se no texto constitucional o artigo 241, que estabelece:
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.
O referido dispositivo constitucional ventila a possibilidade de cooperação, de
entendimento consensuado entre os entes federados para a elaboração e execução
de atividades de interesse de todos. Esse artigo está em consonância com o
consensualismo que orienta o Direito Administrativo atual, onde “[...] atividades e
procedimentos negociais culminem com a conciliação e a compatibilização de todos
284 Ainda que a gestão associada dos serviços públicos também possa ocorrer mediante convênios
de cooperação, o presente estudo versa sobre a formação e utilização dos consórcios públicos, não sendo objetivo da presente pesquisa o estudo dos referidos convênios.
285 MEDAUAR, O; OLIVEIRA, G.J. 2006, p. 19. 286 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal, 2009. Art. 22 - Compete privativamente à União legislar sobre: XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no Art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do Art. 173, § 1º, III;
85
os interesses envolvidos em torno de uma causa comum”,287 especialmente os
consórcios públicos.
Embora a Lei federal 11.107/2005 não contenha referência explícita a nenhum preceito constitucional, pode-se dizer que tem como fundamento o parágrafo único do art. 23 e o art. 241 das Disposições Gerais, acrescentado pela EC n. 19/1998. No entanto, note-se que a Lei 11.107/2005 não é complementar, como determina o parágrafo único do art. 23. Tampouco figura uma Lei da União disciplinando a sua própria participação em consórcios públicos e convênios de cooperação. Isto porque a leitura do art. 241 leva a um entendimento da edição de lei por parte de cada uma das entidades federativas para disciplinar os consórcios públicos e os convênios de cooperação de que vierem a participar, autorizando a gestão associada de serviços públicos e a transferência total ou parcial de encargos e recursos materiais e humanos necessários à realização dos serviços transferidos.288
A celeuma criada a partir da interpretação do artigo 241 em relação à Lei
11.107/05 deu-se no sentido de que o conteúdo da referida lei extrapolou o âmbito
das “[...] das licitações e contratos administrativos, para que encontre exclusivo
fundamento constitucional no art. 22, XXVII”289 como foi sustentado pelos autores do
projeto que virou lei.
Ao comentar a lei dos consórcios públicos, Di Pietro lamenta sua promulgação
e defende a manutenção dos consórcios administrativos, salientando que a
viabilidade de constituição de personalidade jurídica e a possibilidade de não
incidência da lei 8.666/93 só trarão maiores problemas de administração e de
controle do numerário público. Discorda-se, no entanto, da referida autora, pois, a
partir da publicação da lei 6.017/2007 que veio regulamentar a lei 11.107/05,
desfizeram-se as dúvidas acerca da eficácia e, até mesmo, das alegações de
inconstitucionalidade, em razão da inexistência de regulamentação como
determinava o artigo 20 da lei dos consórcios.
287 MEDAUAR, O; OLIVEIRA, G.J. 2006, p. 30. 288 Ibidem, p.18. 289 FERRAZ, Luciano. Consórcios públicos: ensaio sobre a constitucionalidade da lei 11.107/2005. In:
PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 63.
86
Assim, claro está que é da União, a competência exclusiva para legislar sobre
os consórcios, no entanto, a competência para a instituição dos mesmos pode ser
atribuída a todos os entes federados290 em qualquer um dos níveis.
3.3 A personalidade jurídica nos consórcios público s: uma abordagem sobre a
associação pública e a pessoa jurídica de direito p rivado
Ao se discutir a natureza jurídica dos consórcios antes da edição da Lei
11.107/05 afirmava-se que os mesmos não tinham personalidade jurídica, pois se
tratavam de acordos de cooperação para consecução de determinados fins comuns
aos envolvidos e consequentemente não poderiam assumir direitos e obrigações em
nome próprio.291
A partir da publicação da referida Lei, supriu-se essa lacuna e tal disciplina
legal determinou a personalização dos consórcios públicos, ou seja, a reunião dos
interessados em um consórcio determina a criação de uma pessoa jurídica.292 A lei
11.107/05 prevê as possibilidades de associação pública ou de direito privado,
sendo que ambas pressupõem a instituição de pessoa jurídica.293
Tal tratamento normativo estabelece uma nítida caracterização legal dos
consórcios, como sujeitos de direito e obrigações. Isso propicia mais ágil
operacionalização de suas atividades, maior certeza, segurança para os
consorciados e perante terceiros nas relações jurídicas com os consórcios públicos.
Até a publicação da Lei 11.107/05, a figura da associação pública não existia
no Direito Público brasileiro. Sua origem – que tem sentido diverso daquele
pretendido pela Lei dos Consórcios – tem origem portuguesa e basicamente significa
290 GASPARINI, 2008, p. 348. 291 Ibidem, p. 269. 292 “[...] O consórcio é o acordo que determina a criação da pessoa, mas não é a pessoa.
Infelizmente, parece que, até mesmo por força das expressões legais, irá tornar-se comum essa afirmação de que consórcio é pessoa jurídica.” ARAÚJO, Florivaldo Dutra de; MAGALHÃES, Gustavo Alexandre. Convênios e consórcios como espécies contratuais e a Lei 11.107/2005. In: PIRES Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 134.
293 MEDAUAR, O.; OLIVEIRA, G. J.; 2006, p. 26.
87
um ente de cunho público, formado por uma coletividade ou por um determinado
número de particulares que se associam visando um interesse público comum.294
Possivelmente a influência para a utilização da expressão “associação” tenha
sido inspirada no Direito Privado, no artigo 44, I e 53 do Código Civil, onde estão
reguladas as associações particulares. Define-se, pois, associação como a reunião
de pessoas jurídicas de direito privado, em torno da realização de objetivos comuns
à todas elas.
De acordo com a lei dos consórcios, são consideradas associações públicas
aquelas “[...] integrantes da Federação brasileira que conjugam esforços para a
consecução de objetivos de interesse comum”295.
Em relação às pessoas jurídicas de direito privado, a sua aceitação não é
pacífica, causando certo desconforto entre os doutrinadores a formação de
consórcios públicos mediante a criação de pessoa jurídica privada, que é
possibilitada pela Lei dos consórcios, no parágrafo primeiro do artigo 3º. No entanto,
o artigo 6º., da mesma lei estabelece os requisitos para a definição da personalidade
jurídica dos consórcios. No entanto, nota-se que apenas os consórcios públicos
formados por pessoas jurídicas de direito público integram a Administração Pública
Indireta, estando, pois, excluídos aqueles constituídos por pessoas de direito
privado.
Mas essa posição não é unânime. Maria Sylvia Zanella Di Pietro defende que
os consórcios públicos criados através de personalidade jurídica de direito privado
também integram a Administração Pública Indireta.
Embora o artigo 6º. só faça previsão com relação aos consórcios constituídos como pessoas jurídicas de direito público, é evidente que o mesmo ocorrerá com os que tenham personalidade de direito privado. Não há como uma pessoa jurídica política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) instituir pessoa jurídica administrativa para desempenhar atividades próprias do ente instituidor e deixá-la fora do âmbito de atuação do Estado, como se tivesse sido instituída pela iniciativa privada. Todos os entes criados pelo Poder Público para desempenho de funções administrativas do Estado têm que integrar a Administração Pública Direta
294 MEDAUAR, O.; OLIVEIRA, G. J.; 2006, p. 26. 295 Ibidem, p. 27.
88
(se o ente for instituído como órgão sem personalidade jurídica) ou Indireta (se for instituído com personalidade jurídica própria). Até porque o desempenho dessas atividades se dará por meio de descentralização de atividades administrativas, inserida na modalidade de descentralização por serviços.296
Sugestão diversa faz Dias, ao mencionar que os consórcios públicos
constituídos mediante personalidade jurídica de direito privado deveriam ser
enquadrados na organização administrativa como “[...] entes paraestatais”297.
Se os consórcios públicos constituídos como pessoas jurídicas de direito privado fizerem parte das entidades paraestatais, estariam sujeitos à imposição parcial de normas de direito público, restando saber, entretanto, se sob o regime jurídico de direito público ficariam adstritas a licitações, contratos, prestações de contas e admissão de pessoal etc.298
O problema para o enquadramento como entidade paraestatal é a variedade de
conceitos e pluralidade de significações que cercam esse tipo. São considerados
como tais os entes que têm menores laços de subordinação com o Estado, bem
como as pessoas jurídicas de direito privado desde que autorizadas por lei
específica, ou seja, uma gama muito grande de possibilidades e que a doutrina não
conseguiu restringir.299
Além disso, essas entidades que ocupam o espaço entre o Estado e o Mercado
ganharam complexidade nas últimas décadas, e pela sua já referida pluralidade, não
guardam mais a mesma relação na organização administrativa, como ocorria
anteriormente. Logo, não parece que a solução mais adequada passe pela
equiparação das pessoas jurídicas de direito privado que integrem os consórcios
públicos, com as entidades paraestatais.
296 DI PIETRO, 2009, p. 475. 297 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Consórcios públicos e organização administrativa, em face da
Constituição da República de 1988. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.). Consórcios Públicos: instrumentos do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 99. Para Meirelles, “[...] as entidades paraestatais são pessoas jurídicas de direito privado, cuja criação é autorizada por lei específica, com patrimônio público ou misto, para realização de atividades, obras ou serviços de interesse coletivo, sob normas e controle do Estado. [...] estão dispostas paralelamente ao Estado, para executar cometimentos de interesse do Estado, mas não privativos do Estado, compreendem as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as fundações instituídas pelo Poder Público e os serviços sociais autônomos.” MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 386.
298 Ibidem, p. 99. 299 DI PIETRO, op. cit., p. 489.
89
Assim, concorda-se com Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira quando
estes autores assumem como colocação ideal o enquadramento dos consórcios, em
todas as modalidades, como pessoas jurídicas de direito público.300
Por fim, cabe aos próprios entes federados que pretendam se associar, a
definição através de um protocolo de intenções, sobre qual será a forma a ser
adotada para o consórcio público nos termos do art. 4, IV, da Lei Federal
11.107/05.301
3.4 Consorciados, área de atuação e objetivos dos c onsórcios públicos
Consideram-se consorciados aqueles entes federados que subscreverem o
protocolo de intenções e tenham ratificado por lei o contrato de constituição de uma
pessoa jurídica de direito público, chamada de associação pública, ou daquele que
constitui uma pessoa jurídica de direito privado.
São várias as possíveis formações dos consórcios públicos. Podem ser
diversos municípios e o estado a que estão vinculados territorialmente; também
podem fazê-lo dois ou mais estados, um estado e o Distrito Federal. A União, a teor
do artigo 1º., parágrafo segundo, da lei 11.107/05 “[...] somente participará dos
consórcios públicos em que também façam parte todos os Estados em cujos
territórios estejam situados os Municípios consorciados”302.
Em relação a este tema, Medauar alerta que a redação confusa do parágrafo
segundo do artigo em comento pode causar algum transtorno ou equívoco
interpretativo, na medida em que parece possível, apenas pela leitura do dispositivo
legal, a criação de consórcio público entre vários estados e municípios dos
respectivos territórios.303 No entanto, em maior atenção aos incisos do parágrafo
primeiro, do artigo 4º da Lei 11.107/05, esta possibilidade não está ali estabelecida,
sendo, portanto, impossível sua constituição.
300 MEDAUAR, O. OLIVEIRA, G. J. 2006, p. 76. 301 Ibidem, p. 26. 302 GASPARINI, 2008, p. 354. 303 MEDAUAR, O., OLIVEIRA, G. J, op. cit., p. 27.
90
Deixa-se claro, então, que a União participará dos consórcios públicos em três
oportunidades: “[...] a) consórcios que sejam integrados por um estado e municípios
que estejam dentro do seu território; b) consórcios integrados por dois ou mais
estados e c) entre Distrito Federal e estado”304.
Diante dessas constatações e do que prescreve a lei 11.107/05 não será viável
a participação da União em consórcios formados unicamente por municípios, logo, a
União não poderá participar de consórcios públicos intermunicipais.
A elaboração dos objetivos dos consórcios é tarefa dos consorciados, sendo
limitados pelos dispositivos constitucionais. Todos os entes devem ter interesse
comum, de modo que será irregular a constituição de um consórcio se os interesses
forem dissidentes. A forma é livre, mas essa liberdade não se aplica aos consórcios
na área da saúde, que deverão pautar-se por normas que regulam o Sistema Único
de Saúde.305
Os objetivos podem ser múltiplos ou o consórcio também pode ser criado para
um único fim. O importante é que no momento da elaboração do protocolo de
intenções, os objetivos estejam claros e devem ser destacados em local próprio, sob
o vocábulo “finalidade”306.
Como exemplos de consórcios criados com objetivos múltiplos estão “[...] os
consórcios públicos para habitação, a aquisição e o uso de equipamentos e
304 MEDAUAR, O., OLIVEIRA, G. J. 2006, p. 28. 305 Lei 8080/1990 - Art. 10º - Os Municípios poderão constituir consórcios para desenvolver, em
conjunto, as ações e os serviços de saúde que lhes correspondam. § 1º - Aplica-se aos consórcios administrativos intermunicipais o princípio da direção única e os respectivos atos constitutivos disporão sobre sua observância. Art. 18. À direção municipal do Sistema Único de Saúde - SUS, compete: [...] VII - formar consórcios administrativos intermunicipais; Art. 3° Os recursos referidos no inciso IV do art. 2° desta lei serão repassados de forma regular e automática para os Municípios, Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios previstos no art. 35 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990. [...] § 3° Os Mun icípios poderão estabelecer consórcio para execução de ações e serviços de saúde, remanejando, entre si, parcelas de recursos previstos no inciso IV do art. 2° desta lei. PINTO, A. L. T; WIN DT, M. C. V. S.; CÉSPEDES, L. (Col.) Legislação Administrativa. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 682.
306 Nos termos do artigo 4º., I da Lei 11.107/05.
91
máquinas e o abastecimento de água”307 ou de objetivo uno como a “[...] coleta
seletiva de lixo”308.
3.5 As figuras contratuais dos consórcios públicos
A formação dos consórcios não poderá afetar a autonomia309 dos entes
consorciados, em especial as decisões políticas e, para isso, os consórcios devem
respeitar os limites310 e as atribuições de competência outorgadas pela Constituição.
Com a formação da personalidade jurídica, os consórcios passam a ser
sujeitos de direitos e obrigações. Ao mesmo tempo, para consecução de seus
objetivos, as razões pelas quais foram criados, os consórcios públicos poderão
celebrar contratos.
A própria Administração Pública como um todo, está caminhando para um
módulo negociativo, assumindo a identidade da busca de equilíbrio de interesses e
compartilhamento de responsabilidades. A prova dessa modificação são as
inovações da Lei 11.107/05, que trouxe o instrumento contratual como meio de
estabelecer direitos e obrigações para os consórcios públicos.311
A nova era da Administração Pública contratual repousa seus ideais na busca do diálogo, do equilíbrio, da composição de interesses e do compartilhamento de responsabilidades. O objetivo é a conjugação, de união de esforços, para realização de objetivos comuns, convergindo os interesses e as ações, para o melhor atendimento ao bem-estar dos cidadãos.312
Com efeito, em relação à lei dos consórcios públicos, três momentos
contratuais são identificados: a) o protocolo de intenções subscrito, que é a fonte, o
307 MEDAUAR, O., OLIVEIRA, G. J., op. cit., p. 30. 308 Ibidem, p. 30. 309 Embora o termo autonomia seja empregado em acepções diversas, aqui se trata da autonomia
dos entes federativos, abrangendo a autolegislação, a autoadministração e a autoorganização, dentro dos parâmetros fixados pela Constituição Federal. MEDAUAR, O., OLIVEIRA, G. J. , 2006, p. 34.
310 Os limites referidos são aqueles presentes nos artigos 18, 21, 22, 23, 24, 25 e 30 da Constituição Federal de 1988.
311 TEIXEIRA, Ana Carolina Vanderley. As novas figuras contratuais nos consórcios públicos. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 147.
312 Ibidem, p. 147.
92
nascedouro do consórcio público; b) o contrato de rateio que é o meio de determinar
os recursos que o consórcio disporá para efetivar seus objetivos e, c) o contrato de
programa, no qual serão identificadas as obrigações de cada participante para a
viabilização dos fins pelos quais os entes se consorciaram.313
3.5.1 Breves anotações sobre a teoria geral dos con tratos
A forma como determinada sociedade regula suas relações sociais se reflete
na orientação contratual. O contrato como espécie de negócio jurídico, surge na
teoria do direito ligado à ideia de consenso, onde as partes interessadas identificam
um objeto, fixam o preço, as cláusulas, as condições em que se realizará o negócio,
a forma de pagamento e o prazo. Ocorridas tais ponderações, o negócio estará
realizado. Os princípios observados pela teoria geral dos contratos são: a autonomia
da vontade, a boa-fé e a força obrigatória daquilo que foi ajustado, de modo que os
contratantes respeitem os seus termos até o efetivo cumprimento.314
Com o advento da CF/88, a vontade individual é relativizada em prol função
social, modificando também a teoria contratual frente aos objetivos da República
consubstanciados no artigo 3º., no que respeita à construção de uma sociedade
livre, justa e solidária.
A proteção aos interesses sociais nos instrumentos contratuais mostra a preocupação de integração do indivíduo à sociedade, buscando-se a cooperação entre os diversos atores sociais nas novas perspectivas em torno das funções de um Estado que se pretende eficiente.315
Assim, os conceitos sobre a autonomia da vontade privada foram relativizados,
e surgiu a responsabilidade social, identificada pela função social do contrato, na
boa-fé objetiva, guardando-se o equilíbrio de direitos e deveres contratuais para a
proteção de todos os envolvidos.
313 TEIXEIRA, 2008, passim. 314 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 4.
ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 380. 315 TEIXEIRA, op. cit., 150.
93
3.5.2 Breves anotações sobre a teoria geral dos con tratos administrativos
Se havia autonomia da vontade entre os contratos realizados entre
particulares, em relação aos contratos da Administração Pública ocorria o inverso. E
assim como no direito privado, os contratos também sofreram variações em relação
ao direito público e a Administração Pública tornou-se mais autoritária sendo, por
vezes, chamada de “administração contratual ou consensual”316.
Essa nova administração, todavia, não significa uma visão reducionista do
princípio da indisponibilidade do interesse público que permanece inalterado. O que
teve novo enfoque foi a forma de estabelecer negociações contratuais, mesmo no
Direito Administrativo, face à constitucional ideia de função social.
Se os contratos administrativos estruturam-se em torno do ajuste de obrigações recíprocas entre a Administração Pública e o particular, estando os interesses daquela superior aos interesses deste, os contratos consorciais são ajustes de vontades celebrados entre entes federativos para a gestão associada de interesses comuns [...].317
Como já largamente abordado, os consórcios públicos podem assumir forma
de associação pública, ou de associação civil, dependendo do tipo de personalidade
jurídica que lhe é atribuída. Nesse aspecto, parece útil saber se os consórcios
públicos podem ou não celebrar contratos de parcerias público-privadas,
disciplinadas pela Lei Federal 11.079/2004318, a conhecida Lei das PPPs.
Esse questionamento tem sua razão de ser, na medida em que a Lei
11.079/2004319 traz no parágrafo 4º., do artigo 2º., a proibição da realização deste
tipo de contrato em valor inferior a vinte milhões de reais. Tal vedação deixa boa
parte dos municípios brasileiros – que não têm um orçamento tão abastado –
impossibilitados de assumirem estes tipos de parceria e, neste ponto, os consórcios
316 TEIXEIRA, 2008, p. 151. 317 Ibidem, p. 152. 318 A abordagem das parcerias público-privadas não é o objetivo deste trabalho. Sua menção tem
caráter meramente argumentativo em relação aos tipos de contratos que podem realizar os consórcios públicos.
319 Art. 2º. - Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 4o É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada: I – cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); I – cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos; ou III – que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.
94
públicos podem ser o instrumento de ajuste e solução satisfatória para realização e
parcerias público-privadas.
Para Odete Medauar e Gustavo Oliveira é possível a contratação de parceria
público-privada pelos consórcios públicos, se for superada a vedação legal antes
referida. Porém, há que se considerar esta possibilidade para as associações
públicas, justificando-se pelo fato de que
[...] o parágrafo único do art. 1º. da Lei das PPPs determina que se aplica esta lei aos órgãos da Administração Pública direta, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.320
E, como só o consórcio público constituído através de associação pública é que
integra a Administração Pública indireta dos entes federados, os consórcios
constituídos mediante associações civis, ficam, em princípio, excluídos desse tipo de
contratação.
3.5.3 Os contratos consorciais em espécie
Em razão da lei 11.107/05, os consórcios públicos apresentam três espécies de
contratos: o protocolo de intenções, o contrato de rateio e do de programa.
3.5.3.1 O protocolo de intenções
Esta é a fase da pactuação inicial para que os entes interessados possam
formar o consórcio público. A manifestação de vontade de cada ente que pretende
participar do consórcio deve ser feita pelo Chefe do Poder Executivo, através da
subscrição do protocolo de intenções.
A formalidade prevista para este ato consta do artigo 4º. da lei 11.107/05 e o
conceito de protocolo de intenções está descrito no Decreto 6.017/07 que veio
regulamentar a lei geral dos consórcios públicos e estabeleceu no seu artigo 2º., “[...]
contrato preliminar que, ratificado pelos entes da Federação interessados, converte-
se em contrato de Consórcio Público”. 320 MEDAUAR, O., OLIVEIRA, G. J., 2006, p. 37.
95
A manifestação das intenções no protocolo cabe ao Chefe do Poder Executivo,
porque é ele que tem competência para prestar os serviços públicos. Para esta
representação não interessa o nível do ente federado. Ao consórcio não é dado
competência para criar novos serviços públicos, ele serve tão-somente como
instrumento de execução. É no momento da assinatura do protocolo que se
materializa a vontade dos entes públicos de constituir o consórcio.321
Pode ocorrer, todavia, que o protocolo de intenções seja apenas parcialmente
ratificado. Neste caso, há necessidade de elaboração de um novo contrato onde
restará esclarecida o nível de participação e envolvimento de determinado município,
dentro daquele consórcio específico.
A lei 11.107/05 estabeleceu cláusulas obrigatórias no artigo 4º., como a
identificação dos entes da federação que estarão consorciados, mediante a
apresentação do número do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, bem como, a
identificação das pessoas físicas que firmam o protocolo, como legais
representantes do Poder Executivo de cada ente federado.
Outra indicação obrigatória é a definição da área de atuação do consórcio.
Como alhures mencionado, esta será a circunscrição, a soma dos territórios dos
entes consorciados como refere o parágrafo único do artigo 2º. do Decreto 6.017/07
e que tenham ratificado por lei o protocolo de intenções. Outra referência obrigatória
ao protocolo é a definição da personalidade, ou seja, se o consórcio público é
associação ou pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos.322 Como este
ponto já foi objeto de análise anterior, deixa-se de apreciá-lo para evitar a
desmerecedora repetição.
Quando o interesse for comum, o consórcio poderá autorizar um representante
para defender os interesses do consórcio em outras esferas de governo. Nesse
321 MACHADO, Gustavo Gomes.; DANTAS, Caroline Bastos. Constituição de consórcios públicos e
implicações da Lei n. 11.107/05 nas associações intermunicipais anteriores. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.). Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 171.
322 Ibidem, p. 192.
96
caso, os critérios da representação deverão estar expressos no protocolo de
intenções.
Outra previsão obrigatória importante é aquela relativa ao modo de convocação
e funcionamento da assembleia geral, inclusive no tocante à elaboração, aprovação
e modificação dos estatutos atinentes ao consórcio público.323 Essa previsão tem o
objetivo de “[...] condicionar a execução dessas modalidades de atos de gestão,
nevrálgicas do Consórcio Público, ao pleno conhecimento de todos os entes
consorciados dessas ações”324.
Por ser a instância máxima de decisão sobre os consórcios, a assembléia deve
ter ampla divulgação e o protocolo deve conter claramente as regras que garantem a
publicidade e os meios de convocação, pois a deficiência na publicidade pode viciar
a convocação, tornando-a nula.325
Em relação à contratação de pessoal, as regras são as mesmas do regime
jurídico da administração pública.
Figura também como obrigatória no artigo 4º., XI, a autorização para a gestão
associada de serviços326, as competências que serão atribuídas aos consórcios, o
tipo de serviço que será objeto da gestão associada e a área de sua prestação, a
autorização para que se faça licitação, ou mesmo concessão, permissão ou
autorização da prestação de serviço, as condições do contrato de programa, bem
como os detalhes técnicos para a cobrança de tarifas e preço público e suas
revisões ou reajustes.
Há uma razão lógica para o protocolo de intenções estipular tais requisitos da gestão associada de serviços públicos, que, posteriormente serão detalhadas e exaustivamente tratadas nos contratos de programa específicos entre o consórcio e os entes federados. O protocolo de intenções, ratificado e convertido em Contrato de Consórcio, estipula as condições da gestão associada que adquirem força de lei. Dessa forma, é pressuposto lógico que todas as regulamentações inerentes à gestão associada que dependam de lei sejam pré-estabelecidas no protocolo de
323 MACHADO, G. G.; DANTAS, C. B., 2008, p. 176. 324 Ibidem, p. 176. 325 Ibidem, p. 176. 326 Artigo 4º., XI da lei 11.107/05.
97
intenções. É o que ocorre, por exemplo, com a autorização para alienação de bens.327
Por fim, subscrito o protocolo pelos entes federados, este deverá ser publicado
na imprensa oficial, garantindo-se a principiológica publicidade.
3.5.3.2 O contrato de rateio
Este é o instrumento jurídico por meio do qual serão definidos os recursos
financeiros que os integrantes destinarão ao consórcio para o custeio das despesas,
de acordo com a previsão do artigo 2º., VII do Decreto 6.017/07.
O legislador preocupou-se em colocar em contrato separado - embora
permaneça vinculado ao consórcio – as obrigações financeiras. Cada ente receberá
o seu contrato de rateio e nele estarão previstas as responsabilidades financeiras
que o ente deverá cumprir.
É a única forma por meio da qual será possível a entrega de recursos ao consórcio público pelos entes consorciados [...], sendo vedada a transferência de contribuições financeiras e econômicas de qualquer espécie [...]. As exceções a esta última são a doação, a destina;cão ou cessão do uso de bens móveis ou imóveis e as transferências ou cessões de direito operadas segundo gestão associada de serviços públicos.328
Da mesma forma, não é admitido o gasto de recursos do contrato de rateio
para o pagamento de despesas genéricas329. O objetivo é evitar que os recursos dos
consórcios sejam desviados de sua finalidade precípua, utilizando-se para outros
fins, que não aqueles estabelecidos no protocolo de intenções.
327 MACHADO, G. G.; DANTAS, C. B, op. cit., p. 179. 328 TEIXEIRA, 2008, p. 156. 329 Nos termos do §2º. do artigo 15 da Lei 11.107/2005, “[...] entende-se como despesa genérica
aquela em que a execução orçamentária se faz com modalidade de aplicação indefinida”, não se classificando como tal as despesas de administração e de planejamento das ações do consórcio público, desde que assim estejam classificadas na previsão orçamentária.” Ibidem, p. 156.
98
Esta modalidade de contrato será feita para vigorar em cada exercício
financeiro, de modo que os recursos sejam previstos na dotação orçamentária de
cada um dos entes consorciados, obedecido o princípio da anualidade.330
Em relação aos consórcios intermunicipais, os recursos para a sua consecução
podem vir de receitas próprias destinadas aos objetivos ou, a partir das contribuições
dos municípios integrantes, de acordo com a elaboração estatutária do consórcio. A
participação financeira de cada município pode variar em função de fatores como a
receita municipal, a população, a utilização dos serviços e bens ou, ainda por outro
critério que pode ser estabelecido nas regras do consórcio.
Os setores mais frequentes em que os municípios se associam: saúde, aquisição e/ou uso de máquinas e equipamentos, educação, tratamento e disposição final de lixo, serviços de abastecimento de água, reciclagem de lixo, coleta seletiva de lixo, serviços de abastecimento, coleta e lixo especial, processamento de dados, esgotamento sanitário, limpeza urbana, remoção de entulhos e habitação.331
Há, portanto, grande possibilidade de atuação dos consórcios no campo da
promoção do desenvolvimento regional e podem assumir funções de incentivo a
atividades econômicas, atraindo investimentos, apoiando a produção agrícola,
divulgando o potencial turístico regional e preparando os municípios para a
exploração racional de suas potencialidades.332
Em relação ao recebimento e destinação dos recursos financeiro, não se pode
esquecer, todavia, que a Lei de Improbidade Administrativa foi alterada para incluir
como ato de improbidade, os atos de celebração do contrato de rateio sem suficiente
previsão orçamentária.333 A organização das contas do consórcio vem ao encontro
da Lei de Responsabilidade Fiscal, pois o consórcio deverá repassar aos entes
330 Ibidem, p. 157. Duas exceções podem ser apontadas a esta regra: quando se cogitar de contratos,
cujos objetos sejam contemplados no plano plurianual, ou quando os serviços públicos associados forem custeados por tarifas ou outros preços públicos.
331 MEDAUAR, O., OLIVEIRA, G. J., 2005, p. 25. 332 VAZ, op. cit. 333 Nesse sentido o parágrafo 2º. do artigo 13 do Decreto n. 6017/2007 prevê que “[...] constitui ato de
improbidade administrativa, nos termos do disposto no art. 10, inciso, XV, da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, celebrar contrato de rateio sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas em lei”. PINTO, A. L. T; WINDT, M. C. V. S.; CÉSPEDES, L., 2009, p. 471.
99
consorciados todas as informações sobre as receitas e despesas na conta de cada
ente consorciado.
Caso o consorciado não cumpra suas avenças no contrato de rateio, ficará
sujeito à suspensão da participação no consórcio, podendo ser estipulado prazo
para o cumprimento das obrigações referentes ao ente inadimplente.
Se houver reincidência na impontualidade, o ente será excluído do consórcio
através de processo administrativo334, garantindo-lhe o contraditório e a ampla
defesa. Essa previsão serve para garantir a segurança dos entes consorciados e do
consórcio diante de eventuais terceiros, no intuito de que aquilo que foi pactuado
seja fielmente cumprido.
Depreende-se das formalidades instituídas pela Lei Federal 11.107/2005 que o legislador objetivou prevenir riscos e delimitar responsabilidades dos entes consorciados, com destaque para as hipóteses de inadimplemento de seus compromissos contratuais.335
O órgão responsável pela apreciação das contas dos consórcios é o Tribunal
de Contas competente para a análise das contas do Chefe do Poder Executivo
representante do consórcio. Modificando-se a representação legal do consórcio,
também poderá ocorrer a alteração do Tribunal a que o consórcio deverá submeter
sua prestação de contas.
3.5.3.3 O contrato de programa
É no contrato de programa que serão criadas as obrigações e direitos de todos
os entes consorciados para a gestão associada. Contrato de programa é o “[...]
instrumento pelo qual devem ser constituídas e reguladas as obrigações que um
334 Decreto 6.017/07. Art. 26 – A exclusão de ente consorciado só é admissível havendo justa causa.
Parágrafo 1º. - Além das que sejam reconhecidas em procedimento específico, é justa causa a não inclusão, pelo ente consorciado, em sua lei orçamentária ou em créditos adicionais, de dotações suficientes para suportar as despesas que, nos termos do orçamento do consórcio público, prevê-se devam ser assumidas por meio de contrato de rateio. Parágrafo 2º. – A exclusão prevista no § 1º. deste artigo somente ocorrerá após prévia suspensão, período em que o ente consorciado poderá se reabilitar. Art. 27 – A exclusão de consorciado exige processo administrativo onde lhe seja assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório. PINTO, A. L. T; WINDT, M. C. V. S.; CÉSPEDES, L., 2009, p. 479.
335 MEDAUAR, O. OLIVEIRA, G. J., 2006, p. 84.
100
ente da Federação, inclusive sua administração indireta, tenha para com outro ente
[...], ou para com consórcio público, no âmbito dos serviços públicos [...]”336.
O objeto do contrato de programa poderá ser um instrumento para “[...] viabilizar a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou de bens essenciais a que os serviços transferidos sejam prestados de forma contínua, sempre no âmbito da gestão associada. É uma espécie de contrato adjacente ou consentâneo a uma relação de cooperação intergovernamental, seja por consórcio público, seja por convênios de cooperação, não podendo ser celebrado fora das hipóteses legais.337
Caso o contrato de programa envolva prestação de serviços, deverá ser
observada toda a legislação sobre concessão e permissão de serviços públicos.338
3.6 Os consórcios públicos e a responsabilidade fis cal
Criada a pessoa jurídica que representará o consórcio, deverá ser organizado o
orçamento, que conterá os elementos carreados no protocolo de intenções, porque a
maioria dos elementos ali especificados, gerarão despesas para os consórcios. Da
mesma forma, a receita será indicada pelo número de entes consorciados, sendo
possível estabelecer a previsão de receita com base no contrato de rateio339, a fim
de atender as necessidades do consórcio.
A [...] realização concentrada de objetivos comuns depende da alocação pulverizada de recursos públicos e que o desenho de cada um dos entes consorciados induz determinados tipos de comportamentos que podem incentivar ou desestimular o alcance dos objetivos traçados.340
336 Nos termos do artigo 2º, inciso XVI do Decreto 6.017/2007. 337 TEIXEIRA, 2008, p.159. 338 Lei 8.987/1995, Lei 9.074/1995 e alterações posteriores, bem como, a legislação de regulação de
cálculo de tarifas e de outros preços públicos. TEIXEIRA, 2008, p. 160. 339 ‘[...] No que diz respeito aos consórcios públicos, é sabido que a entidade possui formas diversas
de obter recursos financeiros, ou seja: a) por meio de contrato de rateio os entes consorciados entregarão recursos ao consórcio público; b) poderá o consórcio ser contratado pela administração direta ou indireta dos entes da federação consorciados (dispensada a licitação), então o ente consorciado pagará determinado valor pelo serviço prestado ou fornecimento de bens (contrato administrativo previsto na Lei n. 8.666/93); c) firmando convênios e recebendo auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos de governo; d) por meio de arrecadação de tarifas e outros preços públicos pagos pela prestação de serviços ou pelo uso ou outorga de uso de bens públicos por eles administrados ou, mediante autorização específica, pelo ente da federação consorciado.” GLÓRIA, Débora Fialho Ribeiro. Consórcio público e seu orçamento. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.). Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 295.
340 Ibidem, p. 284.
101
O orçamento, então, é considerado uma hábil ferramenta de que se pode valer
o administrador para fazer a previsão necessária e real de como programar os
gastos públicos, tornando-os adequados à prestação pretendida na execução dos
fins para os quais ele se destina e aos limites da colaboração de cada ente
consorciado.
Para que seja viável a realização das políticas públicas objetivadas pelos
consórcios, há necessidade de adequação orçamentária evitando-se que as
despesas ultrapassem as receitas, sob pena de inviabilidade da prestação.
O orçamento público encontra-se regido nos artigos 165341 a 169 da
Constituição Federal. Essa previsão legal visa a diminuir as desigualdades regionais
e sociais dentro deste extenso país, de tão acentuadas discrepâncias.
Os investimentos cuja execução ultrapassa um exercício financeiro só serão
possíveis se contemplados no plano plurianual ou em lei específica autorizadora da
inclusão dos mesmos. A inobservância desse comando configura crime de
responsabilidade, como dispõe o §1º. do art. 167 da Constituição da República.342
Assim, a elaboração do orçamento é vital para a administração do consórcio,
assim como a vinculação ao plano plurianual é de suma importância para os entes
consorciados garantirem os necessários investimentos no consórcio. Baseados nas
políticas tributárias que se estabelecem dentro deste instrumento – repensando
despesas e maximizando receitas - é que os gestores públicos conseguirão
implantar e executar as políticas públicas idealizadas nos consórcios.
Afinal, tanto os consórcios públicos constituídos por personalidade jurídica de
direito público, quanto de direito privado estão submetidos ao rígido controle da Lei
341 Art. 165 CF/88 - Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as
diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais. 342 FARIA, Edmur Ferreira de. Responsabilidade fiscal dos consórcios públicos. In: PIRES, Maria
Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.). Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 379. A despeito da importância do plano plurianual, sua dotação, na prática, ainda é incipiente. [...] Diversos municípios ainda não o adotaram. Dos que adotaram, muitos copiam o plano de outros, sem se preocupar com as peculiaridades locais. Este fato decorre, talvez, da carência de profissional devidamente qualificado ou mesmo comprometido com as exigências legais. Ibidem, p. 379.
102
Complementar 101/2000, que trata da responsabilidade fiscal do administrador
público.
Ressalta-se, por fim, que os gestores dos consórcios não sofrerão
responsabilidade em razão daquelas obrigações contraídas pelos consórcios.
Entretanto, serão responsabilizados pelos atos que realizarem em desacordo com a
lei de responsabilidade e a lei geral dos consórcios.343
3.7 A participação social nos consórcios públicos
Os consórcios públicos objetivam a agregação de entes federados em busca
de atuação concentrada em determinados objetivos traçados no momento da sua
criação.
Na formação da gestão associada de serviços públicos há a possibilidade da
participação da sociedade civil. Esse espaço de participação pode ser a
oportunidade do devido controle social sobre aquilo que é visado com o consórcio
público, pois estes instrumentos, em relação à descentralização da prestação dos
serviços públicos e da participação popular, situam-se como “[...] polo de
transitividade do controle social e da prática da democracia entendida como
ancoradouro de pensamentos e ações”344.
A importância do controle pela sociedade, essa espécie de fiscalização, ganha
um aspecto ainda mais relevante ao se perceber que a descentralização dos
serviços públicos através dos consórcios públicos, implica no ingresso deste, ao
grupo da Administração Pública Indireta. E, neste patamar, exige-se a fiscalização
com base nos princípios do Direito Administrativo, baseado especialmente na
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Logo, maiores
serão os cuidados do administrador público, sob a vigilância da sociedade civil.
343 FARIA, 2008, p. 400. 344 CASTRO, José Nilo de. O controle social nos consórcios públicos. In: PIRES, Maria Coeli Simões;
BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.). Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 341.
103
Além disso, nessa modalidade de gestão pública associada estão presentes
aqueles objetivos da República, na medida em que os consórcios derivam da
atuação democrática, da solidariedade como princípio, consubstanciado no interesse
da melhoria coletiva, na medida em que, por exemplo, problemas comuns a
determinados municípios circunvizinhos, como a poluição das águas, só se
resolverão com a colaboração de todos.
É nos municípios “[...] que o controle social moureja mais intensamente, porque
os consórcios públicos albergam dimensões propícias a que as instituições públicas
não percam nunca sua legitimidade diante da sociedade civil”345.
E o controle social que garante essa legitimidade é aquele que obriga os entes
consorciados às normas de direito financeiro, sujeitando-os à prestação de
informações sobre suas receitas e despesas e a aprovação pelo Tribunal de Contas
competente.346 Da mesma forma, dito controle é viável em relação às regras do
contrato de rateio, que obrigam a previsão orçamentária dos entes consorciados.
Há que se anotar, contudo, que não há na lei geral dos consórcios, n.
11.107/05, nenhum dispositivo que expressamente determine que a sociedade civil
fiscalize os consórcios públicos. Por outro lado, há que se defender que o Decreto n.
6.017/07 refere-se à sociedade civil dos entes consorciados347 para proceder na
fiscalização das finanças.
A participação social pode ter lugar ainda e especialmente, no momento da
elaboração do protocolo de intenções, onde a sociedade civil pode optar através da
formação da “agenda” de interesses daquele ente a que pertencem e que poderá se
consorciar publicamente.
345 CASTRO, 2008, 342. 346 Lei 11.107/05, art. 9º. - Os entes da Federação consorciados respondem subsidiariamente pelas
obrigações do consórcio público. Parágrafo único.Os dirigentes do consórcio público responderão pessoalmente pelas obrigações por ele contraídas caso pratiquem atos em desconformidade com a lei, os estatutos ou decisão da assembléia geral.
347 Lei 11.107/05, art. 13º. - Os entes consorciados somente entregarão recursos financeiros ao consórcio público mediante contrato de rateio. §3oAs cláusulas do contrato de rateio não poderão conter disposição tendente a afastar, ou dificultar a fiscalização exercida pelos órgãos de controle interno e externo ou pela sociedade civil de qualquer dos entes da Federação consorciados.
104
Tendo havido a participação popular nessa fase do protocolo de intenções, na
medida em que a consciência coletiva visa à união dos habitantes em via de
consorciamento, confirma-se a constatação da existência de maior garantia na
instituição do consórcio pelos entes que firmaram o protocolo de intenções. É dizer
que, a despeito da lei admitir a ratificação com reserva do protocolo ou sua
ratificação apenas por uma parcela dos entes, o elemento coletivo não será
desprezado pela confiança resultante da participação popular.348
Os consórcios públicos são, também, instrumentos de participação, de
democracia participativa, especialmente nos espaços municipais e, como ainda é
instituto com recente quadro legislativo próprio, é possível antever que com a
experiência poder-se-á aprimorar o instrumento, mas que ele não deve se distanciar
do constante controle e participação social.
Constata-se, então, que com a participação da sociedade será mais difícil o
descumprimento das intenções protocolares e será respaldada em maior
legitimidade a lei que vir ratificar o protocolo de intenções.
3.8 Os consórcios públicos intermunicipais como mec anismos do federalismo:
a promoção de políticas públicas tributárias de com bate à guerra fiscal
baseadas na solidariedade social
A Constituição Federal, no âmbito do artigo 241 preconiza a descentralização
cooperativa dos serviços públicos entre os entes federados. Entretanto, a própria
atribuição de competência tributária entre os mesmos entes federados acirra a
competitividade entre os membros.
O artigo 23, parágrafo único, da Constituição Federal, por sua vez novamente
abarca soluções mediante relações de cooperação, notadamente com fito de buscar
o equilíbrio nacional349, com a realização de objetivos fundamentais da República350.
348 CASTRO, 2008, p. 347. 349 CF/88, artigo 23 – É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios: [...] Parágrafo Único – Leis Complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
105
As soluções preconizadas de forma cooperada devem levar em consideração
as peculiaridades regionais e municipais, especialmente no combate à guerra fiscal,
esta prática destrutiva proporcionada pela competitividade entre os entes, que se dá
“[...] pela concessão, em escala cada vez maior, de incentivos e isenções tributárias
pelos Municípios com o objetivo principal de desenvolver economicamente sua
região, fato esse que vem alimentando a guerra fiscal entre os entes federados”351.
A guerra fiscal torna-se prejudicial porque no intuito de atrair investimentos do
capital privado, em determinado Município, os representantes acabam por renunciar
alguns créditos tributários em razão de incentivos ou isenções por determinado
tempo. Enquanto se mantiverem os benefícios fiscais, as empresas permanecem no
local. No entanto, a partir do momento em que esses benefícios devem ser revistos
e o investimento privado deve proceder ao pagamento dos encargos tributários
antes isentos, geralmente tais empresas acabam migrando para outro Município
onde receberão novos benefícios, deixando um lastro de desemprego. Isso gera um
claro desperdício de receitas públicas e acentua a marginalização, representando
perdas ao Município. Esse é um processo que não traz nem melhoria nem
progresso, apenas amplia as desigualdades sociais.352
Quanto à expressão - guerra fiscal – a mesma se consolidou nos meios de comunicação como forma de designar benefícios fiscais concedidos (no caso em estudo por Municípios), principalmente mediante isenções, quer totais ou parciais (aqui entendidas também as reduções de alíquotas) para atrair novas empresas, tanto aquelas ainda não existentes como as já existentes, mas situadas em Município diverso daquele que oferece benefícios. A transferência de uma empresa gera receitas e, por vezes, até mesmo, empregos ao novo Município, mas por consequência lógica, em contrapartida, aquele em que se situava perde receita e também, conforme a situação fática, vagas de emprego.353
Assim, os consórcios públicos intermunicipais são apresentados como a
possibilidade de agregar recursos e esforços para realizar o melhor atendimento aos
munícipes, em relação à prestação de serviços públicos, sem que para isso os entes
350 “[...] São objetivos fundamentais da república aqueles contidos no artigo 3º. da Constituição
Federal.” PIRES, Maria Coeli Simões; NOGUEIRA, Jean Alexandro Serra Cyrino. O federalismo brasileiro e a lógica cooperativa-competitiva. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 43.
351 RODRIGUES, H. T.; RETTENMAIER, P. 2008, p. 2503. 352 Ibidem, p. 2503. 353 Idem, 2003, p. 229.
106
consorciados tenham que proceder a renúncia de receitas tributárias. Além disso,
aqueles valores que deixaram de entrar nos cofres públicos face às benesses fiscais
concedidas e que permitiram a exploração econômica das receitas públicas pela
iniciativa privada, podem agora, voltar-se aos investimentos públicos consorciados.
Os consórcios públicos na forma intermunicipal são praticados com sucesso,
há algumas décadas, porém, até 2005 não tinham legislação específica, que foi
completada pelo Decreto regulamentar 6.017/07, como antes comentado. Os
exemplos já disseminados estão relacionados com a saúde, educação, transporte,
informática, agricultura, meio ambiente e tratamento de resíduos sólidos.
O tratamento no processamento de resíduos sólidos urbanos, por exemplo, é
motivo de dispendioso projeto, pois, além de equipamentos, área de terra adequada,
é necessário também um volume de resíduos coletados suficientes para garantir a
sua viabilidade econômica. Assim, para sua realização há que se promover a
integração de pequenos Municípios, que resolverão um problema comum e que gera
tanta preocupação quanto a sua destinação.
Os consórcios intermunicipais “[...] são organizações capazes de articular
políticas públicas setoriais com políticas territoriais”354. Nesse sentido, um problema
localizado em vários municípios, pode receber uma solução que atenda todos ou
bom número deles, através da criação do consórcio. Para Schmidt, em relação às
políticas públicas, deve haver “[...] coerência, intersetorialidade e transversalidade,
como requisitos para a efetividade, eficácia e eficiência das políticas”355 e tais
medidas podem ser obtidas mediante a elaboração de agendas de formação de
consórcios públicos, com a identificação dos problemas idênticos em vários
municípios, que podem ser ou não, circunvizinhos.
Em outro giro de argumentativo, há que se fazer menção às formações
metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas e estabelecer se estão ou
não em oposição aos consórcios públicos intermunicipais e estabelecer alguns
pontos sobre a formação das primeiras.
354 CALDAS, 2008, p. 50. 355 SCHMIDT, op. cit, p. 2017.
107
Definido na primeira parte deste estudo que os municípios são entes federados
autônomos, busca-se com base nos artigos 25, parágrafo terceiro, 23, parágrafo
único e 241 da Constituição Federal uma leitura sistemática sobre a formação das
regiões metropolitanas e dos consórcios públicos. O primeiro artigo citado confere ao
Estado-membro a competência para “[...] criação de regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões para a integração da organização do
planejamento e da execução de funções públicas comuns”356. No artigo 241 está a
já mencionada gestão associada de serviços públicos mediante consórcios públicos
e no artigo 23, parágrafo único, a cooperação federativa para o desenvolvimento
nacional.
Se as regiões metropolitanas começaram com um esforço institucional de cima para baixo caracterizado por uma associação forçada entre seus entes, os consórcios municipais tiveram como base uma relação horizontal, ou mesmo uma relação de baixo para cima, caracterizada por um arranjo organizacional baseada na associação voluntária dos entes participantes.357
Os dispositivos constitucionais citados apresentam conteúdos diferentes em
relação ao tipo de formação das regiões metropolitanas e assemelhadas, pois estas
têm formação compulsória, em caso de exercício de competência do Estado
membro. De outro lado, os consórcios públicos configuram possibilidade de
formação voluntária de organização federativa através de contrato e estes dão a
tônica capaz de servir ao federalismo cooperativo do artigo 241 e 23, parágrafo
único da Constituição Federal.
Entende-se por compulsória a organização vertical de Municípios afetados pelo mesmo fenômeno regional, operada por lei editada pelo ente federado competente, independentemente da anuência dos Municípios, solução que influencia a própria estrutura da Federação brasileira; por voluntária compreende-se a organização horizontal fundada na livre associação dos entes interessados.358
O questionamento que é possível fazer neste ponto é aquele referente à
viabilidade da utilização dos consórcios públicos intermunicipais naquelas regiões
metropolitanas já definidas ou no caso de microrregiões ou aglomerações urbanas.
356 MACHADO, Gustavo Gomes. PIRES, Maria Coeli Simões. Os consórcios públicos: aplicação na
gestão de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. In: PIRES, Maria Coeli Simões; BARBOSA, Maria Elisa Braz (Coord.) Consórcios Públicos: instrumento do federalismo cooperativo. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 405.
357 SPINK, 1998, apud CALDAS, op. cit. p. 53. 358 MACHADO, G. G.; PIRES, M. C. S., op. cit.,p. 406.
108
Em primeiro lugar, não há que se confundir os arranjos metropolitanos com a
capacidade do município para organizar sua participação voluntária na gestão
associada dos serviços públicos, pois a criação dessas figuras tem por objetivo um
sistema normativo estadual mais geral no campo desses territórios.359 Depois,
dependerá de lei complementar estadual a regulamentação das funções públicas de
interesse comum da região metropolitana, de modo a não ferir a autonomia dos
municípios.
Aliás, mesmo havendo a legislação estadual, esta não elide, nem suplanta
possibilidades de negociações por meio dos consórcios. Logo, deve ser visto com
muita cautela o discurso que percebe as regiões metropolitanas, aglomerações
urbanas ou microrregiões como formas antagônicas ou mesmo impeditiva dos
consórcios intermunicipais.
Deve-se assinalar a importância dos consórcios para a gestão e o desenvolvimento metropolitanos e, ainda, para a potencialização de transformações, na perspectiva qualitativa de seus resultados, à medida que abranjam em seu escopo o fomento, as parcerias com o setor privado e com a sociedade civil.360
Assim, embora exista a formação de regiões metropolitanas, aglomerações ou
microrregião, essas figuras de formação compulsória pela edição de lei estadual não
se confundem com os consórcios públicos intermunicipais e, da mesma forma,
podem contratá-lo, o que implica dizer que entre tais figuras regionais pode ainda
haver guerra fratricida na medida em que a sua formação não decorre do consenso,
mas da compulsoriedade da lei.
Consórcios intermunicipais, portanto, são organizações resultantes da
disposição de cooperação dos atores políticos relevantes de diversos municípios que
decidem cooperar entre si para resolver problemas relativos a um tema ou setor
específico.361 Para a efetivação desse tipo de parceria, é necessário interesse
comum, baseado também na confiança que é representada pelo capital social362 e
359 MACHADO, G. G.; PIRES, M. C. S., op. cit., p. 418. 360 Ibidem, p. 419. 361 CALDAS, 2008, p. 55. 362 Ibidem, p. 55.
109
esta confiança é fundamental para favorecer as ações coletivas, pois além de dividir
custos, há incentivo na contribuição para a manutenção do consórcio.
Da mesma forma, as ações coletivas ganham força e aumentam o poder de
pressão e diálogo nas instâncias governamentais em níveis superiores, ou mesmo
junto ao setor privado, o que gera a confiança da população e fortalece a autonomia
municipal, sem desrespeitar o federalismo.
Vê-se, pois, que o fator das desigualdades, associado ao da carência de motivação dos entes subnacionais para a alimentação processual do pacto federativo, em razão do desequilíbrio entre renúncia de direitos de soberania e compensações redistributivas, militam ao mesmo tempo contra um federalismo competitivo, já que os supostos deste são a igualdade entre os entes federativos e a motivação pela pertinência ao conjunto, e contra um federalismo cooperativo e eficaz, que se deve apoiar em mecanismos institucionais e contratuais de governança compartilhada ou de trocas equilibradas mediadas pela união.363
Nesse sentido, as políticas tributárias deverão ser voltadas aos interesses
comuns e em harmonia entre os poderes da federação, permitindo o
desenvolvimento de todos, baseados no princípio da solidariedade social tributária,
onde todos – dentre as suas igualdades – devem concorrer para realização do
Estado, com respeito ao princípio da igualdade e da dignidade humana, buscando,
de forma cooperada, sem valorizar a concorrência que estimula a guerra fiscal,
atingir o Bem Comum. Nessa conclusão, fundamentais foram os ensinamentos de
Rodrigues ao escrever que
[...] a palavra de ordem é consolidar políticas púbicas tributárias harmônicas entre as mais variadas regiões, rompendo com práticas antigas que apregoam a concorrência entre entes federados, privilegiando determinados empresários em detrimento do desenvolvimento coletivo daqueles que habitam o solo brasileiro. O agir coletivo, com objetivos coletivos, tendo-se a cooperação como palavra de ordem, valendo-se de instrumentos como os consórcios [...] buscando-se o bem estar de todo o povo, indiferentemente de linhas geográficas através, fundamentalmente, da harmonização de políticas tributárias municipais, parece ser uma das únicas formas de efetivação dos direitos fundamentais a todos, e não apenas a alguns.364
Este foi o objetivo aqui desenvolvido: tecer a viabilidade de políticas públicas
inclusivas através da contratação de consórcios públicos intermunicipais construídos
sobre as bases das políticas tributárias de combate à guerra fiscal que encontrou
363 PIRES, 2008, p. 51. 364 RODRIGUES, H. T.; RETTENMAIER, 2008, p. 2511.
110
brecha na interpretação competitiva do federalismo brasileiro, mas que deve ter sua
visão cooperativa aumentada na busca de soluções nacionais, com a contribuição
de instrumentos locais, sempre com a participação dos atores sociais, a fiscalização
e controle da ação dos governos e da gestão pública.
111
CONCLUSÃO
Sem pretender esgotar o tema, ou sequer ponderar conclusões inéditas, o
presente trabalho teve como objetivo pesquisar ideias e teses acerca da influência
das políticas tributárias adotadas pelos municípios que desencadearam um conflito
fratricida entre entes federados e apresentar viáveis soluções ao desenvolvimento
econômico e à prestação de serviços públicos através dos consórcios públicos.
A posição que os municípios ocupam dentro da Constituição Federal da
República do Brasil foi alvo de muita discussão na doutrina. Mesmo com as
previsões expressas na Carta Magna, alguns doutrinadores insistem em sustentar
que os municípios não se enquadram como entes federados autônomos.
O entendimento aqui esposado deu-se no sentido inverso. Assim, os
municípios são dotados de capacidades de organização, governo, legislação e
administração de si próprios, garantindo-se sua autonomia como ente federado de
terceiro nível e integrante da federação brasileira.
Além disso, outro argumento da autonomia dos municípios está na sua
competência tributária, pois os entes federados necessitam - para o exercício dessa
autonomia - da obtenção de receitas tributárias. Restou, pois, evidenciado que a
eles cabe a instituição de três impostos, contribuições de melhoria, taxas,
contribuições previdenciárias e contribuição para o custeio da iluminação pública.
Ainda, em relação às receitas obtidas em conjunto com os demais entes federados,
os municípios receberão pequeno percentual para realização dos serviços públicos e
atividades sob sua responsabilidade.
Com base nesses dados, estes entes federados são dotados de uma função
social diversa daquela função social da cidade. Essa função, de acordo com os
ensinamentos de Pasold e Rodrigues, refere à busca do Bem Comum.
A importância da valorização do espaço local está na certeza da posição dos
municípios como entes federados mais próximos dos cidadãos, com estímulo à
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participação social nas decisões administrativas de interesse geral, que se ainda são
pouco expressivas, devem ser incentivadas.
Como corolário da subsidiariedade na descentralização da prestação e da
responsabilidade pelos serviços da administração pública, há que se entender o
federalismo de forma coordenada e cooperada em todos os níveis. A posição dos
municípios em isolamento e concorrência com outros entes federados tem gerado,
além da prestação de serviços públicos insatisfatórios, outros efeitos nocivos,
especialmente a Guerra Fiscal travada entre eles.
A realização dos direitos fundamentais se concretiza em relação à
Administração Pública, via serviços postos à disposição dos cidadãos e mediante
políticas públicas. As políticas públicas têm muitas acepções, mas podem ser
entendidas como ações governamentais, estratégias ou programas que causem
efetiva transformação na sociedade.
Essas transformações passam pelo exercício da cidadania, cujo conceito vem
se modificando através dos tempos, especialmente no final do século XX e início do
século XXI pelas novidades sentidas no mundo globalizado, que inovou
tecnologicamente as comunicações e os meios de produção encurtando distâncias,
bem como o surgimento de ente supranacional na Europa. Por tudo isso, o conceito
da cidadania tem menos raízes culturais e mais contornos políticos.
Em relação à tributação, a cidadania pode ser posta como o exercício de
contribuição para a realização do Estado Fiscal. Não há Estado sem tributação e,
guardadas as devidas proporções com o tratamento isonômico daqueles que têm
semelhante capacidade contributiva, todos devem contribuir para as despesas do
Estado.
Realizar o Estado fiscal é o objetivo da solidariedade social em matéria
tributária. A solidariedade enquadra-se no âmago da tributação, pois enquadra o
dever de pagar impostos como algo benéfico e positivo a toda sociedade, com o
intuito de permitir a execução das políticas e serviços públicos como forma de
proteção àqueles que convivem apenas com o mínimo existencial. Assim, a
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solidariedade social fiscal realiza-se com a entrega periódica de quantias monetárias
por parte dos cidadãos para construir uma estrutura de Bem Comum.
A solidariedade apresenta duas formas: a genérica e a de grupo. A
solidariedade genérica está contida no dever geral de contribuir para o
financiamento do Estado e de poder exigir dos demais a mesma contribuição,
excetuadas as hipóteses legais de exclusão. A solidariedade de grupo, por sua vez,
encontra fundamento em determinado grupo ou categoria de pessoas, como a
família ou os aposentados, por exemplo. Neste caso, os semelhantes contribuem
solidariamente com o grupo, a fim de usufruir das benesses no futuro.
Assim, a solidariedade social, como fundamento da tributação, deve orientar as
políticas tributárias. Essas políticas tratam da fiscalidade, da força arrecadatória, da
possibilidade de acrescer recursos financeiros aos cofres públicos, mas de outra
maneira também podem se realizar através da extrafiscalidade dos tributos.
A extrafiscalidade tem outros fins que não os arrecadatórios e pode servir de
mecanismo de políticas com fins econômicos, sociais ou culturais, mediante
isenções, imunidades e incentivos, estimulando ou reprimindo comportamentos com
objetivos voltados à justiça social.
O abuso dessas possibilidades extrafiscais, no entanto, serviu para inaugurar a
competição entre os entes federados, especialmente entre municípios. Através de
ofertas de benefícios extrafiscais, dentre outros, atraem empresas para trabalhar nos
seus territórios. Esse comportamento causa disputas entre os municípios que
passam a duelar numa emaranhada competição sem vencedores. O que ocorre é
que o município em tese ganhador, manterá no seu espaço aquelas empresas
enquanto perdurarem os benefícios fiscais. Finitas as benesses, as empresas
buscarão outros entes que ofereçam mais e melhores incentivos, imunidades ou
isenções e assim sucessivamente, gerando apenas mais competição e a circulação
do desemprego. Além disso, neste período que o ente federado deixou de arrecadar
as receitas fiscais, a iniciativa privada usufruiu dos recursos que seriam públicos. O
balanço dessas competições não revelam progresso e desenvolvimento econômico,
apenas renúncias fiscais e desemprego.
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Como alternativa ao acirramento dessas disputas, apresentam-se os
consórcios públicos que foram criados pela Lei 11.107/05 e regulamentados pelo
Decreto 6.017/07, que, por sua vez, vieram a completar o artigo 241 da Constituição
Federal de 1988.
Consórcios públicos são criados através da formação de pessoas jurídicas de
direito público ou privado, mediante um contrato que é organizado sob os objetivos
colhidos no protocolo de intenções. Os consórcios são criados para a gestão
associada de serviços públicos e podem ser contratados em todos os níveis
federados.
Essa gestão associada é também um instrumento de cooperação do
federalismo, pois permite a ligação via consórcio, de todos os entes federados,
respeitadas as condições territoriais de participação.
A novidade introduzida pela Lei 11.107/05 exigiu esforço argumentativo em
relação à formação da pessoa jurídica de direito público e de direito privado. Pacífico
é o entendimento quanto à equiparação dos consórcios formados por pessoas
jurídicas de direito público como integrantes da Administração Pública Indireta. Já as
associações criadas através das pessoas jurídicas de direito privado não recebem o
mesmo tratamento da doutrina. O que parece acertado é o enquadramento de
ambos como pertencentes à Administração Pública Indireta.
São considerados consorciados aqueles entes que subscreverem o protocolo
de intenções e o ratificarem mediante lei, constituindo o contrato de consórcio
público. Podem se consorciar Municípios entre si, entre eles e os Estados-membros,
mas a União só participará quando: a) consórcios que sejam integrados por um
Estado e Municípios que estejam dentro do seu território; b) consórcios integrados
por dois ou mais Estados e c) entre Distrito Federal e Estado. Assim, excetua-se a
participação da União em consórcios públicos intermunicipais.
Os consórcios poderão ter um único ou múltiplos objetivos que deverão estar
descritos no protocolo de intenções subscrito pelos membros. Além desse, existem
outras formas contratuais como o de rateio, que determina os recursos que o
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consórcio disporá e o contrato de programa, que identificará as obrigações de cada
participante.
A constituição de consórcio público será submetida, quanto aos orçamentos
dos entes participantes, à Lei de Responsabilidade Fiscal. Os administradores
públicos representantes dos consórcios poderão ser responsabilizados por atos que
realizarem em desacordo com a lei 101/2000 e a Lei geral dos consórcios.
O controle social é possível através da fiscalização dos objetivos elencados no
protocolo de intenções, onde a participação social é importante para a formação da
“agenda” que se transformará nos objetivos protocolares.
Mesmo havendo a formação obrigatória no caso das regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas ou microrregiões, ainda assim, os consórcios públicos tem
espaço para atuação, pois são voluntários, exigindo interesse comum, o que pode
não acontecer nas formações compulsórias das regiões metropolitanas.
Por fim, sugere-se a contratação de consórcios públicos, com base na
solidariedade social e na elaboração de políticas tributárias que busquem a
cooperação federativa e evitem a concorrência mediante a guerra fiscal.
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